Arent jantava no pub próximo ao seu apartamento, quando recebeu o telefonema. Olhou o nome que piscava na tela e deu um suspiro. Era ele de novo. Talvez tivesse alguma novidade.
- Fale.
Ouviu atentamente as instruções e não ousou levantar obstáculos, pois certamente seria repreendido. Como sempre, a ligação foi cortada sem despedidas.
Pegou sua caneca de cerveja escura e bebericou, enquanto deixava a mente arquitetar seus movimentos no dia seguinte, de acordo com o que lhe fora ordenado. Foi quando uma voz feminina e musical o interrompeu.
- Olá, Arent... Há quanto tempo?
- Beth?? – Quase engasgou ao ver quem o interpelava. – O que está fazendo aqui?
- Edimburgo estava muito chata. Resolvi dar uma volta e comecei por aqui.
Arent piscou, imaginando o que a ex de seu primo estava armando. A desculpa de estar entediada com sua vida de dondoca escocesa não colava.
- Como está o seu patrão? – perguntou irônica, sentando-se à mesa..
- Ele não é meu patrão. Somos sócios. – respondeu irritado.
- Ah, claro! Ele manda, você cumpre e as migalhas são suas... Me esqueço como funciona essa sociedade... Pobre Arent...
- Se você está aqui para me envenenar contra ele, pode voltar de onde veio.
- Eu não poderia fazer isso. Você sabe que ele é o cérebro e que não teria nem as migalhas se não fosse ele.
- O que você está querendo, Elisabeth Donovan? Não vou entrar no seu joguinho de gato e rato para que tire alguma vantagem disso.
- Ora! Como está esperto... Talvez a convivência com ele esteja sendo benéfica, afinal.
- A vida de viúva rica não está agradando? Não está tentando dar o golpe em outro ricaço?
- Até tentei, mas não tive sucesso. O idiota se encantou com uma espertinha com cara de anjo.
- Mas que pena... Aí, você resolveu vir me chatear... Pois veio ao lugar errado.
- Acho que não... Você sabe que essa vida em alta sociedade é muito chata e que tenho um hobby muito interessante, que me excita profundamente, além de incrementar um pouquinho mais os meus cofres.
- Então, não entendo o que faz aqui, perdendo seu tempo comigo.
- Não creio que será uma perda de tempo.
Ele a olhou com cara de paisagem, apesar da preocupação em saber como ela havia farejado o que estava acontecendo.
- Olha, Beth, se está atrás de diversão, acho que veio ao lugar errado.
- Acho que não... Um passarinho me contou que vocês estão atrás de um peixe grande e eu gostaria de tomar parte disso. Se não abrirem para mim, vou ter que trabalhar por conta própria.
- Se não acredita em mim, fale com seu ex.
- Você sabe que nosso rompimento não foi muito amigável. Tenho certeza que ele não me perdoou por eu ter ficado com aquela linda pulseira de diamantes. Eu não pude resistir...
- Ele queria matá-la...
- Então... – ronronou colocando sua mão sobre a dele com um olhar cheio de insinuações. – por que não abre o jogo com sua amiga aqui?
- Primeiro, minha linda Beth – respondeu com sarcasmo. –, porque não tem jogo algum. Em segundo, se houvesse e eu dissesse algo, ele me mataria, antes de ir atrás de você.
Sentindo que nada conseguiria com aquele idiota, bufou e levantou-se com raiva.
- Tudo bem, Arent. Pode deixar! Tenho outras maneiras para descobrir o que vocês estão aprontando. E pode ter certeza que saberei. Adeuzinho!
Filipa teve dificuldade em pegar no sono naquela noite, pensando nas emoções do longo dia e no que teria de enfrentar no dia seguinte. Tão logo se sentiu segura, trancada no seu apartamento, pensou em seus pais. Talvez fosse uma boa hora para ligar dizendo que chegara bem. Ou não. Lembrou-se do fuso horário, com a diferença de quatro horas para mais. Eles estariam dormindo àquela hora em Porto Alegre. Ligaria pela manhã, antes de sair com Andries. Seria bom ouvir as vozes das pessoas que mais amava para clarear um pouco as ideias. Resolvido esse ponto, seus pensamentos se voltaram para o encontro que tivera a pouco. Apesar de tentada a falar com Andries sobre o que acontecera, decidira não contar nada sobre o homem que usara o nome dele para forjar um encontro. Se a pedra deixada por sua tia fosse o real motivo para tanta confusão, talvez ela fosse muito mais importante do que imaginara. Quanto ao “gato”, que agora se dizia um policial, teria que ter muito cuidado. Talvez o termo “gato” pudesse ser aplicado não só por suas qualidades físicas, mas por sua profissão real, o que seria uma pena... Será que ele a procuraria no dia seguinte como prometera? Aquele olhar a atordoava e o desejo por ele nublava seu raciocínio. Estremeceu quando se lembrou do momento em que sentiu a mão em sua cintura, puxando-a contra o corpo, que parecia lapidado em rocha, o hálito quente e o perfume másculo que a envolveram. Ela seria um perigo para si mesma se não conseguisse sobrepor a razão àquela atração absurda.
