sábado, 29 de setembro de 2012

A Cruz de Hainaut



Estou de volta mais uma vez para dar início à postagem de um novo romance. Confesso que estou um pouco apreensiva por colocar aqui essa história que vem me rondando desde 2007, quando eu ainda escrevia o ERIK. Nessa época tive conhecimento de um fato emocionante, ocorrido durante a Guerra do Cem Anos. Desde então surgiu a vontade de escrever sobre isso. No início seria mais uma narrativa romanceada a respeito de uma história real. Mais tarde, surgiu a vontade de criar um romance paralelo,nos dias atuais e com uma heroína brasileira (ideia do meu querido marido). Escrevi muita coisa desde então, mas a sementinha estava lá, germinando aos poucos. Como sempre, espero que apreciem e embarquem comigo nesse novo devaneio. Comentem, deem palpites e critiquem quando necessário. Muito obrigada, do fundo do meu coração, a todos voces que continuam me seguindo e dando força para que eu siga em frente nessas minhas loucuras... Loucuras boas, eu acho...rsrsrs.
Um grande e supercarinhoso beijo a todos!
 

Sinopse


Mesclando fatos históricos e ficção, A Cruz de Hainaut é um romance de suspense e  intrigas, onde a jovem professora universitária brasileira, Filipa Vasconcelos, se vê envolvida em uma trama internacional, perseguida por ladrões de joias e caçadores de tesouros perdidos. Em paralelo, a história de heroísmo e compaixão, que deu origem aos problemas de Filipa e que remonta aos meados do século XIV, em plena Guerra dos Cem Anos.


A CRUZ DE HAINAUT

PRÓLOGO

O ruído na porta dos fundos a assustou. Seu sono, desde a morte do marido há 4 anos, era leve. Talvez fosse a idade, talvez ... Eram  muito raros os assaltos a residências na cidade.  Lembrou a intrigante visita do jovem estrangeiro, que insistira em saber sobre sua ascendência e uma joia antiga que estaria em seu poder. Suspeitando do estranho, negou qualquer conhecimento sobre o assunto.  Quase certo que ele se referia à esmeralda que passava há gerações pelas mãos das mulheres de sua família. Ela se encontrava guardada em um cofre em Belo Horizonte, juntamente com outras joias, graças ao conselho de seu advogado, por ocasião de seu testamento. Surpreso com o tamanho da pedra, ele ficara horrorizado pelo fato de sua cliente possuir uma fortuna como aquela guardada numa simples caixa de papel maché.
Teve um novo sobressalto ao ouvir o som de vidro se quebrando.  Nunca havia enfrentado um ladrão.  Levantou-se com cuidado da cama e procurou a velha bengala de seu marido, que continuava no mesmo lugar onde ele a deixara na última vez, ao lado do armário. Sentiu as mãos tremerem e o coração disparar. Uma dormência no braço e uma dor aguda no lado esquerdo do peito a impediu de pegar a bengala ao seu alcance. Andou com dificuldade até o criado mudo, onde guardava suas medicações para o coração. Não conseguia enxergar direito a caixinha com o remédio recomendado pelo cardiologista, a ser colocado sob a língua em caso de dor. Sentiu o suor escorrer na testa à medida que a dor aumentava, obrigando-a a curvar-se e apertar o peito com as duas mãos contorcidas. Ouviu o ranger das dobradiças na entrada do quarto. A porta se abriu lentamente. Um vulto de grande estatura,  encoberto pela penumbra, avançou e pareceu surpreso ao vê-la de pé ao lado da cama, pois parou  o movimento de imediato.
A dor voltou a fustigá-la ainda mais intensa, obrigando-a a sentar-se na beira do leito. Sentiu a aproximação do estranho invasor, que mais parecia um borrão no escuro. Não conseguia ver seu rosto. O quarto começou a rodopiar e a pouca visão que ainda tinha nublou-se. Os sentidos desapareceram. Seu último pensamento foi para o marido. Estava indo ao seu encontro.




