terça-feira, 30 de julho de 2013

A Cruz de Hainaut - Capítulo XVIII ( 2ª parte)



Calais  - Primeiros dias de  Julho de 1347
 
 
Jean de Vienne, após a partida do Rei Felipe e seu exército derrotado, em meio ao desespero de ver seus cidadãos, sua  família e a si próprio sofrendo com a fome, escreveu uma nova carta ao soberano francês. Nela, provocava sua compaixão,numa tentativa de forçá-lo a confrontar-se mais uma vez com os ingleses. Num apelo profundamente emotivo, declarava que, se não recebessem ajuda imediata, em muito breve, em vista de não restarem mais gatos, cães ou ratos suficientes para mantê-los sem fome, logo seriam obrigados a comer os cadáveres dos mais fracos, que já começavam a surgir. Relatou ainda, que aqueles que decidiam deixar Calais, na esperança de serem acolhidos pelo inimigo, acabavam morrendo sob as muralhas, pois os impiedosos sitiantes não mais permitiam sua saída além dos limites do cerco. Tão logo acabou de escrever, entregou a mensagem lacrada a um dos soldados, enviado pelo comandante Fosseau. Ele tentaria romper a dura vigilância inglesa e levar este último apelo ao rei.
Infelizmente, o audaz emissário não teve sorte e foi morto próximo à ponte de pedra pelos guardas do Conde Derby. O precioso manuscrito que levava acabou por chegar às mãos de outro soberano, igualmente ávido por informações sobre o que se passava no interior da fortaleza cobiçada.
Apesar de emocionado com o  pedido de socorro de Jean de Vienne, Eduardo não deixou que isso transparecesse diante dos rostos ansiosos de sua audiência. Apenas uma contração dos lábios, simulando um sorriso, alterou a expressão dura em seu rosto.
- Logo Calais será nossa. Esta – disse, após terminar a leitura, mostrando o papel com o timbre calesiano e as palavras desesperadas do prefeito – é a prova que eu esperava para por fim às minhas dúvidas. Eles estão perdidos, sem saída. Logo seus portões se abrirão para a passagem de nossa legião, o que já não é sem tempo.
- Vossa Majestade, permite que eu a leia?
- É claro, Sir Walter. – disse entregando-lhe a carta.
- Então, talvez tenha chegado a hora de uma visita ao prefeito... – sugeriu após terminar sua leitura.
- Não. – falou Eduardo em tom imperioso. – Vou aguardar um pouco mais. Deixe-os se alimentar de esperança, pensando que essa mensagem chegará às mãos de Felipe. Dentro de alguns dias eles estarão prontos a aceitar sua derrota.
Alguns murmúrios de resignação surgiram entre os presentes.
- Meus caros, mantenham-se a postos, cumprindo com seu dever e mantendo suas posições. Tenhamos um pouco mais de paciência, pois a conquista completa está próxima.
O respeitoso grupo dispersou-se, ficando na sala de reuniões apenas Sir Walter.
- Por curiosidade, meu senhor  pensa em algum tipo de negociação?
 - Saberá quando a hora chegar, Walter. – disse Eduardo inexpressivo. – Este cerco praticamente esvaziou nossos cofres, consumiu parte de nossa frota e um grande número de bravos soldados. Um prejuízo como esse não pode ficar impune. A vida desses infelizes é um ônus muito pequeno diante de nossas perdas.
- Se posso opinar, meu senhor, devemos considerá-los como homens e mulheres de grande valor por não entregar-se facilmente ao inimigo. Não seria essa a sua posição se estivesse do lado de lá?
- Estes mesmos homens e mulheres que defendes agora não tiveram misericórdia com aquelas centenas de miseráveis, expulsos por eles, em pleno Janeiro, para morrerem de frio e fome.
- O  desespero leva as pessoas a tomarem atitudes terríveis, meu senhor.
- Você não seria um bom soberano, Walter. – diagnosticou após fitar seu comandante por alguns segundos. – Você pensa mais com o coração que com a cabeça.
- Também penso na reação da rainha se ocorrer um massacre... – disse usando o seu último argumento contra a intolerância do rei. – Sabe como ela é sensível...
Eduardo olhou-o por baixo das sobrancelhas com visível irritação pelo comentário, percebendo aonde o outro queria chegar.
- Se continuar com essa conversa, serei obrigado a jogá-lo na masmorra por insubordinação e traição, Walter.  Guarde suas opiniões benévolas a respeito do futuro de Calais para si mesmo.
Sir Walter de Manny baixou os olhos e a cabeça, num gesto de obediência e respeito   enquanto imaginava quais os planos de seu rei. Esperava que fossem diferentes dos usuais, em que a cidadela era tomada e seus habitantes eliminados sem dó ou piedade, para que os conquistadores tomassem posse de tudo. Como reagiria a rainha diante dessa situação? Já notara que Eduardo vinha tentando reconquistar Filipa. Diante disso, talvez suas ações fossem mais complacentes, numa forma de agradar a sua bondosa esposa. No entanto, os ímpetos vingativos, herdados de sua mãe, a Rainha Isabella, poderiam levá-lo a adotar medidas bastante desagradáveis. Admirava seu rei e por ele daria sua vida, mas reconhecia que  Eduardo, às vezes, excedia os limites em razão de seu poder. Infelizmente, teria que aguardar mais alguns dias para saber o que estava reservado à população sobrevivente de Calais.

Lady Sophie entrou nos aposentos de Filipa com o rosto afogueado. Fora pega de surpresa por um dos cavaleiros que participavam da reunião com o rei. Ao vê-la, quis saber por que estava tão distante de suas funções junto à rainha. Para proteger Filipa e não contar que estava ali a seu pedido, argumentou que fora observá-lo, pois lhe tinha grande admiração, o que não era totalmente mentira. Diante dessa declaração, o nobre cavaleiro lisonjeado decidiu mostrar seu mútuo interesse pela jovem aproximando-se com entusiasmo para um beijo. Pega mais uma vez de surpresa, conseguiu fugir do súbito ataque de desejo dando um empurrão  no jovem, deixando-o ainda mais interessado e ávido por um novo encontro com a bela dama de companhia da rainha.
- E então, Sophie? Que novidades me trazes? Pelo seu rosto, parece que encontrou outros interesses pelo caminho.
- Ah, minha senhora... – lamentou-se entre um suspiro e outro, colocando a mão sobre o peito. – Fui pega a bisbilhotar por Sir Edmond... Mas consegui me safar... – disse com as faces a corar.
- Conseguiu? – perguntou Filipa em alegre ironia, observando as feições afogueadas e a respiração entrecortada da moça.
- Sim, senhora. – respondeu um pouco mais refeita.
- Então... – Deixaria para ouvir a história da jovem e de Sir Edmond em outra hora.  – Soube o motivo da reunião?
- Parece que Calais logo vai cair aos pés de nosso rei.
- Como assim?
- Eles interceptaram uma carta dos franceses para o Rei Felipe. Parece que a situação lá dentro está cada vez  pior.
- E? O que o rei falou?
Não conseguia esconder a ansiedade. Estavam longe de seu reino há quase um ano. Apesar de ter sido sua escolha acompanhar Eduardo naquela campanha, tinha saudades de seu lar e de seus filhos, a quem tinha visitado não mais que quatro vezes naquele período. Sua última viagem tinha sido algumas semanas antes quando acompanhara Isabela em sua volta a Inglaterra. A filha finalmente superara a rejeição do Conde de Flanders. Deixou-a em casa com o coração leve e de volta a suas fantasias pueris. Ao contrário dela, Filipa ainda sentia uma pontada no peito ao lembrar os pequenos que deixara, principalmente Mary, com três anos, e Margareth, de pouco mais de um ano, nos braços de suas amas, a chorar com sua nova partida. 
- Parece que ele quer esperar um pouco mais.
- Esperar? O quê? Que todos morram de fome e ele entre numa cidade coberta de cadáveres? – protestou em voz alta, logo percebendo a surpresa de Sophie diante do seu desabafo. – Desculpe, Sophie... Obrigada pelas informações. Pode se retirar agora. 
Mal Sophie fizera uma reverência e saíra, quando Eduardo cruzou a porta sem pedir licença. Estava agitado e seu olhar demonstrava que mais uma vez a necessitava. Por um lado sentia-se feliz com o desejo do marido, por outro, gostaria de ele se abrisse mais com ela a respeito da situação em que se encontravam. Não gostava de utilizar-se de meios não convencionais para saber dos planos reais.
- Como foi a reunião? – perguntou da forma mais casual que conseguiu.
- Não quero cansá-la com discussões de estratégia...
- Eduardo, quanto tempo mais ficaremos aqui? – perguntou em tom de súplica.
- Não se preocupe... – Os olhos penetrantes, a voz grave sussurrada e o calor que emanava de seu corpo de guerreiro começavam a lançar seus efeitos sobre ela. – Prometo que, antes que o Verão acabe, encerrarei essa campanha... -
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, foi envolvida nos braços de seu homem, perdendo-se em seus beijos e afagos. Seus olhos se fecharam e uma languidez deliciosa possuiu seus sentidos. Estava mais uma vez a caminho do céu
.


 

(continua...)


 Oi!
Se ainda houver alguém que não desistiu de vir ao blog para ler essa continuação, depois de mais de um mês de ausência, é para você que estou escrevendo essas palavras. Muito obrigada por não desistir de mim... E, por falar nisso, quero agradecer, como em todas as postagens,  aos comentários das minhas amigas maravilhosas e muito queridas Léa, Ly, Nadja e Vanessa, bem como a presença e as palavras carinhosas do meu querido Junior Menezes. Graças a vocês continuo aqui, persistindo nesse sonho, a contar minhas histórias e invencionices.
Muitos beijos, meus amores, e até a próxima postagem com a Filipa chegando finalmente a Paris!



