sábado, 24 de novembro de 2012

A Cruz de Hainaut - Capítulo X



Arent  jantava no pub próximo ao seu apartamento, quando recebeu o telefonema. Olhou o nome que piscava na tela e deu um suspiro. Era ele de novo. Talvez tivesse alguma novidade.
-  Fale.
Ouviu atentamente as instruções e não ousou  levantar obstáculos, pois certamente seria repreendido. Como sempre, a ligação foi cortada sem despedidas.
Pegou sua caneca de cerveja escura e bebericou, enquanto deixava a mente arquitetar seus movimentos no dia seguinte, de acordo com o que lhe fora ordenado. Foi quando uma voz feminina e musical o interrompeu.
-  Olá, Arent... Há quanto tempo?
- Beth?? – Quase engasgou ao ver quem o interpelava. – O que está fazendo aqui?
- Edimburgo estava muito chata. Resolvi dar uma volta e comecei por aqui.
Arent piscou, imaginando o que a ex de seu primo estava armando. A desculpa de estar entediada com sua vida de dondoca escocesa não colava.
- Como está o seu patrão? – perguntou  irônica, sentando-se à mesa..
- Ele não é meu patrão. Somos sócios. – respondeu irritado.
- Ah, claro! Ele manda, você cumpre e as migalhas são suas... Me esqueço como funciona essa sociedade... Pobre Arent...
- Se você está aqui para me envenenar contra ele, pode voltar de onde veio.
- Eu não poderia fazer isso. Você sabe que ele é o cérebro e que não teria nem as migalhas se não fosse ele.
- O que você está querendo, Elisabeth Donovan? Não vou entrar no seu joguinho de gato e rato para que tire alguma vantagem disso.
- Ora! Como está esperto... Talvez a convivência com ele esteja sendo benéfica, afinal.
- A vida de viúva rica não está agradando? Não está tentando dar o golpe em outro ricaço?
- Até tentei, mas não tive sucesso. O idiota se encantou com uma espertinha com cara de anjo.
- Mas que pena... Aí, você resolveu vir me chatear... Pois veio ao lugar errado.
- Acho que não... Você sabe que essa vida em alta sociedade é muito chata e que tenho um hobby muito interessante, que me excita profundamente, além de incrementar um pouquinho mais os meus cofres.
- Então, não entendo o que faz aqui, perdendo seu tempo comigo.
- Não creio que será uma perda de tempo.
Ele a olhou com cara de paisagem, apesar da preocupação em saber como ela havia farejado o que estava acontecendo.
- Olha, Beth, se está atrás de diversão, acho que veio ao lugar errado.
- Acho que não... Um passarinho me contou que vocês estão atrás de um peixe grande e eu gostaria de tomar parte disso. Se não abrirem para mim, vou ter que trabalhar por conta própria.
- Se não acredita em mim, fale com seu ex.
- Você sabe que nosso rompimento não foi muito amigável. Tenho certeza que ele não me perdoou por eu ter ficado com aquela linda pulseira de diamantes. Eu não pude resistir...
- Ele queria matá-la...
- Então... – ronronou colocando sua mão sobre a dele com um olhar cheio de insinuações. – por que não abre o jogo com sua amiga aqui?
- Primeiro, minha linda Beth – respondeu com sarcasmo. –, porque não tem jogo algum. Em segundo, se houvesse e eu dissesse algo, ele me mataria, antes de ir atrás de você.
Sentindo que nada conseguiria com aquele idiota, bufou e levantou-se com  raiva.
- Tudo bem, Arent. Pode deixar!  Tenho outras maneiras para descobrir o que vocês estão aprontando. E pode ter certeza que saberei. Adeuzinho!

 
Filipa teve dificuldade em pegar no sono naquela noite, pensando nas emoções do longo dia e no que teria de enfrentar no dia seguinte. Tão logo se sentiu segura, trancada no seu apartamento,  pensou em seus pais. Talvez fosse uma boa hora para ligar dizendo que chegara bem. Ou não. Lembrou-se do fuso horário, com a diferença de quatro horas para mais. Eles estariam dormindo àquela hora em Porto Alegre. Ligaria pela manhã, antes de sair com Andries. Seria bom ouvir as vozes das pessoas que mais amava para clarear um pouco as ideias. Resolvido esse ponto, seus pensamentos se voltaram  para o encontro que tivera a pouco.  Apesar de tentada a falar com Andries sobre o que acontecera, decidira  não contar nada sobre o homem que usara o nome dele para forjar um encontro. Se a pedra deixada por sua tia fosse o real motivo para tanta confusão, talvez ela fosse  muito mais importante do que imaginara.  Quanto ao “gato”, que agora se dizia um policial, teria que ter muito cuidado. Talvez o termo “gato” pudesse ser aplicado não só por suas qualidades físicas, mas por sua profissão real, o que seria uma pena... Será que ele a procuraria no dia seguinte como prometera? Aquele olhar a atordoava e o desejo por ele nublava seu raciocínio. Estremeceu quando se  lembrou do momento em que sentiu a mão em sua cintura, puxando-a contra o corpo, que parecia lapidado em rocha, o hálito quente e o perfume másculo que a envolveram. Ela seria um perigo para si mesma se não conseguisse sobrepor a razão àquela atração absurda.
Abraçou-se ao travesseiro de plumas e acabou por adormecer por pura exaustão.
 
 
Como sempre acontecia em suas viagens, acordou assustada com o alarme do celular, que dessa vez fora acertado para tocar às oito e trinta. Demorou  quase um minuto para perceber onde estava e desligar o aparelho ruidoso sobre a mesinha de cabeceira.  Tomou uma chuveirada.  Vestiu um  jeans escuro e um twin set branco, de linha, bem apropriado para o verão holandês. Parecia adequado para um passeio turístico e não muito sexy, pensando em evitar as possíveis investidas de Andries.
Filipa pronta para o passeio
 
 Jogou todo o conteúdo  de sua bolsa de couro, que usara na viagem, dentro da  bolsa de lona colorida. Assim não teria risco de esquecer algo, como documentos, celular, maquiagem,  na troca. Enfim, a bagunça “organizada” de sempre. Verificou o cadeado da mala, onde estava escondido o anel e pensou se não seria melhor colocar aquilo no cofre do hotel. Por mais que pensasse, não conseguia imaginar um lugar totalmente seguro para a esmeralda, principalmente agora que tinha sido avisada de que uma quadrilha estava, aparentemente,  atrás dela, se é que podia confiar nas palavras do ... . Droga! Mais uma vez repreendeu-se por não ter perguntado o nome dele. Será que ele voltaria a procurá-la como prometeu? Apesar do medo que embrulhava seu estomago ao pensar nisso, no fundo desejava vê-lo novamente, nem que fosse para saber o seu nome e chamar a polícia. Sorriu ao imaginar essa possibilidade, mas balançou a cabeça, não acreditando que teria coragem para fazer isso com ele. Talvez fosse melhor lhe dar corda e ver até onde ele iria. Já estou eu aqui pensando bobagens! Melhor que ele não apareça mais... , disse para si mesma, com alguma tristeza.
Suspirou forte para afastar os maus pensamentos.  Acabou por seguir seus instintos a respeito do melhor local para deixar o pote de creme e saiu para tomar o seu café da manhã. Se fosse pontual, como parecia ser, logo Andries estaria a sua espera na recepção.
 
Andries
 
Depois de um beijinho fraterno em sua  face, Andries pegou delicadamente seu braço para guiá-la até o carro.
- Tem algum lugar em especial que queira conhecer?
- Estou por sua conta, professor. – respondeu sorrindo.
-Então, o que estamos esperando? – disse ele jovialmente, abrindo a porta da BMW e fazendo uma reverencia  para Filipa, que achou graça na atitude do curador.
Percorreram calmamente as ruas, entre as inúmeras bicicletas, principais meios de transporte dos cidadãos de Amsterdã, passando pelo Mercado das Flores, o Noviçado, o Red Light District, famoso pelas vitrinas onde as garotas de programa ficam expostas, até chegarem ao Rijksmuseum, onde grandes obras de Rembrandt e outros célebres pintores holandeses estão expostas. Filipa estava encantada com  o passeio e tudo que lhe era oferecido aos olhos, chegando a esquecer dos acontecimentos da noite anterior.
Mercado das Flores
 
Red Light District
 
 
Noviçado
 

- Com fome? – perguntou Andries quando estavam  na loja do museu.
- Sim...
- Acho que vai gostar do local que escolhi para almoçarmos.
- Tomara que sim – disse brincando.
Já se sentia mais a vontade na presença dele. Além do mais, durante toda a manhã, ele não fizera qualquer insinuação que demonstrasse outro tipo de interesse nela que não fosse o da amizade. Era um cavalheiro e,  ser rechaçado na noite anterior,  quando tentara beijá-la, devia tê-lo feito perceber que Filipa não estava interessada em outro tipo de relação. Pelo menos não com ele...
- O que houve, Filipa?
Ele percebera uma sombra nublar seu sorriso. Não podia dizer a Andries sobre o rosto que lhe viera à mente ou sobre os sentimentos decorrentes dessa lembrança.
- Nada... Acho que é um pouco de cansaço... e fome. – tranquilizou-o com um  novo sorriso, colocando a mão sobre a barriga,  acariciando-a em movimentos circulares.
- Tem certeza que está tudo bem?
- Claro! Por que não estaria?
Ele a olhou de soslaio e deu um meio sorriso, como se ainda tivesse alguma dúvida sobre o que a deixara subitamente preocupada.
- Vamos por aqui.
Guiou-a até a saída do Rijks. Andaram até onde estavam as imensas letras que formavam a frase   I AMSTERDAN, na praça em frente ao museu, cartão postal da cidade, onde todos os turistas mereciam tirar uma foto de recordação. Andries fez questão de fotografá-la agarrada a uma das letras vermelhas e brincou com a situação.
 
RijksMuseum

I AMSterdam

Ainda caminhando,  foram  ao Museu Van Gogh, localizado a poucos metros, na Museumplein, onde , segundo Andries, havia um bistrô, no térreo do prédio, que servia uma comida ótima.
 