Abraçou-se ao travesseiro de plumas e acabou por adormecer por pura exaustão.
Abraçou-se ao travesseiro de plumas e acabou por adormecer por pura exaustão.
Como sempre acontecia em suas viagens, acordou assustada com o alarme do celular, que dessa vez fora acertado para tocar às oito e trinta. Demorou quase um minuto para perceber onde estava e desligar o aparelho ruidoso sobre a mesinha de cabeceira. Tomou uma chuveirada. Vestiu um jeans escuro e um twin set branco, de linha, bem apropriado para o verão holandês. Parecia adequado para um passeio turístico e não muito sexy, pensando em evitar as possíveis investidas de Andries.
Filipa pronta para o passeio |
Jogou todo o conteúdo de sua bolsa de couro, que usara na viagem, dentro da bolsa de lona colorida. Assim não teria risco de esquecer algo, como documentos, celular, maquiagem, na troca. Enfim, a bagunça “organizada” de sempre. Verificou o cadeado da mala, onde estava escondido o anel e pensou se não seria melhor colocar aquilo no cofre do hotel. Por mais que pensasse, não conseguia imaginar um lugar totalmente seguro para a esmeralda, principalmente agora que tinha sido avisada de que uma quadrilha estava, aparentemente, atrás dela, se é que podia confiar nas palavras do ... . Droga! Mais uma vez repreendeu-se por não ter perguntado o nome dele. Será que ele voltaria a procurá-la como prometeu? Apesar do medo que embrulhava seu estomago ao pensar nisso, no fundo desejava vê-lo novamente, nem que fosse para saber o seu nome e chamar a polícia. Sorriu ao imaginar essa possibilidade, mas balançou a cabeça, não acreditando que teria coragem para fazer isso com ele. Talvez fosse melhor lhe dar corda e ver até onde ele iria. Já estou eu aqui pensando bobagens! Melhor que ele não apareça mais... , disse para si mesma, com alguma tristeza.
Suspirou forte para afastar os maus pensamentos. Acabou por seguir seus instintos a respeito do melhor local para deixar o pote de creme e saiu para tomar o seu café da manhã. Se fosse pontual, como parecia ser, logo Andries estaria a sua espera na recepção.
Suspirou forte para afastar os maus pensamentos. Acabou por seguir seus instintos a respeito do melhor local para deixar o pote de creme e saiu para tomar o seu café da manhã. Se fosse pontual, como parecia ser, logo Andries estaria a sua espera na recepção.
Andries |
Depois de um beijinho fraterno em sua face, Andries pegou delicadamente seu braço para guiá-la até o carro.
- Tem algum lugar em especial que queira conhecer?
- Estou por sua conta, professor. – respondeu sorrindo.
-Então, o que estamos esperando? – disse ele jovialmente, abrindo a porta da BMW e fazendo uma reverencia para Filipa, que achou graça na atitude do curador.
Percorreram calmamente as ruas, entre as inúmeras bicicletas, principais meios de transporte dos cidadãos de Amsterdã, passando pelo Mercado das Flores, o Noviçado, o Red Light District, famoso pelas vitrinas onde as garotas de programa ficam expostas, até chegarem ao Rijksmuseum, onde grandes obras de Rembrandt e outros célebres pintores holandeses estão expostas. Filipa estava encantada com o passeio e tudo que lhe era oferecido aos olhos, chegando a esquecer dos acontecimentos da noite anterior.
- Tem algum lugar em especial que queira conhecer?
- Estou por sua conta, professor. – respondeu sorrindo.
-Então, o que estamos esperando? – disse ele jovialmente, abrindo a porta da BMW e fazendo uma reverencia para Filipa, que achou graça na atitude do curador.