 

sábado, 22 de junho de 2013

A Cruz de Hainaut - Capítulo XVIII (1ª parte)

 
 
- Eu disse que você perderia seu tempo ficando aqui. – sussurrou para o homem carrancudo e meio sonolento sentado a sua frente, mas que ela ainda admirava tanto.
- Eu disse que era paciente.
Já havia passado mais de quatro horas desde que Andries invadira seu apartamento e aguardava algum sinal de vida de seu atual “namorado”. Dirkje já arrumara todo o seu minúsculo apartamento. Passara o aspirador sob os pés do visitante indesejado, tirara o pó da sala em seu nariz, lavara a louça acumulada na pia com o maior estardalhaço e barulho possíveis,  na vã esperança de entediá-lo ou irritá-lo, forçando a sua saída dali o mais rápido possível. Nada obtivera efeito. O máximo conseguido fora um sorrisinho irônico disfarçado no canto de sua boca, que lhe dava um charme irresistível, para logo em seguida retornar à carranca de antes.
 


Nesse momento, o telefone tocou, alertando-os. Dirkje ficou imóvel, confusa entre atender e deixar tocar.
- O que há com você? Atenda! – esbravejou ele. – E diga a ele que quer vê-lo.
- Está bem! Não precisa ficar nervoso! Pode ser outra pessoa! – respondeu irritada com a atitude dele, mas atendeu ao telefone.
Andries postou-se ao seu lado e apertou a tecla de viva-voz do aparelho.
- Alô?
- O que ele está fazendo aí com você? – perguntou uma voz grave e fria do outro lado da linha.
- Como você sabe que tem alguém comigo aqui? – respondeu, reconhecendo a voz de O’Neill.
- Esquece que esse é o meu trabalho, meu bem?
Andries não pode mais segurar a ansiedade e arrancou o telefone das mãos de Dirkje.
- Quero me encontrar com você. Agora. Estou esperando aqui.
- Professor Andries. Que surpresa! Aproveitou bem a dica que lhe mandei?
- Se você é quem diz ser, sabe exatamente o que está acontecendo.
- Parece que sua tentativa de se apoderar da esmeralda não deu certo, professor.  Um ladrão acabou levando a melhor. Levou a pedra e a pobre Filipa.
- Você sabe quem é esse homem? Para onde ele a levou? – perguntou Andries, tentando manter a calma.
- Infelizmente, essas são informações confidenciais que não posso dividir com o senhor. – respondeu com uma ponta de sarcasmo.
- Então você sabe onde ela está!
- Dirkje, querida, ligo para você quando estiver sem visitas. – E desligou.
- Alô! Alô! – gritou Andries desesperado.
- Ele sabia que estava no viva-voz... – pensou alto Dirkje preocupada, lançando um olhar investigativo para a sala ao seu redor.
- O quê?
- Ele dever ter colocado ou uma escuta ou uma câmera escondida aqui. Ele sabia da sua presença  e que o telefone estava no viva-voz, pois despediu-se de mim quando você ainda estava com o telefone na mão. – raciocinou ela. – Não gostei disso, O’Neill! Está me ouvindo? – gritou irritada para as paredes, procurando algum tipo de dispositivo que confirmasse suas suspeitas. Por alguma razão sentiu-se usada e traída. Não se podia mesmo confiar em homens. Eles sempre aprontavam!
- Me ajude a procurar! – ordenou a Andries.
- Procurar o quê?
- Um microfone ou uma câmera escondida. Ou os dois!
Andries, ainda meio perturbado com a conversa com o homem, olhou para Dirkje com desprezo.
- Não me interessa se ele a está espionando ou não. Só quero saber o que vocês pretendiam comigo ou com Filipa. – Jogou-se na direção da secretária e pegou-a pelos braços, sacudindo-a com violência. – Vocês queriam a esmeralda e me envolveram nessa história como um bobo útil, para atraí-la até aqui? Foi isso, Dirkje?
 
 
- Você também desejava muito ter essa esmeralda. Quis ajudá-lo a encontra-la... Só isso. – respondeu chocada com a atitude violenta de Andries.
- Como é o nome todo desse seu namorado? – perguntou abruptamente, soltando-a.
- Galen... Galen O’Neill.
- Você disse que ele era investigador da Scotland Yard. É isso mesmo?
- Foi o que ele me disse. – respondeu a contragosto.
- Você acha que ele pode ter mentido?
- Não sei, Andries. Realmente, não sei...
- Aonde vocês pretendiam me levar com esse jogo? Vingança, Dirkje? – perguntou encarando-a friamente.
A jovem começou a chorar, surpresa com a raiva transbordante na face de seu ex-amante.
- Pare com isso, Andries... Por favor...
- Foi uma vingança, não foi, Dirkje? Porque eu não a quis?
- Pare! Não foi nada disso! – gritou envergonhada.
Subitamente, ele a empurrou sobre o sofá.
- Não pense que vai me amolecer com essas falsas lágrimas.
- Eu... Só queria chamar a sua atenção... Fui uma idiota em fazer o que fiz. – terminou por dizer com um gosto amargo na boca.
- Concordo inteiramente com você...
Deu-lhe as costas e, antes de sair, parou e lhe lançou um olhar gélido.
 

- Se ainda quiser manter o seu emprego, trate de descobrir onde está Filipa. – disse com frieza e saiu batendo a porta da frente.

 
 

Quando Galen acordou, o dia já amanhecera há cerca de duas horas. O sol, que entrava por uma fresta entre as cortinas de tecido pesado, bateu sobre seus olhos. Desviando o rosto para fugir da luz incomoda, buscou Filipa com a mão. Lembrou os últimos instantes de alerta antes de cair em sono profundo. Como ela viera para sua cama no intuito de fazê-lo relaxar, falando de sua mãe, e como se acomodara em seus braços; do seu cheiro e de seu calor e... Abriu os olhos rapidamente, em pânico. Onde estava Filipa? Levantou-se de um pulo da cama e correu ao banheiro para verificar se ela estava lá. Nada.
Vestiu-se correndo, e saiu em direção à sala de refeições, na esperança de encontrá-la tomando café. Já na escada ouviu ao longe uma voz feminina conhecida. Diminuiu o passo e aproximou-se sorrateiramente da recepção, por onde teria que passar. Certificou-se da identidade da pessoa que falava falsa e amigavelmente com Ignace. Conhecia muito bem aquele jeito de conseguir informações de Elisabeth. Então ela realmente estava envolvida na sua perseguição e, pior, já tinha descoberto onde eles estavam. Ouviu mais um pouco, para ter certeza de que ela não estava com Filipa e saiu sem ser visto pela porta dos fundos da pousada. Buscou raciocinar onde poderia ter ido Filipa e seguiu rumo ao centro histórico de Brugge.  Sentia um desconforto no meio do peito e uma tensão nas têmporas que só aliviaram quando, quase três quadras depois, avistou Filipa saindo de um antiquário, segurando um pequeno embrulho. Um sorriso amplo e alegre surgiu em seu rosto ao vê-lo à distância. O mesmo acabou por apagar-se quando ele a alcançou e a pegou com força pelo braço, falando ásperas palavras.
- Por que saiu do hotel sem me avisar? – vociferou em voz baixa e carregada de irritação.
- Calma! Eu achei que você estava muito cansado e não quis acordá-lo... Quer largar o meu braço, por favor? Está me machucando.
Galen soltou um suspiro profundo e a liberou na mesma hora.
- Desculpe, mas eu fiquei desesperado quando não a encontrei. Achei que a haviam levado.
- Não foi minha intenção assustá-lo... – desculpou-se, percebendo naqueles olhos azuis o medo e o alívio sinceros por tê-la encontrado. – Ontem peguei um mapa turístico e resolvi conhecer um pouco de Brugge antes de partirmos. Seria uma pena estar aqui e não ver nada dessa cidade e de sua história. 
- Devia ter me dito isso ontem ou ter me acordado pela manhã para eu acompanhá-la. – disse ainda visivelmente chateado.
- Que tal voltarmos ao hotel, tomarmos um café e depois seguir para Paris. Estou morrendo de fome. – disse sorrindo, enganchando o braço no dele.
- Sinto, mas não podemos voltar. Elisabeth está lá.
- A mulher que você suspeitava que fosse a policial que me procurou  lá no hotel?
- Ela mesma.
- Ignace conhece essa tal Elisabeth? 
- Sim... Nós pertencíamos ao mesmo bando quando adolescentes.
Apesar da surpresa ao descobrir uma nova nesga do passado de Galen, sugeriu:
- Então não terá sido ele que nos entregou a ela?
- Não. Ignace é um bom homem. Ele está limpo há muito tempo e nunca se sentiu cômodo com as atividades ilícitas que era obrigado a realizar para sobreviver, assim como eu. Quando pode, caiu fora. Já Elisabeth... Roubar para ela sempre foi algo viciante, que lhe dava adrenalina e prazer. Ela não levar uma vida normal como as outras pessoas.
- Mas como eles descobriram onde estávamos?
- Não sei, mas... – ele interrompeu a frase no meio e olhou de forma estranha para ela.
- O que foi?... Você não acha que eu falei alguma coisa...
A mão dele voou sobre seus cabelos e seu olhar fixou-se neles.
- Você não lavou a cabeça?
- O quê? Que preocupação idiota é essa agora? É óbvio que não. Não tive tempo de tomar banho desde que começou essa loucura toda!
- Venha comigo! – parecia um alucinado, puxando-a de encontro à porta de um bar que se encontrava aberto, próximo de onde eles estavam.
- O que está fazendo, Galen? O que foi?
Sem responder, pediu dois cafés para o atendente e perguntou onde ficava o toilete. O rapaz, atônito, indicou com o dedo o fundo do estabelecimento, para onde Galen continuou arrastando Filipa.
- Galen O’Neill! O que está pensando em fazer?
Entraram juntos no pequeno lavabo. Galen ligou a torneira da pia e mandou Filipa colocar a cabeça debaixo da água. Só então ela se lembrou do microfone que ele disse ter colocado em seus cabelos no dia anterior. Parecia que dias haviam se passado depois daquilo...
- Então é verdade que existe um microfone tão minúsculo? – quis confirmar sua suspeita antes de molhar os cabelos.
- Claro que sim. De alguma maneira eles detectaram o sinal e por isso conseguiram nos alcançar tão facilmente na estrada e no hotel. Lave o cabelo, rápido, por favor.
Sentia-se terrivelmente irritado consigo mesmo por ter esquecido esse detalhe tão importante.
Sem redarguir, Filipa enfiou a cabeça sob o jato de água morna. Terminado o processo de lavagem, secou os cabelos como pode, com uma pilha de toalhas de papel, que era o único recurso disponível. Buscou na bolsa uma presilha de cabelo que guardava para “emergências”. Nunca imaginou que seria útil numa situação como aquela. Nem acreditou como conseguiu achar tão facilmente a presilha na bagunça da bolsa.
- Tudo bem? – perguntou Galen, admirando o belo rosto sem maquiagem e emoldurado por cabelos escorridos. Ela era linda de qualquer jeito. Agora ele precisava concentrar-se em tirá-los dali e não ficar embevecido diante dela, criticou-se intimamente.
- Tirando a umidade que estou sentindo escorrer pelas minhas costas, está tudo bem.
Ele deu um sorrisinho cúmplice.
- Precisamos sair daqui. – afirmou pensativo.
Ao invés de irem para o salão da frente, onde o café havia sido pedido, Galen buscou uma saída pelos fundos do restaurante.
- Não íamos tomar café?
- Não aqui, meu bem. A essas alturas eles já devem estar sabendo onde estamos. Vamos tomar café, mas longe daqui.
Enquanto o atendente via as duas xícaras de café fumegante sobre o balcão esfriarem e imaginava o que aqueles dois estavam fazendo no banheiro, Galen e Filipa esgueiravam-se pela porta da modesta cozinha, escapando rapidamente pelo beco atrás do prédio. Poucos minutos depois, dois homens, com cara de poucos amigos, avançavam bar adentro, e, sem pedir licença, seguiam para os fundos, parecendo estar à procura de alguém.
“O dia começou movimentado hoje...”, pensou o jovem atrás do balcão.