Van Gogh Museum

Até o momento, O’Neill conseguira passar despercebido, seguindo aqueles dois de dentro de seu carro. Na noite anterior, sem que Filipa percebesse, conseguira colocar um micro localizador em seus cabelos. Lembrou sarcástico que a tecnologia no ramo da espionagem já alcançara ou, muito provavelmente, já  ultrapassara os recursos mostrados nos filmes de James Bond.  Por sorte e para seu alívio, ela não lavara a cabeça depois da colocação  e o sensor continuava funcionando perfeitamente. A antipatia pela figura de Andries só fazia aumentar a cada sorriso que Filipa exibia durante aquela manhã, todos dirigidos a seu acompanhante emplumado. Algumas vezes, se pegou fantasiando ser ele o alegre guia turístico, merecedor da atenção radiante da brasileira. Esperava ansiosamente pela queda da máscara do curador, que não deveria tardar. Quando os viu entrar no Museu Van Gogh, seu instinto o fez deixar o carro e manter os dois sob sua visão direta. Admiraram apenas a exposição no andar térreo, antes de se dirigirem ao simpático café, ali  localizado. Foi quando notou a presença de alguém, seu conhecido, tomando um café num dos cantos do bistrô, com a aparência mais inocente do mundo, deixando-o totalmente alerta para o que poderia vir a acontecer. Certificou-se mais uma vez do bom funcionamento de seu monitor e do aparelho que implantara em Filipa. Não podia perdê-la.
 
Van Gogh Museum Cafe

Tão logo viu Filipa acomodada na mesa,  Andries pediu licença para ir aos toaletes.
- Dê uma olhada no cardápio. Hoje eu confiarei no seu critério. – disse simpaticamente, lembrando a noite anterior, quando Filipa permitira que ele escolhesse os pratos do jantar.
- Tem certeza que pode confiar no meu gosto? – ironizou Filipa.
- Tenho. Fique à vontade para me envenenar, como quiser.
Ela não resistiu ao tom piadista dele e riu, repensando se não seria de dar uma chance àquele homem e esquecer o “olhos tristes”.
Apenas O’Neill atentou ao fato que  outro homem  levantou-se da mesa, onde acabara de terminar o café, e dirigiu-se ao toalete. Voltou os olhos para Filipa que não demorou muito para chamar o garçom e fazer o pedido.
Passaram-se alguns minutos. Andries voltou e sentou-se à mesa.
- E, então? O que vamos comer?
- Pedi uma salada e crepes de presunto e queijo. Espero que goste.
- Perfeito! Os crepes são uma especialidade da casa.
- Que bom que gostou do “veneno”... Se me der licença, também vou ao toalete.  Não escolhi o que beber para você, pois fiquei na dúvida.
- Eu peço, enquanto a espero... Não demore... – falou com súbita sensualidade implícita na voz, o que deixou Filipa mais uma vez alerta quanto às intenções de Andries. No entanto, não ficou totalmente desgostosa. Talvez devesse lhe dar uma chance.
Foi até o toalete, onde havia duas mulheres, provavelmente turistas italianas, conversando enquanto retocavam a maquiagem. Entrou no cubículo onde ficava o vaso sanitário, sempre ouvindo as vozes inflamadas comentando sobre como já não aguentavam mais ver museus. Filipa sorriu diante do comentário. Por ela, passaria o dia inteiro em um museu como o Rijks ou o Louvre, por exemplo, sem se sentir entediada.  As italianas saíram e, de repente, o banheiro ficou silencioso.   Foi até as pias brancas para lavar as mãos. Enquanto a água corria pela pele tirando o perfumado sabonete líquido, foi surpreendida pela entrada de um homem. Ele pareceu atrapalhado ao vê-la. Disse algumas palavras em holandês, que ela tomou como um pedido de desculpas. Virou-se para o secador de mãos junto a parede lateral e imaginou que o homem já tivesse saído. Foi então que sentiu algo duro sendo empurrado contra suas costelas.  Uma mão cobriu sua boca e a voz masculina agora falava em  inglês junto ao seu ouvido.
- Não grite! Vamos sair daqui sem chamar a atenção ou serei obrigado a usar a arma que estou segurando em suas costas. Entendeu? – perguntou com  rispidez.
Filipa balançou a cabeça afirmativamente, sentindo asco por ter aquela mão sobre sua boca. Entrara em estado de alerta, sentia o coração bater violentamente e um frio irradiava-se para o resto do corpo, a partir do estomago. Buscava desesperadamente uma porta de fuga para aquela situação. Quem era aquele homem? O que queria com ela? Não conseguia olhar nos espelhos do banheiro, pois ele não permitia que ela virasse o rosto, impedindo que ela o identificasse. Finalmente ele retirou a mão de seu rosto, mas usou-a para prender seu braço com firmeza, evitando  sua fuga. A arma, provavelmente uma pistola, continuava a importuná-la junto às costelas, provocando dor. O local certamente ficaria com um hematoma aparente muito em  breve.
-  Agora ande bem quietinha, sem olhar para os lados, como se fossemos um casal de namorados saindo do museu.
O braço desarmado rodeou-lhe a cintura com força, puxando-a contra seu corpo, que fedia a cerveja e cigarro, enquanto a arma permanecia encostada nela, escondida sob a jaqueta dele. Mandou-a deitar a cabeça em seu ombro, e prendeu-a sob seu queixo. Quem os visse, pensaria que era apenas um casal abraçado.
Se ao menos Andries olhasse para eles, poderia tentar  impedir que o sujeito a levasse dali. Infelizmente, ele estava de costas para o local dos sanitários. Instintivamente, apertou a bolsa contra seu corpo e continuou atenta a qualquer oportunidade que pudesse usar para fugir daquele homem sem ser ferida. Suas chances diminuíam a cada instante.
- Sorria! – ordenou num cicio.
Foi obrigada a passar sorrindo diante dos seguranças ao atravessar as portas automáticas da saída. Não conseguiu pensar numa maneira de alertá-los para o que estava acontecendo.
Seu raptor continuou a arrastá-la até entrarem em um edifício-garagem que ficava na rua de trás, em um prédio mais antigo. A rua estava deserta e parecia mal frequentada. Certamente ali não encontraria a ajuda que necessitava. Com certa violência, agora que não podiam ser vistos, o homem a puxava pelo braço, levando-a até um carro marrom desbotado.  Abriu o porta-malas e a jogou ali dentro, sempre lhe apontando a arma e não permitindo que o encarasse. Assim que a porta se fechou sobre ela, começou  a tremer. O medo começava a exercer seu efeito. Começou a chorar e a gritar. Ainda pode ouvir o cretino dizer que ninguém mais a ouviria e que logo estariam longe dali. Ouviu um cantar de pneus e uma freada bem próxima de onde estava. Alguém chegara à garagem. Teria visto alguma coisa antes dela ser encerrada no bagageiro? Alguém soltou uma praga e ela pensou ter ouvido um nome. O’Nil? Logo em seguida, o carro sofreu um abalo, como se algo tivesse caído sobre ele, e os gritos do homem começaram. Havia mais alguém do lado de fora. Estavam brigando. Depois do segundo baque sobre o carro, o silêncio envolveu tudo. Filipa, ainda soluçando, tentava controlar a vontade de gritar por ajuda, querendo ouvir e entender o que estava acontecendo do lado de fora. Só então ouviu o barulho de chaves chocando-se num chaveiro e o porta-malas se abriu. A princípio, viu um vulto, contornado pelas luzes do teto da garagem, através da sua visão embaçada pelas lágrimas. Dois braços fortes a tiraram do cubículo onde estava e tentaram colocá-la de pé. Porém, suas pernas haviam perdido a força e teve que ser escorada pelo corpo de seu salvador.
- Filipa! Está bem? Pode me ouvir?
Não era a voz de Andries... Era...
- Está ferida? Responda, por favor! – A voz grave refletia angústia.
- Diga que não vai me ferir... – rogou com a voz trêmula.
Ele a abraçou e ela sentiu-se segura naquele abraço cheio de calor e alívio.
- Venha... Vamos sair daqui.
- E aquele homem...? Temos que chamar a polícia...
- Não se preocupe. Ele está desacordado.
- Você disse que era policial... Por que não o prende agora?
- Depois explico.
O’Neill carregou-a até seu carro e a colocou no banco da frente. Colocou o cinto de segurança e fechou a porta. Pegou a direção e partiram em silencio a caminho da saída da garagem.


 
 

 

 
 
 

Calais – Agosto de 1346
 
Os conflitos entre a França e a Inglaterra já duravam quase dez anos, mas os habitantes de Calais procuravam manter suas rotinas no grande centro comercial, considerado um dos portos franceses mais importantes.
Eustache atravessou a praça, a caminho de seu escritório, cumprimentando a cada homem ou mulher que por ele passavam. No decorrer dos anos, tornara-se uma figura de destaque na cidade, responsável por uma importante parcela do desenvolvimento comercial do porto, gerando rendas e empregos. Também era reconhecido como alguém que não sucumbira ao poder econômico. Era amado pela maioria dos habitantes de Calais, como um homem de bem, amável e caridoso. Perdera a mulher, Flora, cinco anos antes, durante um trabalho de parto complicado. Com ela, se fora o bebê. Esse fato deixou-o arrasado. Não fosse o apoio e o carinho dos filhos mais velhos e de seu amigo e sócio, Jean de Fiennes, teria sucumbido à dor da perda de sua amada.
Parou diante do prédio imponente, olhando a placa negra que pendia sobre a entrada e onde era visível,  em letras douradas, o nome Saint Pierre et Fiennes. Arqueou as sobrancelhas,  um sinal de preocupação, que tanto tentava disfarçar junto aos seus. A atual situação comercial e política estava ameaçada pela invasão da Inglaterra. O Rei Eduardo era implacável e não teria misericórdia de ninguém que se colocasse contra seus planos sobre o território francês. Ao pensar no rei inglês, seu pensamento fluiu imediatamente para a família do Conde de Hainaut, na figura de Joana e sua filha Filipa. A primeira falecera quatro anos atrás. Após a morte de seu marido, Guilherme, abandonara a vida comum e tornara-se abadessa em Fontevraud.  Em 1340, a pedido do papa Bento XII, atuara como mediadora entre Filipe, seu irmão,  e Eduardo, seu genro, no cerco de Tournai. Sempre fora uma mulher de valor e alma altruísta. Seu rosto iluminou-se ao relembrar a menina Filipa, muito parecida com sua mãe, no físico e no coração. Em uma de suas últimas visitas a Hainaut, vira o jovem casal de futuros reis a trocar seus primeiros olhares enamorados. Esperava sinceramente que a menina tivesse encontrado a felicidade ao lado do arrogante Eduardo. Pelo que soubera já tinham sete filhos, sendo que o primogênito de  apenas 16 anos, Eduardo, já acompanhava o pai nas batalhas em terras francesas.
- Pai!
Eustache foi arrancado de suas memórias pela voz de seu filho mais velho. O rapaz o surpreendeu quando saia do escritório para verificar a chegada de uma carga de seda e porcelana vinda da  Itália. Precisava conferir pessoalmente esse tipo de produto para não ter surpresas em relação à qualidade do que importavam.
- Achilles, meu filho! Aonde vai com tanta pressa?
- Pai, o navio de Genova está chegando. Andre acabou de me avisar. Quero ter certeza de que não fomos roubados lá ou aqui. Por isso quero estar no porto quando eles atracarem. Além disso, acho que outra “carga” preciosa,  endereçada a Corine, deve vir nesse navio. – anunciou piscando o olho direito marotamente.
- Então, vá! O que está esperando? – disse com falso ar severo, que escondia um sorriso de satisfação pelo entusiasmo e dedicação de seu filho ao trabalho.
O filho deu um beijo em seu rosto e saiu quase a correr na direção do cais.
Seus filhos eram motivo de grande orgulho. Os dois rapazes eram trabalhadores e mostravam gosto pelo negócio que ele erguera com esforço e perseverança. Sua caçula herdara os traços da mãe, dona de personalidade forte, mas com um grande coração. Com apenas 19 anos cuidava da casa, do pai e de seus irmãos. Aguardava ansiosa pela volta do noivo, Pierre, irmão de Jacques de Wissant, seu amigo abastado, dono da fábrica de tecidos local, herança de seu pai. Pierre não nascera com o tino comercial de seu irmão.  Era um jovem estudioso, que desde cedo mostrara interesse na área das ciências biológicas. Há três anos partira para a Itália para tornar-se médico, na famosa Escola de Medicina de Salerno. Saudoso de sua noiva, soubera do navio que partiria de Genova para Calais através dos futuros cunhados, meses antes. Por ser um aluno dedicado, obtivera licença para se ausentar por um mês da Escola. Faltava pouco para terminar seus estudos e seu irmão, Jacques, já estava à procura de um local para que Pierre estabelecesse seu consultório.
Eustache podia se considerar um homem quase completamente feliz, não fosse a ausência de Flora. Com um suspiro de resignação, entrou na Saint Pierre e Fiennes, e se dirigiu à saleta de onde regia seus negócios. Jean, seu sócio, ainda não voltara de Brugges, onde fora tratar com fornecedores menores.
Uma leve batida na porta tirou sua concentração dos cadernos contábeis abertos a sua frente. Quando elevou os olhos e viu a expressão amedrontada de seu amigo Andrieu, teve uma sensação muito estranha. A sensação de que seu mundo logo viraria de cabeça para baixo.
 
