segunda-feira, 24 de maio de 2010

Coração Atormentado - Capítulo X - Fim de semana

A hora do almoço foi uma festa. A mesa guarnecida por pratos típicos da culinária mineira encheu os olhos e satisfez o apetite dos convivas, principalmente de Gabriel que há mais de três anos não provava da comida de sua terra. Nancy pareceu aprovar os novos sabores. De qualquer maneira, apesar das perguntas dela sobre os ingredientes dos quitutes, Gabriel e sua família resolveram não revelar alguns, especialmente o principal componente do saboroso molho pardo que acompanhava a galinha de que ela tanto gostara. Na hora do cafezinho, foram todos para o avarandado nos fundos da casa, de onde se descortinava uma linda visão dos campos e colinas que rodeavam a propriedade.
Durante uma brecha na animada conversa entre os irmãos e a tia, Isabel inesperadamente lançou uma pergunta a Diego.
- O que causou a sua paralisia, Diego?
Ângela olhou-a pasma, não acreditando que sua mãe pudesse ter feito uma pergunta como esta, numa hora tão inconveniente, na frente de todos. Mas para sua admiração, Diego respondeu tranquilamente.
- Foi um acidente de carro.
- Você estava dirigindo? – continuou sua sindicância educada, mas maldosa, tentando insinuar que ele seria o culpado por seu estado atual.
- Sim – respondeu secamente.
- Este trânsito de BH está cada vez pior. O que mais se vê nos jornais de lá são as notícias sobre acidentes automobilísticos – comentou – Os motoristas não respeitam mais as leis, os limites de velocidade...
Diego não falou nada, mas percebia-se o grande mal estar provocado por Isabel e seus comentários.
- Há cinco anos tivemos um grande amigo que ficou paraplégico também, mas foi devido a um acidente durante um mergulho em piscina – continuou ferina. – Ângela deve ter lhe contado. Ou não?
- Sim, senhora. Foi o noivo dela, Tomás, não? – rebateu – Infelizmente, ele não soube lidar muito bem com sua lesão, pelo que ela me contou – continuou, agora com certa irritação na voz.
- Mãe, não é hora para falar sobre isto. – Ângela achou por bem intervir na desagradável conversa.
- Não vejo por que não. O Diego não parece estar chateado com o assunto.
- Mas eu estou, mãe – disse com tom de voz já alterado.
- Que tal uma sesta? Não há nada melhor que uma soneca depois do almoço. Preparei umas coisinhas gostosas para servir mais tarde no lanche. – interferiu Lourdes – Assim vocês descansam um pouco e depois vêm fazer uma boquinha.
- Deste jeito vamos voltar para Chicago com dez quilos a mais, Tia Lourdes – partiu Gabriel em auxílio da tia, ajudando-a amenizar o clima, que se tornava cada vez tenso no avarandado.
- Se me dão licença...
Isabel, aborrecida com a interrupção, levantou e saiu.
- Diego, espero que não a leve a mal. Ela ficou um pouco amarga depois da morte do meu irmão, sabe? Às vezes, faz coisas para magoar as pessoas e nem se dá conta disso. Mas no fundo é uma boa mulher, não é Ângela? – partiu Lourdes em defesa da cunhada.
- Mas hoje ela está se superando – resmungou Ângela, levando a mão à perna de Diego, que estava ao seu lado e pressionando-a para confortá-lo.
- Não se preocupe comigo. Eu entendo a sua mãe – falou compreensivo, em voz baixa, curvando-se na direção de Ângela, de forma que só ela o ouvisse.
- Mas então, o que acham do meu conselho? – voltou a falar Lourdes.
- Acho que vamos seguir a sua sugestão, tia. Lá em Chicago nunca temos uma oportunidade como esta. Até mais tarde a todos. – disse levantando-se – Let´s go, Nancy! – invocou a noiva para acompanhá-lo, puxando-a pela mão. Ela o seguiu sem compreender muito bem o que estava acontecendo, mas foi sorrindo.
Em alguns instantes, Diego e Ângela estavam sozinhos na varanda.
- Não sei o que deu nela para agir desta forma.
- Ângela, eu a entendo perfeitamente. Ela já se deu conta que existe uma ligação entre nós, além da relação enfermeira-paciente. Qual a mãe que vai querer um namorado paralítico para a filha, ainda mais quando esta já teve uma péssima experiência anterior semelhante?
- Mas é totalmente diferente. Você não é como o Tomás...
- Fico feliz em saber disso – falou num murmúrio, acariciando o rosto de Ângela – Confesso que ainda tinha medo que você estivesse nos confundindo e que me visse apenas como o Tomás que você está conseguindo salvar.
- Não vou mentir – disse surpreendida com aquela declaração – Quando o conheci cheguei a pensar nisso, mas depois, conhecendo-o melhor, entendi que vocês eram completamente distintos. Apesar de eu ter amado muito meu noivo, descobri que ele foi fraco, egoísta e... – Baixou os olhos para esconder as lágrimas– Talvez não me amasse tanto quanto eu pensava. Infelizmente ou felizmente, descobri isto de uma maneira nada agradável.
- Ângela... Você ainda o ama? – perguntou Diego em voz baixa, preocupado com a reação dela.
- Não! – exclamou limpando o rosto e abrindo um sorriso franco – Eu estou chorando por mim, pois só agora, depois de tantos anos consegui dizer o que eu escondia de mim mesma, me obrigando a carregar toda a culpa pela morte dele. Apenas ele foi o responsável, como você falou hoje aqui nesta sala. Só espero que ele tenha encontrado paz na escolha que fez.
Quando terminou seu desabafo, continuou olhando para Diego com ternura e disse:
- Agora, convença-se disso: Eu estou apaixonada por você, não por um fantasma – Deu-lhe um beijo e completou – Convencido?
- Não sei... – disse com ar dissimulado – Talvez eu precise de mais provas para me convencer...
- Que tal irmos para nossa casinha? Posso provar tudo que você quiser lá... – convidou-o de forma sensual.
- Vamos ver quem chega primeiro? – desafiou-a de brincadeira.
Atravessaram o gramado rindo, sem se darem conta que alguém tinha escutado seu diálogo e os observava pela janela da cozinha. Assim que entraram no anexo, Isabel fechou os olhos e suspirou. Parece que sua filha estava finalmente redescobrindo a vida, atendendo às suas preces dos últimos anos. Porém, temia que ela viesse a sofrer mais uma vez. Diego aparentava ser um bom rapaz e não parecia ter nenhuma predisposição ao suicídio. Mas que tipo de relação poderia ter com Ângela, preso a uma cadeira de rodas? Por mais que todos falassem sobre a reabilitação destas pessoas, achava impossível um relacionamento saudável entre um paraplégico e uma mulher normal.
- Pensando nas besteiras que disse há pouco? – soou a familiar voz, interrompendo seus pensamentos.
- Vê se me deixa em paz, Lourdes.
- Você não queria tanto que a Ângela voltasse a ser feliz? Por que está reagindo desta maneira, agredindo o pobre do rapaz.
- Eu não o agredi. Apenas fiz uma pergunta...
- Queria saber como ele ficou aleijado? Isto é pergunta que se faça? Onde está a sua educação? Perguntasse para sua filha ou para ele mesmo, numa hora em que estivessem a sós.
Quando Isabel se virou para olhar a cunhada, mostrou os olhos vermelhos.
- Você estava chorando? Por quê? Vem cá, boba – chamou-a abrandando o tom da fala, abrindo os braços para consolar a amiga de longos anos. – Agora me diga o que se passa nesta cabeça dura?
- Ah, Lourdes, porque ela tinha que gostar dum moço assim? – queixou-se, achegando-se no abraço oferecido.
- Assim como, mulher? Um homem lindo daqueles. Quem me dera.
- Lourdes, você pare de brincar. Isto é sério.
- Eu estou falando sério. Além disso, nós é que estamos imaginando que existe alguma coisa entre os dois. A Ângela o apresentou só como amigo.
- Ela está apaixonada por ele. Eu a ouvi se declarando para ele.
- Mas que maravilha! Que ótima notícia! Finalmente depois de todos estes anos... Achei que a minha sobrinha predileta ia ficar para titia, como eu.
- Você não toma jeito, mesmo.
- Quem não toma jeito é você. Essa sua mania de se meter na vida dos filhos já levou o Gabriel para longe daqui. Quer perder a Ângela também?
- Quem disse que o Gabriel foi para os Estados Unidos fugindo de mim?
- Uai, só você que não se deu conta disso.
- Lourdes, ele falou alguma coisa com você?
- Não, mas qualquer um, que acompanhasse as discussões de vocês, antes da decisão dele de ir para o exterior fazer uma pós e ficar por lá, poderia entender a disposição dele.
Isabel dispensou o abraço da cunhada e voltou a olhar pela janela, com dolorosa expressão de dúvida.
- Eu só quero o melhor para eles... – revelou – Nestas horas sinto falta do Laerte. Ele conseguia entender melhor as crianças que eu.
Lourdes a abraçou carinhosamente por trás e consolou-a:
- Você é uma mãe maravilhosa, Isabel, mas tem que aprender a aceitar as escolhas deles e deixá-los ser felizes a maneira deles. Não à sua.
- Ai, como eu queria que fosse fácil assim.
- Mas é fácil. Olhe as carinhas de felicidade deles e não tente colocar defeito nos motivos. Por exemplo, porque não tenta conversar com a sua futura nora? A pobre da “gringuinha” parece andar em cima de ovos cada vez que você está no ambiente.
- Mas ela nem fala a nossa língua. O Gabriel bem que podia ter arranjado uma brasileira para casar.
- Olha aí o que eu disse!
- Está bom, está bom! Ela até que parece ser boazinha, mas é tão sem graça... – objetou.
- Parece que o Gabriel não pensa assim. Provavelmente lá nos Estados Unidos, ela não deve parecer tão sem graça assim, caso contrário não teria pegado o teu filho. Quantas namoradas ele teve? Montes! Com quem ele vai casar? Com a Nancy, que você acha sem graça. Ponha-se no lugar dela, pobrezinha. Vem para um país considerado exótico lá fora, sem falar ou entender quase nada da língua, fica na casa da futura sogra, que nunca foi muito calorosa com ela. Deve estar se sentindo totalmente perdida. E você não está ajudando a melhorar esta situação... O carinho não precisa de palavras, Isabel.
- Está bem, Lourdes! Você já me convenceu. Vou tentar seguir os seus conselhos, Dona Sabe-tudo – disse resignada.
- Então, em vez de ficar aí matutando bobagens, que tal vir me ajudar a fazer uma baba de moça para a sobremesa de amanhã?
- Mas você só pensa em comida?
- E tem coisa melhor para se pensar na nossa idade? - indagou, conseguindo arrancar um sorriso da cunhada. – Venha! Vamos para a cozinha, sua ranzinza!
Abraçadas, seguiram para o reduto das panelas.



