segunda-feira, 29 de abril de 2013

A Cruz de Hainaut - Capítulo XVII



Era noite quando chegaram a Brugges. Filipa adormecera nos braços de Galen, exausta, ao final de um dia repleto de emoções, embalada pelo ronronar do motor do caminhão que lhes dera carona. A porta foi aberta e a voz áspera de fumante do motorista alertou-os que já haviam chegado ao destino.
- Filipa...
- Hã?... – resmungou sonolenta.
- Chegamos...
Estavam em outro posto de gasolina, à beira de uma estrada, próximos a entrada da cidade. Podiam ver alguns prédios antigos do outro lado e a torre de uma provável igreja medieval. Apesar dos maus momentos pelos quais estava passando, a alma de historiadora de Filipa não pode deixar de emocionar-se ao perceber que estava numa das cidades mais importantes do ponto de vista comercial e histórico da Idade Média.




Depois do agradecimento formal de Galen e o sorriso cúmplice do caminhoneiro com o conselho para que se cuidassem,  atravessaram a rodovia e avançaram através de ruas estreitas e pouco iluminadas. Galen parecia determinado a encontrar um local específico. Sua suspeita se confirmou quando chegaram à porta de um prédio de dois pavimentos, bastante antigo, como todos os outros a sua volta, construído em pedra e madeira. Sobre a entrada, iluminada por uma luz fraca, pendia uma placa onde podia se ler o nome Auberge Ignace.
A recepção estava deserta. Galen tocou a campainha que se encontrava sobre o balcão de granito preto. Um homem de aspecto jovem, vestindo jeans e camiseta branca surgiu apressado.
- Bonsoir, monsieur-dame! Bienvenue! – saudou-os alegremente.
Tão logo terminou a saudação, o sorriso desapareceu de seus lábios e a surpresa ficou estampada em seu rosto.
- Galen?? É você mesmo?... O que faz por aqui? – olhou de soslaio para a porta da entrada ao fazer a pergunta. – Está a serviço? – As palavras saíram em tom baixo.
- Não, Ignace. Estou a passeio, não se preocupe. Estava à procura de um lugar para dormir e, como estávamos aqui por perto, decidi fazer-lhe uma visita.
- Me desculpe perguntar, mas como sabe estou tentando ficar longe de problemas e... Ela também é do ramo? – continuou em voz baixa.
Filipa começou a ficar nervosa. Mais um ladrão disfarçado? Parecia que eles brotavam em árvores por ali.
- Não. Eu a conheci em Amsterdã. Ela quer conhecer a Bélgica e a França e eu me indiquei para o cargo de cicerone. – mentiu sorrindo.
- Vocês vão continuar conversando como se eu fosse um objeto ou posso participar da conversa? – queixou-se Filipa em inglês.
- Desculpe, Audrey – disse Galen inventando seu nome e apertando-lhe o braço de leve. – Este é um antigo e bom amigo, Ignace. Nós trabalhamos juntos em tempos difíceis.
- Muito prazer, Audrey... Você não é daqui, é? Tem um sotaque estranho.
- Ela é portuguesa... Ignace, será que você teria um quarto para nós?
- UM quarto? – interpelou-o Filipa surpresa. Apesar dos beijos trocados até ali, ainda não estava bem certa se desejava aprofundar sua relação com Galen Não que isso a desagradasse, mas ainda havia muitos pontos a esclarecer. Estar em um mesmo quarto que ele seria uma temeridade, se levasse em conta tudo que ele despertava nela com apenas um beijo.
- Um quarto com duas camas de solteiro, por favor. Teria? – continuou, ignorando o nervosismo de Filipa.
