segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Erik - Capítulos VIII e IX

Capítulo VIII



Finalmente estava no porto de Dover ao lado do caixão, onde um morto desconhecido me fazia companhia. Este, pelo menos seria enterrado em um ataúde decente. A maioria destes indigentes era sepultada em vala comum, nos arredores da cidade.
Tivera algumas dificuldades para conseguir um cadáver recente, mas graças a um amigo que trabalhava no morgue da cidade, pude ir em frente com nossos planos. Também tive de recorrer a um falsário para conseguir os documento de liberação do defunto nos portos. Até aí, já cometera dois crimes. Certamente não pararia por aí. Já estava pensando em regularizar a situação de Erik, talvez com uma nova identidade. Pensaríamos nisso mais tarde.
Claro que se não fosse o dinheiro, nada disso seria possível. Mas não tinha outra maneira. Não podia arriscar a perder tudo que conseguira até agora. Para continuar minha sociedade com Erik teria de ser assim. Além do mais, gostava dele. Era um bom amigo. Sofrido, com um passado nebuloso, mas uma pessoa de boa índole. Não conseguia imaginá-lo com um criminoso procurado. Às vezes tinha curiosidade em saber o que ele tinha feito para ser perseguido depois de tanto tempo.Mas não ousaria perguntar-lhe. Nem procuraria informar-me por outros. Não importava. O passado era passado. Seria enterrado para sempre nos próximos dias. Até então, eu não tinha noção da importância do presente no futuro. Mas agora, com o aumento da entrada de dinheiro, as possibilidades eram infinitas. Pela primeira vez eu me via fazendo planos. Planos de ampliação da joalheria de meu pai, talvez filiais em outras cidades. Planos para ter minha irmã junto a mim, novamente como uma família. E isto tudo só tinha sido possível graças a Erik. Disto eu tinha plena noção. Como ele já havia declarado um dia, o dinheiro tudo comprava. Compraria nosso futuro, nossa felicidade. Ele me ensinara a ser ambicioso.
Esperava que as cartas tivessem sido devidamente entregues às destinatárias. Será que a tal viscondessa estaria a minha espera em Calais? Estava ficando ansioso. Não tinha como voltar atrás.
Erik estava seguro em Londres. Já enviara uma mensagem dando conta disto. Ficaria aguardando os acontecimentos de Paris.

Enfim chegamos. O barco lançou sua âncora. Tentava procurar a figura feminina que meu amigo me descrevera, de uma jovem frágil, de cabelos escuros encaracolados, vestida como uma dama da alta sociedade. Não consegui achar ninguém com esta descrição. Começava a ficar preocupado, quando, ao desembarcar e colocar-me junto ao caixão na alfândega, fui abordado por um cavalheiro alto, de cabelos louros lisos, elegantemente vestido, que se apresentou:
- Eu sou o Visconde de Chagny. Presumo que o senhor seja Paul Marback?
- Ah, sim! Muito prazer, visconde. Vejo que o senhor fala bem o meu idioma. Que bom, pois o meu francês deixa muito a desejar.
Tentei cumprimentá-lo com minha mão direita, mas ele não correspondeu. Esnobe!
- Estou com minha carruagem a espera. O esquife seguirá em uma carroça que aluguei especialmente para isso. Assim que o liberarem, seguiremos viagem. Quero que isto acabe o mais rápido possível.
- O visconde não vai querer ver as provas do que estou trazendo?
- Ah, claro! Assim que iniciarmos a ida à Paris, poderemos conversar melhor a respeito. Vou aguardá-lo na saída do porto.
Ele parecia tão apreensivo quanto eu, apesar da empáfia.
Pela segunda vez conseguira passar com os documentos falsos. O sujeito falsificava bem mesmo. Talvez viesse a utilizar seus serviços novamente.
Depois de acomodar o morto dentro da carroça de carga, entrei na nobre diligência onde eu seguiria com o aristocrata francês. Pegamos a estrada.
- Então, como o senhor pode comprovar que este cadáver pertence àquele marginal?
- Gostaria que o senhor se referisse a ele como Sr. Erik. Ele era meu amigo.
- Acredito que o senhor não saiba dos atos abomináveis de seu “amigo”.
- Nem pretendo saber. O importante agora é levá-lo em segurança a Paris e permitir-lhe seu último desejo.
- Se é assim.
- Aqui estão as provas de que falei em minha carta.
Dizendo isto, abri minha pequena maleta de mão e de lá retirei um embrulho. Cuidadosamente o abri e deixei que o francês visse seu conteúdo.
Pude observar que ele emocionou-se ao ver a máscara de Erik e o pequeno anel de noivado, que insistia em reluzir à luz do sol que entrava pela janela do coche. Parecia petrificado com aquela visão.
- Então? Acha que estas são provas suficientes para acreditar que o cadáver que estou conduzindo naquele ataúde é do senhor Erik?
- Como... Como você conseguiu estes “objetos”?
- Eles me foram dados pelo próprio, antes de falecer. Guardava-os como relíquias de seu passado. Acabaram tornando-se úteis, pelo que estou vendo.
- É, não há dúvida de quem é o seu “amigo”.
Seu olhar endurecera-se. A emoção parecia ter abandonado sua face.
Na primeira parada que fizemos, o visconde enviou um mensageiro que nos acompanhava a cavalo, levando uma carta. Fiquei curioso para saber quem receberia a missiva. Seria sua esposa, a tal Christine? Logo saberia.
Levamos dois dias para chegar a Paris, sem paradas para dormir. Fazíamos refeições rápidas nas tavernas da estrada e prosseguíamos a viagem. Poucas palavras foram trocadas. Ele realmente estava convencido. Mais uma etapa fora ultrapassada, para meu grande alívio. Agora, só faltava o “gran finale”. O sepultamento.