(continua...)
 
Mais uma semana que termina... Este foi um post mais turístico. Amsterdã é uma cidade linda e muito simpática. A Filipa deve ter adorado o passeio, pelo menos até antes do seu sequestro.
Como puderam ver, a história de Eduardo e Filipa deu um pulo de 20 anos. Nove filhos! O Eustache não lembrou que ela tinha perdido dois... É, naquele tempo sem anticoncepcional, não era fácil fazer controle de natalidade. Depois desses ela ainda teve mais dois. O Eduardo, seu primogenito, foi chamado de O Príncipe Negro, graças a armadura negra que ele vestia. Foi motivo de muito orgulho para seu pai.Eu confesso que me apaixonei pela história da Filipa e do Eduardo. Eles parecem ter passado por muitos problemas, traições conjugais por parte dele (dizem as más línguas), mas, como vocês verão mais adiante, o amor sempre existiu de uma forma ou de outra. Ontem vi o final de um filme chamado Amor à Toda Prova, onde o personagem principal faz uma declaração de amor a sua mulher, que segundo ele era a sua alma gêmea, dizendo, entre outras coisas, que sempre a amou, mesmo quando a odiava, e que isso os casados entenderiam. Ri e dei toda a razão para ele.
Bem, os meus beijos especialíssimos para as minhas maravilhosas comentadoras da semana: Ly e Nadja. Obrigada, queridas, por acariciarem o meu ego semanalmente.
Beijinhos para todos e até a próxima semana!
 
 

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

A Cruz de Hainaut - Capítulo IX




- Foram apenas essas informações que ela lhe deixou? – perguntou Andries curioso.
- Sim... É muito pouco, não? – respondeu  desconfortável por esconder a história da esmeralda.
Ele ficou pensativo por alguns instantes, mas ao final sorriu.
- Podemos começar  as investigações  nas origens de Rutger e Antje Zegers. É só descobrir se existem outras Filipas  na família de um deles.
- Você faz parecer tão simples.
- Não é complicado como parece.  Temos um arquivo bastante completo e organizado com nomes e datas de nascimento das famílias estabelecidas aqui em Amsterdã, que remonta a séculos. Podemos verificar a ascendência de Rutger e de sua esposa.
- Seria maravilhoso... Muito obrigada.
- Não tem que me agradecer. Vou considerar como uma pesquisa histórica, o que me agrada muito... Só uma pergunta, Filipa...
- Sim?
- O que há de tão interessante na entrada do restaurante, que você não para de  olhar a todo instante?
- O quê? N-nada! – respondeu gaguejando, pega de surpresa pela observação de Andries. Só então se conscientizou que ainda procurava o estranho de olhos tristes, na esperança de vê-lo novamente, mesmo que de relance.
- Viu alguém conhecido?
- Talvez... – Não precisava mentir... – Achei ter visto um homem que estava no avião.
Andries pareceu preocupado por alguns instantes.
- Como ele é?
- Não é ninguém importante, Andries. Não se preocupe. Acho que estou vendo coisas. Já é tarde, o vinho está fazendo efeito... Aliado ao cansaço... Achei que conseguiria enfrentar a mudança de fuso numa boa, mas... É melhor ir para o hotel.
- Vou pedir a conta e vamos. – tranquilizou-a.
- Posso pedir um táxi. O jantar estava ótimo e a sua companhia excelente, mas não precisa se incomodar em me levar.
- De maneira alguma. Só um momento... – E fez sinal para o garçom.
 
Em menos de quinze minutos já estavam defronte ao hotel. Ele estacionou e fez questão de levá-la até a recepção.
- Posso acompanhá-la até o apartamento? – Seu olhar sugeria promessas que ela não estava interessada em ver cumpridas.
- Não, Andries. – disse com surpreendente firmeza. – Estou muito cansada e acho que você também deve estar. 
- Se prefere assim... Nosso passeio de amanhã continua de pé? – disse com olhar de súplica bem humorada.
- Óbvio. Eu não perderia essa oportunidade de ter um cicerone particular para conhecer a cidade.
- Excelente! – exclamou com jovialidade. – Eu estarei aqui às 10 horas. Assim poderá descansar um pouco mais. Está bom  para você?
- Sem dúvida. Às 10 horas estarei aqui na recepção.
- Então...  Boa noite... – Ele se inclinou para beijá-la na boca, surpreendendo Filipa, que instantaneamente virou  o rosto, esquivando-se do beijo.
- Boa noite, Andries. – despediu-se em tom mais frio, demonstrando que não gostara da tentativa de maior intimidade por parte dele, ao que ele retribuiu com um meio sorriso.
- Durma bem, Filipa...
Aguardando o elevador, ela o seguiu com o olhar, enquanto o via se afastar sem virar para trás. 

 
O’Neill aguardava a saída de Andries do hotel. Observou-o fazer uma ligação de seu celular, falar alguns instantes e, pouco depois, partir em sua BMW. Pensou um pouco e acabou por descer de seu carro alugado, decidido a resolver aquele problema que o atordoava desde o começo de tudo. Não via outra maneira a não ser o confronto direto.  Entrou no hotel e pediu para falar com Filipa, apresentando-se como se fosse Andries. A recepcionista Bertha já deixara seu turno mais cedo.
- Diga que a estou esperando no bar.
- Sim, senhor.
Filipa acabara de entrar no quarto. Já tirara os sapatos e começava a tirar a roupa, quando o telefone assustou-a com sua campainha estridente.
- O quê? O Professor Andries quer falar comigo? Mas ele acabou de sair... Não... Pode deixar... Eu vou descer.
Pensou se ele resolvera insistir no seu jogo de sedução. No entanto não lhe daria a chance de vir ao seu apartamento, se era isso que ele estava tentando fazer. Com um suspiro profundo, voltou a calçar os sapatos e tornou a sair na direção dos elevadores, pronta para dar uma dura no professor.
Na recepção, disseram que ele estava no bar a sua espera. Dirigiu-se até lá e começou a procurar entre as poucas pessoas que ali estavam. Foi quando levou um novo susto. Sentado em uma das mesas a um canto, estava o seu companheiro de viagem  a olhá-la provocantemente. Deu as costas e foi quase correndo à recepção.
- O Professor Andries não está lá.
O jovem a olhou como se ela fosse louca.
- Ele está bem ali, senhora. – disse apontando para alguém atrás dela.
 