- Claro que temos! – vangloriou-se Ignace com um sorriso malicioso nos lábios e um olhar muito significativo para Galen. Ele sempre invejara o amigo por sua facilidade em conquistar garotas bonitas como aquela Audrey.
Pegou um pequeno chaveiro que estava pendurado no painel a sua frente, sob o balcão.
- Aqui está! É um dos nossos melhores quartos. E prá vocês darei um desconto.
- Galen! Eu quero outro quarto só para mim.
- Muito obrigado, Ignace. – ignorou-a mais uma vez. – Podemos ir agora? A viagem foi muito cansativa e precisamos descansar.
Filipa encarou-o indignada. Ele a estava tratando como se não existisse e na frente de um estranho!
- Ah, Ignace! Você teria algo para comermos? Estamos famintos.
- Infelizmente, não...
- O Blue ainda existe?
- No mesmo lugar de sempre.
- Ótimo. Talvez dê uma chegada lá.
- Boa pedida! Amanhã poderemos conversar um pouco mais e relembrar os velhos tempos. Que tal?
- Talvez. Agora só precisamos comer algo e uma boa noite de sono.
- Subam aquela escada à direita e sigam pelo corredor à esquerda. É o apartamento 5. Levem a chave, caso queiram sair. A menor é do quarto e a maior é da porta da frente da pousada.
- Obrigado. – agradeceu quando pegava as chaves. – E boa noite.
- Ei! E sua bagagem?
- Deixamos na estação de trem. – mentiu novamente.
- Ah! Não estão de carro?
- Não. Boa noite, Ignace.
- Boa noite... – despediu-se, entendendo que Galen não estava mais a fim de papear. Conhecia muito bem seu antigo comparsa e  por isso não estranhou a súbita secura na voz.
Antes que Filipa pudesse reclamar de sua atitude, pegou-a com firmeza pelo braço e levou-a na direção indicada por Ignace.
- Não se preocupe. Sou apenas um ladrão, não um estrupador. – Parecia divertir-se ao dizer aquelas palavas.
- Não pensei que o fosse.
Entraram no quarto e ele a encurralou entre a porta fechada e seu corpo, sem, no entanto, tocá-la.
- Então porque o medo de ficar sozinha comigo aqui? Não confia em mim? Além disso, cansado como estou, nem que quisesse poderia fazer qualquer coisa com você essa noite. Não que falte vontade para isso...
Filipa sentiu o rosto queimar sob o olhar de Galen na penumbra. Desviou os olhos, mas ele não saiu de sua posição intimidadora.
- Desculpe... Estou cansada... – murmurou e sentiu que o pior, ou o melhor, dependendo do ponto de vista, estava para acontecer se não tomasse uma atitude imediata, apesar da alegação de cansaço dele. – ... E  morrendo de fome. – falou com voz mais firme, empurrando-o com as mãos e saindo da “armadilha”.
Galen riu ao ouvir a declaração de Filipa e assistir sua “fuga”.
- Já é tarde, mas conheço um lugar aqui perto onde se pode jantar com tranquilidade.
- O tal Blue?
- Sim... Quer usar o banheiro antes de voltarmos a sair?
- Com certeza. – disse mais relaxada. 
- Você acha que eles já desistiram de nos procurar? – voltou a perguntar subitamente.
- Infelizmente, duvido muito disso, seja eles quem for..., polícia ou ladrões. – respondeu preocupado.
Filipa instintivamente aproximou-se dele e fez um carinho em seu rosto com a mão, sentindo a barba por fazer raspar-lhe de leve a pele da palma.
- Vai dar tudo certo...
- Ah, Filipa, assim vou me apaixonar... – murmurou segurando a mão dela junto ao rosto e fechando os olhos.
- Ok! Tem razão. Vou ao banheiro e já poderemos sair para jantar. – Ruborizada, retirou a mão facilmente e voou na direção da porta que deveria ser a do quarto de banho, deixando Galen com um meio sorriso no rosto.