Capítulo IX


- Madame, uma senhora e sua filha insistem em lhe falar. Já disse que a viscondessa estava repousando, mas elas dizem que é muito importante.
- Duas mulheres? Elas disseram os nomes?
- Uma delas, a mais velha diz chamar-se Madame Giry.
- Mme. Giry? Mande-as entrar, imediatamente. Leve-as até a minha sala íntima. Já vou descer.
- Precisa de ajuda, madame?
- Marie, eu estou grávida, não enferma. Faça o que mandei, por favor.
O que as teria trazido até aqui, depois de tanto tempo? Saberiam da morte de Erik? Talvez tivessem sido avisadas também. Que vergonha. Nunca mais procurara a minha querida amiga, Meg. Vesti meu “robe de chambre” e rapidamente desci ao encontro delas.
- Meg! Madame Giry! Que surpresa. Há quanto tempo.
Abracei-as com força.
- Deixe-me ver você, Meg. Você está linda! Mme. Giry, que saudades! Estou em falta com vocês.
- Nós também, querida. Mas nós sabemos os motivos desta separação. Não se preocupe com isso agora. Acredito que você saiba o pretexto desta nossa visita.
- Acho que sim. Por favor, sentem-se.
- Você também está muito bonita, Christine. – falou Meg. – Andou engordando um pouquinho com o casamento.
- Eu estou grávida de quase quatro meses, Meg.
- Mas que maravilha! Parabéns, Christine!
- Parabéns, minha filha.
- Obrigada. Realmente estamos muito felizes com a futura chegada de Gustav.
- Oh, vai colocar o nome de seu pai se for menino. Ele ficaria muito contente com esta homenagem. E se for menina? – perguntou Mme. Giry.
- Sabe que não pensei ainda. Aliás, para Raoul não existe outra possibilidade, isto é, não pensamos nesta possibilidade.
Senti o olhar compreensivo de minha antiga mestra de dança.
- Bem, voltando ao nosso assunto. Vocês foram avisadas da morte “dele”?
- Sim, minha querida. Depois de um ano sem nenhuma informação, chega esta triste notícia. Ainda não consigo acreditar.
Achei que Giry ia chorar, mas conseguiu controlar-se.
- Raoul foi até Calais para buscar o corpo. Deve estar de volta amanhã.
- Como você ficou sabendo? Por carta, como nós?
- Sim. Um tal de Paul Marback, que o conheceu na Inglaterra. Vocês sabiam que ele estava morando lá?
- Não temos notícias dele há mais ou menos um ano. Na noite do incêndio, Meg e eu estávamos desesperadas e acabamos indo para a casa que meu irmão deixara de herança, em Monmartre, e que eu mantinha fechada. Durante a madrugada, Erik apareceu. Ele estava muito ferido, precisando de cuidados. Consegui que ele ficasse conosco durante dois dias. Quando a polícia bateu a nossa porta querendo informações sobre um estranho que fora visto nas redondezas, ele resolveu ir embora, para não complicar nossas vidas. Pediu que tirasse todo o seu dinheiro do banco. Partiu, no meio da terceira noite, com uma bolsa de couro com alguns mantimentos, dizendo que mandaria notícias. Imaginei que ele tentaria sair da França. Nunca recebi nenhuma linha sobre o seu paradeiro. Só agora, chegou esta carta... Christine? Você está bem?
Sentia meu coração mais apertado e tentava controlar as lágrimas.
- Apesar de ter medo, eu gostava dele, madame. Ele foi meu mestre, meu “Anjo da Música” por todos aqueles anos depois da morte de meu pai. Agora o seu tormento finalmente acabou.
Depois de ficarmos em silêncio por alguns segundos, recomeçamos a falar sobre assuntos mais amenos, tentando abandonar um pouco a tristeza que nos envolvia. Elas me contaram sobre suas novas atividades e eu sobre a vida de casada e a chegada de meu bebê. Ali ficamos por mais de uma hora, quando Madame Giry falou:
- Christine, gostaria de ficar mais tempo para conversarmos, mas tenho de trabalhar. Meg também tem as suas alunas.
- Ah! Fiquei tão feliz por vê-las novamente.
- Vou deixar nosso endereço. Por favor, avise-nos quando tudo estiver pronto para o funeral. Quero estar presente. É muito importante, está bem?
- Pode deixar. Vocês serão avisadas de imediato.
Despedimos-nos, afetuosamente. Certamente nos veríamos muito em breve.