Percorreram calmamente as ruas, entre as inúmeras bicicletas, principais meios de transporte dos cidadãos de Amsterdã, passando pelo Mercado das Flores, o Noviçado, o Red Light District, famoso pelas vitrinas onde as garotas de programa ficam expostas, até chegarem ao Rijksmuseum, onde grandes obras de Rembrandt e outros célebres pintores holandeses estão expostas. Filipa estava encantada com o passeio e tudo que lhe era oferecido aos olhos, chegando a esquecer dos acontecimentos da noite anterior.
Mercado das Flores |
Red Light District |
Noviçado |
- Com fome? – perguntou Andries quando estavam na loja do museu.
- Sim...
- Acho que vai gostar do local que escolhi para almoçarmos.
- Tomara que sim – disse brincando.
Já se sentia mais a vontade na presença dele. Além do mais, durante toda a manhã, ele não fizera qualquer insinuação que demonstrasse outro tipo de interesse nela que não fosse o da amizade. Era um cavalheiro e, ser rechaçado na noite anterior, quando tentara beijá-la, devia tê-lo feito perceber que Filipa não estava interessada em outro tipo de relação. Pelo menos não com ele...
- O que houve, Filipa?
Ele percebera uma sombra nublar seu sorriso. Não podia dizer a Andries sobre o rosto que lhe viera à mente ou sobre os sentimentos decorrentes dessa lembrança.
- Nada... Acho que é um pouco de cansaço... e fome. – tranquilizou-o com um novo sorriso, colocando a mão sobre a barriga, acariciando-a em movimentos circulares.
- Tem certeza que está tudo bem?
- Claro! Por que não estaria?
Ele a olhou de soslaio e deu um meio sorriso, como se ainda tivesse alguma dúvida sobre o que a deixara subitamente preocupada.
- Vamos por aqui.
Guiou-a até a saída do Rijks. Andaram até onde estavam as imensas letras que formavam a frase I AMSTERDAN, na praça em frente ao museu, cartão postal da cidade, onde todos os turistas mereciam tirar uma foto de recordação. Andries fez questão de fotografá-la agarrada a uma das letras vermelhas e brincou com a situação.
RijksMuseum |
I AMSterdam |
Ainda caminhando, foram ao Museu Van Gogh, localizado a poucos metros, na Museumplein, onde , segundo Andries, havia um bistrô, no térreo do prédio, que servia uma comida ótima.
Van Gogh Museum |
Até o momento, O’Neill conseguira passar despercebido, seguindo aqueles dois de dentro de seu carro. Na noite anterior, sem que Filipa percebesse, conseguira colocar um micro localizador em seus cabelos. Lembrou sarcástico que a tecnologia no ramo da espionagem já alcançara ou, muito provavelmente, já ultrapassara os recursos mostrados nos filmes de James Bond. Por sorte e para seu alívio, ela não lavara a cabeça depois da colocação e o sensor continuava funcionando perfeitamente. A antipatia pela figura de Andries só fazia aumentar a cada sorriso que Filipa exibia durante aquela manhã, todos dirigidos a seu acompanhante emplumado. Algumas vezes, se pegou fantasiando ser ele o alegre guia turístico, merecedor da atenção radiante da brasileira. Esperava ansiosamente pela queda da máscara do curador, que não deveria tardar. Quando os viu entrar no Museu Van Gogh, seu instinto o fez deixar o carro e manter os dois sob sua visão direta. Admiraram apenas a exposição no andar térreo, antes de se dirigirem ao simpático café, ali localizado. Foi quando notou a presença de alguém, seu conhecido, tomando um café num dos cantos do bistrô, com a aparência mais inocente do mundo, deixando-o totalmente alerta para o que poderia vir a acontecer. Certificou-se mais uma vez do bom funcionamento de seu monitor e do aparelho que implantara em Filipa. Não podia perdê-la.
Van Gogh Museum Cafe |
Tão logo viu Filipa acomodada na mesa, Andries pediu licença para ir aos toaletes.
- Dê uma olhada no cardápio. Hoje eu confiarei no seu critério. – disse simpaticamente, lembrando a noite anterior, quando Filipa permitira que ele escolhesse os pratos do jantar.
- Tem certeza que pode confiar no meu gosto? – ironizou Filipa.
- Tenho. Fique à vontade para me envenenar, como quiser.