 
Estação de Trem de Brugge
Galen e Filipa caminharam em passos apressados através de ruas transversais estreitas, sempre atentos a possíveis perseguidores. Dessa maneira chegaram até a central de trens da cidade, que ficava a pequena distância do centro. Foram diretamente para os guichês de venda de bilhetes.
- Quando parte o próximo trem para Paris? – indagou olhando para o relógio atrás da cabeça do vendedor, que marcava 8 horas e 45 minutos.
- Dentro de 15 minutos sairá um no portão B, com conexão em Bruxelas.
- Ótimo! Me dê dois lugares na primeira classe.
- Pois não, senhor. Tem alguma preferência?
- Na janela, por favor. – interferiu Filipa, provocando um sorriso em Galen.

Adquiridas as passagens, correram até a plataforma de embarque, no momento em que soava o aviso de embarque imediato, seguido por uma melodiosa voz feminina confirmando a partida do trem para Paris em cinco minutos. O movimento dentro da estação era muito grande, mas isso não evitou que alcançassem sem dificuldades o moderno trem vermelho, imponente e de design arrojado. 
 
Passaram por uma simpática tripulante uniformizada que lhes deu as boas vindas e averiguou seus bilhetes. Indicou o vagão da primeira classe e desejou-lhes uma boa viagem.
Instalaram-se nas confortáveis poltronas, lado a lado, junto a janela, tendo a sua frente uma prancha de fórmica branca fosca, que se transformaria numa simpática mesa de refeições a qualquer momento.

- Vou dar uma volta.
- Onde você vai?
- Me certificar de que não estamos sendo seguidos.
- Você acha que eles podem...
- Espero que não... Não custa verificar. – respondeu com uma piscadela de olho e sumiu através da porta que levava ao próximo vagão.
Filipa olhou apreensiva pelo janelão de vidro duplo. Ouviu o último sinal que avisou a partida definitiva  em um minuto. Com o olhar procurava por alguém suspeito entre os poucos indivíduos que aguardavam na plataforma. Como nada chamasse sua atenção, passou a admirar a beleza da estação de Brugge em seu interior, com estruturas metálicas aparentes, arquitetura moderna, sem deixar de lembrar as antigas estações. O piso da plataforma brilhava e tudo era extremamente limpo e organizado. De repente, o trem entrou em movimento e ela começou a preocupar-se com a ausência de Galen que ainda não voltara de sua inspeção. Olhou para a janela mais uma vez e viu quando dois homens grandalhões, de terno preto, com expressão raivosa, chegaram correndo na plataforma, empurrando o funcionário que os impedia de aproximar-se demais do trem em movimento. Ficaram ali parados, rebuscando cada janela que passava com o olhar. Ao perceber que eles poderiam estar atrás dela e de Galen, jogou-se de lado sobre o banco, ficando com a cabeça abaixo do nível da abertura de vidro, sentindo o coração pronto para saltar através de sua garganta.
Quando pensava em sair a procura de Galen, um tripulante trouxe uma bandeja com café e chá, uma cesta com fatias de baguete e dois croissants, acompanhados de manteiga e geleia. Por trás dele surgiu alguém com o melhor sorriso do mundo.
- Bem, finalmente vamos tomar o nosso café.
- E, então? Viu aqueles homens na estação? – perguntou Filipa apreensiva quando Galen se sentou e o garçom deixou-os.
- Vi. – respondeu depois de tomar um gole de café e enquanto partia ao meio um croissant e passava uma generosa quantidade de manteiga sobre ele. – Acho que conseguimos despistá-los. Ao menos por enquanto.
- Galen?
- Sim?
- Onde você escondeu o anel? – finalmente conseguiu perguntar algo que a preocupava desde o início daquela “aventura”.
- Não se preocupe. Ele está bem guardado.
- Onde?
- Prefiro não contar. As paredes podem ter ouvidos.
Ela olhou em volta preocupada e decidiu manter sua confiança nele.
 
(continua...)
 
Oi, meus queridos e queridas! Espero que tenham gostado do texto. Acho que ele ficou mais longo e mais animado que o último. Parece que finalmente o Galen e a Filipa conseguirão chegar a Paris e falar com o Professor Tirret.  Quem estará se passando pelo Galen?... Ou será que é ele mesmo que tem um caso com Dirkje? Mistééério...rsrs
Quer agradecer a todos vocês que continuam acompanhando a minha história, apesar das postagens espaçadas. É por vocês que eu continuo e pretendo ir até o final do romance. Provavelmente vou demorar mais que das outras vezes, mas irei até o fim, com certeza.
O meu beijo mais carinhoso para a Ly, para o Luis Fernando, para a Nadja e para a Léia, meus comentaristas da última postagem. Muito obrigada pelo apoio e pelas palavras queridas. Adoro vocês!
Beijos e carinhos a todos que vem a essa página para sonhar os meus sonhos e curtir as minhas invencionices!
Até mais! Vejo vocês em Calais!

 

sábado, 1 de junho de 2013

A Cruz de Hainaut - Capítulo XVII ( 2ª parte)

Calais – 9 de Abril de 1347

 


Após o terrível ataque inglês na noite do Domingo de Páscoa, Eduardo mandou reforçar a vigilância do porto. Terminou a construção de outro castelo de madeira à beira-mar, com quarenta homens armados com canhões e duzentos arqueiros, preparados para atirar em quem quer que fosse ousado o suficiente para tentar entrar na cidade. O rei Felipe, notificado do ocorrido, organizou uma frota de trinta navios para verificar a situação pessoalmente. Apesar de toda a vigilância e fortificações erguidas pelo inimigo, pelo menos um dos navios, atravessando o fogo pesado, conseguiu chegar ao porto. Um grande número de caixas contendo mantimentos, vinho e algum tabaco foi desembarcado, para alegria dos sitiados. Quando a maior parte da carga e dos marujos estava em terra firme, um tiro certeiro de canhão acertou o casco, provocando um rombo tal, que levou a embarcação a afundar em poucos minutos. 
Batalha Naval

Das naus restantes, várias foram capturadas ou destroçadas pelos ingleses, enquanto umas poucas conseguiram recuar e fugir, incluída a do próprio rei.


Quase dois meses se passaram. A indignação e o orgulho ferido de Felipe, ainda o instigavam a não desistir de Calais. Sendo assim, nesse período, reuniu forças e formou um exército, para lançar um contra-ataque, por terra, e pôr um fim ao cerco, que, segundo ele, durava há tempo demais.
Numa agradável e enluarada noite, no início de Junho, cavaleiros franceses, em suas brilhantes armaduras, subiram na colina de Sangatte, próxima à cidade, por trás do exército inglês. Lá montaram grandes tendas brancas, propositalmente, para que os calesianos pudessem alegrar-se com a visão da chegada de seu soberano, que seguia à frente da cavalaria.

Felipe e seus oficiais contavam com apenas dois caminhos que poderiam levá-los ao seu destino. Um deles era a estrada costeira. No entanto, devido à presença da frota inglesa para inibir qualquer ajuda vinda por mar aos sitiados, o acesso apresentava grande risco. O outro era uma passagem, que corria através de uma região pantanosa e terminava em uma ponte de pedra, antes de alcançar a cidade. Ali, o Conde de Derby, amigo e companheiro de Eduardo em várias batalhas, com seus melhores homens, fortemente armados, mantinha ferrenha vigilância.