Ao virar-se, chocou-se com dois imensos olhos profundamente azuis e um sorriso embriagador.
 - Não me viu, querida? – interpelou-a, envolvendo sua cintura com a mão no segundo seguinte, sem dar tempo a ela de denunciar a farsa.
Ele a puxou com firmeza até a mesa onde estava sentado, aproveitando-se do estado confuso em que a deixara. Aquele toque e o delicioso  perfume amadeirado a atordoaram, agindo como drogas sobre seus sentidos.
- Você não é Andries! O que está fazendo? – conseguiu falar com a voz estrangulada.
- Foi a maneira como consegui para  realizar nosso encontro.
- Vou pedir para chamarem a segurança do hotel. Você está usando de uma falsa identidade para me forçar a falar com você. – A indignação começou a brotar tão logo seu espanto pela situação inusitada começava a se esvanecer. – Quem você está pensando que é? Hoje o cumprimentei naquele café aqui em frente e você fez que não me conheceu. Agora chega aqui, a essa hora, mentindo que é o Professor Andries... Espere! Como você sabe quem é  Andries? Quem é você afinal??
- Tudo a seu tempo... Vamos nos sentar calmamente e tomar um drink.
- Você está louco se pensa que isso vai acontecer!
Quando ela tentou afastar-se dele, ele a segurou com maior intensidade, forçando-a a acompanhá-lo e sentando-a ao seu lado na mesa, sem liberar o seu braço.
- Vim para lhe pedir desculpas por hoje.
- Como? – perguntou confusa com a justificativa dele para abordá-la daquela maneira.
- É isso... Foi uma grande falta de educação de minha parte fingir que não a reconhecera.
Ela apertou os olhos, demonstrando sua incredulidade.
- Você acha que sou uma idiota? Que desculpa esfarrapada é essa para aparecer aqui, a essa hora da noite e me dizer uma bobagem como essa. Para começar que não o conheço e não lhe dei liberdade para falar comigo.
- Você parecia bem interessada hoje na hora do almoço... – disparou sarcástico.
- Pois se engana! Apenas fiquei surpresa com a coincidência e quis ser gentil cumprimentando-o. Nada mais!
- Oh! Desculpe mais uma vez se pensei errado sobre você.
- O que você quer? Eu o vi lá no Hotel Intercontinental me espiando.
- Além de “atirada”, também tem mania de perseguição?
- Não sou “atirada” nem tenho mania de perseguição, seu convencido. Não tente mudar de assunto! – Ela estava furiosa. O cansaço mais a insolência daquele homem estavam mudando o seu habitual comedimento. – Afinal, o que você quer? – esbravejou em voz tão alta que chamou a atenção dos poucos hóspedes que ainda estavam no bar.
- Calma... Não precisa se alterar...  – Deu um longo suspiro, olhou para os lados e focou-se em Filipa novamente. – Eu estou tentando descobrir por que uma quadrilha de ladrões está atrás de você.
- Q-quê?
- Essa é a verdade. Eu não devia lhe contar nada até ter certeza disso, mas em vista de suas desconfianças a meu respeito, preciso abrir o jogo.
Filipa ficou repentinamente estática, olhando para O’Neill sem exatamente enxergá-lo. Todos os acontecimentos ocorridos no Brasil, desde a morte de sua tia, os arrombamentos da casa em Ouro Preto e do seu apartamento, o assalto ao banco onde estavam as joias, pareciam  peças de um quebra-cabeça que talvez estivesse a ponto de ser desvendado por aquele homem.
- Filipa?
Aquela voz forte e, ao mesmo tempo suave, a envolveu, tirando-a de seus pensamentos tortuosos.
- Você é algum tipo de policial? – perguntou num sussurro.
- Digamos que sim... – respondeu transparecendo certo embaraço. – Não posso lhe dizer mais nada, além disso.
- Você está atrás de mim desde o Brasil?
- Sim e não... – Ele estudava atentamente a expressão de Filipa, numa tentativa de adivinhar o que se passava por sua cabeça. Precisava que ela confiasse nele, apesar de tudo apontar para o contrário, no momento. – Na verdade, estava atrás de outra pessoa, quando você apareceu .
- Que outra pessoa?
- Aquele que quer roubá-la, ou pelo menos, é o que parece. Só você pode me dizer se possui algo que possa interessá-lo a ponto de fazê-lo atravessar o oceano.
Filipa o olhava perplexa e desconfiada.
- Por que não me procurou antes? Se realmente é da polícia, não teria sido melhor dizer quem era desde o início? Acha que vou acreditar numa história absurda como essa? É algum tipo de cantada nova aqui na Europa?
Ele riu da conclusão a que ela estava chegando.
- Não vejo a mínima graça nisso. – disse irritada.
- Desculpe... Não, Filipa, não é um tipo de cantada... Se bem que vou pensar no assunto quando quiser “cantar” alguém interessante.
Ela continuava a analisá-lo, esperando encontrar indícios de maldade  ou falsidade em sua expressão ou no que ele dizia, mas só conseguia ver os dois grandes olhos azuis, como ametistas,  e a boca carnuda que dava vontade de beijar.  Acabou por desviar o olhar ao perceber que estava ficando excitada com a presença envolvente daquele homem.
- Olhe... Seja você quem for, estou muito cansada para esse tipo de joguinho. Tive um dia cansativo e preciso acordar cedo amanhã...
-  Não é um joguinho, Filipa. Pode ser algo perigoso para você.
- Tenho certeza que está exagerando, isso se estiver falando a verdade.
- Preciso saber se você possui alguma joia de grande valor.
A indagação a pegou de surpresa e ela vacilou ao responder.
- Não... Não tenho nada de valor. Estou aqui a convite do Museu de História e ... Olhe, não tenho que lhe dar satisfação de nada.
- Podemos nos encontrar amanhã? – insistiu ao perceber a resposta vacilante de Filipa. Era óbvio que ela mentia a respeito de ter em seu poder algo valioso.
- Não sei... Vou sair cedo e não sei a que horas  volto.
- Eu saberei. Assim que estiver livre do seu compromisso, eu a procurarei.
- Acho que está perdendo seu tempo, seja lá você quem for. Com licença.
Levantou-se da mesa, não sendo impedida por ele.
- Filipa... Por favor,  não fale sobre essa conversa com o seu amigo Andries.
- É claro que não vou falar nada para ninguém. Não quero que fiquem rindo da minha cara por dar atenção a uma conversa como essa.
Virou-se abruptamente e, em passos trôpegos, pôs-se a caminho dos elevadores. Seu coração estava acelerado e ainda tinha a sua frente o rosto preocupado e lindo de... Lembrou-se que não sabia o nome dele. Ele a enrolara direitinho com aquela história. Nem o seu nome ficara sabendo. Devia estar rindo dela a essa altura, mas não lhe daria o gostinho de vê-la voltar para lhe perguntar o nome.  Quando as portas do elevador se abriram no seu andar, ainda se torturava pensando no porquê  de toda aquela conversa. Será que ele era louco e se divertia com esse tipo de abordagem às mulheres que o interessavam? Quem disse que ele está interessado em você?, repreendeu-se.
Entrou no quarto relembrando da conversa mais uma vez, começando a pensar se tudo aquilo podia ser verdade. Como ele sabia o seu nome, o nome de Andries? Por que falaria sobre ladrões de joias? Será que ele sabia da ligação entre os assaltos que ocorreram no Brasil? Será que estava no Brasil quando eles aconteceram.... Será?
Quando finalmente deitou a cabeça no travesseiro, uma dúvida terrível passou a assombrá-la... E se ele fosse o responsável pelos arrombamentos e pelo assalto ao banco e, agora, estava determinado a conseguir o que queria usando essas desculpas para aproximar-se pegar o que realmente desejava. Uma das joias de sua tia ou... mais especificamente, a esmeralda. As ideias ficavam cada vez mais confusas em sua cabeça. Precisava pensar em como agir dali para frente e não entrar em pânico. Levantou-se subitamente e correu até sua mala. Abriu o pequeno cadeado colocado no fecho e de lá retirou o pote de creme, que guardara ali mais cedo. Abriu-o ansiosa e suspirou ao colocar o dedo e tocar o anel que lá estava escondido. Aliviada, deixou a joia ali, voltou a fechar o pote e recolocá-lo na mala com o cadeado. Aproveitou para passar um pouco do produto em suas mãos. Voltou pensativa para a cama.

 
1326
 
Em Setembro daquele ano de 1326, Isabella  e Mortimer conseguiram o seu intento. Partiram da França, desembarcando em Essex com um grande número de guerreiros, conduzidos por nobres ansiosos por vingança contra Hugh le Despenser e seu séquito.  Já na Inglaterra, conseguiram o apoio de várias casas importantes, aumentando assim seu poder de persuasão.
A tudo, Eduardo seguia aparentemente impassível. Apesar de seus sentimentos, entendia que a situação na Inglaterra perdera o controle e que o responsável por isso era seu pai.
Passou pela vergonha de vê-lo humilhado por Isabella, após ser descoberto no Castelo de Glamorgan, de propriedade dos Despenser, onde se refugiara. Após presenciar a morte de seus pretensos amigos, o rei Eduardo II ainda conseguiu fugir da ira de sua esposa e de seus correligionários. Perseguido sem misericórdia, foi capturado e preso nas masmorras de Kenilworth, para maior tristeza de seu filho.
No início do ano de 1327, o rei abdicava de seu trono em favor de seu primogênito, Eduardo, em Westminster.  Com apenas 15 anos, o novo Rei da Inglaterra iniciava amargamente o seu aprendizado sobre o poder e suas intrigas. Deixava de ser um garoto para tornar-se um líder implacável e um grande guerreiro. Mortimer e Isabella tornaram-se regentes até Eduardo atingir a maioridade. Foi um período amargo para o jovem rei, que era constantemente submetido ao desrespeito e a humilhações por parte do amante da mãe.
Nos piores momentos, pensava  na doce Filipa, que o esperava em terras flamengas. Só ela conseguia abrandar seus pensamentos mais hediondos.  Onze meses após sua aclamação, chamou-a para Windsor e com ela se casou, ignorando os apelos e ameaças de sua mãe.  Na ocasião, Filipa recebeu de seu pai uma belíssima gargantilha de ouro, de onde pendia uma cruz formada por seis esmeraldas, dignas de uma rainha. Guilherme chamou-a de Cruz de Hainaut, para que Filipa jamais esquecesse suas origens.
Tão logo atingiu a maioridade, aos 18 anos, Eduardo cumpriu a promessa que fizera a si mesmo no dia da notícia da morte de seu pai, friamente assassinado por ordens de sua mãe, e vingou-se do homem que o humilhara durante quase quatro anos.  Decretou a prisão por alta traição, seguida pela decapitação, de Roger Mortimer. Quanto a sua mãe, exilou-a em Norfolk, ao norte do país. Não admitia mais a sua presença dominadora no castelo de Windsor. Ela lembrava-o diariamente no que ele poderia se transformar. Reconhecia que o seu lado mais negro havia sido herdado de Isabella. Passaria a vida a lutar contra este legado de frialdade, sempre contando com a ajuda de sua esposa, Filipa.
 
Rainha Filipa
 
 
(continua...)


Oi, pessoal! Parece que a pobre da Filipa está se complicando cada vez mais. Em quem será que ela deve confiar...
Bem, quero mandar um beijo duplo para as minhas queridas Ly e Nadja, por seus comentários no último capítulo postado e no post em homenagem ao Gerry. Fiquei imensamente feliz com a presença da Cassinha, da Dena, da Rose e da Rose Marques, Lucy e Sandra, comentando sobre o aniversário do nosso sempre lembrado e amado Gerard Butler. Acima de tudo, quis homenagear vocês, que são a prova viva do poder daquele que nos uniu e que, só por isso, já merece nosso eterno carinho. 
Todo o meu amor para vocês, minhas lindas amigas! Beijos!

 

 

terça-feira, 13 de novembro de 2012


                                       Gerard Butler  -  43 anos!!