Ela não resistiu ao tom piadista dele e riu, repensando se não seria de dar uma chance àquele homem e esquecer o “olhos tristes”.
Apenas O’Neill atentou ao fato que outro homem levantou-se da mesa, onde acabara de terminar o café, e dirigiu-se ao toalete. Voltou os olhos para Filipa que não demorou muito para chamar o garçom e fazer o pedido.
Passaram-se alguns minutos. Andries voltou e sentou-se à mesa.
- E, então? O que vamos comer?
- Pedi uma salada e crepes de presunto e queijo. Espero que goste.
- Perfeito! Os crepes são uma especialidade da casa.
- Que bom que gostou do “veneno”... Se me der licença, também vou ao toalete. Não escolhi o que beber para você, pois fiquei na dúvida.
- Eu peço, enquanto a espero... Não demore... – falou com súbita sensualidade implícita na voz, o que deixou Filipa mais uma vez alerta quanto às intenções de Andries. No entanto, não ficou totalmente desgostosa. Talvez devesse lhe dar uma chance.
Foi até o toalete, onde havia duas mulheres, provavelmente turistas italianas, conversando enquanto retocavam a maquiagem. Entrou no cubículo onde ficava o vaso sanitário, sempre ouvindo as vozes inflamadas comentando sobre como já não aguentavam mais ver museus. Filipa sorriu diante do comentário. Por ela, passaria o dia inteiro em um museu como o Rijks ou o Louvre, por exemplo, sem se sentir entediada. As italianas saíram e, de repente, o banheiro ficou silencioso. Foi até as pias brancas para lavar as mãos. Enquanto a água corria pela pele tirando o perfumado sabonete líquido, foi surpreendida pela entrada de um homem. Ele pareceu atrapalhado ao vê-la. Disse algumas palavras em holandês, que ela tomou como um pedido de desculpas. Virou-se para o secador de mãos junto a parede lateral e imaginou que o homem já tivesse saído. Foi então que sentiu algo duro sendo empurrado contra suas costelas. Uma mão cobriu sua boca e a voz masculina agora falava em inglês junto ao seu ouvido.
- Não grite! Vamos sair daqui sem chamar a atenção ou serei obrigado a usar a arma que estou segurando em suas costas. Entendeu? – perguntou com rispidez.
Filipa balançou a cabeça afirmativamente, sentindo asco por ter aquela mão sobre sua boca. Entrara em estado de alerta, sentia o coração bater violentamente e um frio irradiava-se para o resto do corpo, a partir do estomago. Buscava desesperadamente uma porta de fuga para aquela situação. Quem era aquele homem? O que queria com ela? Não conseguia olhar nos espelhos do banheiro, pois ele não permitia que ela virasse o rosto, impedindo que ela o identificasse. Finalmente ele retirou a mão de seu rosto, mas usou-a para prender seu braço com firmeza, evitando sua fuga. A arma, provavelmente uma pistola, continuava a importuná-la junto às costelas, provocando dor. O local certamente ficaria com um hematoma aparente muito em breve.
- Agora ande bem quietinha, sem olhar para os lados, como se fossemos um casal de namorados saindo do museu.
O braço desarmado rodeou-lhe a cintura com força, puxando-a contra seu corpo, que fedia a cerveja e cigarro, enquanto a arma permanecia encostada nela, escondida sob a jaqueta dele. Mandou-a deitar a cabeça em seu ombro, e prendeu-a sob seu queixo. Quem os visse, pensaria que era apenas um casal abraçado.
Se ao menos Andries olhasse para eles, poderia tentar impedir que o sujeito a levasse dali. Infelizmente, ele estava de costas para o local dos sanitários. Instintivamente, apertou a bolsa contra seu corpo e continuou atenta a qualquer oportunidade que pudesse usar para fugir daquele homem sem ser ferida. Suas chances diminuíam a cada instante.
- Sorria! – ordenou num cicio.
Foi obrigada a passar sorrindo diante dos seguranças ao atravessar as portas automáticas da saída. Não conseguiu pensar numa maneira de alertá-los para o que estava acontecendo.