Confrontos ocorreram. Diversas tentativas foram realizadas no intuito de minar as forças inglesas e readquirir o controle da cidade e a liberdade dos cidadãos de Calais, que continuavam crentes no poder de seu rei. Porém, Felipe foi derrotado em todas elas. Não satisfeito, decidiu lançar mão de um último recurso. Mandou um de seus cavaleiros com uma bandeira branca em punho, portando uma mensagem para Eduardo.
- Abram os portões! – gritou o sentinela após receber autorização de Eduardo.
O homem foi arrancado de sua sela e examinado minuciosamente, à procura de armas escondidas. Nada encontraram. Foi levado até a sala de reuniões do castelo de madeira real, ao encontro com o rei inglês.
- Reverencie o rei, cão francês! – ordenou um dos guardas que acompanhara o cavaleiro.
Com evidente má vontade, sendo forçado a ajoelhar-se diante de Eduardo, o mensageiro reverenciou-o e entregou sua preciosa carga. Uma mensagem do Rei Felipe.
A carta com o lacre da coroa francesa  lançava um desafio ao seu oponente. Queria  uma batalha justa, em campo aberto e determinado por eles.
Ao receber tal provocação, Eduardo caiu na gargalhada. Tão logo parou de rir, tornou-se sério e a ira tomou conta de seu semblante.
- Quem este imbecil pensa que sou? Já estamos aqui há quase um ano, sem qualquer tipo de ação contrária efetiva, investindo grandes quantidades de ouro e prata  neste cerco. E agora, ele simplesmente vem, às vésperas de eu conseguir meu intento, para pedir uma batalha em campo aberto? Pobres calesianos que tem um rei como esse! Pobre povo francês! – proferiu ironicamente.
- Ele pode exigir o que quiser. – apaziguou Sir Walter. – Isso não significa que será atendido. 
- Obviamente que ele não será atendido. – afirmou Eduardo lançando um olhar frio sobre o orgulhoso cavaleiro francês, em sua armadura prata, que mantinha semblante impassível. – Pode dizer ao seu rei que não pretendo abrir qualquer concessão ou aceitar qualquer desafio que venha dele. Calais será inglesa em muito breve. Se ele e seu exército não conseguem abrir caminho por nossas estradas, que tente outras.
O cavaleiro partiu, altivo, apesar de intimamente abatido, sob os olhares desafiadores dos ingleses, levando a  resposta negativa.
Inconformado, nos três dias seguintes, Felipe ainda tentou novas propostas, sem obter qualquer anuência por parte do inglês. Derrotados e desacorçoados, Felipe e seu exército não tiveram outra escolha a não ser seguir o caminho de volta para Paris.
Assim, ao final daquela semana, os franceses de Calais viram suas ínfimas esperanças de retomada da liberdade desaparecendo numa nuvem de poeira sobre a colina de Sangatte.
Desesperados, centenas de cidadãos colocaram-se às portas da prefeitura buscando mais informações de Jean de Vienne. Infelizmente, devido às novas limitações e vigilância rígidas em torno das muralhas da cidade, o prefeito não conseguira  contato com seu rei e, portanto, sabia tanto quanto seus questionadores a respeito de novas tentativas de libertá-los. Mais uma vez a tristeza tomou conta do povo, juntando-se esta à fome e à total desilusão.
- Não poderemos resistir mais! – gritou um cidadão.
- Eles vão matar todos nós se nos rendermos! – argumentou outro.
- Prefiro morrer de fome que sob uma lâmina inglesa em meu pescoço! – justificou um terceiro.
As opiniões eram cruelmente controversas. O medo da morte era evidente. A questão era decidir sobre qual a forma menos desagradável de encontrar o fim de suas vidas. Questionavam o que seria pior. Ver suas mulheres e filhas estupradas e seus filhos pequenos usados como escravos, vê-los assassinados diante de seus olhos, ou vê-los morrer de fome.

(continua...)

Voltei!
Não vou falar mais uma vez sobre os motivos que ocupam meu tempo e que me forçam a demorar tanto a lançar essa postagem. Quero, isto sim, agradecer, do fundo do meu coração, a Nadja e a Léia, minha amigas muito amadas, que, com suas palavras de afeto e amizade, me fizeram reconhecer o quanto esse cantinho é importante para mim e que não devo desistir dele,  de meus sonhos ou da minha imaginação  para inventar histórias. Beijos superespeciais para vocês! Ao lado delas, todos amigos e seguidores que deixam seus comentários, às blogueiras literárias, como a Jessica Gomes e a Gabi Prates que continuam a me procurar para parcerias e promoções, me levando a crer que meus textos ainda conseguem alcançar sua intenção de fazer sonhar e divertir.  Por vocês, eu insisto em voltar. Além disso, como já disse uma vez, sou teimosa e não costumo deixar as coisas que inicio sem finalizar.
Portanto, aqueles que tiverem paciência, saberão o final do romance atual, mais cedo ou mais tarde, e, se Deus quiser, ainda vão poder ler muitas outras histórias, que continuam povoando a minha mente, só esperando um tempo para poderem sair.
Antes de terminar, gostaria de deixar um abraço e um super beijo especial para uma amiga escritora, muito querida, a Andréa Bertoldo, que está de aniversário hoje, dia 01 de Junho.
Também não posso deixar de lembrar uma resenha maravilhosa, feita pela minha grande amiga Tânia Lima ( o que seria de mim sem amigas como vocês?...) do livro Confusões de um Viúvo. Confiram aqui.  Um beijo, minha linda!
Todo o meu amor para vocês! Beijos e até a próxima postagem!
 




segunda-feira, 29 de abril de 2013

A Cruz de Hainaut - Capítulo XVII



Era noite quando chegaram a Brugges. Filipa adormecera nos braços de Galen, exausta, ao final de um dia repleto de emoções, embalada pelo ronronar do motor do caminhão que lhes dera carona. A porta foi aberta e a voz áspera de fumante do motorista alertou-os que já haviam chegado ao destino.
- Filipa...
- Hã?... – resmungou sonolenta.
- Chegamos...
Estavam em outro posto de gasolina, à beira de uma estrada, próximos a entrada da cidade. Podiam ver alguns prédios antigos do outro lado e a torre de uma provável igreja medieval. Apesar dos maus momentos pelos quais estava passando, a alma de historiadora de Filipa não pode deixar de emocionar-se ao perceber que estava numa das cidades mais importantes do ponto de vista comercial e histórico da Idade Média.




Depois do agradecimento formal de Galen e o sorriso cúmplice do caminhoneiro com o conselho para que se cuidassem,  atravessaram a rodovia e avançaram através de ruas estreitas e pouco iluminadas. Galen parecia determinado a encontrar um local específico. Sua suspeita se confirmou quando chegaram à porta de um prédio de dois pavimentos, bastante antigo, como todos os outros a sua volta, construído em pedra e madeira. Sobre a entrada, iluminada por uma luz fraca, pendia uma placa onde podia se ler o nome Auberge Ignace.
A recepção estava deserta. Galen tocou a campainha que se encontrava sobre o balcão de granito preto. Um homem de aspecto jovem, vestindo jeans e camiseta branca surgiu apressado.
- Bonsoir, monsieur-dame! Bienvenue! – saudou-os alegremente.
Tão logo terminou a saudação, o sorriso desapareceu de seus lábios e a surpresa ficou estampada em seu rosto.
- Galen?? É você mesmo?... O que faz por aqui? – olhou de soslaio para a porta da entrada ao fazer a pergunta. – Está a serviço? – As palavras saíram em tom baixo.
- Não, Ignace. Estou a passeio, não se preocupe. Estava à procura de um lugar para dormir e, como estávamos aqui por perto, decidi fazer-lhe uma visita.
- Me desculpe perguntar, mas como sabe estou tentando ficar longe de problemas e... Ela também é do ramo? – continuou em voz baixa.
Filipa começou a ficar nervosa. Mais um ladrão disfarçado? Parecia que eles brotavam em árvores por ali.
- Não. Eu a conheci em Amsterdã. Ela quer conhecer a Bélgica e a França e eu me indiquei para o cargo de cicerone. – mentiu sorrindo.
- Vocês vão continuar conversando como se eu fosse um objeto ou posso participar da conversa? – queixou-se Filipa em inglês.
- Desculpe, Audrey – disse Galen inventando seu nome e apertando-lhe o braço de leve. – Este é um antigo e bom amigo, Ignace. Nós trabalhamos juntos em tempos difíceis.
- Muito prazer, Audrey... Você não é daqui, é? Tem um sotaque estranho.
- Ela é portuguesa... Ignace, será que você teria um quarto para nós?
- UM quarto? – interpelou-o Filipa surpresa. Apesar dos beijos trocados até ali, ainda não estava bem certa se desejava aprofundar sua relação com Galen Não que isso a desagradasse, mas ainda havia muitos pontos a esclarecer. Estar em um mesmo quarto que ele seria uma temeridade, se levasse em conta tudo que ele despertava nela com apenas um beijo.
- Um quarto com duas camas de solteiro, por favor. Teria? – continuou, ignorando o nervosismo de Filipa.
- Claro que temos! – vangloriou-se Ignace com um sorriso malicioso nos lábios e um olhar muito significativo para Galen. Ele sempre invejara o amigo por sua facilidade em conquistar garotas bonitas como aquela Audrey.
Pegou um pequeno chaveiro que estava pendurado no painel a sua frente, sob o balcão.
- Aqui está! É um dos nossos melhores quartos. E prá vocês darei um desconto.
- Galen! Eu quero outro quarto só para mim.
- Muito obrigado, Ignace. – ignorou-a mais uma vez. – Podemos ir agora? A viagem foi muito cansativa e precisamos descansar.
Filipa encarou-o indignada. Ele a estava tratando como se não existisse e na frente de um estranho!
- Ah, Ignace! Você teria algo para comermos? Estamos famintos.
- Infelizmente, não...
- O Blue ainda existe?
- No mesmo lugar de sempre.
- Ótimo. Talvez dê uma chegada lá.
- Boa pedida! Amanhã poderemos conversar um pouco mais e relembrar os velhos tempos. Que tal?
- Talvez. Agora só precisamos comer algo e uma boa noite de sono.
- Subam aquela escada à direita e sigam pelo corredor à esquerda. É o apartamento 5. Levem a chave, caso queiram sair. A menor é do quarto e a maior é da porta da frente da pousada.
- Obrigado. – agradeceu quando pegava as chaves. – E boa noite.
- Ei! E sua bagagem?
- Deixamos na estação de trem. – mentiu novamente.
- Ah! Não estão de carro?
- Não. Boa noite, Ignace.
- Boa noite... – despediu-se, entendendo que Galen não estava mais a fim de papear. Conhecia muito bem seu antigo comparsa e  por isso não estranhou a súbita secura na voz.
Antes que Filipa pudesse reclamar de sua atitude, pegou-a com firmeza pelo braço e levou-a na direção indicada por Ignace.
- Não se preocupe. Sou apenas um ladrão, não um estrupador. – Parecia divertir-se ao dizer aquelas palavas.
- Não pensei que o fosse.
Entraram no quarto e ele a encurralou entre a porta fechada e seu corpo, sem, no entanto, tocá-la.
- Então porque o medo de ficar sozinha comigo aqui? Não confia em mim? Além disso, cansado como estou, nem que quisesse poderia fazer qualquer coisa com você essa noite. Não que falte vontade para isso...
Filipa sentiu o rosto queimar sob o olhar de Galen na penumbra. Desviou os olhos, mas ele não saiu de sua posição intimidadora.
- Desculpe... Estou cansada... – murmurou e sentiu que o pior, ou o melhor, dependendo do ponto de vista, estava para acontecer se não tomasse uma atitude imediata, apesar da alegação de cansaço dele. – ... E  morrendo de fome. – falou com voz mais firme, empurrando-o com as mãos e saindo da “armadilha”.
Galen riu ao ouvir a declaração de Filipa e assistir sua “fuga”.
- Já é tarde, mas conheço um lugar aqui perto onde se pode jantar com tranquilidade.
- O tal Blue?
- Sim... Quer usar o banheiro antes de voltarmos a sair?
- Com certeza. – disse mais relaxada. 
- Você acha que eles já desistiram de nos procurar? – voltou a perguntar subitamente.
- Infelizmente, duvido muito disso, seja eles quem for..., polícia ou ladrões. – respondeu preocupado.
Filipa instintivamente aproximou-se dele e fez um carinho em seu rosto com a mão, sentindo a barba por fazer raspar-lhe de leve a pele da palma.
- Vai dar tudo certo...
- Ah, Filipa, assim vou me apaixonar... – murmurou segurando a mão dela junto ao rosto e fechando os olhos.
- Ok! Tem razão. Vou ao banheiro e já poderemos sair para jantar. – Ruborizada, retirou a mão facilmente e voou na direção da porta que deveria ser a do quarto de banho, deixando Galen com um meio sorriso no rosto.