Não poderia deixar passar em branco a data de hoje. Por isso, faço essa pausa no andamento das postagens do atual romance para prestar uma justa homenagem ao ator Gerard Butler, no dia de seu 43º aniversário.
Como a maioria de minhas amigas sabem, minha história como escritora começou dentro do Orkut, nas comunidades de fãs desta grande figura que é o Gerry. Virei sua fã no dia em que vi o filme O Fantasma da Ópera, em 2005, no qual ele era o protagonista. Fiquei encantada com a sua atuação e interpretação das lindas canções de Andrew Lloyd Weber. A partir desse dia, passei a procurar mais informações sobre o ator e descobri que ele tinha  milhões de fãs no mundo inteiro. Foi por causa dele que conheci fã-clubes internacionais, como GBNet e GBGals, e me interessei em entrar no Orkut, onde conheci comunidades e pessoas incríveis que compartilhavam da mesma admiração que eu. Fiz amizades maravilhosas, que se mantêm até hoje, que me completam e me tornam uma pessoa mais feliz, porque sei que nunca estarei sozinha pois as tenho ao meu lado e em meu coração.
Nas mesmas comunidades, tomei contato com as fan-fics, das quais jamais tinha ouvido falar. Comecei a ler algumas delas, até que surgiu a vontade de escrever, curiosa para saber como me sairia. Se persisto escrevendo hoje, "incomodando" vocês com as minhas invencionices, é graças ao estímulo que sempre me foi dado por aquelas amigas das comunidades de que falei ali em cima, e que ainda me proporcionam a força necessária para continuar. Além delas, é claro, não posso deixar de dar crédito também ao meu homenageado, pois não fosse por ele, provavelmente eu não estaria aqui hoje. A cada história inspirada por Gerry, maior era a vontade de escrever romances, cada vez mais complexos. Virou um hobby, uma mania, uma terapia.
Fui fã de carteirinha, mesmo(não é, Dany?), com direito a camiseta e chaveiro, e fui ao Rio de Janeiro para conhecer algumas companheiras do fã-clube, numa viagem inesquecível, onde pude ver, abraçar, beijar e fortalecer a amizade, antes virtual, com cada uma delas, estabelecendo um vínculo que vai durar pelo resto da minha vida. Posso dizer que foi uma fase muito feliz, que deixou vários presentes inestimáveis: minhas amigas, que continuam a fazer parte de mim até hoje.
Já não sou mais aquela fã fervorosa, que vibrava na frente da tela do computador a cada foto nova ou com a notícia de um novo filme que começava a ser rodado com ele em algum canto do mundo. O que ficou, foi um carinho muito grande pela pessoa que ele é, por sua força de vontade, seu carisma, sua alegria, que transborda e encanta a todos que trabalham com ele e às suas fãs, pelo ser humano especial que é, um sobrevivente, como, sua própria mãe o denominou certa vez; alguém que venceu sozinho, com seu trabalho e determinação, no difícil mundo do cinema.
Sendo assim, no dia de hoje, quero deixar expresso o meu agradecimento ao Gerard Butler, felicitá-lo pelo aniversário e desejar que encontre a paz e a felicidade em sua vida pessoal e na profissional.
                                       
                 PARABÉNS, GERRY BUTLER!!!

Deixo aqui algumas fotos mais atuais do Gerry e um vídeo que fiz para homenagear minhas amigas e nosso sonho alguns anos atrás.
Beijos!!

Para ver o vídeo CLIQUE AQUI 







PS: Continua lindo e charmoso, não acham?
 

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A Cruz de Hainaut - Capítulo VIII




O’Neill viu Filipa sair em companhia da jovem loura. Saiu do café e atravessou a rua, indo em direção à portaria do hotel.
- Boa tarde. – cumprimentou  a moça que estava na recepção, inclinando-se sobre o balcão e solicitando uma informação quase num cochicho. – Por favor, acabei de ver uma conhecida minha, uma brasileira, saindo daqui agora. Seu nome é Filipa. Pode me dizer em que apartamento ela está? Gostaria de mandar umas flores... – explicou com olhar sedutor, que num instante derreteu a postura fria da recepcionista.
- Pois não, senhor. Sei quem é. Só um momento... – teclou algo no computador a sua frente. – Filipa Vasconcelos?
- Sim! Ela mesma!
- Ela está hospedada no apartamento  401, senhor. – informou-o com um cativante sorriso. Não era todo o dia que se via um homem como aquele, animando seu dia. Se a brasileira não o quisesse, quem sabe não poderia consolá-lo?
- Muito obrigado, senhorita...?
- Bertha, ...senhor...?
- Collins.
- Se precisar de mais alguma coisa, senhor Collins, pode contar comigo...
- Mais uma vez , obrigado.
Bertha derreteu-se ao ver aquele sorriso derramando-se em sua direção. 
Observou-o suspirosa, enquanto ele se afastava rumo à saída, com seu andar elegante em um corpo talhado em academia.
Na rua, O’Neill seguiu para a entrada dos funcionários do hotel, onde entrou sem dificuldades, usando o crachá de Bertha, que furtara enquanto conversava com ela. Passou a catraca e entrou no vestiário. Calmamente, vestiu um uniforme de segurança, colocou o quepe  e saiu. Seguiu para o elevador, apertando no botão número 4. As portas se abriram e ele foi direto ao número 401. A porta estava fechada, mas podia ouvir o movimento vindo lá de dentro. Arent estava lá. Teria que esperar para obter o que desejava. Ficou de pé ao lado da porta até que os ruídos cessassem. Quando ela se abriu, deu um esbarrão no homem. Este, soltou uma praga e, não querendo ouvir as desculpas do idiota em quem esbarrara, seguiu seu caminho. Sem levantar os olhos, um hábito adquirido ao longo dos anos para evitar um possível reconhecimento posterior, correu para as escadas, deixando O’Neill com um sorriso vitorioso nos lábios a olhar para o aparelho celular em suas mãos. Digitou rapidamente e anotou alguns números. Logo em seguida, deixou o celular cair no chão e foi para os elevadores de serviço. Poucos minutos depois, Arent voltou com expressão desesperada, soltando um suspiro ao ver seu telefone caído próximo ao apartamento 401.
Devo ter deixado cair quando aquele estúpido esbarrou em mim, concluiu aliviado. Por alguns instantes pensou que tinha sido descoberto. Se assim fosse, não queria imaginar o que seu primo faria com ele.

Dirkje  permaneceu em silencio praticamente todo o trajeto de volta, apesar das tentativas de Filipa em tentar uma conversação amena.  Na hora de se despedirem, ela lhe desejou um bom jantar, com um frio sorriso nos lábios.
- Por que não vai conosco?
A jovem arregalou os olhos tal a surpresa ao ouvir o convite de Filipa.
- Ele me mataria... – disse num sussurro, como se falasse para si mesma, repreendendo-se por pensar em tal possibilidade. – Isto é... O professor deseja conversar sobre assuntos de interesse profissional que naturalmente não interessam a mim. Acho que seria uma noite maçante... Se é que me entende...
- Eu entendo... Você gosta dele?
- Ele é meu chefe. – respondeu, lançando um triste olhar  para o movimento da rua em frente. Logo voltou a encará-la, adotando uma posição de isolamento e erguendo uma barreira de gelo entre elas.  – Nada mais. 
Notando o desejo de Dirkje em encerrar a conversa, sorriu sem graça, de volta.
- Obrigada por tudo. Até mais.
- Boa noite, Srta. Vasconcelos.
Ao entrar em seu quarto, sentiu alguma coisa diferente, mas não conseguiu definir o que. Talvez a camareira tivesse estado por ali para arrumar suas coisas. Jurava que tinha deixado o quarto mais bagunçado do que estava. Por via das dúvidas, foi até o guarda roupa onde estava sua nécessaire. Pegou um pote de creme hidratante e, só depois de enfiar o dedo ali e sentir algo mais sólido, suspirou aliviada.  Tirou a roupa e lavou-se. Faria o que o Professor Andries sugerira. Dormiria um pouco, antes do encontro para o jantar. Ele ficara de buscá-la às 20h30min , ou seja, ainda tinha mais de duas horas para dormir, tomar outro banho e ficar pronta para sair. Enquanto ensaboava as mãos, passava em revista o seu dia. Parecia que já estava em Amsterdã há pelo menos três dias. Era incrível pensar que chegara naquela manhã, já passara por tantas coisas e a noite ainda nem começara. Lembrou-se de seu companheiro de viagem grosseiro e comparou-o a Andries. Este sim era um homem educado, além de bonito e charmoso. Não seria apenas uma impressão errônea achar que ele estava dando em cima dela? Ele podia estar apenas sendo educado e ela equivocada, graças a sua eterna desconfiança com os homens. Sabia que o banho de loja e a maquiagem  podiam  melhorar sua imagem a ponto de chamar mais a atenção masculina. Não era nada desagradável pensar que um homem como aquele estivesse tentando seduzi-la, mas sua baixa auto-estima dizia que aquilo era impossível. Dirkje não deveria temê-la. Porém, logo seus pensamentos voltaram para o estranho do avião. Não conseguia esquecer aquele olhar,  que lhe dava uma vontade insana querer conhecê-lo melhor, assim como sua boca a levava a pensar em beijos... A imagem dele a acompanhou nos sonhos que vieram a seguir.
Quando o alarme do celular tocou, custou um pouco a reconhecer onde estava. Acordou excitada, sem lembrar exatamente o que estava sonhando para sentir-se daquela maneira, mas lembrou de um par de olhos azul-escuros que a perseguia. Ao perceber onde estava, pulou da cama e correu para o banheiro. Depois de um banho rápido, colocou uma lingerie preta e um vestido tubinho da mesma cor. Repetiu a maquiagem do dia, apenas realçando  um pouco mais seus olhos verdes, com delineador e uma sombra escura, conforme Beta havia ensinado. O resultado era um olhar profundo e sensual. Deixou os cabelos soltos e colocou seu perfume favorito: London, da Burberry.  Colocou o conjunto de pérolas,  colar e brincos, que a tia lhe deixara. Olhando o resultado final, começou a pensar se não estava sendo ridícula. Afinal, era apenas um jantar para falar sobre o seu trabalho de tese e não um encontro  para levar o incauto de um professor para a cama. Já ia pegar o removedor de maquiagem, quando o telefone tocou. Era Andries que a esperava na recepção.  Juízo, Filipa!  Pegou a bolsa sobre a cama e saiu, tentando não tropeçar nos saltos agulha.
Ao sair do elevador e caminhar para o lobby, onde Andries deveria estar a sua espera, não reparou nos olhares dos homens que por li estavam. A jovem alta e esguia, de cabelos castanho-claros, olhos verdes intensos e de sensual elegância, atraía o olhar de todos como um imã.  Sentiu Andries despi-la com o olhar ao encontrá-lo, mas logo ficou envaidecida  quando ele pegou a mão que ela lhe ofereceu e tocou-a levemente com os lábios, como um legítimo cavalheiro a moda antiga. Ele era extremamente sedutor, tinha que reconhecer. 
- Boa noite, Filipa... Você está deslumbrante.
- Boa noite, professor Andries. Muito obrigada. – agradeceu, lembrando-se das palavras das amigas que sempre lhe diziam para simplesmente aceitar um elogio com tranquilidade, e não procurar negá-lo, como costumava fazer.
- Vamos? – disse  oferecendo-lhe o braço galantemente, ao que ela prontamente aceitou  com um sorriso.
Quando saíram pelas portas de vidro da entrada do hotel, O’Neill, dentro de seu carro, seguiu-os com o olhar, soltando uma praga interior, imaginando se já tinha visto alguma mulher tão linda quanto aquela. Recompôs-se,  ligou o carro e partiu logo atrás da BMW3 sedan, azul-clara metálica.