Estava bordando algumas peças do enxoval do bebê quando ouvi a sineta da rua tocando. Logo, fui informada que o Marquês de Cluny estava em nossa casa.
- Boa tarde, marquês. Por favor, sente-se.
- Minha cara Christine, você deve saber, é claro, do pedido que seu marido me fez antes de partir para Calais.
- Sim.
- Bem, vim aqui especialmente para tranqüilizá-la a respeito daquele assunto. Quero que saiba que já está tudo preparado. Assim que ele chegar, poderemos realizar o enterro daquele “senhor” nas fundações da antiga Ópera, conforme seu desejo. O arquiteto Garnier reservou um local adequado para tal. Não cansarei a minha amiga com detalhes sem importância. Considere tudo resolvido.
- Senhor marquês, nem sei como lhe agradecer. Não imagina como fico aliviada em saber disso.
- Minha querida, não precisa agradecer nada. Antes que me esqueça, o seu marido mandou-me uma mensagem confirmando sua partida de Calais, ontem pela manhã. Recebi sua missiva hoje, logo após o almoço. Portanto, pelas minhas contas, se tudo correr como ele planejou, eles estarão chegando amanhã. A “cerimônia” poderá ser realizada logo a seguir. Peça que ele me avise, assim que possível, por um mensageiro. Estarei em minha casa durante o dia.
Depois que o marquês foi embora, experimentei uma gratificante sensação de paz. Voltei aos meus bordados, tentando não pensar mais em Erik. Agora, era esperar a volta de Raoul, para finalizarmos esta história.