Capítulo I


Uma sexta chuvosa e fria, que deveria durar por todo o final de semana,  era tudo que ela queria. Seria uma delícia recolher-se ao seu confortável  apartamento, com uma pilha de vídeos  e uma vasilha cheia até a borda de pipocas. Tinha pela frente apenas mais uma aula com a turma do primeiro ano  do Curso de Graduação em História e depois... Nada... Até a segunda-feira.
Teve um sobressalto quando o celular começou a tocar aquela musiquinha irritante que Júlio, seu ex-noivo-graças-a-deus, colocara para lembrar quando suas amigas ligavam. Precisava lembrar-se de trocar aquela porcaria, afinal já se passara quase um ano de sua separação. Saiu para o lado, no corredor movimentado pelos estudantes que procuravam suas salas. Colocou a sombrinha encharcada debaixo do braço com  uma careta, segurou a pasta com o roteiro das aulas com uma das mãos. Abriu o fecho da bolsa com a mão livre e tentou identificar a luz piscante no meio do amontoado de notinhas fiscais, anotações e cadernetas, carteira de dinheiro, escovas de cabelo e dentes, estojo de maquiagem,  vidrinhos de perfume e pasta de dente, fita dental,  receita de bolo – Nossa! Achei que tinha perdido! Tenho que fazer esse bolo da Roberta  uma hora dessas –  e... uma caixinha de chicletes velhos. Quando  finalmente conseguiu achar o aparelho, dentro do que ela  chamava carinhosamente de buraco negro, ele parou de tocar.
- Droga! Preciso arrumar essa bagunça. Perco tudo aqui dentro!
Olhou o relógio e desistiu de ver quem ligara. Saiu correndo, pois sua aula começaria em dois minutos, no prédio contiguo ao que estava.
O telefone começou a tocar novamente. Não deu atenção. Precisava chegar a sua sala o quanto antes. Tinha que se lembrar de desligar o celular quando chegasse lá para não passar o vexame diante dos alunos caso ele tocasse novamente e aquele som dos infernos viesse agonizar a audição dos pobres alunos. Sabia que era motivo de chacota entre alguns deles graças àquele hit musical brega.
Atravessou correndo a cobertura entre os dois prédios e finalmente chegou à sala de aula. Cumprimentou os cinco! alunos que ali estavam e começou a largar suas coisas sobre a mesa. Notou que estava com a blusa totalmente molhada sob o braço esquerdo, graças à sombrinha que estivera ali. Bufou, esquecendo-se que estava na mira dos alunos presentes,  deixou a bolsa pendurada no encosto da cadeira e abriu a pasta com a aula.
- Bem, pessoal, parece que seremos apenas nós.  – Deu uma olhada esperançosa para a porta de madeira compensada. Nenhum movimento. – Sendo assim, vamos começar. Formem um círculo com as cadeiras. Hoje vamos conversar sobre a escravidão no Brasil e as consequências de sua abolição. Espero que tenham lido a bibliografia que indiquei na semana passada.
Passou os olhos entre os jovens apáticos que estavam sentados a sua frente. Um deles arqueou as sobrancelhas demonstrando que havia esquecido sobre o seminário. A jovem ao seu lado, com os óculos em fundo de garrafa ,sorriu satisfeita. Os outros três  não demonstraram nada, permanecendo com  o mesmo semblante anterior.
- Parece que estão todos muito bem preparados – disse com uma ponta de cinismo.
Ouviu um muxoxo de alguém e a movimentação para fazer um círculo, conforme solicitara,  iniciou sem muito entusiasmo. Enquanto os observava, pensava em como era difícil ser professor nos dias de hoje. Não que não houvesse alunos interessados, como era o caso da simpática e estudiosa jovem de óculos, mas eles diminuíam a cada ano.
Depois de um seminário de duas pessoas, a aluna interessada e ela, presenciado pelos outros quatro alunos, o tempo de aula se esgotou e todos foram liberados. Ela estava pronta para seu final de semana, enquanto os jovens certamente aguardariam  "ansiosos " pelo próximo período de aula. 
Despediu-se, desejando um bom final de semana a todos, não sem antes lembrar sobre o trabalho sobre o Período Monárquico  Brasileiro, que deveria ser entregue no final do mês e que teria peso 3 na nota final do semestre. Dirigiu-se à sala dos professores para verificar se havia alguma modificação de horários para a próxima semana. Chegando lá, lembrou-se de olhar o celular, que mais uma vez tocara durante o seminário, obrigando-a a se desculpar com os alunos e deixá-lo no silencioso. Quem seria o insistente? Teclou chamadas não atendidas e viu surgir, encabeçando a lista, o nome de Myriam, uma de suas duas melhores amigas. A outra era Roberta, a da receita de bolo. Fechou os olhos, contraindo-os, ao lembrar o provável motivo da ligação. O aniversário de Gabriel, naquele sábado. Esquecera completamente a comemoração dos dois anos do menino.  Como pudera esquecer a data? Depois de todas as conversas  em que Myriam expos suas preocupações a respeito do local da festa, do tema, do melhor lugar para mandar fazer os salgadinhos e os doces, a procura exaustiva atrás da melhor confeiteira para fazer o bolo e os cupcakes que serviriam de lembrancinhas... Colocou a mão na cabeça e, após um segundo de reflexão ansiosa, teclou o número da amiga.
- Alô? Myriam? ... Oi! Você me ligou. O que houve?
- Ai, Pipa! Liguei para desabafar. Olha só essa chuva! Vai acabar com a nossa festa!
Franzi as sobrancelhas tentando imaginar o porquê do seu desespero.
- Por quê?
- Quem vai querer sair de casa com esse mau tempo?
- Todos os convidados.  Inclusive eu. – disse com uma ponta de pesar pelo desabar parcial de seus planos para o fim de semana.
- Mas tem os brinquedos que ficam ao ar livre... Não  poderão ser usados.
- Myriam, acho que está sendo precipitada. Eles têm brinquedos em áreas cobertas da casa também. Além disso, pode ser que o tempo melhore até amanhã.
- Não é o que a previsão diz.
- Olhe, vai dar tudo certo. Tenho certeza que o Gabriel vai se divertir muito. Afinal, a festa é dele. Imagine uma criança com uma casa inteira, cheia de brinquedos e guloseimas, reservada especialmente para ele.
- Tem razão, Pipa. Estou  muito ansiosa. E esgotada com  toda essa preparação de semanas. O Marco Antonio diz que vai ter que me internar  depois que tudo terminar. Espero que venham  todos os convidados.
- Não foi solicitada uma confirmação?
- Foi.
- Então?
- Quase todos confirmaram.
- Então não há com o que se preocupar.
- Por favor, Pipa, chegue cedo, tá?  Pedi para a Roberta chegar antes também. Sabia que ela está de namorado novo?
- Já desconfiava. Ela anda meio sumida. Espero que ela esteja controlando melhor seu ciúme.
- Vamos ver amanhã. Eu disse que ela poderia trazer o cara junto. Estou louca para conhecê-lo.
Pelo menos ela já esqueceu um pouco o mau tempo e a festa, pensou Filipa.
- A que horas você quer que eu chegue?
- Ah... O início da festinha está marcado para as 16 horas... Pode chegar uns quinze minutinhos antes? – perguntou quase implorando.
- Estarei lá.
- Ótimo! Vou ligar para a confeiteira para saber se o glacê dos bolinhos vai secar até amanhã. Não quero que aconteça com eles o mesmo que aconteceu com os da festa da filha da Márcia, no ano passado. Coitada... O glacê ficou todo derretido com a umidade.
Santa ansiedade!!
- Tenho que desligar, Myriam! A gente se fala amanhã, tá bom?
- Tudo bem, querida! Até amanhã! Um beijo!
- Beijo!!
- Ahh! Pipa!
-  Oie!
- Obrigada por aguentar minhas doideiras.
- Que é isso... Já estou acostumada... – respondeu  revirando os olhos bem humorados.
A outra riu.
- Tchau! – E desligou, um pouco mais descontraída do que no início da ligação.
Sorrindo, Filipa pegou suas coisas, olhou o mural com o calendário das aulas e, verificando que  nada mudara, saiu.
Enquanto andava em direção ao estacionamento, notou que a chuva amenizara um pouco. Suspirou, pois não gostava de dirigir pelas ruas de Porto Alegre em meio a tormentas. A cidade costumava alagar muito rápido, tornando-a intransitável. Nesses dias, era comum que  as sinaleiras deixassem de funcionar e a incidência de acidentes aumentava consideravelmente. Infelizmente, o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas( IFCH) da UFRGS, onde dava aulas para o curso de graduação de História, funcionava no Campus do Vale, localizado distante da área central da cidade. Era totalmente dependente de seu carro para chegar ao trabalho. Logo após a separação de Júlio,  apesar da insistência de seus pais para que voltasse a morar junto com eles, ela decidira alugar um lugar o mais próximo possível do Campus. Conseguira um pequeno, mas confortável apartamento de um dormitório, no Jardim Botânico, a cerca de sete quilômetros de distancia do IFCH. Na direção de seu Ford KA vermelho, seguiu pela Av. Bento Gonçalves até o entroncamento com a Av. Antonio de Carvalho, onde andou um curto trecho e entrou na Av. Ipiranga, rumo ao Jardim Botânico. Passou na locadora de vídeos próxima a sua casa, que tinha um excelente acervo de filmes antigos. Adorava cinema e principalmente os clássicos da década de cinquenta, onde diretores como Hitchcock, Willian Wyler e Vincent Minnelli haviam brilhado com  trabalhos  inesquecíveis, como Intriga Internacional, Como Roubar Um Milhão de Dólares e Sinfonia em Paris, respectivamente. Saiu de lá satisfeita com  três DVDs.  Apesar de já ter visto Shakespeare Apaixonado e Janela Indiscreta pelo menos três vezes cada um, vibrou com a perspectiva de vê-los novamente. O terceiro era uma novidade para ela. O Pirata, de Minnelli, com Judy Garland e Gene Kelly foi surpresa muito bem vinda. Mal podia esperar para assisti-lo.
Foi para casa. Nem bem havia deixado a bolsa sobre a poltrona da sala, o telefone tocou insistente mais uma vez.  Quem será dessa vez?
- Pai? O que houve?
- Sua mãe e eu gostaríamos que viesse jantar conosco hoje... Se não tiver outro compromisso.
O convite de última hora a pegou desprevenida.
- O que aconteceu? Vocês estão bem?
- Na verdade, preciso conversar com você sobre algo...
- O que foi, pai? Não dá prá falar pelo telefone?
- Se não puder vir... – Sua voz soava a decepção e tristeza.
- Eu posso, pai... Não fique chateado... É que ... Deixa prá lá. Eu não tinha planos para essa noite... – disse isso lançando um olhar penalizado para a sacola com os vídeos locados. – As oito está bom?
- Sim... Desculpe, filha... É importante.
- Eu estava mesmo com saudades de vocês. Vai ser bom. – Deu ênfase na última frase e tentou dar um acento mais alegre à voz.
- As oito, então?
- Conte com isso!
O sorriso ficou paralisado em seu rosto, quando ouviu o clique do telefone sendo desligado do outro lado. Seu pai não era o que se poderia chamar de uma pessoa expansiva. Era um homem de poucas palavras e às vezes um pouco formal demais. Advogado, mineiro de nascença, veio para Porto Alegre para cursar Direito. Conheceu sua mãe quando se preparava para fazer as provas para a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e passou a frequentar a biblioteca da UFGRS, onde ela era bibliotecária. No início, as visitas eram só para estudo, mas com o passar do tempo, a jovem bibliotecária, Ivana, chamou sua atenção pela espontaneidade e simpatia. A partir daí, as idas à biblioteca tornaram-se mais frequentes e a necessidade de ajuda com a bibliografia aumentou consideravelmente. Eles tinham personalidades totalmente opostas. Talvez esse fosse o segredo para estarem casados há 33 anos e ainda demonstrarem seu amor, quer por palavras de carinho, quer pelos olhares furtivos de cumplicidade que lançavam um para o outro com certa frequência.