- Já conhecia Amsterdã?
- Vim a Europa uma vez alguns anos atrás, mas só conheci  um pouco da França e da Espanha.
- Está gostando?
- Muito... A cidade é adorável.
- Amanhã é sábado. Seria um prazer – disse desviando-se da direção para olhá-la. – levá-la para conhecer nossa cidade.
- Não quero incomodá-lo, professor Andries. – respondeu sentindo-se lisonjeada.
- Por favor, me chame  apenas de Andries, Filipa.
- Está bem... Andries. Se não tiver mais nada para fazer a não ser aborrecer-se com sua convidada brasileira... Aceito seu oferecimento.
Ele sorriu, voltando toda a atenção para o transito de poucos carros.

Chegaram alguns minutos depois ao Hotel Intercontinental, localizado a beira de um dos inúmeros canais da cidade, numa construção clássica, datada  de 1867.  Andries deixou o carro aos cuidados do manobrista depois de ajudar Filipa a sair , estendendo-lhe a mão. Ela estava fascinada com o lugar. Nunca entrara em nada tão luxuoso antes.  Através de salões finamente decorados, com lustres de cristal, poltronas e sofás em madeira e couro,  com arranjos florais requintados, foi levada até o restaurante La Rive, que, como pode constatar na entrada, recebera uma estrela no Michelin, famoso guia gastronômico francês. Depois de confirmada a reserva, foram  levados até uma mesa junto a uma das janelas. Ainda era dia, pois, sendo Verão,  a noite só cairia em torno das 22 horas sobre Amsterdã.

- É lindo aqui... – comentou Filipa ao sentar, ainda extasiada com o ambiente refinado e a vista para o canal.
O maitre veio  cumprimentá-los e oferecer as melhores sugestões do cardápio e da carta de vinhos. Logo em seguida, chamou um dos garçons  para atendê-los e tirar os pedidos.
- O que você vai querer?
- Como é minha primeira refeição  aqui, eu permito que escolha para mim. –  respondeu Filipa, que  mal se reconhecia. Provavelmente eram os ares da Europa e os conselhos das amigas tomando conta de seu cérebro. Estava flertando com o holandês?
Ele a olhou como se a refeição fosse ela e fez a escolha em neerlandês.
- E então...  – provocou ele, mal o garçom deu as costas.
- Sim?
- Como teve a ideia para a sua tese? – pareceu esfriar propositalmente a conversa, o que de alguma forma agradou a Filipa. Ele começava a se tornar confiável aos seus olhos.
Voltou a ser um professor interessado no seu trabalho e a conversa fluiu por assuntos de interesse puramente acadêmico, exceto por alguns olhares que Andries lançava de vez em quando, que a fazia notar seu interesse em algo mais. Apesar de achá-lo atraente, educado e inteligente, algo nele a deixava nervosa...   Em determinado momento, virou o rosto para escapar de seu interlocutor e viu, de relance, um vulto conhecido na porta do restaurante. Como num flash, no instante seguinte ele desapareceu, mas os olhos de Filipa continuaram  fixos na entrada tentando entender o que vira. Era o seu estranho grosseiro do avião que a observava – ou era mais uma coincidência?
- Algum problema, Filipa? – perguntou Andries preocupado, seguindo a mesma direção de seu olhar e nada encontrando.
- N-não... Claro que não... – respondeu recompondo-se.
- Parece que viu um fantasma...
- Talvez... – Sorriu nervosa. – Deve ser o vinho... Meu limite são duas taças... Já passei disso... 
Coincidência, miragem ou nenhuma dessas opções, Filipa achou melhor aproveitar a ocasião para mudar de assunto e usar a coragem que tomava conta dela para pedir ajuda a Andries na questão levantada por sua tia.
Prof... Andries,  – continuou, depois de pensar um pouco, brincando com  os dedos no pé do seu cálice de cristal. – E se houvesse uma possibilidade de eu ser uma descendente daquela Filipa, filha do arquiteto de Maurício de Nassau?
- Por que diz isso? Você havia negado que tivesse conhecimento disso hoje à tarde.
- Não tenho certeza, mas...
- Mas?
- Posso lhe contar uma história?
- Sou todo ouvidos, Filipa... – Sua mão colocou-se sobre a dela num segundo, apaziguadoramente. No segundo seguinte, ela a retirou, repensando se tinha sido uma boa ideia dividir seus problemas pessoais com alguém praticamente desconhecido. Agora era tarde; além disso,  Andries parecia ter boas intenções, pelo menos no quesito “descobrir sua ascendência”. A curiosidade dele pela história devia ter a mesma intensidade  que a dela, afinal ambos eram  historiadores. Sendo assim, decidiu contar-lhe a respeito da tia, do nome Filipa e sua origem em uma rainha. Escondeu a parte da esmeralda presenteada pela mesma. Ainda tinha dúvidas quanto às formas em que a joia acabara nas mãos de sua família.




Condado De Hainaut - 1326
No dia seguinte, antes de Eustache retomar o caminho para Calais, satisfeito com suas vendas e pronto para colocar em ação os planos para sua nova meta de vida, Filipa apareceu diante da estalagem, montada no cavalo do pai. Ele a conhecia desde que era um bebe e tinha carinho pela menina.
- Bom dia, minha pequena condessa Filipa! O que faz por aqui tão cedo?
- Bom dia, Eustache! Vim agradecer o presente.
- Ora... Não há de que, senhorita... – disse curvando-se numa mesura exagerada e divertida.
Ela desceu do cavalo sorrindo. Aproximou-se e disse num cochicho:
- Acho que o seu presente me deu sorte...
- Realmente? Fico contente em saber disso.
- Quando voltará, Eustache? – perguntou agora em tom de voz normal, mas ainda corada.
- Estou pensando em diminuir as viagens, menina. Ando um pouco cansado dessas andanças. Quero ficar mais perto de minha família...
- Vai deixar de nos visitar? – perguntou com evidente tristeza.
- Vou tentar fazer a entrega das encomendas do condado pessoalmente. Tem algum pedido em especial?
- Obrigada, Eustache. Acho que mamãe pediu tudo que precisamos.
- É melhor ir agora. Espero que o meu presente continue lhe dando sorte, menina!
- Tenho certeza que sim! Obrigada e até breve, Eustache! – disse montando em Tristan.
- Até, pequena condessa! – despediu-se enquanto a jovem iniciava sua cavalgada diária pelos bosques  do condado.
Ainda se veriam mais duas ou três vezes, mas logo o destino os afastaria por um longo tempo, antes de um novo e fatídico encontro.
Passaram-se semanas. Enquanto Isabella buscava ajuda para o destronamento de seu desprezível marido, seu filho encontrava  descontração e alegria ao lado da prima. Tornavam-se a cada dia mais íntimos, trocando confidencias e medos.
- Morro só de pensar no tipo de marido que meu pai quer me conseguir. Não suportaria casar com alguém a quem não amasse. Tenho conseguido escapar de meu destino até agora. Não sei por quanto tempo mais poderei esquivar-me destes pretendentes horríveis.
Eduardo a olhou com ternura. Ali, naqueles jardins cultivados por Joana de Valois, talvez fosse a hora de declarar a Filipa o que estava sentindo. Tinha medo de ser ridículo, afinal ela era mais velha que ele um ano. Talvez ela o considerasse apenas um amigo muito jovem. No entanto, vendo-a tão fragilizada e exposta, naquele momento, resolveu enfrentar seus receios e declarar o que estava sentindo.
- Filipa, nestas últimas semanas venho nutrindo um carinho crescente por você. Por favor, não ria de mim pelo que vou dizer – sentiu a expressão dela mudando de apreensão para admiração.
- Estou ouvindo, Eduardo... Não rirei, prometo... – tranquilizou-o, adorando o seu jeito formal de falar .
- Eu... Eu gostaria de falar com seu pai a nosso respeito. Gostaria que nossa relação fosse mais que só uma amizade entre primos, se é que você me entende – ele sentia-se embaraçado. Nunca conhecera sentimentos como aqueles, que ocupavam sua mente durante todo o dia e o faziam sonhar à noite, em sua cama. Filipa o fazia esquecer tudo de ruim que estava acontecendo a sua volta. Sua presença despertava o melhor dele.
- Você quer me fazer a corte? É isso? – Seu rosto iluminara-se ao ouvir as últimas palavras de Eduardo.
- Você permitiria que eu falasse com ele? – respondeu animadamente ao perceber que Filipa parecia entusiasmada com sua proposta.
- Eduardo, pensei que nunca ouviria estas palavras vindas de você... – respondeu, exibindo um novo brilho no olhar. Um brilho de encantamento e desejo.
Ele sentiu seu coração pulsar mais forte e a aproximação entre os dois já era inevitável. Seus lábios e seus olhares tornaram-se imantados e o beijo foi a consequência natural daquela atração.  
Após o beijo um pouco desajeitado, mas cálido, Filipa afastou-o com delicadeza, demonstrando certa preocupação.
- O que houve? Não gostou do meu beijo?
- Não é isso, Eduardo. De repente, fiquei com medo do que teremos que enfrentar.
- Medo de que, Filipa? Não há nada a temer. Tenho certeza que seu pai ficará muito contente ao saber sobre a nossa resolução.
- Não tenho medo de meu pai. Temo a reação de sua mãe. Ela não vai gostar da novidade.
- Porque não?
- Eu sou apenas a filha de um conde flamengo e sua prima em segundo grau.
- Você tem sangue real. É sobrinha do Rei de França. Porque ela não gostaria?
- Por motivos políticos, Eduardo.
- De minha mãe, cuido eu. Não esquente a sua cabecinha com estas preocupações agora. É muito cedo para isso.
- Você às vezes me parece muito mais velho do que aparenta, principalmente quando fala assim.
Ele sorriu, considerando a constatação de Filipa como um elogio.
- Acredito que seja mais sensato não contarmos nada para ninguém. Se tivermos cuidado, ninguém vai desconfiar de uma amizade entre primos.
- É... Talvez você tenha razão. Vamos manter segredo. Assim ninguém poderá interferir no que estamos sentindo um pelo outro.
Acabaram por selar seu segredo com um beijo mais prolongado e cheio de paixão juvenil.
Enquanto o romance secreto entre Eduardo e Filipa florescia, Isabella preparava o seu retorno para a Inglaterra. Com a ajuda de Roger Mortimer, o Conde de March, reunia forças no Condado de Flandres e redondezas para destituir do trono o rei Eduardo II. Não eram poucos os inimigos do monarca inglês no território francês, o que facilitaria a formação de um considerável exército para o ataque.
(continua...)