- E então, seu preguiçoso, vamos lá... Tem uma mesa de café nos esperando lá na casa grande - sussurrou junto ao ouvido de Diego.
Era o meio da tarde. Depois do amor, sentiam-se ainda relaxados e sonolentos.
- Sinceramente, eu preferia ficar aqui abraçadinho a você. Será que a sua tia vai ficar muito chateada se a gente não aparecer por lá agora? – perguntou, enquanto puxava Ângela para mais perto, abraçando seu corpo nu.
- Acho que não... – deu-se por vencida facilmente, se aconchegando mais a ele, fechando os olhos e aproveitando a intimidade e o calor de seu corpo, relembrando os momentos de prazer que tinham passado juntos, naquela tarde deliciosa.



Ali perto, diante da mesa preparada para o café, coberta por acompanhamentos como bolo de fubá, biscoitos de queijo, rosquinhas de polvilho e as mais variadas geléias e compotas de frutas, sentadas uma em frente à outra, Isabel e Lourdes esperavam por seus convidados, que ainda não tinham aparecido.
- Acho que a sua sugestão da sesta foi aceita e tão bem aproveitada que provavelmente tomaremos nosso café sozinhas – observou Isabel, ironicamente, diante da cara de desiludida de Lourdes.
- Era de esperar que dois casais jovens e cheios de energia prefeririam sua própria companhia a um café cheio de calorias, com a mãe e a tia velhas – concordou a amiga com um sorriso amarelo, lembrando o trabalho todo que tivera para preparar aquelas guloseimas – Então, o que estamos esperando? Eu não fiz isto tudo para ficar olhando.
Isabel começou a rir diante da expressão de Lourdes e logo foi seguida por esta, que desatou numa gargalhada. Quando conseguiram parar, passaram a desfrutar das delícias desprezadas pelos jovens.



Após o jantar, Nancy parecia sentir-se mais a vontade, participando ativamente da conversa com Gabriel e Diego, que fizera questão de falar em inglês para deixá-la mais à vontade. Isabel observava-os atentamente, quando Ângela aproximou-se.
- Mãe. Precisamos conversar.
- Eu sei, minha filha. Já levei um sermão e tanto da sua tia. Me perdoe. Eu passei dos limites com aquele moço.
- Diego, mãe. O nome dele é Diego e ele é uma pessoa muito especial para mim.
- Eu já percebi isso e sei que vocês estão... juntos. Ouvi, sem querer, a conversa entre vocês hoje à tarde.
- Pois é... – disse pensativa – Vamos dar uma caminhada lá fora?
- Vamos sim.
Saíram de braços dados. Ângela acenou para Diego, que retornou o gesto, entendendo que ela estava para ter uma conversa em particular com a mãe, provavelmente sobre os dois.
Passou-se algum tempo. Quando voltaram, ambas apresentavam os olhos vermelhos, mas estavam abraçadas, sorrindo e totalmente reconciliadas, para alívio de Diego. Depois disso, Isabel ressurgiu mais afável. Chegou a fazer demonstrações de carinho a uma Nancy agradavelmente surpresa com a aproximação da futura sogra, que até falou algumas palavras em inglês tiradas do fundo do baú.



Casa Branca amanheceu envolta em neblina naquele domingo, mas isso não foi empecilho para que Gabriel e Ângela fizessem planos para aproveitar o lago artificial e relembrar os dias de sua infância e adolescência, quando iam para o sítio e divertiam-se nadando em meio aquela natureza toda. Sabiam, por experiência, que a névoa logo daria espaço a mais um dia ensolarado e quente. Depois do desjejum, onde foram praticamente obrigados a provar de cada uma das iguarias abandonadas na tarde anterior, sob o olhar atento e curioso de Lourdes, a espera dos óbvios louvores, partiram para trocar-se e aproveitar as próximas horas junto a Ângela e Diego, que depois do almoço teriam que voltar à Belo Horizonte.


 Lago do Sítio em Casa Branca

Como esperado, em torno de 10 horas, o céu abriu-se em um azul límpido, sem nuvens, adornado pelo sol resplandescente, para satisfação de todos.
Apesar da disposição de Gabriel e de Ângela em ajudar Diego a entrar no lago, este preferiu ficar apenas observando de sua cadeira a diversão deles, sem demonstrar nenhum tipo de ressentimento por não poder aproveitar da mesma forma que os demais. Logo, ele ria das brincadeiras entre os irmãos e Nancy, que viraram crianças dentro da água gelada do lago. Bastou-lhe ver a felicidade de Ângela, que de vez em quando lançava olhares afetuosos em sua direção, voltando a ser menina junto ao irmão que não via há tanto tempo. Ao vê-la assim, passou a ter certeza de que ela era tudo que sempre desejara. Não havia mais dúvidas de que amaria aquela mulher por toda a vida.



Enquanto o domingo de Ângela e Diego no sítio fechava o fim de semana de forma mais agradável e tranquila, não muito longe dali, diante de um álbum de fotografias, alguém admirava fotos do passado, pensando em como manter protegida sua família. Não deixaria ninguém atrapalhar seus planos. O próximo empecilho estava para ser removido. O primeiro e mais importante já fora eliminado. “Ágata deixara de ser digna. Ameaçara separar-se... Suportou por muitos anos sua presença e aguentou sua traição, mas chegara a hora de excluí-la. Só não contava com a presença de Diego na hora do acidente. Mas até nisso o destino se revelara ao seu lado, aproximando-os ainda mais. Agora faltava pouco para alcançar seus objetivos. Entretanto, aquela “dondoca” mimada, traidora e falsa, tentava abalar tudo que construíra. Se ela tivesse continuado com Diego, tudo estaria perfeito. Por sorte, ela se revelara antes do casamento. Agora ele estaria protegido... Não permitiria que ninguém mais o magoasse”. Deu um longo suspiro, fechou o álbum e voltou a rever seus passos para as próximas horas. Uma mente perturbada e confusa preparava-se para atacar mais um inocente.