(continua...)





  

domingo, 16 de setembro de 2012

O Vampiro de Edimburgo - Capítulo XXI

by Kodama e Fantin




Foi impossível evitar o aperto que senti dentro do peito ao ver Elyk desaparecer. Mesmo sabendo Quem o aguardava, tive medo do que ainda poderia vir a acontecer. Tinha medo de uma nova separação. O que aconteceria com ele, conosco,  agora que, aparentemente, terminara sua missão? Olhei a minha volta e vi o lindo jardim criado por ele, em minha homenagem,  totalmente destruído. Tive vontade de chorar. Lembrei quando estivera ali pela primeira vez e da emoção que sentira, sem saber que eu tinha sido a inspiradora para aquela obra de arte. Por que eu perdera a memória? Esta era outra pergunta que deveria colocar na lista de questões a serem feitas a Samuel assim que fosse possível.
Apesar das explicações dele, elas não eram suficientes para cobrir todas minhas dúvidas.  Olhei para Leonora, ainda nos braços de Nathanael, que parecia começar a recobrar a consciência. Era como se olhasse em um espelho. Agora eu entendia o fascínio de Kyle Sinclair  por ela e sorri por dentro. Mesmo ela sendo semelhante a mim fisicamente, ele reconhecera meu espírito e voltara-se para mim.  Ela atraíra não só a atenção de Elyk, mas também a de Kolchak. Teria sido intencional? Mais uma questão a ser abordada com Samuel.
- Dominic – A voz  de Damian me fez estremecer. –, vou levar sua irmã para casa. Acho que será melhor para ela ter algumas explicações em um ambiente familiar. Vem conosco?
Meu protegido estava ligeiramente pasmo com o caos a sua volta, quando pareceu lembrar-se de mim.
- Ariel? Você está ferida... – disse olhando minha asa machucada que permanecia materializada.
- Não se preocupe comigo, Dom... Vá com seu pai e sua irmã. Eu ficarei bem. Vou esperar a volta de Elyk.
-Tem certeza que ficará bem? – perguntou e lançou um olhar de soslaio a Samuel, que se apresentava com uma expressão sombria no momento.
- Tenho.
- Venha, filho... Acho que temos muito a conversar... – reforçou Damian. – Ariel está segura agora... Nos veremos de novo, Samuel?
- Vai depender da sua decisão, Damian, como eu disse a você antes.
Yesalel, que até então permanecera calada, aproximou-se de mim compadecida de minha situação.
- Eu vou com eles, mas se precisar de qualquer coisa, me chame.
- Estou com medo, Yesalel... – falei num tom muito baixo para que os outros não pudessem ouvir.
- Medo? Do que?
- Medo de ser separada de Elyk.
- Devemos confiar nos desígnios Dele, Ariel. Tenho certeza que Ele recompensará vocês depois de tanto sofrimento.  Afinal, tudo tinha um único objetivo. Mais uma vez Elyk esteve no centro de uma batalha  contra o Demônio e a venceu. Tenha fé. – Seu olhar era confiante quando me deixou para seguir os outros.
Logo, me vi a sós com Samuel. Tinha que aproveitar aquele momento de espera para enchê-lo de perguntas. Se ele pensava que ia se safar fácil de revelar toda essa história em detalhes, estava muito enganado.
- Pode perguntar, Ariel... Ou devo chamá-la de Cathella, agora que sabe da verdade?
- Acho que prefiro continuar como Ariel. – respondi surpresa. Ele adquirira o poder de ler mentes? –  Afinal são mais de duzentos  anos respondendo por esse nome... Como você sabia que eu tenho uma lista de perguntas?
- Não esqueça que eu a conheço há bem mais de duzentos anos, desde quando você ainda era Cathella e eu era o seu guardião. 
- Então era você? Você substituiu Elyk. É... Eu já não gostava muito de você naquela época. – gracejei.
- Não fale assim comigo, Ariel... Eu... Por sua causa tornei-me um mero burocrata  na Central dos Guardiões.
- Como assim, por minha causa?
Ele baixou a cabeça  pesaroso.
- Isso não tem mais importância. Passou.
- O que passou?
- O ciúme, a inveja... Sentimentos que eu  nutria por Elyk e que provocaram a minha expulsão da Legião dos Anjos Guerreiros.
- Ciúme? Inveja? – Eu estava boquiaberta.
- Ele era o preferido do Criador, líder da Legião e tinha... você.
A princípio não conseguia entender a relação que Samuel estava fazendo, então ele continuou.
- Eu me apaixonei por você. Esse sentimento terminou por me envenenar o coração contra meu melhor amigo. Não gosto de relembrar daqueles dias, pois estive muito próximo de  nossos inimigos. O tempo mostrou o quanto eu estava enganado e o quão egoísta eu me tornara. Quando você surgiu como uma guardiã, minha subordinada,  tive medo que as feridas fossem reabertas, mas acabei chegando a conclusão de que minha paixão era apenas movida mais por um antagonismo a Elyk do que amor por você.
- Você já sabia quem eu era naquela época?
- Sim. Mais um dos testes de Nosso Criador... Felizmente eu já conseguira sublimar o meu lado escuro. Além disso, seu aspecto e seus modos foram fatores para que me desapegasse completamente, ou quase completamente, de você. – Senti certo sarcasmo na sua voz..
- Você sempre me tratou muito mal...
- Pois saiba que, apesar de tudo, era minha guardiã preferida. – Uma nesga de sorriso despontou em sua face.
- Não brinca! Eu sempre achei que você me odiava...
- Deixe-me dar uma olhada em sua asa. – Ele finalmente sorriu e aproximou-se de mim cauteloso.
- Não está mais doendo tanto... – Minha desculpa não evitou que ele alcançasse meu ferimento. – Cuidado... – gemi.
Podia sentir o calor emanar de suas mãos diretamente sobre a área onde Kolchak fizera seu estrago. A dor tornou-se uma ardência e essa, um simples formigamento. Quando ele terminou sua irradiação, eu não senti mais nada.
- Pronto. Agora se sentirá bem melhor. Experimente.
Para minha alegria, consegui mexer a asa ferida tão bem quanto a outra. Como Chefe dos Guardiões, Samuel tinha o poder de cura. Quase me esquecera desse detalhe.
- Muito obrigada. – agradeci por minha asa refeita. – Sam...
- Sim?
- Ainda tenho aquela lista de perguntas. Será que pode respondê-las para mim?
- Faça-as.
- Por que Elyk? Por que eu? Por que Dominic e Leonora?
- Está bem, está bem. Que tal sentar-se? – sugeriu apontando um dos bancos de pedra que ainda estavam  inteiros.
Segui sua sugestão e me sentei. Ele permaneceu de pé e absorto, como se procurasse a melhor maneira de responder ao meu rol de questões.
- A guerra entre Deus e Lúcifer  já durava muito tempo, com perdas para ambos os lados. Foi quando surgiu a ideia de um acordo. Nesse pacto, Deus escolheria um de seus mais valorosos guerreiros para ser comprovada sua fidelidade ao Criador sem ter conhecimento do acordo. A confiança de Deus em Elyk era tanta que ele foi o escolhido para amargar na Terra como um anjo caído, sofrendo todo o tipo de tentação imposta pelo outro lado. Se ele resistisse ao Mal durante o período de mil anos, tudo continuaria como sempre. Os humanos continuariam tendo livre arbítrio para seguirem para o lado que quisessem, pois Ele persegue a esperança de um dia  seus filhos da Terra enxergarem a verdade e acabarem de uma vez com os motivos que mantém a existência de Lúcifer. No entanto, se Elyk sucumbisse,  os demônios ganhariam a Terra definitivamente. Os antigos maias , que recebiam ensinamentos de um grupo de anjos, souberam, através deles, sobre o acordo. Por isso eles não fizeram previsão alguma em seu calendário para além de 2012, que seria o ano em que terminaria o prazo acordado. Eles não tinham como saber que tipo de mudança espiritual ocorreria e se o mundo sobreviveria, caso Lúcifer vencesse.
- E onde eu entro nisso?
- Você foi um acidente de percurso...
- Como?
- O amor de Elyk por você foi um acidente com o qual Ele não contava. O acordo já havia sido feito e a data de seu início marcada, quando o inesperado aconteceu.  Aí você sabe o que houve. Mesmo proibidos, vocês continuaram a se encontrar.
- Você já sabia do... acordo?
- Não. Ninguém sabia, na época, a não ser os Contratantes.
- E então? A confiança em Elyk foi abalada. Por que ele foi mantido como representante divino?
- Apenas Ele pode responder essa pergunta...
Eu podia imaginar a resposta. O Criador conhecia tão bem a alma pura de seu anjo guerreiro que nada poderia abalar  Sua confiança nele. 
- Por que vocês nos abandonaram no dia do ataque a nossa aldeia? Lembro que ficamos sem proteção alguma. Fazia parte dos planos?
- Não. O próprio Kolchak, na época, o líder dos vampiros, aproveitando-se de sua habilidade em transformar-se em quem ele quisesse, assumiu a aparência de Elyk, que ele sabia ser o líder dos anjos guerreiros, e convocou uma falsa reunião entre os guardiões e guerreiros. A partir daí, você sabe o que aconteceu.  Sua morte provocou a ira e a revolta de Elyk, o que estabeleceu um motivo para que o Criador o expulsasse e fizesse valer o pacto.
- E se Elyk cedesse para o outro lado? Tinha motivos de sobra para isso, não?
- Por isso ele foi o Escolhido... – afirmou, me olhando com olhos frios. – Já terminou sua lista?
- Ainda não. – respondi, mentalmente organizando a próxima leva de perguntas.
- Quer saber sobre a sua transformação em anjo?
- E também o porquê de minha memória ter sido apagada.
- Você era uma suicida. Teve um forte motivo para isso, mas não o suficiente para justificar a extinçao da própria vida. Por isso foi para o Limbo e lá permaneceu até cumprir sua pena. Depois, pela Infinita Bondade Divina, Ele decidiu transferir sua alma para o corpo de um anjo e, na hora adequada, auxiliar Elyk em sua batalha anônima e solitária. Sua falta de memória serviu como uma espécie de proteção contra Kolchak, que se entregara completamente a Lúcifer, após eu ter acabado com sua existência na Terra. Dominic e Leonora já haviam sido escolhidos para serem os chamarizes nessa luta final. Leonora por motivos óbvios e Dominic por sua capacidade de ver e falar conosco. Além do que, seu pai era Damian, que seria muito importante no projeto defensivo Dele. Ele mantivera a espada de Elyk guardada por todos esses séculos, sem saber que ela já tinha uma finalidade desde o início. Leonora também foi usada para proteger você.
- Mas qual, afinal foi minha função nisso tudo?
- Você ainda não percebeu?
- Não! – disse irritada.
- Você fortificou o coração de Elyk com seu amor.  Deu a ele a renovação de suas forças. Ele já se encontrava deprimido depois de tanto tempo, pensando em acabar com sua existência. Você o salvou, lembra? Só você conseguiria esse feito. Se Kolchak tivesse descoberto sua real  identidade antes, as chances de vencer seriam bastante reduzidas.
- Então tudo que aconteceu estava minuciosamente planejado.
- Menos o que Kolchak fez com sua asa. – respondeu com um leve acento irônico.
- Ainda bem... E agora? Sabe o que está reservado daqui para frente?
- Provavelmente essa é a conversa que Ele e Elyk estão tendo nesse momento... Ou estavam....
Ele percebera algo antes de mim. Logo soube o quê. Elyk materializou-se a minha frente, ainda nas roupas de Kyle Sinclair. Estava sério, mas seu olhar era sereno. Comecei a respirar novamente quando seus lábios se abriram num sorriso resplandecente.
 