 
O pub, chamado Blue, estava localizado há cerca de uma quadra da pousada, em uma esquina melhor iluminada que os arredores. Estava lotado, com música animada e alta.  Tinha uma pista de dança, onde as pessoas se reuniam mais para conversar, rir e beber suas canecas de  cerveja, do que para dançar. Foram recebidos por uma simpática garçonete que os levou até um recanto no fundo do bar, subindo um lance de escada. Sentaram-se à pequena mesa posta e enfeitada com um vasinho de flores do campo e uma garrafa coberta por cera de vela escorrida, que servia de candelabro e onde ardia uma chama trêmula. Pediram a sugestão do dia, uma massa com frutos do mar, e refrigerantes.
- Infelizmente, teremos que deixar o vinho para Paris, quando estivermos mais seguros. – desculpou-se Galen de forma encantadora.
- Tem razão. O vinho me deixa meio alta.
- Eu sei... Lembro bem de como ficou no avião.
- Também não é tanto. Eu tinha tomado uma medicação para relaxar. Por isso fiquei meio tonta.  –  explicou lembrando o episódio em que ele a segurara no meio do corredor para que não caísse.
- Não precisa ficar chateada.
- Não estou. Só não gosto que pensem que sou uma bêbada.
- Nunca pensei isso de você.
- Bem, que tal mudar de assunto? Como iremos para Paris amanhã? Vai alugar outro carro ou pegaremos uma carona?
- Pensei em pedir o carro de Ignace emprestado.
Debruçando-se sobre a mesa na direção dele, disse quase sussurrando, escandalizada.
- Você vai roubar o seu amigo?
- Filipa, falei emprestado no verdadeiro sentido da palavra, não como você está pensando.
- Desculpe – pediu, ao ver que ele ficara chateado com sua insinuação de roubo.
 Mesmo cansado, notou que Galen se encontrava em permanente estado de alerta o tempo todo. Ele tentava disfarçar, mas ficava rígido e observava qualquer movimento na porta de entrada, que rangia a cada novo cliente, ou a aproximação de estranhos da mesa onde estavam.
- Como você conheceu o Professor Tirret?
- Ele me pegou roubando o seu museu.
- O Louvre? – exclamou. – Você roubou o Museu do Louvre? – disse em tom mais baixo, quando se deu conta que havia chamado a atenção de algumas pessoas próximas da mesa.
- Por que o espanto? É um museu como outro qualquer.
- Mas a segurança nele deve ser a melhor.
- Talvez por isso eu tenha sido pego.
- Por Tirret.
- Sim. O Louvre acabara de receber um elmo de prata, encontrado na sepultura de um líder anglo-saxão do século V. Como aguardava a classificação, ainda se encontrava no depósito do Louvre. Um de meus contatos tinha uma coleção de elmos antigos e, quando soube dessa aquisição pelo museu, me contratou. O que eu não contava era com a presença do curador do setor da Idade Média trabalhando durante a madrugada nos porões do museu. Eu já estava com o elmo ensacado e pronto para partir, quando Tirret apareceu. Ficamos conversando até a polícia chegar.
- Conversando? Como assim?
- Ele tinha uma arma apontada para minha cabeça. Mais tarde, soube que não estava carregada. – sorriu ao lembrar o logro de Tirret. – Por incrível que pareça, aquela noite mudou minha vida. Tirret e eu nos tornamos grandes amigos.
- Mas ele o mandou para a prisão!