Mais um capítulo postado. Espero que tenham gostado. O mistério ainda continua. Vocês já sabem quem é o assassino? Se alguém já souber, não comente, por favor...rsrsrs. Vamos tentar manter o suspense até o fim. Mais uma vez agradeço aos comentários carinhosos e à preocupação com a saúde da minha filha. Graças à Deus ela já está bem, se recuperando de uma infecção que nos preocupou bastante.
Aguardem o próximo capítulo. Sempre tenho a esperança de conseguir postar em menos de uma semana, mas já não prometo. Agradeço a paciência das minhas leitoras. Beijos à todas!

domingo, 16 de maio de 2010

Coração Atormentado - Capítulo IX - Encontros


DIEGO




Após o jantar, foram para o jardim de inverno, a pedido de Ângela, para ficarem a sós. Ela sentou-se numa poltrona de ratam, guarnecida por confortáveis almofadas com estampas florais, em tons de azul e amarelo, enquanto Diego colocou-se a sua frente, sentado em sua cadeira.
- Muito bem... Aqui estamos. Sobre o que quer falar? – perguntou Diego, ansioso por continuar a “conversa” que Clara tinha interrompido uma hora antes.
- Diego, o que você sabe a respeito da sua lesão? Você chegou a ser esclarecido pelo seu neurocirurgião?
-Ah! É sobre isso que quer falar – disse enfadado – Já vem a D. Ângela, a super enfermeira, com sua conversa de profissional. Por favor, não tente fugir novamente do que está acontecendo entre nós... – suplicou.
- Não estou fugindo. Isso é importante, porque... – pensou mais uma vez se era justo lhe dar esperanças que poderiam dar em nada, mas as evidências cada vez mais indicavam que ele tinha grandes chances de poder caminhar novamente.
- Por quê? Isto tudo é porque tive uma ereção? – disse baixando o tom de voz na última palavra.
- Este é um fato relevante. Olhe, pessoas com lesão medular geralmente têm bexiga neurogênica. Você sabe o que é, não?
- Já ouvi falar – respondeu visivelmente aborrecido.
- Pois é. Isto você não tem. Outra grande dificuldade de um lesionado de medula, no nível em que ocorreu o seu traumatismo, é o que você apresentou hoje.
- Para você ver o poder que tem sobre mim – maliciou, curvando-se sobre ela.
- Não brinque com isso. Estou falando sério – contestou – O que lhe foi dito pelo neurocirurgião?
- Ele não chegou a falar comigo. Marcelo é que me transmitiu a boa notícia de que eu não poderia mais andar e que precisaria de um tratamento “multimídia” para reabilitar-me – rebateu ironizando.
- Multidisciplinar, Diego - corrigiu-o, rindo.
- Que seja. Você tem idéia de como recebi a notícia? Hoje, graças a você, as coisas já não parecem tão terríveis.
- Você sabe que foi operado por um profissional e recebeu alta de outro? – voltou a questioná-lo, aparentemente ignorando a última frase dele, mas gratificada interiormente.
- Sim. Marcelo me contou que o Dr. Medeiros pediu afastamento do meu tratamento e outro colega foi indicado para me atender. Eu tive pouco contato com este último, pois ele também desapareceu. Será que eu estava tão intragável assim? – zombando da situação.
- Você sabe quem indicou este último neurologista?
- Parece que foi o próprio Dr. Medeiros.
- Foi o que lhe disseram? – surpreendeu-se com a resposta, mas não comentou.
- Sim... Mas qual é o problema, Ângela? Por que este interrogatório?
- É porque acho estranha esta troca de profissionais e a confusão em torno do seu diagnóstico.
- Você acha que o diagnóstico da lesão pode estar errado? – Um ínfimo brilho de esperança pareceu surgir em seu olhar.
- Talvez...
- Mas eu não posso andar, Ângela. Isto está muito claro para mim. E não foi por falta de tentar. Minhas pernas simplesmente não respondem ao meu comando – falou com tristeza – E não pretendo me iludir, criando falsas esperanças... Sei que seria muito melhor para você que eu pudesse voltar ao normal, mas...
- Cale-se... – murmurou ela, sentando na beirada da poltrona, aproximando-se dele e cobrindo suavemente sua boca com a mão – Não fale bobagens. Quem está mudando de assunto agora não sou eu. Para mim, gostar de você independe da sua capacidade de andar. Entenda isso de uma vez por todas. O problema é sabermos com certeza o diagnóstico correto para seguir a melhor conduta no seu tratamento.
Tão próxima ela estava, que Diego não resistiu. Colocou sua mão no pescoço de Ângela, aproximou-se como se fosse lhe dar um beijo e falou com os lábios muito próximos aos dela:
- O que você acha da gente mudar de vez este assunto e subir?
- Diego! – respondeu sorrindo, agradavelmente admirada com o desejo dele – Acho que você está indo muito rápido...
- Eu já te desejo há tanto tempo... Nada está sendo muito rápido para mim. Além disso – uma sombra se abateu sobre o seu rosto – Não sei como vai ser, pois nunca mais fiz amor depois... Depois do acidente.
Ela sorriu enternecida por ele, por sua coragem em expor-se diante dela.
- Eu posso te ajudar... – disse carinhosa.
- Eu vou adorar esta ajuda... – sussurrou antes de beijarem-se apaixonadamente.
- Mas já vou avisando, que você vai ter que ter muito mais paciência, pois eu já esqueci quando foi a minha última vez – continuou Ângela após o beijo, arrancando um riso abafado de Diego.
Neste momento, Clara pigarreou, interrompendo mais uma vez. Ângela recostou-se novamente na poltrona, afastando-se abruptamente de Diego. Preocupava-se com o que as outras pessoas iam pensar sobre esta aproximação dos dois, porém a cada dia ficava mais difícil esconder seus sentimentos em relação a Diego. Agora que ele rompera com Cláudia e revelara abertamente estar gostando dela também, não conseguia mais manter a barreira que a afastava dele.
- Clara, se você tornar a fazer isto mais uma vez, será despedida – esbravejou Diego.
- Desculpe, seu Diego, mas a Zica pediu para eu perguntar se vocês não precisavam de mais nada e se a gente já podia se recolher – respondeu nervosa, lançando um olhar reprovador para Ângela.
- Obrigado pela preocupação, mas não precisamos de mais nada. Podem se recolher, sim – ordenou ele.
- Então, com licença... Boa noite.
- Boa noite, Clara – disse Ângela um pouco encabulada pela situação.
- Boa noite, Clara. E nada de fofocas, entendeu? Se eu souber que você falou alguma coisa sobre o que viu aqui esta noite para quem quer que seja, já sabe o que acontece – disse Diego, tornando a ameaçá-la.
- Entendi sim, senhor – disse e virou-se para sair dali o mais rapidamente possível.
- Diego, não precisava falar com ela dessa maneira – defendeu-a Ângela, assim que a copeira desapareceu.
- Não quis parecer grosseiro. Só não quero que falem mal de você, Ângela.
- Eu sei... Na verdade, eu não me sinto a vontade estando aqui com você. Parece que estou tentando me aproveitar da sua situação, seduzindo-o... Preocupo-me com o que os outros vão pensar.
- Então pare de se preocupar. Não sou nenhum adolescente imaturo e inexperiente para ser inocentemente seduzido por uma mulher. – afirmou muito sério. – A sua presença tem sido muito importante. Você despertou em mim sentimentos que estão me fazendo voltar à vida que eu achava que tinha terminado.
- Diego... É tão bom ouvir isso... – falou com a voz embargada, pois não teve como evitar a lembrança de Tomás, a quem não tinha conseguido trazer de volta.


TOMÁS
Emocionada, levantou-se e sentou no colo de Diego, aconchegando-se em seus braços, que logo a envolveram, quentes e fortes, trazendo-lhe uma agradável sensação de segurança e paz. Assim ficaram por alguns minutos, de olhos fechados, apenas sentindo a presença e o calor, um do outro.
- Acho que precisamos dormir. O que acha? – ela perguntou.
- A minha intenção não era dormir agora – insinuou provocante.
- Temos que acordar cedo amanhã. Além disso, temos todo o final de semana pela frente.
Um pouco decepcionado, acabou por concordar, diante dos argumentos dela.
- O que um pobre cadeirante pode contra uma enfermeira determinada a acabar com seus planos de uma noite picante? – queixou-se com jocosa expressão infeliz.
Ela não pode deixar de rir do “pobre cadeirante”.
- Será que este pobre cadeirante consegue acompanhar a sua “enfermeira determinada” até a porta de seu quarto?
- Vai ser um prazer – animou-se novamente.
Ela se preparava para ficar de pé ao seu lado, quando ele a segurou no colo e começou a movimentar a cadeira.
- Diego, é muito peso para você. Pode distender algum músculo.
- Shsshhh – chiou, para fazê-la calar-se – A fisioterapia tem sido muito efetiva neste ponto. Não se preocupe e aproveite o passeio até o andar de cima.
Só então ela pode experimentar os efeitos do bom trabalho de musculação que Carlos conseguira com seu paciente. Apenas com a força de seus braços, levou-os até o elevador da sala e, dali, até o andar superior, acompanhando-a até o quarto.
- Muito obrigada pela carona. Estou impressionada com o seu desempenho.
- Tem certeza que não quer ampliar esta impressão e ver meu desempenho lá no meu quarto? – provocou-a novamente, enquanto passava a boca na linha de seu pescoço, abraçando-a com mais intensidade.
- É muito tentador, mas vou ter de dispensá-lo agora – disse de olhos fechados, inebriada com o hálito quente que se transformava num delicioso arrepio a percorrer-lhe o corpo inteiro.
- Não me parece que esteja muito certa disto... – continuou tentando seduzi-la.
- Estou sim, senhor Bernazzi – falou, abrindo os olhos e saltando para o chão, para surpresa dele – O senhor é muito tentador, reconheço, mas, como já disse, temos uma estrada pela frente amanhã e...
- Já sei. Temos que descansar – deu-se por vencido – Ao menos um beijo de boa noite?
Ela abaixou-se e segurou o seu rosto carinhosamente, beijando-lhe os lábios por longos segundos.
- Boa noite, Diego – despediu-se, afastando-se lentamente dele até estar dentro do quarto.
- Boa noite, Ângela. Se precisar de alguma coisa, estou aqui ao lado... – correspondeu, sorrindo, ao ver a porta fechando-se.