Seis meses depois...

Abri os olhos preguiçosamente,  sentindo os braços de Kyle envolvendo meu corpo e minhas pernas presas entre as suas. As batidas fortes e compassadas de seu coração ainda me surpreendiam, tanto quanto a calidez de sua respiração em meu rosto. Movi a cabeça para poder olhar a face que eu jamais cansaria de admirar e descobri dois olhos da cor de esmeraldas a me fitarem.
- Acordado? – perguntei sonolenta.
- Não. Ainda estou sonhando... – disse esboçando um sorriso maroto. –  Sonhando que você está ao meu lado, me olhando e perguntando se estou acordado.
- Seu bobo. – Devolvi o sorriso.
- Por favor, não me acorde. Aliás, estou pensando num replay do que sonhei essa noite.
- O que?
- A parte do sonho em que estávamos tentando fazer um bebe.
- Kyle... – Não pude evitar o rubor e o calor espalhando-se por meu corpo ao sentir a reação dele entre minhas coxas. Tentei me afastar  um pouco, mas ele aumentou a força dos braços sobre mim, minando minha determinação em sair da cama. – Não esqueça que dia é hoje... – sussurrei em seu ouvido.
- Ainda temos tempo de sobra para aproveitar esse início de manhã... – Fez cócegas em meu ouvido.
- De jeito nenhum. – falei o mais firmemente que consegui, tentando desenrolar-me do seu abraço e despregar os olhos daquela boca tentadora que vinha em minha direção para vencer minhas defesas. – Preciso me arrumar... Cabelo, maquiagem, roupa... Todas essas coisas que nós, infelizes mortais, precisam para apresentar-se em sociedade.
- Talvez devessemos ter escolhido a vida angélica. Não precisaríamos nos preocupar com esses detalhes desgastantes. – disse com súbito mau humor, deixando-me escapulir da cama.
- Kyle... Nós somos os padrinhos! Temos que estar mais cedo na Igreja!
- Está bem... Já vou, sua desmancha-prazeres.
Antes que eu entrasse no banheiro, ele me agarrou pela cintura e me puxou contra seu corpo. Amoleci. Joguei os braços para cima, envolvendo seu pescoço.
-  Meu guerreiro... Não podemos decepcionar o Dominic e a Yesalel... Ops! Esqueço que o nome humano dela agora é Yedda.
- Só mais um beijo e eu a solto.
- Fechado!
Quase sucumbi aos seus beijos, mas o compromisso falou mais alto e, penosamente nos afastamos.



