segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Erik - Capítulo XVI

- Meu amigo, você tem certeza que foi ele que manteve esta conversa abominável? Não está enganado? – perguntou-me Paul, ainda abalado com o que ouvira.
- Eu não teria procurado você para falar de um assunto tão delicado se não tivesse certeza. Sabe como prezo a sua amizade e a de Catherine. Não admitiria nada que pudesse magoá-los ou lesá-los de alguma forma. Vocês têm sido como irmãos para mim.
- Inclusive Catherine, Erik?
- Como assim? O que você está insinuando? Que estou tentando desfazer a imagem daquele marginal por ciúmes?
- Erik, sei que você não mentiria por despeito. Acredito que este homem possa ter más intenções para conosco. O que quero que entenda é que não sou tão inexperiente nas artimanhas do amor que não possa reconhecer quando alguém está apaixonado, ou pelo menos, interessado em outra pessoa. Há muito tenho notado suas trocas de olhares com Cathy – e ele dizia isso, surpreendentemente, sorrindo.
- Mas, Paul... De maneira alguma. Como você pode pensar... Eu não... – aquela declaração de Paul me deixara completamente aparvalhado.
- Erik, por favor, não se intimide. Eu acho isto muito natural e até aprecio esta aproximação entre vocês. Catherine não poderia escolher pessoa melhor que você. Infelizmente, surgiu este novo pretendente, jovem, com título de nobreza. Até entenderia seu interesse e deslumbramento se ela não fosse minha irmã. A maioria das mulheres ficaria fascinada com este tipo de cortejador, mas não a nossa Cathy. Se ela realmente estiver se apaixonando por este canalha, será muito difícil convencê-la de que ele não presta.
- O que você quer dizer com tudo isto? – perguntei, ainda abismado com a naturalidade com que ele falara de um possível relacionamento entre Catherine e eu.
- Acho que devemos ficar apenas mais vigilantes quanto a este jovem. Vou procurar informar-me melhor a respeito dele. Na verdade, ele ainda nem a pediu em namoro. Não há nada de concreto entre eles. Acho prematura uma ação inibitória agora. Conhecendo Catherine como conheço isto poderia levá-la a manter um relacionamento com ele só por teimosia ou para provocar ciúmes em você. No fundo, confio na argúcia de minha irmã. Vamos esperar os acontecimentos e agir na hora certa, se isto for inevitável. Espero que você me ajude, neste sentido, a cuidar da segurança dela. Ou... Temos uma segunda opção.
- Qual? – ficava cada vez mais surpreso com a perspicácia e objetividade de Paul. Este tipo de visão certamente me teria poupado de grandes problemas no passado.
- Declare seu amor a ela.
- O quê?
- Você a ama, não?
- Paul!
- Já esqueceu de Christine?
- Christine é passado há muito enterrado – pela primeira vez sentia esta afirmação como uma verdade absoluta.
- Então? Você não respondeu a minha primeira pergunta.
- Amo. Amo como nunca pensei que pudesse voltar a amar novamente. Não mais uma paixão doentia como foi antes, mas um amor redentor, tranquilo. Mas eu não posso esperar que ela me retribua da mesma forma.
- Porque não?
- Olhe para mim, Paul! Catherine é uma jovem saudável, cheia de vida, linda, que pode ter qualquer um aos seus pés. Eu sou um homem deformado. Segundo algumas pessoas que me conheceram, não só física, mas também mentalmente. Fora isso, vocês não tem idéia das coisas ruins que já fiz nesta vida. Qual o futuro de sua irmã com alguém como eu?
- Erik, desde que o conheço tenho visto apenas demonstrações de grande caráter, honradez, criatividade e inteligência. Um homem absolutamente normal e melhor que a maioria que conheço. Acha que eu o teria convidado a morar comigo, ou melhor, a conviver sob o mesmo teto com minha irmã, que é o bem mais precioso que tenho, se não confiasse plenamente em você? O que me entristece é pensar que tenha desistido de querer viver um novo amor. Não sei por quais dificuldades passou até chegar neste ponto, mas não podem ser suficientes para você deixar enterrar seus sentimentos.
Envergonhado, comecei a pensar que ele talvez tivesse razão.
- Erik, pense bem a respeito de tudo que lhe falei. Pense! O que você resolver saberei aceitar e apoiá-lo.
Quando estava pronto para sair, bateu amigavelmente em meu ombro e perguntou:
- Você vêm comigo?
- Não. Vou ficar um pouco mais.
- Não se atrase para o jantar, senão a senhora Emma pode ter um colapso nervoso.
Não tive como não sorrir ao ouvir este comentário e lembrar da imagem melancólica de nossa governanta que nunca deixava escapar uma opinião que fosse.
- Claro... Paul?
- Sim?
- Obrigado.
Saiu, com um largo sorriso estampado no rosto.