A manhã de sábado chegou radiante, parecendo ter sido feita de encomenda para o novo casal de enamorados. Após tomarem seu café, foram ajudados por Luis, o motorista da família, que acabara de saber que seria dispensado de seu trabalho nos dois dias seguintes, só precisando estar disponível para buscar Marcelo no aeroporto, no domingo à tardinha. Diego dispensou ajuda para colocar-se sentado ao lado de Ângela. Colocadas as malas e a cadeira de rodas no Fox branco, despediram-se e partiram para Casa Branca. Durante o trajeto, ela evitou falar novamente sobre as dúvidas em torno do diagnóstico dele. Depois de falarem sobre amenidades, Ângela acabou por contar sobre sua conversa com José. A princípio, Diego não gostou de saber que o antigo motorista ainda o procurava para falar sobre sua inocência, mas à medida que Ângela contava e expressava sua opinião, ele ficou pensativo.
- Ele sempre foi muito educado e prestativo. Parecia realmente gostar de seu trabalho e nunca fez queixa alguma. Minha mãe sempre tratou com delicadeza à todos com quem trabalhava. Veja Glória, por exemplo. Tornou-se uma das melhores amigas dela. Não acreditei, no início, que ele pudesse ter algo a ver com o acidente. Só quando soube das provas que a polícia achou, comecei a lembrar das desconfianças de Marcelo e unir os fatos. Não creio que minha mãe tenha tido nenhum caso com ele como Marcelo sugerira, mas é possível que José, na sua mente doentia, tenha pensado que ela o amasse e a matou por sentir-se repudiado.
- Ele tem que ser um grande psicopata para cometer um crime como este e falar comigo da forma que falou, quase chorando, ao referir-se à vocês..
- Talvez ele seja, pois conseguiu passar a conversa em você.
- A polícia não falou em outros suspeitos?
- Não. Pelo menos comigo, não. Acredito que com Marcelo também não, caso contrário ele teria comentado o assunto. Tampouco nosso advogado falou sobre isso – disse, denotando certa irritação na voz, já que o assunto não lhe era dos mais agradáveis.
Ela calou-se por alguns minutos, pensando no enigma que tinha a frente. Quando notou o silêncio ao seu lado, olhou para seu acompanhante, que lhe sorria, enquanto a admirava.
- O que foi? – perguntou espantada – O que há de engraçado?
- Nada de engraçado – continuou rindo – É que você fica uma gracinha assim preocupada, tentando dar uma de detetive.
- Não tem nada de engraçado mesmo, Sr. Bernazzi. Estou mesmo preocupada com você. Tenho medo que possa estar em perigo com um assassino solto por aí.
- Não tem o que temer... – tranquilizou-a – Infelizmente, acho que o único alvo deste assassino era minha mãe. A minha presença naquele carro foi apenas uma triste coincidência.
- Tomara que você tenha razão – disse apreensiva.
Começou a diminuir a velocidade do carro e entrou numa estrada secundária, margeada por uma bela cerca branca, onde bougainvilleas brancas se emaranhavam em torno das finas toras de madeira pintadas.
- Já estamos chegando... – vibrou ela – Tudo bem com você? Nervoso?
- Um pouco... Afinal, vou conhecer minha sogra e meu cunhado. Qualquer um ficaria nervoso... – brincou para disfarçar sua inquietude.
- Não brinque com isso, por favor – repreendeu-o séria – Eu posso acreditar... – continuou, olhando-o de soslaio, com ar brincalhão.
Logo surgiu a casa principal. Era uma ampla residência de estilo colonial, de paredes de alvenaria pintadas de cor azul e aberturas de madeira brancas, com um imenso jardim, onde se viam inúmeras roseiras, com lindas rosas das mais variadas cores e tamanhos, entre outras espécies de flores. Um pouco mais ao fundo entre um arvoredo, podia-se ver o que devia ser a moradia do caseiro, que acompanhava o mesmo estilo e cores da construção principal. Tudo parecia muito bem cuidado. Na garagem, ao lado da residência podiam ser vistos uma Pajero preta e um carro menor, com placa de São Paulo. Provavelmente era o carro alugado por Gabriel.
Logo que cruzou os portões, Ângela começou a buzinar. Duas mulheres saíram correndo e postaram-se na entrada da casa a abanar freneticamente para o veículo que se aproximava.
- Aquelas são minha mãe e minha tia – indicou-as, suspirando fundo e imaginando se elas conseguiriam ser discretas na sua avaliação de Diego. Apesar de suas recomendações pelo telefone, não tinha muita certeza do que esperar. – Tia Lourdes é a que está de avental. Pelo jeito, ainda está ocupada por seus quitutes na cozinha.
Logo atrás delas, surgiu um casal, mais comedido, mas visivelmente simpático.
- Pelo jeito vai ser uma recepção e tanto... – observou Diego, um tanto temeroso do que lhe aguardava. Deixaria as honras com Ângela. O melhor era ser discreto, se é que alguém numa cadeira de rodas podia passar despercebido.
- Eles vão te adorar. Não se preocupe – tranquilizou-o, pegando sua mão e apertando-a confortadoramente.
Diego ficou observando Ângela descer do carro e ser imediatamente cercada por vários braços e risos. Notou a jovem loura, de traços estrangeiros e grandes olhos azuis, um pouco afastada do grande grupo. Pelo menos, não era só ele que estaria se sentindo deslocado naquele ambiente, pensou um pouco mais aliviado. De repente, os risos diminuíram de intensidade e as atenções se voltaram para ele.
- Gabriel, por favor, me ajude aqui – requisitou sua irmã.
- Claro! – disse o homem de feições semelhantes às de Ângela, estampando os mesmos trejeitos dela – Muito prazer, Diego – cumprimentou-o, estendendo-lhe a mão, após abrir a porta do carro – Eu sou Gabriel, irmão da Ângela.
- Muito prazer. A Ângela me falou muito sobre você.
- Espero que bem – sorriu – Quer ajuda para descer?
- Não, obrigado. É só colocar a cadeira aqui ao lado, que eu me viro sozinho – agradeceu.
Ele podia sentir os olhares de todos os presentes sobre si, mas evitou devolvê-los, pelo menos até conseguir colocar-se sentado na cadeira e mover-se até onde as mulheres estavam.
- Mãe, este é Diego. Diego, esta é minha mãe, Isabel – apresentou-os Ângela.
- É um grande prazer recebê-lo aqui no nosso sítio, Diego – disse, também estendendo-lhe a mão, tentando aparentar naturalidade, mas sem buscar intimidade.
- O prazer é todo meu, senhora – devolvendo o aperto de mão.
- Mas a Ângela não nos disse que o Diego era um rapaz tão bonito... – observou a tia em voz alta, lançando um olhar maldoso para Isabel.
- Tia Lourdes... – censurou-a a sobrinha.
- Como vai, meu querido? Seja bem-vindo – acolheu-o carinhosamente, dando-lhe um abraço e um beijo na face.
- Muito obrigado, Tia..., quero dizer, Dona Lourdes – corrigiu encabulado.
- Que dona, que nada. Pode me chamar de tia, sim. Não é todo dia que recebo um sobrinho bonitão assim. De repente, estou recebendo a visita de dois, de uma vez só. Isto é o máximo! – exclamou alegremente olhando para Gabriel e, logo se voltando para Diego, que não pode deixar de rir e admirar o jeito bonachão de Lourdes.
- Controle-se, Lourdes – cochichou Isabel para a cunhada.
Lourdes fez que não ouviu.
- Gabriel, não vai apresentar a sua noiva? – perguntou, enquanto acenava para
Nancy para que ela se aproximasse mais.
- É lógico... Nancy, come on, sweet! – chamou-a num ingles perfeito, oferecendo-lhe a mão.
Nancy deu um sorriso tímido e pegou na mão que o noivo ofertava.
- “Moito prazere” – tentou falar em português – “Descolpen non falarr bem o portiugues”.
Ângela a beijou e disse algumas palavras em inglês que a fizeram sorrir e relaxar um pouco.
- Bem que tal entrarmos e tomar um cafezinho recém-feito acompanhado por um pão de queijo quentinho?
- Ai, tia, a senhora fez o pão de queijo?
- Sem dúvida! Reunião de família mineira sem pão de queijo não existe.
Todos riram, menos Nancy, que pareceu ficar na dúvida sobre o que estava sendo falado.
Diego logo elegeu Tia Lourdes como a sua preferida. Já Isabel... Notou que ela lhe lançava olhares furtivos de vez em quando, provavelmente tentando desvendar o que havia entre sua filha e ele. Não sabia exatamente o que Ângela falara a seu respeito, mas até lá, procuraria desempenhar o papel de paciente e amigo. Era melhor manter-se neutro, dentro do possível.
A conversa, para alívio de Diego, ficou focada em Gabriel e Nancy. Propositalmente ou não, Ângela acabou monopolizando, em termos de perguntas a respeito do irmão e da nova cunhada, não deixando espaço para esclarecimentos sobre Diego.
Quando o assunto parecia estar se esgotando, Isabel chamou a filha.
- Ângela, que tal mostrar ao Diego onde ele vai ficar. Arrumei tudo conforme me pediu.
- Ah, obrigada, mãe. Vou levar nossas malas para lá.
- Você vai ficar com ele? – cochichou surpresa.
- É claro. Ele pode precisar de minha ajuda.
Diante da mudice de Isabel, Lourdes resolveu falar para evitar algum confronto entre mãe e filha desnecessário.
- Eu vou começar a preparar o almoço, minha gente. Portanto, estão liberados para passear ou fazer o que bem entenderem – disse, piscando um olho para o sobrinho e Nancy.
- Tia Lourdes, a senhora não toma jeito mesmo – replicou Gabriel rindo e sacudindo a cabeça com resignação.
Seguida de perto por Diego, Ângela foi até o carro e pegou as malas.
- Pode deixar que eu levo. – ofereceu-se ele prontamente – Não estão mais pesadas que você – disse em tom baixo para Ângela e sua expressão de reprovação.
- Está bem – aceitou a oferta dele alegremente, lembrando da noite anterior – Você venceu.
Seguiram Isabel até a moradia menor, enquanto Ângela explicava-lhe que antigamente, quando eles moravam em Belo Horizonte e iam ao sítio apenas nas férias ou feriados mais prolongados, o pai contratara um casal de caseiros que moravam naquela pequena casa. Depois da morte de Laerte, Isabel e Lourdes foram morar no sítio e o anexo passara a ser um local para receber hóspedes. Pouco era usado, mas permanecia sempre arrumado para o caso de visitantes inesperados, como era o caso daquele dia.
Ao abrir a porta, Diego surpreendeu-se com o ambiente agradável e a decoração acolhedora. Depois de fazer uma revista nas quatro peças do lugar, Ângela abraçou e beijou a mãe.
- Muito obrigada, D. Isabel. Ficou perfeito. Melhor impossível.
- Vou trazer mais roupa de cama e toalhas para a cama de abrir, já que você vai ficar aqui também – avisou, dando ênfase nas palavras “cama de abrir”.
- Por mim, não precisa, Ângela – interpôs-se Diego na conversa, notando o mal estar de Isabel, diante da decisão de sua filha ficar com ele na mesma casa – Você sabe que eu me viro bem sozinho.
- De jeito nenhum. Na sua casa você já está adaptado, mas aqui, por mais que queira, pode ter alguma dificuldade – Mais uma vez ela lhe lançou um sutil olhar de censura.
Como a idéia de ficar a sós com ela durante a noite era extremamente tentadora, não objetou mais.
- Bem, então, podem acomodar-se – terminou por dizer, conseguindo esboçar uma tênue contração dos lábios – Vou buscar as roupas. Já volto. Fique à vontade, Diego.
- Obrigado, D. Isabel.
Assim que ela saiu, Diego olhou para Ângela, questionando-a.
- Ela sabe de alguma coisa?
- Não tive oportunidade de contar nada, mas creio que ela já percebeu que existe algo entre nós. Mãe é mãe. Se bem que ela ainda não tem razão alguma para preocupar-se.
- Mas isto, acredito, deva ser resolvido em questão de horas... – insinuou ao aproximar-se dela, pegando-a pela cintura e forçando-a a abaixar-se para beijá-lo, o que não necessitou de grande esforço, pois Ângela logo estava enroscada em seu pescoço a acariciar-lhe os cabelos e procurando seus lábios.