 
O pub, chamado Blue, estava localizado há cerca de uma quadra da pousada, em uma esquina melhor iluminada que os arredores. Estava lotado, com música animada e alta.  Tinha uma pista de dança, onde as pessoas se reuniam mais para conversar, rir e beber suas canecas de  cerveja, do que para dançar. Foram recebidos por uma simpática garçonete que os levou até um recanto no fundo do bar, subindo um lance de escada. Sentaram-se à pequena mesa posta e enfeitada com um vasinho de flores do campo e uma garrafa coberta por cera de vela escorrida, que servia de candelabro e onde ardia uma chama trêmula. Pediram a sugestão do dia, uma massa com frutos do mar, e refrigerantes.
- Infelizmente, teremos que deixar o vinho para Paris, quando estivermos mais seguros. – desculpou-se Galen de forma encantadora.
- Tem razão. O vinho me deixa meio alta.
- Eu sei... Lembro bem de como ficou no avião.
- Também não é tanto. Eu tinha tomado uma medicação para relaxar. Por isso fiquei meio tonta.  –  explicou lembrando o episódio em que ele a segurara no meio do corredor para que não caísse.
- Não precisa ficar chateada.
- Não estou. Só não gosto que pensem que sou uma bêbada.
- Nunca pensei isso de você.
- Bem, que tal mudar de assunto? Como iremos para Paris amanhã? Vai alugar outro carro ou pegaremos uma carona?
- Pensei em pedir o carro de Ignace emprestado.
Debruçando-se sobre a mesa na direção dele, disse quase sussurrando, escandalizada.
- Você vai roubar o seu amigo?
- Filipa, falei emprestado no verdadeiro sentido da palavra, não como você está pensando.
- Desculpe – pediu, ao ver que ele ficara chateado com sua insinuação de roubo.
 Mesmo cansado, notou que Galen se encontrava em permanente estado de alerta o tempo todo. Ele tentava disfarçar, mas ficava rígido e observava qualquer movimento na porta de entrada, que rangia a cada novo cliente, ou a aproximação de estranhos da mesa onde estavam.
- Como você conheceu o Professor Tirret?
- Ele me pegou roubando o seu museu.
- O Louvre? – exclamou. – Você roubou o Museu do Louvre? – disse em tom mais baixo, quando se deu conta que havia chamado a atenção de algumas pessoas próximas da mesa.
- Por que o espanto? É um museu como outro qualquer.
- Mas a segurança nele deve ser a melhor.
- Talvez por isso eu tenha sido pego.
- Por Tirret.
- Sim. O Louvre acabara de receber um elmo de prata, encontrado na sepultura de um líder anglo-saxão do século V. Como aguardava a classificação, ainda se encontrava no depósito do Louvre. Um de meus contatos tinha uma coleção de elmos antigos e, quando soube dessa aquisição pelo museu, me contratou. O que eu não contava era com a presença do curador do setor da Idade Média trabalhando durante a madrugada nos porões do museu. Eu já estava com o elmo ensacado e pronto para partir, quando Tirret apareceu. Ficamos conversando até a polícia chegar.
- Conversando? Como assim?
- Ele tinha uma arma apontada para minha cabeça. Mais tarde, soube que não estava carregada. – sorriu ao lembrar o logro de Tirret. – Por incrível que pareça, aquela noite mudou minha vida. Tirret e eu nos tornamos grandes amigos.
- Mas ele o mandou para a prisão!
- Foi ele que conseguiu minha colocação na Interpol. Fez toda a negociação e conseguiu minha liberdade e minha, digamos assim, reabilitação.
- Ele deve ser uma pessoa extraordinária.
- Ele é.
Ao final do jantar, retornaram à pousada de Ignace. Galen permaneceu tenso durante todo o trajeto. Ao passarem pela recepção, sem que ele percebesse, Filipa pegou um mapa da cidade dentre os folders de turismo que estavam dispostos numa pequena prateleira junto à porta da entrada.
Ao entrarem no quarto, olharam para as duas camas. Filipa resolveu distrair-se procurando sua escova de dente na bolsa, no que demorou um bom tempo, sob o olhar mordaz de Galen, que escovava os dentes com a escova cortesia da pousada, deixada sobre a bancada do banheiro, juntamente com outros produtos de higiene pessoal.
- Se quiser tirar a roupa, fique à vontade. Prometo que não olho. – sugeriu Galen, quando a viu deitar-se de roupa sobre a colcha da cama.
- Estarei muito bem assim.
- Você é quem sabe. – falou, tirando a camiseta e ficando apenas com a calça jeans.
 Filipa conteve um suspiro ao ver o belo torso de músculos bem delineados, próprio de quem devia malhar com frequência. Desviou o olhar rapidamente e tentou desacelerar a respiração. Ele se deitou e apagou o abajur ao seu lado.
No silêncio do quarto, Filipa podia sentir que ele não conseguia relaxar. Ainda se encontrava em estado de alerta, preocupado com a segurança de ambos, enquanto ela ficava a pensar bobagens. Ele precisava descansar, pois ainda restava um bom pedaço de caminho até Paris.
- Galen...
- Sim?
- Você precisa dormir. Tem que relaxar um pouco. Estamos seguros aqui, não?
- Com esse pessoal a nossa procura, nenhum lugar é seguro.
- Mas você terá que dormir e descansar alguma hora.
- Eu sei.
- Então...
Silêncio.
Sem esperar um convite, Filipa lembrou de algo e foi deitar-se ao seu lado.
- Me dê um espaço nessa cama.
- O quê? – perguntou espantado ao sentir a “invasão”. – O que está fazendo, Filipa?
- Tentando fazer você relaxar. Quando eu estava muito tensa na época dos exames no colégio, minha mãe deitava-se comigo até eu conseguir dormir. Era um santo remédio. Quando sentia o seu calor ao meu lado, "apagava" na hora. Talvez funcione com você. Portanto, pode parar de pensar com sua mente suja e chegue para lá.
- A sua mãe devia amá-la muito... – falou ele com uma pontada de tristeza na voz.
- Acho que sim – confirmou na penumbra com um sorriso nos lábios, lembrando de Ivana. – Estou com muitas saudades dela e de meu pai.
- Eles estão vivos?
- Sim... – respondeu estranhando a pergunta dele,  o que atiçou a sua vontade de saber mais sobre ele.
- E os seus pais, Galen? Estão vivos?
- Não – respondeu secamente.
Na mesma hora, ele a virou de lado e a abraçou, aconchegando-se às suas costas, em concha.
- Podemos ficar assim? Juro que serei inofensivo... – Sua voz estava mais arrastada.
- Tenho certeza que será um cavalheiro. – murmurou, pensando nos motivos da reação dele ao tocar no assunto pais, mas  sentindo um tremendo bem estar com aquela deliciosa proximidade.
Um leve ronronar foi a resposta que obteve. Logo se sentiu igualmente relaxada e o sono veio rapidamente.

(continua...)
 
 
Voltei, finalmente! Espero que tenham gostado do novo capítulo. Foi menos agitado, mas serviu para mostrar  um pouco mais da relação da Filipa com o Galen, que vai sendo construída aos poucos, e uma pontinha do problema dele com o passado. Logo prometo um pouquinho mais de ação.
Beijos especiais para os comentaristas do último post, os meus queridos Luiz Fernando, Ligia e Nadja, que eu adoro.
Como escrevi lá na nossa nova página do FB, ando com dificuldades para escrever, tanto pela falta de tempo como pela inspiração. Assim, não posso prometer quando postarei a continuação, mas vou fazer o possível para não demorar muito. Só posso agradecer aos meus fiéis seguidores pelo carinho e pela paciência nos comentários, na preocupação e pelas palavras de apoio que sempre recebo.
Um beijo e o meu coração para vocês!
Até breve, por que eu volto ( sou muito teimosa, gente...   rsrsr)!

domingo, 7 de abril de 2013

A Cruz de Hainaut - Capitulo XVI (2ª parte)