Gostaram do capítulo? Espero que sim. Se não, reclamem e mostrem as falhas, por favor. Eu sou um pouquinho insegura, gente, e gosto de críticas construtivas.
O que estão achando do Andries e do O'Neill? O que será que eles escondem? A Nadja, a Ligia , a Lucy e o meu querido anônimo que não se identificou (será isso uma redundância? rsrsrs) mas que é muito bem-vindo, já emitiram suas opiniões, que eu adorei, é claro! Muito obrigada, pessoas lindas!
Continuaremos na próxima sexta. Um beijo imenso e todo o meu carinho a vocês, anônimos ou não, que vem ao blog para ler  as minhas loucuradas. Até!!! 

PS(10/11/12): Só agora li os teus vários comentários, minha amada Lucy (ela fez uma maratona daquelas pelas postagens...rsrs).  Quero agradecer por todos eles e pelo carinho imenso que sempre demonstras em cada palavra, o que te faz pertencer ao meu grupo de anjinhos disfarçados. Um grande beijo, amiga querida!

sexta-feira, 2 de novembro de 2012

A Cruz de Hainaut - Capítulo VII



Depois de um bom e demorado banho, sentindo-se relaxada, vestiu a roupa que havia escolhido para o encontro com o Professor Andries. Optou por uma roupa mais clássica, composta por uma saia lápis marinho, uma regata branca e um blazer de manga curta , risca de giz azul-marinho e branco. Segundo sua amiga, Roberta, o visual mariner estava muito em voga no verão europeu, por isso montou aquele conjunto para deixá-la  moderna, elegante e, ao mesmo tempo, discreta. Prendeu os cabelos num coque desestruturado, com alguns fios soltos ao longo do rosto, e fez uma maquiagem simples, realçando seus olhos verdes. Olhou o resultado diante do espelho e aprovou o que viu.
 O dia estava ensolarado e com uma temperatura agradável, ótimo para um passeio. Ainda faltava uma hora para que Dirkje a encontrasse no hotel, por isso resolveu dar uma volta nas redondezas para reconhecimento local e ir à procura de um lugar onde pudesse comer algo leve.
Ao sair, não reparou num pequeno café que havia na frente do hotel. Seguiu em direção à rua lateral ao prédio, que era cortada por um dos canais. Talvez ali encontrasse o que procurava.


- Espero que tenha levado alguma coisa do cofre ou ela vai fazer ligação entre os três assaltos, se é que já não fez.
- Já disse que não havia nada de valor em nenhum dos dois lugares.   Apenas as fotos e as cartas, que achei na casa da velha,  com o endereço do irmão, tiveram  algum valor, pois nos levou a localização da próxima herdeira. No cofre do banco foi diferente... Até consegui coisas bem  interessantes.
- Nenhuma delas me interessa, portanto guarde para você.
- Tudo bem... – Tentou esconder a satisfação no desprezo do outro. – Estou de olho nela. Acabou de sair do hotel. Verifico agora?
- Não! Espere a minha ordem.
- Ok. Quer que a siga?
- Não. Melhor continuar no seu posto e verificar o movimento de entrada e saída.
- Acha que pode ter mais alguém sabendo sobre ela?
- Nada é impossível.  Ninguém pode garantir que somos os únicos atrás dessa peça.
- Se você diz...
A ligação foi cortada sem despedidas, despertando um sorriso cínico em direção ao seu celular.
- Sempre educado...


Filipa voltou depois de uns vinte minutos sem ter encontrado um lugar que lhe agradasse para seu lanche. Foi quando viu o discreto café logo à frente do hotel. Atravessou a rua e entrou. Era um lugar simpático e agradável,  com cortinas curtas e rendadas nas janelas, repleto de pessoas, que provavelmente trabalhavam  nos escritórios da região. Um jovem  garçom aproximou-se e, após saber que ela desejava almoçar, levou-a até uma mesa no fundo do ambiente, uma das poucas vazias. De relance, viu um homem que lhe pareceu familiar, sentado junto a uma das janelas, olhando para o lado de fora... É ele! O gato do avião! Que coincidência! Passou  por ele ocultando sua agitação. Será que ele vai me reconhecer?... 
Sentou no lugar indicado pelo garçom, pegou o cardápio e rapidamente escolheu uma omelete de queijo e um suco de laranja. Não podia perder muito tempo, pois Dirkje já devia estar chegando. Voltou a olhar para o seu companheiro de viagem e salvador na turbulência. Ele estava de costas para ela, o que era uma pena, pois ela perdia a oportunidade de uma paquera. Perguntava-se o que ele faria à uma hora daquelas ali. Será que trabalhava por perto? A refeição chegou.  Mal acabou de comer, foi ao toalete para sua higiene. Ao voltar, seguiu diretamente ao caixa, que coincidentemente ficava muito próximo da mesa do seu “conhecido”. Armada com a coragem e a  cara de pau  de uma  turista, pediu sua conta e lançou um olhar  falsamente distraído a sua volta até cair sobre a mesa em questão. Fixou o olhar, buscando um  reconhecimento, que não obteve, pois ele não a olhava de jeito nenhum. Depois de pegar o troco, lançou-se na direção dele com um sorriso nos lábios e o coração a disparar.
- Ei! – disse o mais casualmente possível, como se acabasse de vê-lo. – Você não estava no voo de hoje, vindo do Brasil?
Não notou o mal estar que dele se apoderou. Os olhos profundamente azul-escuros a encararam com frieza.
- Perdão?
- Lembra que me ajudou  no corredor durante uma turbulência durante o voo entre o Brasil e Portugal? – Sentia-se completamente artificial.
- Acho que a senhorita está me confundindo com alguém. – respondeu calmamente, olhando-a como se ela fosse uma mulher perturbada.
-Está bem, se prefere assim, desculpe ter lhe incomodado! – disse indignada com a indiferença dele. Ela não estava louca. Era ele. Não havia dúvida. Idiota!
Girou nos calcanhares e saiu do café.  Irritada, sentia-se a mais imbecil das pessoas, 
 criticando duramente sua atitude de atirar-se para cima de um estranho. 
É melhor assim... Este assunto tem que continuar estritamente profissional... , pensou O’Neill, com uma pontada de insatisfação e amargura consigo mesmo.
Mal havia entrado no saguão do hotel, ainda chateada com o ocorrido no café, viu Dirkje a caminhar elegantemente em sua direção.
- Boa tarde! Teve um bom almoço? – perguntou assim que chegou  próxima a Filipa.
- Sim, claro... Boa tarde, “Derrik”.
Tentando esquecer o incidente ocorrido há pouco, resolveu perguntar  à jovem como soletrava seu nome, pois gostava de saber exatamente como escrever o que falava. Aparentando bom humor, a secretária do museólogo prontamente soletrou calmamente as letras de seu nome.
- D-I-R-K-J-E.
- Ah! Dirkje! Claro! Desculpe minha ignorância, mas holandês é um mistério para mim.
- Sem problemas... Muito cansada?
- Não, de maneira alguma. Consegui descansar durante a viagem.
- Então? Vamos?
- Vamos! – aceitou sorridente.
Tão logo as duas mulheres saíram, o homem sentado no lobby, dobrou o jornal, que até a pouco parecia interessá-lo imensamente, e ficou a espreitar o movimento de saída do hotel, a espera de um telefonema.
Durante todo o trajeto de carro até o museu, Filipa tentou distrair-se com o passeio pela bela Amsterdã. Infelizmente, não conseguia tirar de sua mente a imagem do homem que negara conhecê-la. Por mais que tentasse esquecê-lo, ficara magoada com sua negativa e, seus frios  e tristes olhos azuis  ainda a atormentavam.


O prédio do museu, apesar de monumental, acompanhava o velho estilo holandês de construção, com  uma fachada de tijolos à vista, três andares e o teto inclinado, sendo que o único sinal de modernidade  no exterior  ficava por conta de uma entrada coberta por vidros transparentes. Dirkje e Filipa entraram  por uma porta lateral, provavelmente designada aos funcionários. Logo foi possível vislumbrar algumas das exposições que ali estavam. Coleções  de mobiliário antigo, armaduras medievais, objetos de arte e telas de pintores holandeses, em amplos salões e saletas menores, recriavam a história da cidade. Segundo Dirkje, as instalações pertenciam a um antigo claustro, que em 1578 fora usado como orfanato. Desde então, ao longo dos séculos, sofrera inúmeras reformas, até que, em 1976, passara a abrigar o museu atual.




Atravessaram um imenso pátio interno, totalmente pavimentado, até chegarem a uma porta antiga, em madeira trabalhada, onde podia ser vista uma placa prateada, com letras douradas que indicavam que ali era a área administrativa.

 Ao entrarem, Filipa deparou-se com um balcão, atrás do qual havia uma mulher de meia idade, de expressão simpática, que abriu um amplo sorriso ao ver Filipa.  Após os devidos cumprimentos, onde  a visitante ficou sabendo ser ali o atendimento ao público para sugestões e reclamações.  Subiram uma escada na parte de trás do escritório, que as levou até o segundo andar. Lá, um homem  alto, magro, de porte atlético, cabelos louros e olhos penetrantemente azul-claros, com uma idade indeterminada, entre os trinta e os quarenta anos, acabava de sair de uma das salas dispostas ali. Ele chamava a atenção por sua elegância e pelo olhar sedutor. Foi o que Filipa pensou quando ele cravou os olhos nela. Esta viagem está ficando interessante, foi o seu devaneio seguinte.
Foi despertada quando ele parou diante dela e sorriu. Dentes brancos e perfeitos surgiram no rosto escanhoado, realçando seu queixo quadrado e as covinhas em torno da boca de lábios finos. O momento seguinte foi de choque.