- Damian vai poder comparecer na cerimônia? – perguntei enquanto aplicava uma maquiagem leve, conforme Leonora me ensinara.
- Claro que sim. Ele não perderia o casamento do filho por nada desse mundo ou do Outro.
- Acho que ele está muito feliz por ter voltado  ser um Anjo Guerreiro.
Lembrei o momento em que nos foi permitido escolher como viveríamos, diante do Criador. ELE  não pareceu ficar surpreso com nossa decisão de nos tornarmos humanos.  Afinal essa tinha sido uma decisão tomada por Elyk mil anos antes, e eu não perderia por nada a chance de levar uma vida humana junto ao meu amor,  ter filhos e netos; algo que eu sempre desejei quando era apenas Cathella. A Damian foi permitido voltar à Legião Celestial, conforme seu desejo. A inicial tristeza de Dominic por separar-se de seu pai em vida terrena foi substituída pela alegria da mutação de Yesalel em humana.   Samuel também voltou a ser engajado na Legião, como novo líder. Quanto a Nathanael, permaneceu como guardião de Leonora. Esta, mesmo depois de saber a respeito da  dimensão celestial, ainda não adquirira a capacidade de enxergar os anjos. Ainda tinha dúvidas em relação a certos detalhes, mas procurava não pensar muito a respeito. Sofreu um pouco mais que Dominic com a decisão de seu pai. Nathanael continuava aguardando o dia em que eles poderiam se conhecer. Ela faria dezoito anos em breve e, quem sabe? Seria uma grande alegria saber que meu amigo era correspondido em seu amor. Porém, isso só o tempo diria.
Olhei para o meu belo par, elegantemente vestido num fraque de padrinho e senti lágrimas brotarem. Ele pareceu adivinhar minha emoção e voltou-se para mim.
- Que carinha é essa, senhora Ariel Sinclair? – perguntou ao segurar carinhosamente meu queixo entre seus longos dedos, elevando meu rosto e prendendo meu olhar.
- É de felicidade... Já disse o quanto te amo?
- Hoje  ainda não...  Acho que temos alguns minutos para uma pequena demonstração... - sugeriu malicioso.
Olhei o relógio sobre a mesa de cabeceira e, sorrindo, me entreguei aos carinhos do meu guerreiro.



                                   FIM


 
E então? O que acharam desse final? Espero que tenham gostado. Se não gostou, por favor, comente e aponte os pontos fracos. Uma crítica construtiva será muito bem aceita.
Quero deixar aqui o meu sincero agradecimento a todos que acompanharam essa história, nascida do desejo de duas amigas de poderem criar juntas um romance  que cativasse seus leitores. A Aline, minha parceira adorável, criadora de personagens como o Samuel, Ariel, Dominic, Leonora, Nathanael e Yesalel, quero agradecer por me aguentar com minhas frequentes incertezas sobre o melhor rumo a tomar no decorrer da criação. Lembro que começamos a delinear essa história no início de 2011, enquanto eu estava tentando escrever o final de Confusões de Um Viúvo. Eu disse que a gente conseguia, não disse, Aline?
Bem, trabalho finalizado, agora é partir para o próximo. Para quem é frequentador há mais tempo, sabe que sempre tenho que um período de latencia até começar a postar o próximo romance. Ele já está quase todo formado na mente, mas o mais difícil é colocar em palavra escrita e inteligível...rsrsrs. Assim, peço novamente paciencia e aguardem as novidades.
Beijos e abraços a todos voces que me acompanham a muito tempo ou que simplesmente dão uma passadinha para ver o que o blog pode oferecer, de vez em quando.
Até o proximo!!