Calais – Páscoa de 1347
 
Naquela manhã, do primeiro dia do mês de Abril de 1347, domingo de Páscoa, havia motivos para festa em ambos os lados do cerco. No interior da cidade sitiada, iniciavam-se os preparativos para o casamento de Corine, filha de Eustache, com Pierre de Wissant. Sete dias antes, o noivo, acompanhado de seu irmão, Jacques, fizera uma visita à casa do comerciante. O rapaz chegara à conclusão que não havia mais motivos para adiar seu casamento com Corine. O retorno a Itália para terminar seus estudos na universidade de Medicina haviam sido adiados por tempo indeterminado, se é que ainda teria a chance de completá-los. Declarou seu amor e a necessidade de compartilhar com a jovem todos os dias de seu futuro incerto, pois ninguém sabia o que aconteceria a seguir. Ainda resistiam, porém os víveres eram cada vez mais escassos e agora, com a vigilância redobrada no acesso pelo mar, a situação só ficaria pior. Dessa maneira, Eustache cedeu ao pedido de Pierre, para grande alegria de Corine, que ansiava por essa união há muito tempo.
Enquanto isso, na cidadela de madeira dos soberanos da Inglaterra, as aias da princesa Isabela trabalhavam na disposição das roupas e joias que seriam usadas na cerimônia de noivado com o Conde de Flanders. O noivo era aguardado ansiosamente pela menina e por seus pais. Um grande banquete era preparado com iguarias trazidas pelos produtores locais, que tentavam agradar ao seu novo senhor. Músicos e dançarinos da corte inglesa foram trazidos especialmente para a ocasião.
Tudo se encaminhava para que aquele fosse um dia glorioso para os cidadãos de ambos os lados.
Devido ao racionamento imposto por Eduardo, Eustache fora impedido de alimentar seus convidados com a opulência que a ocasião exigiria. No entanto, ele decidiu fazer, após a cerimônia,  uma comemoração pública,  diante da igreja, com muita música e danças. Mandou, consternado, sacrificar três de seus cavalos, dos quatro que ainda restavam e que normalmente eram utilizados no transporte de suas mercadorias. Ordenou ao seu cozinheiro que assasse a carne com os melhores temperos, de forma a torná-la o mais saborosa possível. Abriu seu último barril de vinho, que reservara para uma ocasião especial como aquela, para servir os convidados mais chegados.  Mandou enfeitar a praça principal com bandeiras coloridas e lampiões. Pelo menos por algumas horas, pretendia fazer as pessoas esquecerem suas mazelas e compartilharem da alegria dos jovens noivos. A maior parte da população, apesar da tristeza e da penúria em que se encontrava, aderiu ao chamado do comerciante, e fez questão de participar, não só com sua presença, mas também contribuindo de alguma maneira para que a festa fosse um sucesso. Instrumentos musicais  esquecidos foram limpos e colocados de volta à vida, as melhores roupas foram tiradas dos armários e colocadas ao sol para arejar, uma sombra de sorriso podia ser vista outra vez nos rostos magros e desiludidos daqueles franceses. Ainda persistia a esperança de que o rei Filipe os ajudasse. Talvez aquela demonstração de vida atrás dos muros chegasse até a ele, como um sinal da confiança que lhe devotavam, e o comovesse, ao ponto de lançar uma ajuda efetiva que os libertasse de seu algoz. Era sabido que o rei mantinha uma tropa de soldados em vigília nos arredores, a fim de mantê-lo informado a respeito das ações de seu inimigo. Com essa renovação da esperança em seus corações, festejariam junto com Eustache e sua família.
O dia passou agitado com os preparativos de franceses e ingleses. Porém, ao cair da tarde, os ânimos do lado inglês esmaeceram.
Eduardo andava de um lado ao outro na sala principal. Há cerca de uma hora recebera a notícia de que o jovem Luis não compareceria ao seu próprio noivado. Ao invés disso, seguira para Paris para uma visita ao Palácio do Louvre a convite de Filipe VI, deixando assim clara a sua posição de antagonismo contra os ingleses, além de uma ex-futura-noiva chorosa pela rejeição sofrida. Enquanto Filipa a consolava, Eduardo tornava-se mais determinado a possuir Calais e a não permitir que Filipe vencesse aquela batalha. O dia que seria motivo de júbilo acabou sendo uma data onde a indignação e as ideias de vingança ganharam destaque.


 

O som dos risos, das palmas, dos alaúdes e dos instrumentos de percussão, podia ser ouvido na cidadela de madeira, aumentando ainda mais a ira de Eduardo. Ele se perguntava como aqueles miseráveis podiam saber da desgraça de sua filha e, ainda, por conta disso, festejavam acintosamente. Sentindo-se humilhado, não teve dúvidas ao chamar seu comandante e proferir novas ordens.
 
O prefeito Jean de Vienne observava a alegria dos noivos, Corine e Pierre, que rodopiavam abraçados, no ritmo das palmas rítmicas de seus convidados, dançando, alheios ao momento que a cidade atravessava. Estava intimamente contente por eles e grato à generosidade de Eustache por oferecer às pessoas um motivo para sorrir  uma vez mais e compartilhar, na medida do possível, de sua mesa. Graças a sua posição, não se permitira participar do festejo. Tinha assumido posições muito polêmicas diante da população, desde a expulsão dos mais miseráveis um mês antes, além do rigor que precisava manter no racionamento. Muitos o culpavam por não receberem ajuda do rei, devido a antigas rusgas entre ele e o monarca. Alguns entendiam sua posição, porém a maior parte preferia criticá-lo. Já esperava essa reação. Sempre soube que seu cargo seria solitário e que poderia ser odiado, apesar de suas boas intenções.
- Flechas incendiárias!!

O grito agoniado de um dos soldados de vigia no alto da torre da igreja o surpreendeu. Vienne desceu correndo do balcão da prefeitura, de onde observava a festa, em direção à rua onde as pessoas dançavam alheias ao perigo imediato que corriam. Começou a gritar desesperado para que se protegessem.
Alguns soldados o acompanharam na empreitada, enquanto as chamas, em rastros luminosos, desciam do céu, rápidas e inesperadamente. Os gritos começaram a multiplicar-se e a debandada começou. Não parecia haver portas suficientes por onde escapar ou tetos seguros o bastante sob onde se esconder. Muitos correram para a igreja, por estarem mais próximos, como foi o caso da família de Eustache, outros foram levados para a prefeitura sob os apelos de Vienne que abriu as portas do prédio para lhes dar cobertura. Entretanto, a vingança de Eduardo conseguiu seu intento com alguns pobres incautos que, lançados ao chão pela multidão em polvorosa ou que não tiveram tempo ou oportunidade de conseguir um abrigo, acolheram em seus corpos as flechas de fogo. Um cheiro de carne queimada espalhou-se pelo centro da cidade e os gritos transformaram-se em choro e lamentações. Mais tarde, quando puderam recolher os corpos carbonizados, apenas um profundo e pesaroso silêncio restou.
Do acampamento francês, poucas horas depois, partia um mensageiro para Paris, levando a noticia do imprevisto ataque e suas consequências até as mãos do soberano francês.
 
(continua...)
 
Muito obrigada a todos que continuam acompanhando esse romance; às minhas queridas amigas, Nadja e Ly, que deixaram seus comentários, na última postagem, um grande beijo, e o meu carinho também àqueles que leram, mesmo sem comentar.
Um super abraço a todos! Até a próxima!
PS: Acabo de lembrar que estamos com uma página no Facebook agora. Se puderem, adoraria que fossem até lá para curtir. Obrigada! Beijos!
 

domingo, 31 de março de 2013

A Cruz de Hainaut - Capítulo XVI (1ª parte)