- Foi ele que conseguiu minha colocação na Interpol. Fez toda a negociação e conseguiu minha liberdade e minha, digamos assim, reabilitação.
- Ele deve ser uma pessoa extraordinária.
- Ele é.
Ao final do jantar, retornaram à pousada de Ignace. Galen permaneceu tenso durante todo o trajeto. Ao passarem pela recepção, sem que ele percebesse, Filipa pegou um mapa da cidade dentre os folders de turismo que estavam dispostos numa pequena prateleira junto à porta da entrada.
Ao entrarem no quarto, olharam para as duas camas. Filipa resolveu distrair-se procurando sua escova de dente na bolsa, no que demorou um bom tempo, sob o olhar mordaz de Galen, que escovava os dentes com a escova cortesia da pousada, deixada sobre a bancada do banheiro, juntamente com outros produtos de higiene pessoal.
- Se quiser tirar a roupa, fique à vontade. Prometo que não olho. – sugeriu Galen, quando a viu deitar-se de roupa sobre a colcha da cama.
- Estarei muito bem assim.
- Você é quem sabe. – falou, tirando a camiseta e ficando apenas com a calça jeans.
 Filipa conteve um suspiro ao ver o belo torso de músculos bem delineados, próprio de quem devia malhar com frequência. Desviou o olhar rapidamente e tentou desacelerar a respiração. Ele se deitou e apagou o abajur ao seu lado.
No silêncio do quarto, Filipa podia sentir que ele não conseguia relaxar. Ainda se encontrava em estado de alerta, preocupado com a segurança de ambos, enquanto ela ficava a pensar bobagens. Ele precisava descansar, pois ainda restava um bom pedaço de caminho até Paris.
- Galen...
- Sim?
- Você precisa dormir. Tem que relaxar um pouco. Estamos seguros aqui, não?
- Com esse pessoal a nossa procura, nenhum lugar é seguro.
- Mas você terá que dormir e descansar alguma hora.
- Eu sei.
- Então...
Silêncio.
Sem esperar um convite, Filipa lembrou de algo e foi deitar-se ao seu lado.
- Me dê um espaço nessa cama.
- O quê? – perguntou espantado ao sentir a “invasão”. – O que está fazendo, Filipa?
- Tentando fazer você relaxar. Quando eu estava muito tensa na época dos exames no colégio, minha mãe deitava-se comigo até eu conseguir dormir. Era um santo remédio. Quando sentia o seu calor ao meu lado, "apagava" na hora. Talvez funcione com você. Portanto, pode parar de pensar com sua mente suja e chegue para lá.
- A sua mãe devia amá-la muito... – falou ele com uma pontada de tristeza na voz.
- Acho que sim – confirmou na penumbra com um sorriso nos lábios, lembrando de Ivana. – Estou com muitas saudades dela e de meu pai.
- Eles estão vivos?
- Sim... – respondeu estranhando a pergunta dele,  o que atiçou a sua vontade de saber mais sobre ele.
- E os seus pais, Galen? Estão vivos?
- Não – respondeu secamente.
Na mesma hora, ele a virou de lado e a abraçou, aconchegando-se às suas costas, em concha.
- Podemos ficar assim? Juro que serei inofensivo... – Sua voz estava mais arrastada.
- Tenho certeza que será um cavalheiro. – murmurou, pensando nos motivos da reação dele ao tocar no assunto pais, mas  sentindo um tremendo bem estar com aquela deliciosa proximidade.
Um leve ronronar foi a resposta que obteve. Logo se sentiu igualmente relaxada e o sono veio rapidamente.