domingo, 9 de setembro de 2012

O Vampiro de Edimburgo - Capítulo XX

by Kodama e Fantin
 
 
Desci do carro.  Olhei o castelo que por séculos me abrigara. Nuvens escuras pairavam sobre ele, que silencioso não deixava transparecer nenhum sinal do que estava por vir. Leonora aproximou-se.
- Sei como deve estar se sentindo, meu amor... Pense em mim... Ela é apenas uma casca onde Ele me aprisionou por todos esses séculos. Ele nunca perdoou o nosso amor. – disse num suspiro, com voz lacrimosa.
- Onde ela está? – perguntei friamente.
- Ainda deve estar na torre.
- Ainda?
- Antes de me deixarem procurá-lo, eu estava presa em nosso jardim... No jardim que você ergueu em minha memória... – Olhou-me por baixo dos longos cílios, com o sorriso tímido, o qual eu nunca conseguira esquecer, e pegou em minha mão, puxando-me em direção à entrada do castelo.
Segui-a sem resistência, ansioso por acabar com tudo aquilo e finalmente poder libertar minha amada. A pesada porta de madeira  se abriu sozinha vagarosamente. Sabia que Kolchak e seus demônios  estavam a minha espera. Cruzamos a soleira da entrada e, na mesma hora, três servos de Lúcifer nos atacaram. Não tentei me defender e fui imobilizado por dois deles. Leonora deu um grito e perdeu os sentidos, sendo amparada pelo terceiro. Com os braços firmemente presos para trás, fui levado para o grande salão. Kolchak me esperava, com uma diabólica expressão de triunfo estampada em sua cara detestável.
- Ora, ora... Quanta honra vê-lo em minha casa, Elyk.
- Esta casa é minha. – falei calmamente.
- Acho que devo lembrá-lo que você a usurpou do verdadeiro dono dez séculos atrás.
- Você é algum herdeiro para requisitá-la agora?
- Não, meu caro... EU sou o proprietário legítimo do Castelo de Malachy. – Dito isso, Kolchak transformou-se no antigo rei vampiro que havia sido morto por Samuel, logo após ele ter provocado a morte de Cathella.
- Surpreso? – continuou. – Naquele dia entreguei minha alma a Lúcifer. Desde então, tenho sido obrigado a vê-lo ocupando o que era meu, com a promessa de que eu teria a minha chance de vingança.
- Parece que a vida para você também foi um inferno, não? – caçoei. – Você sempre foi meio devagar... Levar dez séculos planejando uma vingança, e por nove não conseguindo nada... Você merece um troféu, meu caro. Um troféu pela incompetência.
Vi a fúria tomar conta de seu semblante e pressenti a iminência de seu ataque.
- Senhor! – A conhecida voz de Angus soou autoritária.  – Lembre-se dos planos originais.
Pensei ter visto um resquício de cumplicidade em seu olhar ao fitá-lo acusadoramente. Ele evitara um confronto direto e precoce. Teria sido proposital ou minha mente se recusava a aceitar  a traição dele?
Kolchak fechou os punhos e contraiu as pálpebras, numa tentativa de controlar sua ira. Quando abriu os olhos, voltou a sua elegante forma original.
- Tem razão, meu bom Angus... Vamos levar nosso convidado até a torre. Tem alguém lá que vai adorar  recebê-lo.
Tentei disfarçar a agonia que aquelas palavras  haviam  provocado.
- Traga-a também! – ordenou ele ao demônio que segurava Leonora.
A subida por aquelas escadas tão familiares pareceu uma viagem interminável. Quando ultrapassamos a passagem em arco que levava ao jardim, arfei e tive que encontrar forças  para não cair ao chão. Ver Ariel naquele santuário,desfalecida, ferida,  presa a correntes, com os braços estirados para os lados e os tornozelos presos ao chão por grilhões de ferro, seu corpo transformado em cruz, era algo para o qual eu não estava preparado. Levei alguns segundos para recuperar a lucidez.
- Elyk...
A voz suave e cálida de Cathella voltou a inundar meus ouvidos. Leonora estava ao meu lado, linda e fresca. Num instante, seus lábios aproximaram-se dos meus e me beijaram. Afastando-se, pouco depois, Leonora falou num sussurro, junto ao meu rosto.
- Está na hora... Liberte-me, meu amor...
- Não dê atenção a ela, Elyk!
A ordem de Damian me tirou do estado de torpor  provocado pela voz de Cathella. Kolchak virou-se surpreso e avançou sobre Leonora. Nathanael surgiu em seu auxílio, mas foi repelido com violência por um dos demônios que nos acompanhara à torre. Nesse instante vi de relance um brilho cortar o ar e refletir-se nas paredes úmidas da antiga masmorra. Uma espada surgiu nas mãos de Damian. A minha antiga espada com a qual eu travara centenas de batalhas a serviço do Criador.
- Tome de volta o que é seu e cumpra seu destino.
A espada voou através do espaço entre nós dois e veio até minhas mãos como que atraída por um ímã.
Leonora começou a gritar como louca.
- Acabe com ela! Liberte-me, Elyk! Nós ficaremos juntos novamente, meu amor.
Damian lutava agora com os outros dois capangas de Kolchak. A cena parecia transcorrer em câmera lenta. Meus sentidos aguçados ao extremo, o poder da espada fluindo através de meus músculos e nervos. Ouvi Ariel gemer.
A lâmina feita de aço celestial partiu  na direção da guardiã de Dominic. Ouvi as exclamações alarmadas de Nathanael e Damian; percebi a exultação nos lábios de Leonora e a respiração subitamente estancada de Kolchak . Sim... Eu a libertaria!
O aço caiu sobre a primeira corrente liberando um dos braços de Ariel e cruzou rapidamente para o outro lado, tirando-a, finalmente, da posição crucificada. Vi seu corpo cair ao chão e corri como um desvairado para socorrê-la, conseguindo chegar a tempo de pousá-la com suavidade no piso.
Olhei para Leonora, que me encarava incrédula.
- Você não me ama mais, Elyk? – disse com a voz embargada.
- Cathella nunca me chamou de meu amor, Leonora... Ou seja você quem for.
Ao ouvir minhas palavras de escárnio, Leonora fechou os olhos e pareceu entrar em uma espécie de transe. Sua boca se moveu e uma voz gutural saiu de sua garganta.
- Não vai vencer dessa vez, Elyk.
Era a voz do próprio Kolchak, que mantinha Leonora sob seu domínio. Sempre surpreendendo, o velho demônio!
Leonora passou a andar em passos lentos na direção das janelas envidraçadas, que repentinamente estilhaçaram-se em pedaços, da mesma forma que o espelho no dia anterior. O vento gélido invadiu o ambiente como um açoite;  a frágil figura da jovem ruiva não parecia nem um pouco abalada  com a força que tentava impedir sua trajetória para a morte.
- Vai ser capaz de ver sua Cathella morrer mais uma vez, Elyk? Vai continuar fiel a esse Deus que permitirá perdê-la de novo? Se entregue agora ao meu amo e terá as duas junto a você.
Uma voz conhecida e poderosa ecoou dentro de mim... Creia em Mim mais uma vez, Elyk.
Minha força voltou instantaneamente e minha espada vibrou no ar mais uma vez. Parti para cima de Kolchak que acabava de se colocar em meu caminho para alcançar Leonora.
- Leonora! – gritaram Damian e Nathanael quase ao mesmo tempo. 
Quando eu elevei a espada para abater Kolchak, uma poderosa força maligna me rechaçou para trás, lançando-me contra um canteiro de urzes. Antes que eu pudesse  me mover, Kolchak partiu em minha direção com os olhos sedentos de sangue, segurando uma adaga feita de fogo, forjada no Inferno e usada nos ataques contra os anjos.
- Sua escolha está feita, Elyk. – despejou as palavras com ódio. – Virá comigo ao encontro de meu mestre , quer queira quer não.
Vi a lamina curva elevar-se no ar  e lancei meu olhar pela última vez para Ariel que começava a voltar à consciência e me fitava com  olhos de terror. Numa fração de segundo, sua expressão mudou para surpresa e ouvi um urro de fúria.
Angus surgira repentinamente, jogando-se sobre Kolchak, sofrendo o golpe mortal que era dirigido ao meu pescoço.
Intuí a tragédia quando o meu atacante olhou na direção de Leonora. Como se recebesse uma ordem verbal, ela lançou-se no espaço além da janela estilhaçada, exatamente como acontecera no passado.
- Nãoooo! – bradei em desespero.
Voltei minha fúria contra Kolchak, que parecia vibrar eufórico com sua vitória. Levantei-me de um pulo e sibilei minha espada no ar. Enterrei-a em seu peito, transpassando-o completamente.  Pude ver o espanto em seu rosto quando ele me encarou, pouco antes de seu corpo esfacelar-se em milhares de partículas. Antes que ele desaparecesse no ar como fumaça, a face de Lúcifer surgiu agonizante.
- Dessa vez vocês venceram, mas outras batalhas virão... – Dito isso, desapareceu juntamente com as cinzas de Kolchak.
Eu o mandara para o Inferno definitivamente. Apesar disso, caí de joelhos, com o peso da derrota sobre meus ombros. Mais uma vez eu presenciara a morte de Cathella. Mais uma vez eu fora incapaz de impedir sua queda.
Damian e Nathanael, livres de seus algozes, que desapareceram  no ar no momento da morte de seu líder, correram para a janela onde Leonora mergulhara. Seus rostos eram máscaras de dor e incredulidade.
Fui envolvido por dois braços alvos e delicados. Apesar das mãos frias, um calor tranquilizador  percorreu meu corpo.
- Meu guerreiro... – a voz melodiosa de Ariel, chamando-me da mesma forma que Cathella,  amenizou meu sofrimento – Você os venceu...
- Leonora está morta...
- Olhe...
Segui seu olhar, que apontou para onde estavam o pai e o guardião. Resplandecente como nunca, surgiu Samuel  pairando no ar, com um movimento suave de suas asas, tendo Leonora em seus braços.
- Ela está bem, Damian. – afirmou a voz tonitruante.
- Leonora! Pai!
Dominic surgiu nas escadas de acesso ao jardim, ofegante, seguido por Yesalel.
Estacou com as mãos apoiadas nos joelhos, recuperando o fôlego perdido na subida desenfreada da estreita e longa escadaria.
- O que... aconteceu... aqui? – perguntou  com a respiração estertorosa.
Damian, aliviado, alcançou o filho e o abraçou, enquanto Samuel colocava Leonora nos braços de Nathanael.
- Agora está tudo bem, Dom.
- Quem é aquele?
- Samuel, o salvador da sua irmã.
- Kyle... Ariel... Estão bem? Por Deus, o que houve  aqui, pai?
- Tudo a seu tempo, Dom. – disse enquanto ajudava o filho  a levantar-se.
Angus gemeu atraindo a atenção de Elyk, que aproximou-se de seu companheiro por séculos.
- Perdoe-me, senhor – As palavras surgiam quase inaudíveis, o que obrigou Elyk a colocar seu ouvido mais próximo à boca de Angus. – Fui obrigado a traí-lo. Eles ainda mantinham poder sobre mim...
- Você salvou minha alma, Angus.
- Enganei-os bem, não? – sussurrou, tentando um último sorriso torto. – Finalmente estou livre..., senhor.
- Sim... Livre.
Os olhos cansados fecharam-se. No lugar do homem, apenas pó.
Voltei-me para Ariel que ainda estava atrás de mim. Tirei os grilhões que ainda prendiam seus tornozelos. Puxei-a contra meu peito. Queria senti-la, ouvir sua respiração  e as batidas de seu coração. Por um momento, único e interminável, pensei que nunca mais a veria novamente...
- Ele matou apenas o meu corpo, Elyk, mas não minha alma.
- Cath?
Nesse instante como se um fantasma se sobrepusesse ao corpo de Ariel, a imagem de Cathella delineou-se, pondo fim às minhas dúvidas e esclarecendo o motivo de tanta semelhança entre as duas únicas mulheres que amei.
- Eu lembrei tudo quando Kolchak surgiu diante de mim como o vampiro que me raptara da aldeia e me obrigara a pular da torre naquele dia horrível.
- Mas como...?
- Vocês merecem algumas explicações. – As palavras de Samuel nos tiraram de nosso devaneio.
- É bom mesmo, Samuel, nos contar o porquê de tanto mistério. Por que eu não lembrava quem era realmente? – perguntou Ariel, subitamente irritada com seu chefe, lembrando todas as dúvidas a respeito de seu verdadeiro trabalho junto a Dominic e a falta de explicações cabíveis tantas vezes solicitadas por ela.
- Tem Alguém que precisa falar com você... Elyk.
- Você me chamou de Elyk?
- Você nunca deixou de ser um anjo do Senhor. Você venceu todas as tentações que Lúcifer impôs a você nesses dez séculos e, com isso, libertou o mundo da dominação definitiva do Mal, evitando a derrota de nosso Criador. Assim como o Filho Dele veio ao mundo para mostrar aos humanos o caminho a seguir, você, como o preferido, foi enviado para provar que o Bem está arraigado naqueles que acreditam no Criador. Segundo o acordo feito entre as duas dimensões, Céu e Inferno, você foi posto a prova durante mil anos, mantido na ignorância desses fatos, e mesmo assim não sucumbindo.
Ainda perplexo com tudo que acabara de ouvir, vi surgir um forte facho de luz através da cobertura da torre e colocando-se aos meus pés.
- Vá, Elyk... Vá ao encontro Dele. – Vendo meu olhar voltar-se novamente para Ariel, tranquilizou-me. – Nós ficaremos aguardando aqui.
Avancei sobre o círculo radiante, a  luz forte me cegou e meu corpo desmaterializou-se.
 