Acordei cedo, naquela manhã, ansiosa pela chegada de meu esposo. Mal conseguira dormir.
Em torno das 11 horas, ouvi o som do trotar de cavalos e das rodas de uma carruagem, em frente a nossa casa. Desci correndo, para ver se era quem eu esperava.
- Raoul! Você chegou! Como foi?
Não conseguia disfarçar minha aflição por notícias. Então, percebi que ele não estava só. Um jovem cavalheiro, de cabelos castanhos e grandes olhos azuis, o acompanhava.
- Querida!
Raoul deu-me um beijo no rosto. Parecia muito cansado. A viagem tinha sido longa e o motivo desagradável.
- Quero apresentar-lhe o Sr. Paul Marback. Convidei-o para nossa casa a fim de refrescar-se um pouco. Aliás, nós dois estamos precisando de refrescos e de uma refeição decente depois de uma viagem extenuante como foi a nossa.
- Muito prazer, Senhor Marback.
- O prazer é todo meu, senhora – falou, fazendo uma discreta reverência.
- Por favor, Margot. Providencie os refrescos e o almoço
- Pois não, madame – respondeu nossa governanta.
- Enquanto aguardamos, vou mandar um mensageiro ao Marquês.
- Ele esteve aqui ontem à tarde, para avisar de que estava tudo pronto para o enterro. Era só avisá-lo de sua chegada. Raoul, preciso falar-lhe em particular. O senhor nos dá licença? Só um momento.
- Esteja à vontade, senhora...
Deixamos o Senhor Marback aguardando no salão de estar, enquanto conversávamos no gabinete de Raoul.
- O que é, Christine?
- É sobre Madame Giry. Ela esteve aqui ontem pela manhã e disse que havia sido avisada por carta da morte de Erik. Ela também quer participar do funeral.
- Isto já está virando um acontecimento social.
- Por favor, Raoul. Ela foi muito importante na vida dele. Tenho certeza de que ele desejava isto também, caso contrário não teria pedido ao Sr. Marback que a avisasse.
- Está bem, Christine. Perdoe-me. Estou muito cansado. Não paramos para descansar, para podermos chegar aqui o mais rápido possível e acabar com este martírio.
- Raoul... Onde está o caixão?
-Mandei deixar a carroça com o corpo em nosso pátio interno, até que soubéssemos como agir. Agora, deixe-me escrever a mensagem para Claude e encaminhá-la. Vá até a sala fazer companhia ao Sr. Marback. Está bem?
Ele estava visivelmente aborrecido com toda aquela situação. Mas não podíamos agir diferente. Tinha de ser assim. Parecia mentira, mas Erik ainda tinha poder sobre nós.
Voltei ao salão principal. Ele estava lá olhando para os quadros da parede e bebericando sua limonada, quando entrei.
- Sr. Marback. Desculpe deixá-lo tanto tempo a sós.
- Imagine! Não se preocupe com isso.
Sentei-me na poltrona próxima à lareira, de frente para onde ele se encontrava e, não resistindo à curiosidade, perguntei:
- Como o senhor conheceu seu amigo?
- Erik? Eu o recolhi quase morto do meio das ruas e tratei dos seus ferimentos. Infelizmente, ele nunca conseguiu recuperar-se definitivamente. Morou comigo durante todo este tempo, até seus momentos finais. Foi um bom amigo.
- Ele lhe contou alguma coisa de seu passado?
- Não. E nunca quis saber. Sempre achei que isto não era importante em nossa amizade. Continuo achando a mesma coisa e não gostaria de saber nada a este respeito.
- Claro. O senhor tem razão. Não há porque saber. Posso lhe fazer mais uma pergunta?
- Lógico.
- Meu marido não teve tempo de falar-me sobre isto. Quais foram as provas que o senhor citou na carta? O senhor as tem consigo?
- Sim, é claro. Aqui estão.
Dizendo isto, abriu sua maleta de couro. Quase desmaiei ao ver a máscara branca, com a qual Erik cobria o defeito de seu rosto e que lhe conferiu o apelido de “Fantasma”, e o anel de noivado que eu lhe devolvera minutos antes de abandoná-lo e sair com Raoul. Mais uma vez, todo o nosso drama correu meus pensamentos, como se tudo estivesse acontecendo novamente.
- A senhora está sentindo-se bem? Quer um pouco de limonada com açúcar? Quer que chame seu marido?
- Eu estou aqui! O que houve? O que disse a ela? – falou Raoul, quase gritando. Até que ele entendeu o que havia acontecido, ao ver o reflexo do pequeno anel de brilhantes e a máscara em minhas mãos.
- O senhor não devia ter mostrado estes objetos a ela – falou ríspidamente.
- Mas ela me pediu. Não sabia que passaria mal ao vê-los – falou, já guardando os objetos que haviam sido motivo da ira de meu marido.
- Raoul... Eu pedi a ele que mostrasse as provas.
- Christine, acho melhor você ir descansar um pouco. Assim que estiver tudo pronto, a aviso.
- Não! Eu estou bem. Foi só um mal estar passageiro, comum em mulheres grávidas. – Tentei sorrir, insinuando um gracejo, para amenizar o clima de irritação que Raoul havia criado.
- Ah! A senhora está... Oh! Meus parabéns!
- Está bem. Vamos parar com esta conversa. Este almoço não sai? Que demora! - Raoul não conseguia disfarçar seu aborrecimento.
- Vou ver o que está acontecendo – falei.
Mal havia feito menção de levantar-me da poltrona, quando Margot entrou, anunciando que o almoço estava servido.
O silêncio tomou conta de nós e a refeição foi feita na mais absoluta paz, pelo menos aparentemente.

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