(continua...)
 
 
Voltei, finalmente! Espero que tenham gostado do novo capítulo. Foi menos agitado, mas serviu para mostrar  um pouco mais da relação da Filipa com o Galen, que vai sendo construída aos poucos, e uma pontinha do problema dele com o passado. Logo prometo um pouquinho mais de ação.
Beijos especiais para os comentaristas do último post, os meus queridos Luiz Fernando, Ligia e Nadja, que eu adoro.
Como escrevi lá na nossa nova página do FB, ando com dificuldades para escrever, tanto pela falta de tempo como pela inspiração. Assim, não posso prometer quando postarei a continuação, mas vou fazer o possível para não demorar muito. Só posso agradecer aos meus fiéis seguidores pelo carinho e pela paciência nos comentários, na preocupação e pelas palavras de apoio que sempre recebo.
Um beijo e o meu coração para vocês!
Até breve, por que eu volto ( sou muito teimosa, gente...   rsrsr)!

domingo, 7 de abril de 2013

A Cruz de Hainaut - Capitulo XVI (2ª parte)


Calais – Páscoa de 1347
 
Naquela manhã, do primeiro dia do mês de Abril de 1347, domingo de Páscoa, havia motivos para festa em ambos os lados do cerco. No interior da cidade sitiada, iniciavam-se os preparativos para o casamento de Corine, filha de Eustache, com Pierre de Wissant. Sete dias antes, o noivo, acompanhado de seu irmão, Jacques, fizera uma visita à casa do comerciante. O rapaz chegara à conclusão que não havia mais motivos para adiar seu casamento com Corine. O retorno a Itália para terminar seus estudos na universidade de Medicina haviam sido adiados por tempo indeterminado, se é que ainda teria a chance de completá-los. Declarou seu amor e a necessidade de compartilhar com a jovem todos os dias de seu futuro incerto, pois ninguém sabia o que aconteceria a seguir. Ainda resistiam, porém os víveres eram cada vez mais escassos e agora, com a vigilância redobrada no acesso pelo mar, a situação só ficaria pior. Dessa maneira, Eustache cedeu ao pedido de Pierre, para grande alegria de Corine, que ansiava por essa união há muito tempo.
Enquanto isso, na cidadela de madeira dos soberanos da Inglaterra, as aias da princesa Isabela trabalhavam na disposição das roupas e joias que seriam usadas na cerimônia de noivado com o Conde de Flanders. O noivo era aguardado ansiosamente pela menina e por seus pais. Um grande banquete era preparado com iguarias trazidas pelos produtores locais, que tentavam agradar ao seu novo senhor. Músicos e dançarinos da corte inglesa foram trazidos especialmente para a ocasião.
Tudo se encaminhava para que aquele fosse um dia glorioso para os cidadãos de ambos os lados.
Devido ao racionamento imposto por Eduardo, Eustache fora impedido de alimentar seus convidados com a opulência que a ocasião exigiria. No entanto, ele decidiu fazer, após a cerimônia,  uma comemoração pública,  diante da igreja, com muita música e danças. Mandou, consternado, sacrificar três de seus cavalos, dos quatro que ainda restavam e que normalmente eram utilizados no transporte de suas mercadorias. Ordenou ao seu cozinheiro que assasse a carne com os melhores temperos, de forma a torná-la o mais saborosa possível. Abriu seu último barril de vinho, que reservara para uma ocasião especial como aquela, para servir os convidados mais chegados.  Mandou enfeitar a praça principal com bandeiras coloridas e lampiões. Pelo menos por algumas horas, pretendia fazer as pessoas esquecerem suas mazelas e compartilharem da alegria dos jovens noivos. A maior parte da população, apesar da tristeza e da penúria em que se encontrava, aderiu ao chamado do comerciante, e fez questão de participar, não só com sua presença, mas também contribuindo de alguma maneira para que a festa fosse um sucesso. Instrumentos musicais  esquecidos foram limpos e colocados de volta à vida, as melhores roupas foram tiradas dos armários e colocadas ao sol para arejar, uma sombra de sorriso podia ser vista outra vez nos rostos magros e desiludidos daqueles franceses. Ainda persistia a esperança de que o rei Filipe os ajudasse. Talvez aquela demonstração de vida atrás dos muros chegasse até a ele, como um sinal da confiança que lhe devotavam, e o comovesse, ao ponto de lançar uma ajuda efetiva que os libertasse de seu algoz. Era sabido que o rei mantinha uma tropa de soldados em vigília nos arredores, a fim de mantê-lo informado a respeito das ações de seu inimigo. Com essa renovação da esperança em seus corações, festejariam junto com Eustache e sua família.
O dia passou agitado com os preparativos de franceses e ingleses. Porém, ao cair da tarde, os ânimos do lado inglês esmaeceram.
Eduardo andava de um lado ao outro na sala principal. Há cerca de uma hora recebera a notícia de que o jovem Luis não compareceria ao seu próprio noivado. Ao invés disso, seguira para Paris para uma visita ao Palácio do Louvre a convite de Filipe VI, deixando assim clara a sua posição de antagonismo contra os ingleses, além de uma ex-futura-noiva chorosa pela rejeição sofrida. Enquanto Filipa a consolava, Eduardo tornava-se mais determinado a possuir Calais e a não permitir que Filipe vencesse aquela batalha. O dia que seria motivo de júbilo acabou sendo uma data onde a indignação e as ideias de vingança ganharam destaque.