(continua...)
 
 
 
Como podem ver ainda não foi o capítulo final, mas acho que o drama de Kyle/Elyk foi explicado.
Antes de escrever o final, gostaria de saber de voces, que estão acompanhando esse romance desde o início, quais dúvidas que gostariam de esclarecer no capítulo XXI, o último.  Quanto ao futuro de Ariel/Cathella e Kyle/Elyk, saberemos, no próximo capítulo, se eles ficarão juntos, o futuro de Yesalel e Dominic, Leonora e Nathanael e como ficará o Samuel nessa trama toda.
Aqui deixo o meu carinho e um beijo para cada uma das comentaristas do post passado (Aline, Nadja, Léia , Vanessa e Dioceli). Muito obrigada, minhas amigas lindas!
Espero nao demorar muito para postar esse capítulo final, pois quero começar logo a me dedicar totalmente para o próximo romance.
Beijos para todos!!

domingo, 2 de setembro de 2012

O Vampiro de Edimburgo - Capítulo XIX


by Kodama e Fantin


Ao ouvir o barulho de estilhaçar de vidro, forcei a entrada. Já me preparava para arrombar quando Damian apareceu e abriu a porta com mínimo movimento na maçaneta. Foi uma surpresa quando o vi surgir daquele jeito e me perguntei como ele descobrira que estávamos ali.  Pediu que esperasse do lado de fora. Pouco depois, saiu do quarto acompanhado por Kyle, que apresentava o olhar transtornado, num misto de fúria e desespero. Observei o sinal de meu pai  para que me mantivesse calado.  Enquanto isso, Leonora, após um breve instante em que abriu os olhos, voltara à inconsciência. Com ela acolhida em meus braços, caminhamos em silencio até a rua e lá encontramos a Mercedes a nossa espera. Nenhum sinal de Angus ou de qualquer outro ser. Kyle, mantendo o semblante sombrio, não admitiu que qualquer um de nós assumisse a direção, sentando-se no lugar do motorista sem dizer uma palavra,  sob o olhar atento de Damian. 
Yesalel estava mais pálida do que de costume. Acredito que estávamos todos em choque pelo que acontecera a Ariel. Minha mente tentava negar o ocorrido, ocupando-se com outros pensamentos, onde podia me refugiar da dor de saber que aqueles demônios estavam com ela. Kyle estava muito quieto, mas eu já o conhecia o suficiente  para saber que ele estava em erupção por dentro. Apesar de Ariel ou ele terem falado nada a respeito, eu já percebera que os dois estavam mais unidos depois da viagem a Praga. Depois de ver sua reação diante das evidencias do sequestro de Ariel, não restava mais dúvidas quanto aos sentimentos dele por ela. Porém, outros mistérios se acumulavam.  Até o momento, eu  não tivera coragem de perguntar  para Damian como ele conhecera Kyle e qual a ligação deles no passado. Talvez eu tivesse medo do que estava por ouvir. Sabia que eu herdara dele o dom – enxergar e conversar com anjos –,  porém nunca pensei muito sobre a razão disso. Sempre me pareceu algo natural, que eu não devia compartilhar com os outros de fora da família para não chocá-los. No fundo, sentia-me um humano diferenciado, o que me ajudou muito a vencer as dificuldades  na vida, principalmente na adolescência. Meu pai me ensinara a ter a humildade diante desse poder e não me utilizar dele para vangloriar-me perante amigos, ou mesmo, e principalmente, perante desafetos. Eu não devia permitir que essa dádiva afetasse minha vida, além do que, se eu saísse por aí dizendo que via anjos e falava com eles, já estaria em um manicômio há muito tempo.
Quando me dei por conta, tomamos o caminho oposto ao apartamento. Seguíamos para o centro histórico. Não acreditei quando paramos diante da catedral de Edimburgo. Será que eles pretendiam rezar por Ariel? O que significava isso? 
Recebi a ordem de ficar no carro com Leonora e Yesalel, enquanto Kyle e meu pai entravam com facilidade na Igreja, apesar das portas estarem trancadas àquela hora da noite.
Leonora continuava desmaiada, o que provavelmente era uma sorte. Imaginava por quanto tempo estivera inconsciente e o quanto teria visto ou ouvido durante os momentos em que permaneceu prisioneira dos demônios e de Angus. Conhecendo-a como eu conhecia, seria bem difícil encontrar uma explicação plausível que não a deixasse em total pânico, além do que ela já sofrera. Em meio a tudo isso, uma pulga atrás da orelha insistia em me incomodar.  Era a facilidade com que tínhamos conseguido resgatar Leonora pela segunda vez. Tudo levava a crer que ela tinha sido utilizada como isca... Por duas vezes. Preferi não pensar muito sobre a possibilidade de ela ainda não ter perdido sua utilidade para o tal Kolchak. Também me preocupava a ausência de Nathanael, que sumira mais uma vez. Por onde ele andava?
Poucos minutos se passaram, quando os dois retornaram. Kyle parecia menos torturado. Talvez eu devesse ter mais fé e rezar com mais frequência.
Finalmente chegamos ao apartamento. 
Damian conseguiu convencer Kyle a ficar conosco até o início do dia. 