Preparavam-se para sair do restaurante quando Galen ouviu o som das hélices de um helicóptero.
- Bem que eu estava achando muito fácil fugir desse pessoal...
- Você acha que é a Interpol?
- Tenho certeza... Venha. Vamos ter que achar outro meio de transporte.
- Como assim?
Sem responder, Galen a pegou pela mão e mais uma vez a deixou com o coração acelerado. Mais uma fuga. Isso estava começando a se tornar rotina.
Esgueiraram-se pela porta dos fundos, mas, ao invés de seguirem até o carro, ele a levou na direção do estacionamento de caminhões de carga, sempre atento ao movimento sobre suas cabeças. O helicóptero ziguezagueava nos céus a procura deles. Haviam localizado o carro de Galen e aguardavam as ordens de Matthew, que se encontrava na sede em Amsterdã.
Notou a movimentação em um dos caminhões. Galen pediu a Filipa que esperasse sob a cobertura do prédio e, colocando uma boina, que ele afanara do bolso de um dos frequentadores do local, enterrada na cabeça, foi até o motorista que se preparava para sair. Após uma rápida conversação, o homem abriu o compartimento de carga. Galen olhou para o céu e fez sinal para que Filipa o seguisse, aproveitando o desaparecimento momentâneo do helicóptero. Ajudou a subir na carroceria e imediatamente as portas foram fechadas. Aparentemente era um caminhão que trabalhava para alguma loja de móveis, pois havia sofás de vários tamanhos, poltronas coloridas e algumas mesas de centro espalhados no interior do espaço de carga.
- O que você disse a ele?
- Que estávamos fugindo do seu  marido rico e violento.
- O quê?
- Um francês não resiste a uma boa história de amor e a uma mulher indefesa.
Ela não pode deixar de sorrir, apesar de estar com o estômago contraído pelo medo e a descarga de adrenalina ainda continuar acelerada em suas veias. Segurava a bolsa contra o corpo como se dela dependesse sua vida. Logo, duas mãos grandes e fortes a envolveram, levando-a para o fundo do caminhão, que começava a manobrar para sair do posto. Colocou-a sobre um sofá de dois lugares que ali se encontrava, recoberto por uma camada de plástico-bolha, e sentou-se ao seu lado.
- Para onde vamos? – perguntou, fazendo um barulho desagradável quando se moveu sobre o plástico, tentando acomodar-se num dos cantos.
- Para Brugges. Fica um pouco fora do caminho habitual. Vai ser bom para despistá-los. De lá damos um jeito de seguir para Paris.
- E o seu carro?
- É alugado. Depois aviso a locadora sobre onde deixei o carro.
- É sempre tão simples e fácil para você assim?
- Nem sempre... – respondeu deitando-lhe um olhar que a fez estremecer. – Você me deixa confuso.
Filipa não esperava aquela declaração e ficou sem fala, presa àquele olhar de azul intenso. Não esperou que ela respondesse. Lançou seu braço sobre os ombros de Filipa e abraçou-a, ficando com o corpo grudado ao dela.
- Eu lhe ofereceria um casaco se o tivesse, mas...
- Eu não estou com frio.
-Por que está tremendo?... Está com medo? – indagou com olhar preocupado.
No momento, Filipa achou que esse seria um bom argumento para explicar o tremor que a percorria. Não podia negar que o medo era uma sensação presente, mas o simples contato com Galen e o calor que ela sentia irradiar de seu corpo, inflamando seu desejo por ele,  eram a verdadeira causa.
Porque eu tinha de trazê-la nessa fuga maluca? Eu devia tê-la colocado em segurança e resolver isso tudo sozinho. Será que foi egoísmo de minha parte?... Eu não consigo tirá-la da minha cabeça e não podia imaginar ficar sem vê-la... Não... Não poderia arriscar a deixá-la. Se eles a pegarem, não sei o que podem fazer a ela...
- Galen?...
- Sim?...
- Onde você estava? De repente ficou como se estivesse a quilômetros de distância daqui.
- Na verdade, eu estava pensando em você.
Ela sorriu.
- Estranho... Pensar em alguém que está ao seu lado e ficar distante.
Num movimento, ele dobrou a perna, sentou-se de frente para Filipa e a fez virar-se igualmente para ele. Acariciou seu rosto e, com a mão em seu queixo, focou os lábios rosados e carnudos.
-  Estou aqui... – murmurou junto aos seus lábios.
- Vai me beijar? – sussurrou, sentindo o calor avançar rapidamente do peito ao estômago e mais abaixo.
- Algum problema? – perguntou sorrindo, mas sem afastar-se um milimetro do seu rosto.
- É que eu não pretendia gritar...
- Então terei que encontrar outro motivo prá te beijar...
O hálito quente de Galen, junto a sua face, a entorpecia. Fechou os olhos. Não conseguia mais falar ou pensar, afundando nas sensações que aquela proximidade cada vez maior lhe proporcionava.
Andries andava de um lado ao outro da sala do chefe de polícia. Falara com o policial que tomara o seu depoimento no dia do sumiço de Filipa. Só não entendia como não conheciam a tal de Emma Donahue que procurara  Filipa no hotel. Agora estava furioso e perdido. Perdera a chance de finalmente por as mãos na esmeralda de Hainaut, se é que ela estava mesmo em poder de sua convidada. Tolamente ficara de quatro pela jovem brasileira. Essa era uma realidade... Jamais imaginara que Filipa pudesse ser tão encantadora... Não se importava mais com a pedra, mas sim com ela e o que poderia lhe acontecer de mal. Quem era aquele miserável que a levara? Lembrava o olhar desesperado dela atrás do vidro do carro que partira em desabalada, levando-a para “deus sabe onde”. Agora a polícia não sabia de nada! Como poderia achá-la? Talvez... O namorado de Dirkje... Claro! Como não pensara nisso antes. Fora ele que deu a dica para Dirkje a respeito de Filipa, que por sua vez o alertou e deu a ideia de convidá-la para visitar o museu com aquela história ridícula da tese publicada na revista italiana. O fato é que dera certo e Filipa viera inocentemente ao seu encontro.
Decidido a não esperar mais por aqueles oficiais babacas que nada sabiam, despediu-se, dizendo ter um compromisso urgente e que gostaria de ser avisado caso soubessem sobre a tal Emma. Saiu em passos largos e rápidos. Pegou seu carro e rumou para o apartamento de Dirkje, que ainda morava no mesmo local da época em que tiveram um caso.
Chegando lá, apertou no botão de número 4 do interfone. Foram cinco chamadas até que a voz suave de Dirkje respondesse.
- Quem é?
- É Andries! Preciso falar com você.
- Não pode esperar até segunda, no Museu?
- Não! Tem que ser agora.
A voz emudeceu do outro lado durante alguns segundos infindáveis para Andries. Finalmente ela voltou a falar.
- Suba.
A ordem seguiu-se de um barulho estridente e de um clique, quando a porta de madeira e ferro foi destravada.
Dirkje esperava na porta de casa, vestida com um roupão atoalhado, pois acabara de sair do banho. Os cabelos louros e úmidos caíam desalinhados sobre os ombros.
- O que aconteceu para vir aqui a essa hora?
- Filipa foi sequestrada de novo.
- De novo? Como assim?
Andris lembrou-se que não falava com a secretária desde o dia anterior.
- Preciso de sua ajuda. Deixe-me entrar e conto tudo.
- Entre... – permitiu, afastando-se para dar passagem.
Notou a expressão transtornada dele e experimentou uma sensação de medo.
- Ainda está namorando aquele homem?
- Quem?
- O agente da polícia.
- S-sim.
- Ele deve saber o que está acontecendo, afinal foi através dele que você soube sobre a Filipa. As informações dele é que possibilitaram que eu a trouxesse até aqui para conseguir a esmeralda.
- Você a conseguiu?
- Não... Eu... Isso não importa agora. O que importa é que Filipa foi sequestrada por um desconhecido e acho que o seu “amiguinho” pode me ajudar a encontrar esse desgraçado.
- Eu nunca o vi tão ansioso por causa de alguém... Está gostando dela, Andries?
- Que pergunta é essa, Dirkje? Diga-me como encontro o seu namorado, ou seja lá o que ele for seu. Preciso falar com ele!
- Não sei.
- Não sei, o quê?
- Não sei como encontrá-lo.
- Você está brincando comigo. Vocês não são amantes? Como que você não sabe onde encontrá-lo.
- Ele é um agente secreto e não tem endereço fixo. Quando ele está livre, me procura.
- Não acredito... – disse pondo as mãos na cabeça e fechando os olhos.
Por que não me quis, Andries? Nós seríamos tão felizes...
- Não é possível que não tenha nem um telefone para que possa achá-lo, falar com ele.
- Não tenho.
- Que tipo de relacionamento é esse?
- Melhor do que o que tivemos, Andries.
Ele revelou um sorriso de escárnio.
- Você não perde a oportunidade para me alfinetar, Dirkje. Por quê? Eu a avisei desde o inicio que não queria compromisso. Não a enganei... Mas isso não interessa agora. Tem que haver uma maneira de encontrar esse cara. Só ele pode ajudar.
- Afinal, o que aconteceu? Vou preparar um café forte. Vá falando e vamos ver o que podemos fazer.
Ainda tinha sua xícara de café pela metade quando terminou de ouvir a história de Andries.
- Já foi à polícia?
- Já. Eles sabem tanto quanto eu. Não conhecem a tal policial Emma que tomou o depoimento de Filipa.
- Por que acha que o meu namorado vai saber algo mais?
- Dirkje, eu não nasci ontem. Ele não daria uma informação como essa e a sugestão de como trazer Filipa para cá se não tivesse interesse nisso. Aliás, interesse que você não deve desconhecer. É bom começar a me contar exatamente o que vocês pretendiam me envolvendo com essa historiadora.
Por um momento, a secretária pareceu perplexa com a insinuação de seu chefe.
- Ora... Que diabo está querendo dizer! Eu apenas quis ajudá-lo. Sempre soube da sua fascinação sobre a história da Cruz de Hainaut. Quando O’Neill me falou sobre a possibilidade da última esmeralda perdida estar em poder de uma brasileira...
- Por que ele falou sobre esse assunto com você? Ele sabia que eu estava a procura dela? Falaram a meu respeito enquanto se amassavam na cama? – perguntou com indisfarçável irritação.
- Estúpido mal agradecido! ... Não sei... Não lembro como surgiu o assunto. Só sei que achei que gostaria de saber disso e o avisei.
- Essa história está muito mal contada, Dirkje.
- Por que só agora você resolveu desconfiar de alguma tramóia? É por que a sua queridinha sumiu? – Sua voz agora deixara de ser suave e seu tom demonstrava toda a mágoa por ter sido rejeitada por ele e o ciúme de Filipa, que tinha impressionado tanto seu ex-amante. – Por que acha que temos alguma coisa a ver com isso?
- Não vou sair daqui enquanto não me disser onde encontro esse tal de O’Neill.
- Acho que vai perder o seu tempo.
- Não creio. – respondeu, acomodando-se na poltrona, cruzando as pernas e encarando Dirjke com determinação. – Posso ser muito paciente.

(continua...)
 
 
Agora a coisa complicou mais um pouco... Será que o Galen está aprontando com a pobre da Filipa? E o Andries? Sabia da esmeralda e acabou virando vítima por ter se apaixonado ? Veremos nos próximos capítulos...rsrs
Espero que continuem gostando.
Fiquei muito feliz essa semana com uma entrevista que dei para o blog da Daniele Nhasser, Amante de Livros (http://amantesdelivros-2012.blogspot.com.br/2013/03/entrevista-com-rosane-fantin.html ), que aliás tinha feito uma resenha excelente do livro Confusões de Um Viúvo no final de Janeiro (http://amantesdelivros-2012.blogspot.com.br/2013/01/confusoes-de-um-viuvo-rosane-fantin.html ). Outra resenha muito boa, do mesmo livro, me deixou muito contente. Ela foi escrita por Mari Scotti, também autora de romances (Insônia é o seu último livro, lançado pela Aped) e dona do blog TBF.
Obrigada aos meu amigos amados que deixaram seus comentários, Nadja e Luiz Fernando. Beijos, queridos!
Não posso esquecer de deixar de registrar aqui  outro grande motivo de festejos dessa  semana, que foi o nascimento da Anelise, primeira filha da minha amiga e parceira no romance, O Vampiro de Edimburgo, a Aline Kodama.  Que Deus as abençoe e lhes traga muita saúde, amor e felicidade!
Para finalizar, desejo a todos vocês uma FELIZ PÁSCOA, com muita alegria e harmonia com seus familiares e amigos. Um super beijo e um abraço caloroso! Até a próxima!!
 