Depois de terem suas roupas devidamente guardadas, resolveram sair para passear, seguindo a recomendação de Tia Lourdes.
- Que tal fazermos alguns exercícios?
- Não. Neste fim de semana não quero ser seu paciente. Por isso, pare de me tratar como tal. Além do mais, não vão ser dois dias sem fisioterapia que vão impedir a minha reabilitação, não é mesmo?
- Sim, senhor... – respondeu ela docemente.
- Que tal me mostrar o seu lugar preferido entre as árvores frutíferas onde você se escondia para pensar olhando o céu?
- Você lembra! – exclamou surpresa.
- Ele existe, não? Ou foi só para me enrolar naquele dia?
- Existe sim. Venha, vou lhe mostrar.
Antes de saírem, Ângela lembrou de pegar alguma coisa, que colocou numa sacola, achada dentro do armário do quarto.
Andaram uma boa distância além do lugar onde estavam, até não poderem mais ver as casas do sítio. Em determinados trechos, Ângela teve de ajudar a empurrar a cadeira, mas logo chegaram a um pomar, repleto de laranjeiras, jabuticabeiras e outras árvores carregadas de saborosas frutas. Há poucos metros de distância havia um lago artificial, o que tornava a vista mais bucólica e relaxante. Não havia mais ninguém por ali.
- Quer experimentar? – indagou Ângela.
- Experimentar? – respondeu curioso.
- Deitar-se aqui, é claro!
Foi então que ela mostrou o conteúdo da sacola. Eram duas grandes toalhas de banho, que ela prontamente colocou lado a lado sobre a relva macia. Deitou-se sobre uma delas e bateu com a mão sobre a que estava ao seu lado, chamando Diego a deitar-se ali. Continha-se em ajudá-lo, numa tentativa de forçar sua volta ao movimento. Fechou os olhos e ficou esperando, aproveitando o calor do sol que lhe batia na face e percorria seu corpo, aliado a uma gostosa sensação de felicidade, repleta de boas lembranças de sua infância. Com um pequeno esforço, Diego foi até o chão e rolou para deitar-se ao lado de Ângela. Pegou em sua mão e ficou na mesma posição dela, aproveitando o lindo dia e o prazer de tê-la ali ao seu lado, apenas sua. Por alguns instantes, quando se recuperou do esforço efetuado para deitar, arrastou-se até estar bem próximo dela e passou a acariciá-la. Começou pelos sedosos cabelos soltos, passando à linha do pescoço, provocando nela um tremor de excitação. Logo, a mão deslizou para o decote da blusa de Ângela e, lentamente, começou a desabotoar os botões. Um gemido de prazer foi exalado quando os dedos ágeis dele passaram a massagear os mamilos róseos e excitados. A mão continuou sobre os seios, possuindo-os, pressionando-os contra a palma. Com um ágil movimento, ele ficou praticamente sobre ela, agora com a boca a procurá-la, sedento, beijando tudo que sua mão já percorrera, levando-a a gemer mais alto, numa excitação crescente. Antes que ela abrisse os olhos, os carinhos passaram a cursar sobre seu abdômen, descendo um pouco a cada instante. Ansiosa por mais, ajudou-o a abrir o fecho de seu jeans, permitindo carícias mais íntimas que a faziam incendiar-se. Diego usava sua experiência para provocá-la, inundando-a de desejo.
- Diego... – ela gemeu mais alto e abriu os olhos, encontrando o olhar intenso, de um verde profundo, cheio de cobiça.
Levou as mãos ao seu rosto, refazendo o contorno de seus traços com os dedos até descer em busca de seus ombros. Empurrando-o de leve, aos poucos foi levantando e fazendo-o deitar. Foi a sua vez de abrir-lhe a camisa, vislumbrando o robusto tórax, esculpido pelos exercícios ao longo das últimas semanas. Deitou-se sobre ele, sentindo a musculatura rija contra seus seios, enquanto o acariciava em torno da cintura, fazendo-o gemer e contorcer-se. Agarrada a ele, sentindo sua virilidade pulsando sob seu corpo, bastaram alguns poucos segundos para que ela alcançasse o êxtase, para surpresa e satisfação de Diego que se emocionou ao senti-la trêmula, frágil e entregue em seus braços.
- Ângela... Nem me esperou, apressadinha – repreendeu-a afetuosamente, abraçando-a.
- Você me provocou, senhor Bernazzi... Mas não se preocupe, que ainda não terminamos... – murmurou sensualmente, voltando a acariciá-lo e excitá-lo.
Liberta de seus jeans, acomodou-se sobre ele e iniciou movimentos suaves, a princípio, rítmicos, que foram tornando-se cada vez mais intensos e vigorosos. A visão de Ângela, mesclada aos raios de sol e ao verde das árvores, em meio aos sons do mato que os envolvia, só fazia aumentar seu anseio por possuí-la. Foi quando sentiu que nada mais importava e que os dois eram um só. Num grito de prazer intenso, uniram-se, esquecidos do mundo ao seu redor. Momentos depois, se encontravam abraçados e languidos sobre as toalhas revolvidas, sentindo o contato agradável da grama fria nas costas ainda acaloradas.
Ao longe ouviram a voz de Gabriel chamando.
- Ângela! Diego! O almoço está pronto!
- O almoço! – falou aflita – Esqueci completamente.
Levantou-se rapidamente, vestindo o jeans e fechando a blusa. Foi quando notou Diego ainda deitado, observando-a, calmamente.
- O que foi? Porque está me olhando assim?
- Estou admirando você e sua pressa. Por mim, ficaria aqui a tarde toda.
- Ah, meu amor, infelizmente não podemos. Se faltarmos a este almoço, a Tia Lourdes e minha mãe são capazes de infartar.
- Diga de novo...
- O quê? Dizer o quê?
- Aquilo que disse agora... Do que me chamou...
Ela se abaixou até onde ele estava, agora erguido sobre os cotovelos, e o beijou ternamente.
- Meu amor – repetiu sorrindo.
- Bom, agora já podemos ir. – Após uma rápida pausa, continuou – Tem mesmo certeza que não prefere ficar aqui?
- Tenho, seu preguiçoso – falou, enquanto ajudava-o a vestir adequadamente suas roupas e a sentar na cadeira.
Num instante, estavam a caminho de casa para almoçar.