A revelação de Damian devolvera um pouco de lucidez a minha mente. Eu estava a ponto de entregar os pontos para a Besta. Ainda buscava, sem sucesso, não imaginar como estaria Ariel. A imagem dela acorrentada naquele calabouço não me saía da cabeça... Calabouço... De repente, lembrei onde já tinha visto ambiente semelhante àquele... Malachy! Eles a tinham levado para Malachy, em um dos cárceres no subsolo do castelo, que eu havia mandado lacrar há centenas de anos, numa tentativa de apagar os vestígios de seu uso nos tempos dos antigos donos. Era lá que eles prendiam os humanos que serviriam de alimento. O calabouço era a despensa do castelo.
Tentava estabelecer um plano de ação, quando um vulto miúdo surgiu na penumbra da sala. Leonora!
- Elik?
A voz era a de Cathella, chamando por meu antigo nome. Eu disse a mim mesmo que isso não era possível, mas não pude evitar a emoção. 
- Cathella? 
- Elik... – Sua voz tornara-se musical, exatamente  como eu lembrava.
Ela se aproximou lenta e silenciosamente, como se flutuasse acima do assoalho. Vestia uma camisola ampla e transparente, o que tornava sua visão mais etérea, como num sonho.
- Meu amor... Senti tanta saudade...  – continuou falando, fluindo em minha direção, até chegar muito próxima e roçar os dedos delicados em meu rosto. Eu estava paralisado!
- Você...  não é...  Cathella – Consegui articular com muito custo.
Seu rosto transformou-se numa máscara de tristeza e dor, como se eu a tivesse esfaqueado.
- Não lembra mais de mim, Elyk? Já me esqueceu? – disse num sussurro torturado.
- O que quer? 
Apesar da tristeza em seus lindos olhos azuis, ela aproximou-se ainda mais até quase encostar seus lábios nos meus. 
- Você precisa me salvar...
- O quê? 
- Precisa acreditar em mim... – As palavras saíam de sua boca, cheias de doce súplica. –  Meu espírito continua preso a esse mundo e só você pode ajudar  a libertar-me.
- Como? – Eu não podia acreditar que estava dando atenção àquela criatura e, pior, quase acreditando que ela era real.
- Você precisa libertar meu espírito do corpo em que estou presa. Eu lhe imploro!
- Em que corpo você está... presa, Cathella?
- No corpo de Ariel... – afirmou duramente. – Precisa acreditar em mim, meu amor. Este foi o meu castigo por ter me atirado do alto da torre naquele dia fatídico. – disse a última frase  num tom tão baixo de voz, que seria inaudível para um ser humano comum. – Por que acha que se apaixonou por ela?
Meus pensamentos ficaram confusos. Lembrei-me das semelhanças entre as duas; de como Ariel lembrava Cathella... Então era essa a explicação para o que eu sentia?
- E como... Como eu poderia libertar você? – Fiz a pergunta antecipando a terrível resposta.
- Você precisa por fim a vida dela para que eu possa ser livre. 
- E como você está usando o corpo de Leonora para se comunicar comigo?
- Algo aconteceu esta noite que me permitiu usá-la e poder falar com você. Não sei como explicar. – As longas pestanas ruivas estremeceram e cobriram os olhos, num pedido silencioso de desculpas, que me fez engolir em seco. – Senti tanto a sua falta...
Subitamente, as ideias se tornaram muito claras em minha mente. 
- Onde ela está? – perguntei segurando seu queixo com delicadeza, obrigando-a a me encarar.
- Eu o levarei até lá. 
Cobri seus lábios entreabertos com um beijo casto e voltei a fitá-la inebriado.
- Vamos.





Abri os olhos, acostumando-os lentamente com a pouca iluminação. O cheiro de carniça e mofo feria meu olfato. Conseguia vislumbrar algum brilho nas paredes do lugar em que estava. Eram  pequenas infiltrações de água que vertiam em determinados pontos  e que refletiam a pouca luz que ali entrava. Procurei firmar os pés contra o chão de pedra. Notei uma porta de madeira com uma pequena abertura na sua parte superior, por onde se filtrava  a réstia de luz que me permitia observar melhor minha prisão. Era um calabouço muito antigo. Perguntava-me onde aquele demônio havia encontrado um lugar daqueles para me esconder. O medo passara a ser supérfluo. Aos poucos ele era substituído pela raiva. Assim que possível, gostaria de provar se os demônios tinham bolas. Minha capacidade de desmaterialização parecia anulada,  bem como a de me tornar incorpórea. Precisava sair dali. Precisava ver Kyle e contar quem eu era na verdade. Temia que Kolchak soubesse e usasse esse fato contra Kyle. 
Como dizem, pensando no demônio, ele aparece. Ouvi o som de passos no piso de pedra aproximando-se e logo a pesada porta de madeira deslocou-se, abrindo em minha direção. Kolchak e um vulto imenso, com a face escondida nas sombras de um capuz, como se fosse um temível carrasco, entraram. 
- Vamos levá-la para a torre! – ordenou ao ser encapuzado.
Permaneci quieta, apenas observando seus movimentos, enquanto meus pulsos eram liberados das algemas. Tão logo isso aconteceu, duas mãos pétreas aferrolharam-se sobre meus braços,  colocando-os para trás com brutalidade, impedindo qualquer tentativa de fuga. Não emiti nenhum gemido, apesar da vontade de gritar. Ao invés disso, continuei a cuidar os movimentos de Kolchak. Ele se aproximou um pouco mais de mim, com aquele seu sorriso de vilão de filme noir.
- Vamos dar um breve passeio.
- Antes, preciso testar uma teoria.
- O que disse?
Fiz a mira e elevei minha perna direita com o máximo de força que consegui, enfiando o pé diretamente no meio da virilha do sacana.
Não pude deixar de sorrir ao provar minha tese e ver o espanto e a dor estampados na cara do cretino. Sim, os demônios tinham bolas. Pena que sua recuperação era mais rápida do que nos humanos. Minha alegria momentânea acabou quando  meu rosto foi  esbofeteado fortemente.
- Leve-a daqui antes que eu termine o meu serviço antes da hora.
Fui carregada escadaria acima, sentindo o gosto de sangue em minha boca, mas ainda assim satisfeita por ter conseguido infligir dor naquele nojento. Chegamos a um enorme buraco numa parede de tijolos, provavelmente mais nova que o resto do calabouço. Ali uma escada de pedra em espiral continuava a subida. Tive um sobressalto ao reconhecer aquele como sendo o caminho que levava ao jardim de Cathella, dentro do castelo de Kyle. Kolchak me levara para Malachy! O medo do que estava por acontecer voltou amplificado.
O dia já amanhecera. Ouvi o suave ronco do motor de carro aproximando-se sem pressa da entrada do castelo. 
- Queira me dar licença, doce Ariel. Tenho que receber uma visita que, acredito, você vai adorar.
 Kyle?!, pensei. Dito isso, Kolchak desapareceu.

Castelo de Malachy


(continua...)


Oi, queridos! Sei que é uma maldade terminar esse capítulo assim, mas não consegui tempo para escrever mais e, como não queria deixar de postar, acabei fazendo essa malvadeza, talvez imbuída pelo espírito do Kolchak...rsrsrs... Brincadeirinha.
Por enquanto deixo com vocês a dúvida sobre o que o nosso herói fará a seguir.
Agradeço imensamente às minha queridas de sempre, Nadja e Léia; a Vanessa, de quem eu estava com saudades; ao meu querido amigo e incentivador, César Farias; a Lucy Marion, do blog Entre Linhas, em sua primeira visita, e ao meu caro blogueiro, escritor e amigo, J.R. Viviani, que me deixou envaidecida com seu comentário a respeito do livro O Corsário Apaixonado.   
Agora, só me resta dizer até mais, e continuar a escrever o final deste romance.
Beijos!!