Paul estava certo. Após sua saída fiquei repensando toda minha vida até aquele momento, todo o sofrimento de ser rejeitado por minha mãe, os maus tratos recebidos de meu tio, até ser vendido para o circo de aberrações dos ciganos, onde cometi meu primeiro crime, aos 13 anos de idade. Eu já não suportava ser tratado como um animal. Matei meu algoz em defesa própria, pois se continuasse a ser espancado daquela forma não teria muito tempo de vida. Aí, surgiu minha redentora, Annie, que me levou as escondidas para os labirintos da grande Ópera de Paris. Ela não tinha medo de minha face horrenda. Ensinou-me a ler e escrever. Forneceu-me os livros que me tirariam da ignorância e me dariam o conhecimento sobre artes, arquitetura, magia, música. Ao ouvir os grandes mestres tocarem suas obras na orquestra do teatro, meu gosto pela música cresceu, fazendo com que aprendesse mais e pudesse compor minhas próprias composições. Para ganhar o dinheiro necessário para bancar meus padrões, cada vez mais elevados, de bem vestir e de alimentação, comecei a provocar pequenos acidentes e a criar a imagem do Fantasma. Após um tempo, passei a pedir um “salário” para que os incidentes não ocorressem, em que fui satisfatoriamente atendido, depois de uma aparição junto ao administrador, sem minha máscara. Comecei a tirar proveito de minha deformidade para conseguir o que queria pelo medo. Achava que só assim teria acesso ao que desejava. Até que surgiu Christine. Uma criança órfã, levada por Annie Giry para aprender dança e integrar futuramente o corpo de baile da ópera. Ela tinha uma voz angelical. No início, sentia prazer em ensiná-la a cantar. Desejava transformá-la numa diva e, através de sua voz, tornar conhecida minha música. Pensava que esta seria a melhor maneira de apresentar-me ao mundo, deixando de ser visto como um monstro, para ser conhecido como compositor sensível. Christine foi crescendo e tornou-se uma linda mulher. Passei a desejá-la, não mais apenas como aluna, mas como mulher e companheira. Tinha certeza de que ela me amaria, afinal, eu era o seu “anjo da música”, enviado por seu pai para protegê-la. Anjo... Um anjo deformado que não contava com a intromissão de Raoul, seu amigo de infância, e o surgimento de um romance entre os dois. Quando finalmente resolvi apresentar-me a ela, já era tarde. Notei o pavor em seus olhos quando tirou minha máscara pela primeira vez. Ali, fiquei com a certeza de que nunca poderia ser amado como homem.
Mais uma vez usei minha técnica de apavorar e ameaçar para conseguir meu intuito. Voltei a matar novamente, por ódio e revolta contra todos que eu imaginava serem um empecilho a minha felicidade.
Percebi, tarde demais, que esta não era a melhor maneira de conseguir um amor. Por isso, fugi.
E agora me encontrava aqui, novamente apaixonado, com medo de uma nova rejeição. Medo de ser ridículo ao revelar meu amor a Catherine, como seu irmão havia aconselhado. Se ela realmente tivesse algum sentimento por mim, resistiria ao deparar-se com minha face de gárgula?
Talvez fosse chegada a hora de vencer o medo e revelar o que sentia. Talvez com ela fosse diferente. Talvez eu pudesse quebrar mais esta barreira e finalmente ser feliz. Tantos talvez...
Tão perdido estava em meus pensamentos que não vi a tarde passar. Já era quase hora do jantar. Resolvi seguir o conselho de meu amigo e aguardar os acontecimentos.
Não me atrasaria para o jantar.

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