Ufa! Já é tarde, mas consegui postar finalmente o nono capítulo,com o encontro tão esperado no sítio e do casal Diego/Ângela. Espero que tenham gostado. Comentem!
Aguardem o décimo. Prometo escrevê-lo ainda esta semana.Se tudo der certo...
Beijos a todas!!

domingo, 9 de maio de 2010

Coração Atormentado - Capítulo VIII - Sentimentos

MARCELO
GLÓRIA


Naquela manhã de sexta, Marcelo passou no escritório da fábrica Bernazzi para pegar as passagens que esquecera sobre a sua mesa no dia anterior. Ao chegar, Glória já estava lá. Graças a ela, podia atender às duas empresas, dos Bernazzi e a sua. A experiência que ela adquirira ao longo dos anos acompanhando Ágata permitiu que se tornasse tão boa empresária quanto sua contratante e amiga. Seu único problema era ter se tornado muito íntima e, por isso, muitas vezes acabava por intrometer-se onde não devia. Porém, como precisava muito dela, pelo menos até Diego estar habilitado para voltar e assumir o cargo que fora de sua mãe, na direção da fábrica, teria que sujeitar-se a estas pequenas e, às vezes, desagradáveis intervenções. Conhecia a secretária de longa data. Mesmo antes de começar seu namoro com Ágata, seus contatos profissionais com a empresa Bernazzi, para quem fornecia produtos de higienização, eram realizados através de Glória. Logo depois, conheceu pessoalmente a diretora da fábrica, ficando perdidamente apaixonado por ela.
- Bom dia, Glória. Já trabalhando tão cedo? – perguntou Marcelo ao entrar apressado no escritório.
- Alguém tem que trabalhar por aqui – respondeu ela, secamente.
Marcelo estranhou o tom de voz empregado.
- O que houve? Algum problema?
- Problema algum. Nada que eu não possa resolver.
- Olhe, Glória. Sabe como lhe sou extremamente grato por estar dividindo a direção desta empresa comigo, ajudando-me, enquanto o Diego não tem condições para tal. Eu tenho feito o que posso, mas sabe que este não é exatamente o meu ramo. Além disso, tem sido difícil dividir-me entre dois lugares – explicou-se mais uma vez. Como ela continuasse com uma expressão entediada, continuou – Talvez esteja na hora de Diego assumir o seu lugar. Ele já está melhor e acho que já tem condições de retornar.
- Desculpe, Marcelo – replicou aflita – Não me entenda mal. Diego ainda não se recuperou física ou psicologicamente de suas perdas. Ele ainda precisa de ajuda.
- Então, não entendo o porquê do seu mau humor – falou ligeiramente irritado.
- Não estou exatamente me queixando do excesso de trabalho ou de responsabilidade. O que me irritou foi o que está acontecendo entre Cláudia e você. Vocês já estavam tendo um caso antes da morte de Ágata?
- O quê? Quem você pensa que é para vir me tirar satisfações? De onde tirou esta idéia?
- Eu vi as passagens para a Bahia e em nome de quem elas estão.
- Quem lhe deu o direito de mexer em minhas coisas? – exclamou, olhando na direção de sua mesa.
- Você traiu a mãe e agora está traindo o filho? Como pode? – exasperou-se.
- Glória... – baixou o tom de voz, procurando acalmar-se e explicar calmamente o que estava acontecendo, apesar de achar que não precisava disto – Está bem. Eu confesso que a Cláudia e eu temos nos encontrado e que vamos passar este fim de semana juntos. Mas só decidimos isto depois que ela rompeu definitivamente com Diego. Até então eu vinha resistindo a ter um relacionamento com ela – Ele passou a mão na testa, nervoso – Nunca houve nada entre nós quando Ágata estava viva. Pelo amor de Deus! Eu amava a minha mulher, apesar de sentir-me sempre em segundo plano por causa da eterna presença de Franco naquela casa. Quando aconteceu o acidente, além de perdê-la, vi Diego, por quem tenho grande afeição, ficar entre a vida e a morte. Cláudia foi importante com o seu apoio durante aqueles dias terríveis. Com o tempo este apoio transformou-se em uma grande afeição e... Bem... Foi inevitável a gente acabar se gostando...
- Quem garante que vocês já não estavam juntos antes e planejaram este acidente juntos, para eliminar os dois indesejáveis em seu caminho?
- Glória, você está passando dos limites.
- Imagine quando Diego souber. Vai ser mais um golpe para ele.
- Nós vamos contar tudo a ele, mas não agora. Vamos dar um tempo até ele estar mais forte. Espero que você respeite esta nossa decisão.
- Olhe, Marcelo, acredito no que você falou – disse em tom mais ameno – É que fiquei muito decepcionada com você. Sabe como eu gostava de Ágata e gosto de Diego como se fosse meu filho.
- Eu sei, Glória. Mas pode acreditar no que estou lhe contando. Não quero magoar Diego de forma alguma. Sei que você também não.
Ânimos aparentemente apaziguados, Glória observou Marcelo pegando as passagens, que ela deixara no mesmo lugar em que as encontrou. Antes que ele saísse, ela tornou a falar-lhe.
- Marcelo, desculpe pelas coisas que falei, mas tente entender o que senti ao imaginar que você pudesse ter traído duas pessoas tão importantes para mim. Também gosto muito de você e...
- Não tem problema, Glória. Eu entendo. Espero que você também entenda que não tem sido fácil para mim – disse olhando para o relógio e imaginando que Cláudia já devia estar preocupada com seu atraso. – Tenho de ir agora. Podemos conversar melhor quando eu voltar.
- Claro. Eu posso esperar...
- Até a volta, Gloria.
- Um bom final de semana pra você... – falou com certa amargura na voz, continuando de forma inaudível para ele – Se isto for possível...
Ficou parada no meio do escritório de Marcelo, pensativa, durante alguns minutos. Logo, lembrou da infinidade de problemas a resolver e voltou ao trabalho.



Diego estava na piscina, exercitando-se sob o comando de Carlos, quando o celular de Ângela tocou. Era Lino.
- Oi, Ângela. Estou ligando para contar o que descobri a respeito do nosso misterioso neurologista, Dr. Aguiar.
- Já sabe o endereço do consultório dele? – perguntou ansiosa.
- Não. Sabe por quê? Porque ele não existe.
- Como?
- É isso que você ouviu. Não existe nenhum médico registrado no Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais com este nome.
- Mas, quem sabe ele não seja daqui. Pode ter se transferido de outro estado.
- Talvez, mas para atuar aqui ele teria de estar cadastrado no CRM mineiro. É, Ângela, esta história está começando a me preocupar. Temos que descobrir quem indicou este médico para a família, que, ao que tudo indica, era um farsante. Por isso não conseguimos contato com ele. Parece que ele se evaporou no ar.
- Estou abismada...
- Pois é. Tente descobrir alguma coisa com Diego, sem alarmá-lo.
- Claro. Vou tentar.
- Me mantenha informado se souber de algo e... Cuide-se. Até breve!
- Pode deixar, Lino. Até logo!
Ficou pensando, após desligar o telefone, como alguém podia entrar e sair de um hospital, fazer passar-se por médico, dar alta a um paciente e enganar uma família? Tinha que ser um grande cara-de-pau ou um ótimo ator ou as duas coisas. Nem notou o olhar de Diego sobre ela, enciumado e curioso a respeito do telefonema que a deixara preocupada.
- Algum problema, Ângela? – perguntou assim que ela aproximou-se da piscina.
- Não... Nada importante – mentiu – Como ele está se saindo nos exercícios, Carlos?
- Eu diria que hoje ele está num de seus melhores dias. Nunca o vi tão animado. Mas agora ficou um pouco desatendo depois que tocou certo celular.
- Ah, desculpe. Não queria atrapalhar. Vou desligá-lo – Vendo a insistência de Diego a sondá-la com os olhos, achou por bem tranqüiliza-lo – Era o Lino, querendo saber se a nossa combinação estava de pé.
- Que combinação? – perguntou Carlos.
- Ele me pediu para ficar aqui no sábado... Aliás, Carlos, preciso falar com você a respeito disso. Podemos conversar depois?
- Ei! Será que vou poder participar desta conversa, já que sou o motivo dela? – exclamou Diego.
- Talvez mais tarde. É uma surpresa... – insinuou Ângela com sorriso misterioso que atiçou ainda mais a curiosidade de Diego.
- Espero que seja uma surpresa boa – disse ele.