 

O som dos risos, das palmas, dos alaúdes e dos instrumentos de percussão, podia ser ouvido na cidadela de madeira, aumentando ainda mais a ira de Eduardo. Ele se perguntava como aqueles miseráveis podiam saber da desgraça de sua filha e, ainda, por conta disso, festejavam acintosamente. Sentindo-se humilhado, não teve dúvidas ao chamar seu comandante e proferir novas ordens.
 
O prefeito Jean de Vienne observava a alegria dos noivos, Corine e Pierre, que rodopiavam abraçados, no ritmo das palmas rítmicas de seus convidados, dançando, alheios ao momento que a cidade atravessava. Estava intimamente contente por eles e grato à generosidade de Eustache por oferecer às pessoas um motivo para sorrir  uma vez mais e compartilhar, na medida do possível, de sua mesa. Graças a sua posição, não se permitira participar do festejo. Tinha assumido posições muito polêmicas diante da população, desde a expulsão dos mais miseráveis um mês antes, além do rigor que precisava manter no racionamento. Muitos o culpavam por não receberem ajuda do rei, devido a antigas rusgas entre ele e o monarca. Alguns entendiam sua posição, porém a maior parte preferia criticá-lo. Já esperava essa reação. Sempre soube que seu cargo seria solitário e que poderia ser odiado, apesar de suas boas intenções.
- Flechas incendiárias!!

O grito agoniado de um dos soldados de vigia no alto da torre da igreja o surpreendeu. Vienne desceu correndo do balcão da prefeitura, de onde observava a festa, em direção à rua onde as pessoas dançavam alheias ao perigo imediato que corriam. Começou a gritar desesperado para que se protegessem.
Alguns soldados o acompanharam na empreitada, enquanto as chamas, em rastros luminosos, desciam do céu, rápidas e inesperadamente. Os gritos começaram a multiplicar-se e a debandada começou. Não parecia haver portas suficientes por onde escapar ou tetos seguros o bastante sob onde se esconder. Muitos correram para a igreja, por estarem mais próximos, como foi o caso da família de Eustache, outros foram levados para a prefeitura sob os apelos de Vienne que abriu as portas do prédio para lhes dar cobertura. Entretanto, a vingança de Eduardo conseguiu seu intento com alguns pobres incautos que, lançados ao chão pela multidão em polvorosa ou que não tiveram tempo ou oportunidade de conseguir um abrigo, acolheram em seus corpos as flechas de fogo. Um cheiro de carne queimada espalhou-se pelo centro da cidade e os gritos transformaram-se em choro e lamentações. Mais tarde, quando puderam recolher os corpos carbonizados, apenas um profundo e pesaroso silêncio restou.
Do acampamento francês, poucas horas depois, partia um mensageiro para Paris, levando a noticia do imprevisto ataque e suas consequências até as mãos do soberano francês.
 
(continua...)
 
Muito obrigada a todos que continuam acompanhando esse romance; às minhas queridas amigas, Nadja e Ly, que deixaram seus comentários, na última postagem, um grande beijo, e o meu carinho também àqueles que leram, mesmo sem comentar.
Um super abraço a todos! Até a próxima!
PS: Acabo de lembrar que estamos com uma página no Facebook agora. Se puderem, adoraria que fossem até lá para curtir. Obrigada! Beijos!