Seu raptor continuou a arrastá-la até entrarem em um edifício-garagem que ficava na rua de trás, em um prédio mais antigo. A rua estava deserta e parecia mal frequentada. Certamente ali não encontraria a ajuda que necessitava. Com certa violência, agora que não podiam ser vistos, o homem a puxava pelo braço, levando-a até um carro marrom desbotado. Abriu o porta-malas e a jogou ali dentro, sempre lhe apontando a arma e não permitindo que o encarasse. Assim que a porta se fechou sobre ela, começou a tremer. O medo começava a exercer seu efeito. Começou a chorar e a gritar. Ainda pode ouvir o cretino dizer que ninguém mais a ouviria e que logo estariam longe dali. Ouviu um cantar de pneus e uma freada bem próxima de onde estava. Alguém chegara à garagem. Teria visto alguma coisa antes dela ser encerrada no bagageiro? Alguém soltou uma praga e ela pensou ter ouvido um nome. O’Nil? Logo em seguida, o carro sofreu um abalo, como se algo tivesse caído sobre ele, e os gritos do homem começaram. Havia mais alguém do lado de fora. Estavam brigando. Depois do segundo baque sobre o carro, o silêncio envolveu tudo. Filipa, ainda soluçando, tentava controlar a vontade de gritar por ajuda, querendo ouvir e entender o que estava acontecendo do lado de fora. Só então ouviu o barulho de chaves chocando-se num chaveiro e o porta-malas se abriu. A princípio, viu um vulto, contornado pelas luzes do teto da garagem, através da sua visão embaçada pelas lágrimas. Dois braços fortes a tiraram do cubículo onde estava e tentaram colocá-la de pé. Porém, suas pernas haviam perdido a força e teve que ser escorada pelo corpo de seu salvador.
- Filipa! Está bem? Pode me ouvir?
Não era a voz de Andries... Era...
- Está ferida? Responda, por favor! – A voz grave refletia angústia.
- Diga que não vai me ferir... – rogou com a voz trêmula.
Ele a abraçou e ela sentiu-se segura naquele abraço cheio de calor e alívio.
- Venha... Vamos sair daqui.
- E aquele homem...? Temos que chamar a polícia...
- Não se preocupe. Ele está desacordado.
- Você disse que era policial... Por que não o prende agora?
- Depois explico.
O’Neill carregou-a até seu carro e a colocou no banco da frente. Colocou o cinto de segurança e fechou a porta. Pegou a direção e partiram em silencio a caminho da saída da garagem.
Calais – Agosto de 1346
Os conflitos entre a França e a Inglaterra já duravam quase dez anos, mas os habitantes de Calais procuravam manter suas rotinas no grande centro comercial, considerado um dos portos franceses mais importantes.
Eustache atravessou a praça, a caminho de seu escritório, cumprimentando a cada homem ou mulher que por ele passavam. No decorrer dos anos, tornara-se uma figura de destaque na cidade, responsável por uma importante parcela do desenvolvimento comercial do porto, gerando rendas e empregos. Também era reconhecido como alguém que não sucumbira ao poder econômico. Era amado pela maioria dos habitantes de Calais, como um homem de bem, amável e caridoso. Perdera a mulher, Flora, cinco anos antes, durante um trabalho de parto complicado. Com ela, se fora o bebê. Esse fato deixou-o arrasado. Não fosse o apoio e o carinho dos filhos mais velhos e de seu amigo e sócio, Jean de Fiennes, teria sucumbido à dor da perda de sua amada.
Parou diante do prédio imponente, olhando a placa negra que pendia sobre a entrada e onde era visível, em letras douradas, o nome Saint Pierre et Fiennes. Arqueou as sobrancelhas, um sinal de preocupação, que tanto tentava disfarçar junto aos seus. A atual situação comercial e política estava ameaçada pela invasão da Inglaterra. O Rei Eduardo era implacável e não teria misericórdia de ninguém que se colocasse contra seus planos sobre o território francês. Ao pensar no rei inglês, seu pensamento fluiu imediatamente para a família do Conde de Hainaut, na figura de Joana e sua filha Filipa. A primeira falecera quatro anos atrás. Após a morte de seu marido, Guilherme, abandonara a vida comum e tornara-se abadessa em Fontevraud. Em 1340, a pedido do papa Bento XII, atuara como mediadora entre Filipe, seu irmão, e Eduardo, seu genro, no cerco de Tournai. Sempre fora uma mulher de valor e alma altruísta. Seu rosto iluminou-se ao relembrar a menina Filipa, muito parecida com sua mãe, no físico e no coração. Em uma de suas últimas visitas a Hainaut, vira o jovem casal de futuros reis a trocar seus primeiros olhares enamorados. Esperava sinceramente que a menina tivesse encontrado a felicidade ao lado do arrogante Eduardo. Pelo que soubera já tinham sete filhos, sendo que o primogênito de apenas 16 anos, Eduardo, já acompanhava o pai nas batalhas em terras francesas.