O suspense foi mantido até depois do almoço, quando Diego não aguentou mais para saber sobre a “surpresa” de Ângela.
- E então, vai me contar ou não?
- O quê? – fazendo-se de desentendida. Na verdade começava a ficar preocupada com sua proposta e como ela seria recebida por Diego. Talvez ele não gostasse de passar o seu fim de semana junto a pessoas desconhecidas.
- Ângela? O que você está tramando? – indagou mais uma vez, sorrindo.
- Está bem. Vou fazer-lhe uma proposta.
- Já estou interessado... – afirmou, enquanto admirava as deliciosas covinhas formadas nos cantos da boca de Ângela quando ela sorria.
Foi quando o celular dela tocou novamente. Voltara a ligá-lo logo após o almoço.
- Você não tinha desligado esse “trem”? – perguntou Diego irritado com a interrupção.
- Alô? – saudou ela, fazendo um gesto para que Diego se acalmasse – Gabriel? É você? Que saudades!! Onde você está?... Que bom... Está certo... Pode ter certeza... Mal posso esperar... Até! Um beijo!
- Novo namorado? – sugeriu um Diego bastante mal-humorado – Ele deve ser ótimo para deixá-la tão excitada.
Ângela deu uma gostosa gargalhada.
- Gabriel é meu irmão. Ele acaba de chegar a São Paulo, vindo dos Estados Unidos. Ele trabalha num hospital em Chicago e veio para nos visitar e apresentar a noiva americana.
O rosto dele iluminou-se, aliviado de seus ciúmes.
- Ele também é enfermeiro?
- Não. Ele é cardiologista pediátrico. Já mora lá há alguns anos e faz pelo menos três que não vem ao Brasil.
- Deve ser bom ter um irmão. Sempre imaginei como seria ter um.
- Eu não posso me queixar do que tenho – respondeu satisfeita – Aliás, ele é um dos motivos de minha proposta.
- Agora fiquei realmente curioso. O que ele tem a ver comigo?
- O que você acha de passar um fim de semana num sítio com a minha família?
Por alguns instantes, ela o viu retrair-se, franzir o cenho e, finalmente, dar um meio sorriso e dizer:
- Por que não?
- Sério? Ah, Diego, que bom! Confesso que estava com medo que você não quisesse.
- Você está me convidando só porque o Lino não vai poder vir, não é mesmo? – lastimou, com uma sombra de tristeza na face.
- No início foi isso, mas depois me dei conta que o meu sábado não seria completo se você não estivesse junto – falou com sinceridade.
- Não preciso de mentiras caridosas...
Ela sorriu docemente e aproximou-se dele. Abaixou-se até poder encará-lo e disse:
- Pois acredite... Não estou mentindo e muito menos sendo caridosa. Eu realmente quero que você me acompanhe.
- E se eu não for? – arriscou perguntar.
Ela suspirou resignada e respondeu:
- Eu não vou também. Apesar de ser muito importante para mim este encontro de família, ficarei aqui com você. Posso dar um jeito de subir a serra no domingo e ainda encontrar o Gabriel por lá.
Ao ouvir estas palavras, ele olhou para baixo, sorriu e, balançando a cabeça, disse:
- Se você me prometer que só voltaremos no domingo... Não quero aguentar a cara feia do Lino neste fim de semana – brincou, mas no fundo estava aterrorizado em como seria passar dois dias fora da segurança de sua casa, junto a pessoas estranhas, numa situação dúbia com Ângela, pois ainda não havia nada definido entre eles. Sua insegurança era total, mas o brilho do olhar e a alegria dela ao saber que poderia encontrar com a família no dia seguinte o fez esquecer seus medos.
- Ah, Diego... Obrigada. Não vai se arrepender – vibrou, abraçando-o e dando-lhe um beijo no rosto.
- Espero que não... – murmurou, domando a vontade de abraçá-la.
Depois de satisfazer a curiosidade de Diego a respeito de quem ele ia encontrar no sítio, provocando seu riso ao falar sobre sua mãe e sua tia Lourdes, e contar algumas histórias de sua infância e adolescência, foi a vez dele relembrar. Pediu que ela pegasse um álbum de fotografias que estava guardado no antigo quarto de seus pais.
Enquanto folheavam o grande álbum de folhas de cor cinza, onde as fotos eram presas por cantoneiras prateadas, notaram a falta de várias fotos de momentos familiares importantes. Diego ficou visivelmente chateado com este desaparecimento, tentando imaginar quem teria sido o responsável por isso.
- Quem teria interesse em pegar fotos como a do dia de meu nascimento, reuniões da família no Natal, do casamento de minha mãe com Marcelo... É muito estranho.
- Será que sua mãe não as pegou para montar alguma espécie de scrapbook ou um DVD de fotos. Sabe como fotos podem ser destruídas pelo tempo. Muitas pessoas têm feito isso para não perder o registro destes momentos passados – sugeriu Ângela.
- Ela nunca falou nada a este respeito, mas quem sabe? Com Dona Ágata tudo era possível – sorriu, disfarçando seu aborrecimento – Vou falar com Marcelo. Talvez ele saiba de alguma coisa.
- Boa tarde, meu querido! Oi, Ângela!
- Oi, Glória! – exclamou Diego, contente por ver sua amiga chegando, como fazia quase que diariamente – Chegou na hora exata. Talvez possa elucidar um mistério para nós.
Ele explicou o sumiço das fotos e perguntou se ela sabia alguma coisa a respeito.
- Não, não me lembro de Ágata ter comentado sobre fotografias. Se ela estava planejando fazer algo com estas fotos, não me falou nada. Mas posso procurar saber junto ao estúdio fotográfico de confiança dela.
- Por favor, Glória. Verifique para mim. Seria uma pena descobrir que estas lembranças estão perdidas.
- Claro, meu filho. Se eu descobrir o paradeiro delas, o aviso logo em seguida. Não se preocupe.
- Glória, se me dá licença, vou aproveitar que está aqui e subir para fazer a mala de Diego.
- Mala? Que novidade é esta? – perguntou surpresa.
- Vamos para a serra neste fim de semana – afirmou Diego sorridente.
- Vocês dois?
Foi então que Ângela explicou mais uma vez os motivos que desencadearam a realização do inesperado passeio, diante da expressão preocupada de Glória. Mas, depois de ouvir tudo, ao final, pareceu ter entendido.
- Parece que todos estão me abandonando neste final de semana. Marcelo, vocês... O que uma pobre enjeitada como eu pode fazer? – ironizou sorrindo – Estou brincando. Espero que você se divirta, Dieguinho. E você, – dirigindo-se a Ângela – cuide bem dele, ouviu?
- Não se preocupe, Glória. Eu estarei em ótimas mãos – retrucou Diego, lançando um olhar carinhoso para Ângela.
- Bem, dêem-me licença. Vou arrumar a sua maleta – disse Ângela, saindo.
Andando em direção à escada, pensando em como contaria a sua mãe sobre seu convidado de última hora e como ela deveria preparar a casa para facilitar o deslocamento dele e sua cadeira. Imaginava o que seus ouvidos teriam de aguentar, quando Clara apareceu com uma expressão angustiada, chamando-a discretamente.
- O que houve, Clara?
- É o seu José, o antigo motorista. Ele está aí e quer falar com o seu Diego – contou apreensiva.
- Eu falo com ele. Leve-o para a saleta dos fundos, por favor.
Certamente Diego ainda não estava preparado para falar com o homem que ele achava ser o responsável pela morte de sua mãe e por sua paralisia. Talvez fosse a sua chance de saber mais detalhes do que acontecera realmente. Voltou atrás em seu percurso e dirigiu-se para os fundos da casa, rogando para que Diego não percebesse o que estava ocorrendo.
Lá estava ele, de pé, olhando o vazio das paredes. José era um homem muito magro, ligeiramente encurvado, de estatura média, o rosto encovado, com visíveis olheiras e um par de olhos escuros e tristes. Provavelmente adquirira parte deste visual durante as semanas que passara encarcerado. Tirando o abatimento e colocando alguns quilos a mais, poderia até se dizer que era um homem interessante.
- Boa tarde, seu José. O meu nome é Ângela e sou a enfermeira responsável pelo Sr. Bernazzi.
- Boa tarde, D. Ângela. Eu precisava muito falar com o seu Diego. É importante – falou com humildade.
- Infelizmente ele ainda não tem condições de recebê-lo.
- Não é possível! Eu preciso falar com ele. Preciso que ele saiba que eu não tive nada a ver com a morte da D. Ágata. Não fui eu que mexi naqueles freios. Ele precisa me ouvir e acreditar no que digo – exaltou-se.
O homem parecia que ia desabar a qualquer instante.
- Por favor, o senhor sente-se aqui – disse apontando a poltrona a sua frente – Clara! – chamou, com a certeza que a criada ia estar por perto satisfazendo a curiosidade.
- S-sim, Ângela... – respondeu ela pega de surpresa, de trás da porta.
- Traga um copo de água para o seu José, por favor.
Assim que a outra correu para a cozinha, continuou.
- O senhor há de convir que para o Sr. Diego é muito difícil acreditar na sua inocência, já que encontraram provas que apontam para o senhor.
- Estas provas devem ter sido plantadas pelo verdadeiro assassino, moça. Não fui eu... Ainda por cima inventaram que eu estaria apaixonado pela D. Ágata. Isto é uma grande mentira. Eu amo a minha esposa. Jamais olhei para outra mulher. Eu juro... Tem que acreditar em mim – implorava, quase chorando.
Clara chegou com a água neste instante, entregando o copo para o pobre homem.
- Esta menina e a Zica são testemunhas do que estou dizendo – acrescentou, tomando um gole de água logo a seguir.
- É mesmo, Ângela. Eu já tinha dito isto para você.
- Eu sempre fui muito bem tratado e gostava imensamente de trabalhar aqui. Jamais faria mal para qualquer um deles. Nem durmo mais só de imaginar que o seu Diego possa acreditar que cometi um crime como este.
- Seu José, por favor, se acalme. A polícia o liberou, o que quer dizer que deve haver outros suspeitos. Eles já devem estar na pista do verdadeiro criminoso. Provavelmente cedo ou tarde, vão descobrir a verdade, e tudo será esclarecido. Mas até lá, o senhor deve ter paciência e esperar.
- Talvez tenha razão... Mas, de qualquer forma, se puder falar com o seu Diego e dizer que sinto demais a morte da D. Ágata e o que aconteceu com ele...
- Seu José, gostaria de lhe perguntar uma coisa.
- Pode perguntar.
- O Sr. Marcelo diz que viu o senhor beijando a mulher dele, pouco antes dela dispensá-lo de dirigir seu carro.
- Eu já expliquei na polícia. Sei que isto fez o seu Marcelo suspeitar que eu estivesse tendo alguma coisa com ela. Era o dia do meu aniversário. D. Ágata lembrou e me deu um abraço e um beijo no rosto. No rosto. Não sei de onde que o seu Marcelo nos viu para pensar que era um beijo pecaminoso.
- Está bem, seu José. Agora é melhor ir para sua casa. Eu prometo que vou conversar com Diego assim que for possível.
- Muito obrigado. A senhora é muito boa.
- Não há o que agradecer. Tenho certeza que logo vão achar o verdadeiro culpado e o senhor poderá provar a sua inocência... Clara, por favor, leve o seu José até a saída dos fundos, para que o Sr. Bernazzi não o veja. Tenho medo da reação dele.
- Pode deixar, Ângela. Vamos, seu José. O senhor conhece o caminho.
- Obrigado e até logo.
- Até logo – despediu-se e ficou observando o homem ainda jovem, envelhecido precocemente por uma culpa que não devia ser sua. Algo lhe dizia que ele não mentia. Mas então, quem era o criminoso? E se este ainda não fora descoberto, podia estar por perto. Talvez Diego ainda corresse perigo. “Como Lino dissera, não tinham como saber se o alvo era apenas Ágata...” Um arrepio de terror percorreu-lhe o corpo ao pensar que poderia perder Diego. Neste instante, suas dúvidas desapareceram e ela finalmente percebeu que estava apaixonada por ele, irremediavelmente.