 

sexta-feira, 22 de março de 2013

A Cruz de Hainaut - Capítulo XV (2ª parte)

 
 
Castelo de madeira de Eduardo III, nos arredores de Calais – Março de 1347
 
 
- Onde está Eduardo? – perguntou a rainha ao seu fiel amigo Sir Walter de Mauny, quando irrompeu no salão onde o rei costumava deliberar suas ordens. Parecia nervosa e irritada.
- Ele saiu para verificar as torres de observação em torno das muralhas e falar com o comandante da flotilha que chegou aqui no final do mês. Com a ajuda destes 120 navios que Sua Majestade mobilizou para cá, conseguimos o bloqueio completo do acesso por mar. Com isso a entrada de alimentos para abastecimento da cidadela fica definitivamente cortado e...
- Perdoe-me, Walter, mas não preciso saber desses detalhes escabrosos das táticas do cerco. O que preciso agora é falar com meu marido.
- Se eu puder ajudá-la...
Filipa soltou um longo suspiro e sentou-se em uma das cadeiras em torno da mesa de reuniões.
- Minha filha, Isabela, acaba de chegar de Londres. Diz que o pai mandou trazê-la para cá, pois ficará noiva do novo Conde de Flandres na Páscoa.
- O rei não lhe comunicou sua resolução?
- Não! – exclamou exasperada, elevando o tom da voz, coisa que raramente fazia, pois costumava ser tolerante com as atitudes inesperadas de seu marido. – Ele não pode definir o futuro de nossa filha sem antes falar comigo.
- Creio que Vossa Majestade deva discutir este assunto diretamente com o rei. – disse Sir Walter sentindo-se consternado pela rainha, mas ao mesmo tempo não querendo intrometer-se na intimidade do casal real.
Conter o choro diante de seus súditos era algo que aprendera ao longo dos anos de reinado e não pretendia que fosse diferente na frente de Sir Walter. Uma rainha não podia se dar ao luxo de ficar lamentando os mandos e desmandos do rei.  Sua tristeza era provocada, não apenas pela obrigação imposta a sua filha de quinze anos, mas pelo sentimento de traição. De repente, dava-se conta de que, naqueles últimos meses, Eduardo estivera tentando cativá-la, não por que quisesse seu amor de volta, mas porque sabia de sua resistência a um casamento de conveniência e precisaria de seu apoio. E pensar que andava tão feliz com os carinhos e agrados de Eduardo...
- Senhora... O rei está chegando. – alertou-a Sir Walter aliviado quando avistou o grupo de cavaleiros que cruzava os portões da vila e a figura imponente de Eduardo a frente deles.
- Por favor, meu amigo... Poderia pedir a ele que vá até meus aposentos?
- Sem dúvida, majestade. Irei imediatamente.
Após uma mesura, saiu do salão a procura de seu rei.
Quando se dirigia para o quarto, Isabela veio ao seu encontro.
- Mãe?
- Sim, minha filha... – respondeu carinhosa, abrindo os braços para aconchegá-la.
- Estava com saudades...
- Eu também, meu anjo.
- Não quero que a senhora brigue com meu pai.
- Não vou brigar, querida.
- Eu estou feliz com o noivado. Eu lembro de ter visto Luís ao lado de seu pai na corte. Lembro que o achei bonito. Não vejo a hora de revê-lo. – sussurrou a frase final, com as bochechas coradas.
- Tenho certeza que o jovem Luís é um ótimo rapaz, que a fará muito feliz – disse para a filha e para si mesma, numa tentativa de convencer-se que a escolha de Eduardo era certa. Não admitiria que sua filha sofresse nas mãos de quem quer que fosse. Ela era muito jovem e inexperiente.
- Então, não está chateada com papai?
- Ele deveria ter me avisado a respeito de suas intenções de casá-la com o conde...
- Já está na hora de me casar, mamãe. Melhor que seja com um jovem belo e solteiro, do que com um velho barrigudo e viúvo. Não acha?
- Queria falar comigo, Filipa?
A voz tonitruante de Eduardo encheu o corredor onde mãe e filha conversavam próximas à entrada dos aposentos da rainha.
- Papai!
Isabela correu para os braços de Eduardo, que imediatamente abandonou a expressão preocupada e abriu um sorriso. Isabela lembrava Filipa quando jovem, mas de cabelos castanho-escuros Ele reconhecia que ficara mais aliviado com a boa recepção que ela tivera ao receber a notícia de seu futuro noivado. Olhou para a esposa e anteviu a  tempestade que teria de enfrentar logo a seguir. Abraçou a filha e pediu que ela os deixasse para que pudessem conversar.
- Mamãe?... – lançou um olhar suplicante a Filipa.
- Não se preocupe. Vamos apenas conversar. – tranquilizou-a.
A menina deu um sorriso pueril e saiu à procura de sua dama de companhia, a quem deixara falando sozinha para correr atrás da mãe.
Filipa fez uma reverência ao marido e entrou em seu quarto, deixando a porta aberta, como um sinal de que ele deveria segui-la. Eduardo não entendia por que a mulher estava tão aborrecida. Muitas vezes tinham conversado sobre as responsabilidades de um monarca e dos casamentos de interesse que deveriam ser realizados à medida que fossem necessários. Isabela já estava em idade de casar e não encontraria melhor partido na Inglaterra ou na França. Além disso, sua aliança com Flandres, Nevers e Rethel, antes firmada com o pai de Luís, que morrera lutando ao seu lado, na Batalha de Crècy, estaria assegurada.
- Feche a porta, por favor.
- Filipa...
Ela não conseguiu segurar mais o seu desapontamento e sua tristeza pela atitude de Eduardo.
Vendo a mulher a verter lágrimas inexplicadas, aproximou-se dela a fim de consolá-la, pensando ser, afinal, outro o motivo para aquela conversa. Não era possível que o choro fosse pelo noivado de Isabela. Foi rechaçado abruptamente.
- Não me toque!
- O que houve, Filipa?
- Por que simplesmente não me falou sobre seus planos em relação a Isabela? Não precisaria usar de subterfúgios para me colocar ao seu lado.
- O quê? Subterfúgios? Sobre o que exatamente você está falando?
- Você sabe muito bem!
Uma nova onda de choro se iniciou.
- Não, Filipa... Eu não sei do que está falando.
- Nos últimos meses, aqui nesse acampamento, tenho sido iludida por você – disse entre soluços. – Quase acreditei que poderíamos voltar a ser um casal de verdade.
Tomado pela revolta, diante das palavras de sua esposa, Eduardo agarrou-a pelos braços e obrigou-a a olhá-lo de frente.
- Eu não a iludi! – afirmou irritado, mal podendo acreditar que a insegurança afetiva de Filipa a tivesse feito imaginar tal artimanha por parte dele. – Tudo que está acontecendo nestes dias é real e ditado pelo coração e não por uma ação calculada para suborná-la... Acredite em mim. Meu único erro foi querer evitar seu aborrecimento.
 - Por favor! Não considero o destino da nossa filha como um mero aborrecimento. – bradou enquanto tentava desvencilhar-se das mãos de ferro do marido.
- Está bem... – Liberou-a. –  Me perdoe ... Vamos conversar sobre isso como dois pais preocupados com o casamento de sua filha, mas não jogue na lama todo o meu esforço em reconquistá-la ao lado dos momentos inesquecíveis que temos vivido “nesse acampamento”.
O soluçar diminuiu. Em um movimento suave, Eduardo voltou a tentar uma abordagem, sendo bem sucedido dessa vez. Chegou por trás de Filipa, sem tocá-la, mas tão próximo que podia sentir o perfume de seus cabelos e o calor de seu corpo. Percebeu o estremecimento dela reagindo à aproximação. Suas mãos envolveram sua cintura e a giraram, deixando-os frente a frente. Segurou seu queixo com delicadeza forçando-a a olhar para cima.
- Eu a amo, Filipa. Lembra-se dos meus votos em York, feitos há quase 20 anos? Não os fiz de forma inconsequente. A vida, as batalhas e as separações decorrentes da rotina do reinado podem ter me afastado um pouco de minhas juras, mas o amor que sinto por você permanece, até maior que antes.
Ela o fitou e pode ver a sinceridade e a veneração vertendo dos olhos de seu amado.
Com o rosto ainda úmido pelas lágrimas perdidas, teve os lábios, entreabertos pelo júbilo diante das palavras de Eduardo, cobertos por um beijo, a princípio suave, mas que ao ser correspondido, tornou-se mais e mais apaixonado e vigoroso. Um desejo avassalador tomou conta do homem. Roupas foram arrancadas e as palavras foram substituídas por ações...
Era início de mais uma tarde nublada e fria. No entanto, sobre a cama, nos aposentos da rainha, os corpos nus e entrelaçados exalavam calor, preguiça e deleite, como se estivessem desfrutando uma manhã ensolarada e sem compromissos. O fogo na lareira crepitava, começando a exigir mais lenha para atiçá-lo.
- Você sabe como acabar uma discussão. – afirmou Filipa, acariciando o peito de Eduardo.
- Acho que deveríamos discutir mais vezes...- sugeriu beijando o topo da cabeça de cabelos dourados e despenteados.
Ela sorriu e fez menção de sair da cama, no que foi rapidamente impedida. Num movimento quase felino, Eduardo subjugou-a sob seu corpo.
- Que tal uma nova discussão?
- Realmente ainda precisamos falar sobre o casamento de Isabela.
Com um suspiro longo, Eduardo deitou-se ao seu lado, olhando para o teto.
- Pensei que esse problema estivesse resolvido. Você sabe que o jovem Luís acaba de herdar condados importantes para a Inglaterra. Este noivado será benéfico tanto para nós como para ele, que precisa da lã inglesa.  Preciso manter seu apoio, assim como o tinha de seu pai. Sei que ele é simpatizante de Filipe, mas seu pai era nosso aliado e ele deve se manter fiel a nós.
- A Isabela é tão jovem... Tenho medo que ela venha a sofrer com um casamento arranjado dessa maneira.
- Ela tem um ano a menos que eu quando te desposei.
- É diferente, Eduardo. Nós nos amávamos e nosso casamento não foi por conveniência.
- Filipa... Tenho certeza que os dois vão se dar muito bem. Nossa filha é linda. Impossível não se apaixonar por ela. Ele é um jovem de boa criação e sei que a fará muito feliz.
- Ah, se eu pudesse ter uma garantia disso...
- Se ele a fizer infeliz, eu o mato... Mas só depois que eles tiverem um herdeiro. – disse sério.
- Eduardo! – escandalizou-se com a ameaça do marido.- Como pode dizer uma coisa dessas!
- Só para tranquilizá-la... – respondeu, caindo na risada logo em seguida e voltando a ficar sobre ela. – Agora que discutimos um pouco, que tal nova reconciliação?
- Só se me prometer que nunca mais vai me deixar de fora das decisões sobre os casamentos de nossos filhos.
- Prometo... – sussurrou no seu ouvido, iniciando outra série de carícias que a fizeram sorrir e gemer.
 
(continua...)
 
 
Oi, pessoal!
Demorou um pouquinho mais, mas consegui postar antes do final de semana. Devagar e sempre...
Amei os comentários da última postagem ( beijos muito especiais para a Lucy, a Ly, a Nadja, a Léia, o Luiz Fernando e a Rose - bem vinda ao meu cantinho, querida!).
Quero aproveitar para agradecer a todos aqueles amigos que enviaram lindas  mensagens de felicitações pelo meu aniversário lá no Facebook, que aliás foi um dos motivos(o aniversário)  para a demora na postagem... Muita festa...rsrs, o que é um bom motivo, não? MUITO OBRIGADA!!! Amo vocês!
Mil beijinhos, meus queridos, e até a próxima postagem!