- Srta. Vasconcelos... Este é o Professor Andries.
- É realmente um prazer conhecê-la, senhorita Filipa Vasconcelos. – cumprimentou-a estendendo a mão.
Recuperada do susto que foi descobrir que o professor não era um ser de meia idade, careca e barrigudo, como imaginara, retribuiu, estendendo a mão na direção de seu anfitrião. O toque da mão cálida a fez estremecer. Começava a pensar que devia se mudar para a Holanda. Parecia que todos os homens bonitos do planeta haviam se mudado para lá.
- Muito prazer. – conseguiu dizer.
- Conseguiu descansar um pouco? O jet-lag pode ser algo bastante desagradável nesses deslocamentos aéreos de longa distancia. – Sua voz era aveludada e hipnotizante.
- Consegui descansar durante a viagem... Obrigada.
- Gostaria de conversar enquanto caminhamos pelo museu? Acho essas conversas em escritório muito maçantes, principalmente quando há tanto para ver... – Filipa teve a impressão de que a frase tinha um segundo sentido, pois os olhos azuis passearam sobre seu corpo, dos pés a cabeça, sempre exibindo aquele irresistível sorriso de anúncio de dentifrício.
- Uma excelente ideia.
- Dirkje, pode deixar que eu assumo daqui para frente. Tem uma pilha de correspondências esperando a sua atenção.
A secretária pareceu não gostar muito da ordem  recebida de forma delicada, mas firme. Apesar disso, não deixou de sorrir para Filipa antes de seguir para suas funções.  Podia ser impressão sua, mas a jovem pareceu ter ficado com ciúmes de seu chefe.
Com um gesto de mão, ele indicou o caminho de volta que ela fizera com Dirkje.
- Estou muito contente que tenha aceitado nosso convite para essa visita e a possibilidade de uma discussão a respeito de seu artigo. 
- Sou eu que me sinto honrada pela demonstração de seu interesse em meu trabalho. – replicou  tentando disfarçar o quanto se sentia embaraçada com o perturbador  e analítico olhar de Andries.
Muito amavelmente, conduziu-a, através do pátio interno, até o início das salas de exposição, as quais ela vira apenas de relance na companhia da secretária.
À medida que ele apresentava e comentava a respeito da história de Amsterdã, ilustrada pelos objetos e telas de  pintores holandeses nos variados recantos do museu, Filipa foi relaxando, passando a apreciar a companhia do professor, que tinha um profundo conhecimento do assunto.
- Espero que não a tenha aborrecido com  minha apresentação... – disse depois de mais  de uma hora de visitação.
- De maneira alguma! Sou fascinada por museus e a história encerrada neles. Além disso, o senhor faz tudo parecer ainda mais atraente.
- Que bom... – disse, voltando a encará-la de maneira sedutora. –Tem algo que gostaria de lhe mostrar, por isso deixei por último. É uma descoberta recente, feita durante a análise de um sítio arqueológico na cidade do Recife, no Brasil. 
- Em Recife?? – exclamou  surpresa.
- Sim. – confirmou quando já entravam em uma pequena sala, mantida com pouca luz, onde havia diversas vitrines, onde era possível ver pergaminhos  e livros antigos cuidadosamente conservados e expostos.
Rumaram especificamente na direção de uma delas. Uma folha de papel, amarelada pelo tempo, caligrafada  supostamente por Maurício de Nassau.  O documento datava de 1639 e era um agradecimento pelo empenho de um amigo arquiteto em alguns dos projetos arquitetônicos  que seriam construídos na Nova Holanda, denominação de Recife, na época de sua estada como administrador da região Nordeste, a pedido da  Companhia Neerlandesa das Índias Ocidentais. O nome do arquiteto era Rutger  Zegers. Na  mesma carta, Nassau dava os parabéns a ele e sua mulher, Antje,  pelo nascimento de sua primogênita, Filipa.
Ao ler seu nome na tradução para o inglês, que havia sob o documento antigo, Filipa ficou boquiaberta, o que não deixou de ser notado por Andries.
- Por acaso essa seria uma antepassada sua? – perguntou com evidente curiosidade.
- Não sei... – disse emocionada com a descoberta. – É apenas um primeiro nome igual ao meu... Não creio que tenha a ver com minha família.
Andries permanecia ao seu lado, observando sua reação.
- É, provavelmente não... Você saberia... Obviamente já fez a árvore genealógica de sua família. Não há um historiador que eu conheça que não tenha feito a sua.
Encabulada com a observação do professor e pelo fato de não ter conhecimento pleno de sua ascendência, nada disse, mas  o ocorrido serviu para lembrá-la do pedido que fizera ao seu colega Lair, da faculdade, especialista em Genealogia, que acabara esquecendo, envolvida que estivera com os preparativos da viagem.
- Bem... – continuou, diante do silencio constrangido de Filipa. – Quis mostrar este achado, pois achei uma grande coincidência ele ter o seu nome, pouco comum, além de ter sido encontrado na sua terra.
- Muito obrigada.  Realmente, uma grande coincidência...  – agradeceu, enquanto pensava se não seria de contar ao museólogo a respeito de suas intenções de investigar suas origens em Amsterdã. Por outro lado, agora temia ser considerada uma idiota por não saber nada sobre a história de sua família. Assim, decidiu entrar em contato com Lair, o mais breve possível,  e verificar se ele conseguira evoluir em suas pesquisas genealógicas. De posse de novas informações, talvez pudesse pedir a ajuda de Andries.
- Deve estar cansada, Filipa. Vou pedir que Dirkje a leve de volta ao hotel. Ainda é cedo e você terá tempo para se recuperar  até a hora de nosso jantar.
- Como?
- Desculpe pela falta de um convite formal... Gostaria de jantar comigo esta noite?
Diante da expressão de dúvida de Filipa, ele voltou a falar, agora para persuadi-la.
- Eu fiz uma reserva em um ótimo restaurante e ficaria encantado de continuar nossa conversa e discutir, dessa vez, o seu trabalho.
Por que não? ,  pensou Filipa, cruzando seu olhar com o de Andries e quase rindo ao lembrar o que tinha dito para as amigas num de seus últimos encontros... Sexo sem compromisso...
 
Hainaut, 1326

Logo os instrumentos começaram a tocar e uma música suave e alegre teve início. A primeira dança foi iniciada pelos homenageados da noite: Isabella e Eduardo. Dançaram com graça e perfeição. Logo, outros pares juntaram-se a eles, dando por aberto o baile.
Várias foram as vezes em que os olhares dos jovens primos se cruzaram. Algo os atraía, inexplicavelmente.  Após um breve intervalo, novos pares foram buscados. Foi quando Eduardo aproveitou-se e chegou à frente de Filipa, convidando-a para a próxima dança. Com alguma desconfiança, mas excitada com o cortejo feito pelo varão mais apreciado entre as moças solteiras da festa, deu-lhe a mão e aceitou seu convite.

- Divertiu-se muito às minhas custas? – perguntou, segurando-a pela cintura com força, levando-a para o meio do salão.
A música era alegre e a dança mantinha os casais juntos e pulando alegremente de um lado para outro. Apesar de temer a reação de Eduardo agora que ele a tinha em seus braços, refletia um sorriso divertido no rosto, enfrentando seu olhar obscurecido.
- Só um pouquinho... – respondeu baixando o olhar e dando um risinho baixo.
- Por que mentiu para mim ontem à tarde? Porque não disse logo quem era?
Filipa olhou diretamente para ele.
- Não sei... Deu vontade. – respondeu docemente, desarmando-o. – Se eu dissesse que era sua prima, tudo ficaria muito formal.
- Talvez... – falou, perguntando-se se o seu interesse seria tão grande por ela se soubesse logo de início que era sua prima.
A partir deste momento, não se separaram mais. Depois de três danças, ele a convidou para tomar um refresco.
- Minha prima dança muito bem.
- Você também não dança nada mal para um garo... – resolveu interromper a frase, para não provocar mais uma discussão. Apesar de seus quatorze anos e de alguns traços juvenis, tudo nele denunciava o belo homem em que se transformaria em breve. Além disso, seus modos eram os de um cavalheiro –... Um rapaz tão jovem – reformulou o final da frase, arrematando o elogio com um cativante sorriso.
Ele retribuiu o sorriso, notando a reformulação no elogio dela.
- E você dança muito bem para uma falsa serva... E o seu cavalo, como está?
- Acho que ele não passa desta noite. Está muito mal. – Uma sombra de tristeza desceu sobre sua face rosada.
- Que pena. É um belo animal. Mas pelo jeito você já conseguiu outro tão bom quanto aquele, pelo que pude perceber hoje pela manhã.
- Ah! O Tristan? Ele é o cavalo de meu pai. De vez em quando eu o monto. Ele é muito veloz.
- É, eu pude perceber...
- Desculpe, eu não queria que você se machucasse.
- Mas achou muito engraçada a minha queda.
- Você devia ver a sua cara, caído no chão... – começando a rir de novo – Desculpe, não era minha intenção derrubá-lo. Aquele bosque é muito traiçoeiro. Só quem o conhece bem pode cavalgar em seu interior. Além do mais, você me assustou, chegando tão sorrateiro. Fiquei com medo e por isso fugi.
- Não está com medo de mim, agora? – perguntou Eduardo, sedutoramente.
- Não... Agora, não – respondeu Filipa, baixando os olhos e enrubescendo, o que a tornou ainda mais encantadora aos olhos de Eduardo.
Isabella olhava o casal de primos à distância, preocupada com a extensão do interesse de Eduardo pela filha de sua prima. Esperava que não fosse nada sério, pois seria muito desagradável podar um amor adolescente. Eduardo estava reservado para um casamento com uma princesa. Pretendia escolher uma candidata mais adequada para a atual situação do trono inglês, muito em breve.
Entre danças e conversas, Eduardo e Filipa foram encontrando afinidades e interesses em comum durante o resto da noite. Despediram-se, finalmente, ansiosos pelo reencontro no dia seguinte.
(continua...)




Olá! Espero que tenham gostado do novo personagem. Parece que a pobre (será?) da Filipa está sendo envolvida por muitos homens interessantes. Tadinha... Mas acho que ela está gostando...rsrs
Renovo aqui os meus agradecimentos às minhas top e, atualmente, únicas comentaristas, Léia e Nadja,  pelas palavras e pela presença querida, que me deixam super feliz.
Um ótimo feriadão para todos! Até mais!
Beijos!