O resto da tarde transcorreu sem mais interrupções. Depois de preparar a maleta que Diego levaria para o sítio, desceu para realizar a série de exercícios que se tornara parte da rotina diária. Quando terminaram, Glória despediu-se e lhes desejou um ótimo fim de semana.
Ao aproximar-se o horário em que normalmente Ângela ia embora, ela lhe comunicou que pretendia dormir ali para que pudessem sair logo cedo pela manhã. Mal contendo a sua satisfação, Diego fez uma exigência.
- Só vou permitir se você prometer que não vai dormir naquele cubículo dos fundos.
Ângela começou a temer o que Diego estava tramando para o seu pernoite.
- Eu não me importo de dormir lá. Vou ficar aqui só para que possamos sair cedo.
- De jeito nenhum. Vou lhe mostrar o quarto que poderá ocupar esta noite. Pegue suas coisas e venha comigo.
Enquanto Ângela buscava sua maleta e sua bolsa, Diego chamou Clara e deu-lhe algumas orientações. Quando ela voltou, ele pediu que Clara levasse a sua mala para cima, enquanto eles a seguiam de elevador.
- Por que está nervosa? – ele perguntou indiscreto, notando as mãos crispadas dela em torno da alça da bolsa.
- Quem disse que estou nervosa? – mentiu, ignorando o sorriso malicioso dele.
Saíram do elevador e seguiram pelo corredor até uma porta já conhecida por Ângela.
- Diego, não posso ficar neste quarto – falou, surpresa com a indicação dele.
- Você vai me dar um grande prazer se aceitar passar a noite aqui – continuou, abrindo a porta do quarto que pertencera aos seus pais.
Ele entrou, seguido por ela, e fechou a porta, trancando-a instintivamente.
- Não há porque manter este quarto fechado. Já pedi para a Clara arejá-lo e colocar roupa de cama nova. A não ser...
- A não ser o quê? – perguntou, desconfiada das intenções dele.
- A não ser que você queira ficar no meu quarto – provocou.
- Diego, o senhor está se saindo um belo de um conquistador e atrevido.
- Obrigado pelo “belo”, mas o conquistador e o atrevido sempre estiveram aqui. Confesso que eles estavam um pouco “adormecidos”, mas parece que você está conseguindo despertá-los.
- Diego, por um lado você me assusta, mas por outro me deixa contente, pois significa que está voltando ao normal.
- Por que eu a assusto? Está com medo de apaixonar-se por outro paraplégico?
- Diego! Não fale assim – exclamou, incomodada com a referência a Tomás.
- Por que você resiste tanto a mim? – O tom de sua voz agora denunciava certa irritação. – Às vezes sinto que está gostando de mim, mas logo em seguida veste esta máscara de enfermeira padrão, falando da minha recuperação, lembrando de meus compromissos e mudando de assunto. Como quer que eu me sinta? – Abruptamente, enlaçou-a pela cintura e puxou-a para si, sentando-a de lado, sobre suas coxas, e virando seu rosto para encará-lo. – Como acha que me sinto, querendo tê-la nos meus braços, querendo beijá-la e me sentindo um idiota por pensar assim, pois acho você nunca vai me desejar como a desejo, pois me sinto um inútil que nunca vai poder caminhar ao seu lado, dançar com você, ou transar como um homem normal?
- Diego... – murmurou, com o coração apertado, sentindo uma imensa ternura por ele ao lado de um desejo crescente – Eu andei por muito tempo com meus sentimentos adormecidos. Meu coração estava congelado. Mas quando eu o conheci – disse, acariciando-lhe a face –, algo despertou em mim. Desde então estou confusa e com medo de mim mesma e do que sinto.
Ele segurou o rosto dela com as duas mãos e encostou sua testa na dela.
- Então que tal acabarmos com esta confusão e tentarmos, juntos, achar o melhor caminho? – falou, aproximando-se lentamente dos lábios de Ângela e beijando-a ternamente por alguns segundos.
Quando se afastou, ela não resistiu mais e o envolveu com os braços em torno de seu pescoço e o beijou com mais intensidade, sendo plenamente correspondida. Logo, as mãos de Diego passaram a acariciá-la pelo corpo todo, incendiando-a de desejo. Já perdiam a noção de tudo, quando se ouviu uma batida forte na porta.
- Seu Diego? Ângela? Estão aí? – Era a voz de Clara, chamando no corredor.
Rapidamente tentaram se recompor. Ângela levantou-se do colo de Diego e quando o olhou, teve mais uma surpresa.
- É melhor dar uma disfarçada no que tem aí no meio das pernas. Parece que mais coisas foram despertadas... – falou rindo baixo e contente por ver mais um indício de que a teoria do Dr. Medeiros provavelmente estava correta.
Ele, irritado com a interrupção, colocou as mãos de forma a esconder a ereção que era visível sob o tecido da calça do abrigo.
- Maldita hora para essa mulher vir arrumar o quarto – grunhiu entre dentes – Já vou abrir, Clara! – gritou, enquanto via Ângela afastar-se dele, ainda rindo da situação constrangedora em que haviam se metido.
- Desculpem, mas eu vim arrumar o quarto – disse Clara ao entrar, constrangida e curiosa, olhando para os dois, um de cada lado.
- Não tem problema, Clara. Pode arrumar. Eu vou descer com Diego para esperar o jantar.
Deixaram o quarto sob o olhar desconfiado de Clara.


Oi!!! Como tinha prometido, consegui postar mais um capítulo no finalzinho do fim de semana. Quero aproveitar ainda para deixar aqui a minha homenagem a todas as mães, inclusive as mães em potencial, que vêm até este blog. As minhas amigas de Orkut já devem conhecer este vídeo, pois eu já o utilizei no dia das Mães no ano passado, mas acho ele tão lindo, que resolvi colocá-lo aqui. Esta é a minha homenagem a todas mães, neste dia 9 de Maio de 2010.
Beijos a todas vocês!