- Pai!
Eustache foi arrancado de suas memórias pela voz de seu filho mais velho. O rapaz o surpreendeu quando saia do escritório para verificar a chegada de uma carga de seda e porcelana vinda da Itália. Precisava conferir pessoalmente esse tipo de produto para não ter surpresas em relação à qualidade do que importavam.
- Achilles, meu filho! Aonde vai com tanta pressa?
- Pai, o navio de Genova está chegando. Andre acabou de me avisar. Quero ter certeza de que não fomos roubados lá ou aqui. Por isso quero estar no porto quando eles atracarem. Além disso, acho que outra “carga” preciosa, endereçada a Corine, deve vir nesse navio. – anunciou piscando o olho direito marotamente.
- Então, vá! O que está esperando? – disse com falso ar severo, que escondia um sorriso de satisfação pelo entusiasmo e dedicação de seu filho ao trabalho.
O filho deu um beijo em seu rosto e saiu quase a correr na direção do cais.
Seus filhos eram motivo de grande orgulho. Os dois rapazes eram trabalhadores e mostravam gosto pelo negócio que ele erguera com esforço e perseverança. Sua caçula herdara os traços da mãe, dona de personalidade forte, mas com um grande coração. Com apenas 19 anos cuidava da casa, do pai e de seus irmãos. Aguardava ansiosa pela volta do noivo, Pierre, irmão de Jacques de Wissant, seu amigo abastado, dono da fábrica de tecidos local, herança de seu pai. Pierre não nascera com o tino comercial de seu irmão. Era um jovem estudioso, que desde cedo mostrara interesse na área das ciências biológicas. Há três anos partira para a Itália para tornar-se médico, na famosa Escola de Medicina de Salerno. Saudoso de sua noiva, soubera do navio que partiria de Genova para Calais através dos futuros cunhados, meses antes. Por ser um aluno dedicado, obtivera licença para se ausentar por um mês da Escola. Faltava pouco para terminar seus estudos e seu irmão, Jacques, já estava à procura de um local para que Pierre estabelecesse seu consultório.
Eustache podia se considerar um homem quase completamente feliz, não fosse a ausência de Flora. Com um suspiro de resignação, entrou na Saint Pierre e Fiennes, e se dirigiu à saleta de onde regia seus negócios. Jean, seu sócio, ainda não voltara de Brugges, onde fora tratar com fornecedores menores.
Uma leve batida na porta tirou sua concentração dos cadernos contábeis abertos a sua frente. Quando elevou os olhos e viu a expressão amedrontada de seu amigo Andrieu, teve uma sensação muito estranha. A sensação de que seu mundo logo viraria de cabeça para baixo.
Eustache atravessou a praça, a caminho de seu escritório, cumprimentando a cada homem ou mulher que por ele passavam. No decorrer dos anos, tornara-se uma figura de destaque na cidade, responsável por uma importante parcela do desenvolvimento comercial do porto, gerando rendas e empregos. Também era reconhecido como alguém que não sucumbira ao poder econômico. Era amado pela maioria dos habitantes de Calais, como um homem de bem, amável e caridoso. Perdera a mulher, Flora, cinco anos antes, durante um trabalho de parto complicado. Com ela, se fora o bebê. Esse fato deixou-o arrasado. Não fosse o apoio e o carinho dos filhos mais velhos e de seu amigo e sócio, Jean de Fiennes, teria sucumbido à dor da perda de sua amada.
Parou diante do prédio imponente, olhando a placa negra que pendia sobre a entrada e onde era visível, em letras douradas, o nome Saint Pierre et Fiennes. Arqueou as sobrancelhas, um sinal de preocupação, que tanto tentava disfarçar junto aos seus. A atual situação comercial e política estava ameaçada pela invasão da Inglaterra. O Rei Eduardo era implacável e não teria misericórdia de ninguém que se colocasse contra seus planos sobre o território francês. Ao pensar no rei inglês, seu pensamento fluiu imediatamente para a família do Conde de Hainaut, na figura de Joana e sua filha Filipa. A primeira falecera quatro anos atrás. Após a morte de seu marido, Guilherme, abandonara a vida comum e tornara-se abadessa em Fontevraud. Em 1340, a pedido do papa Bento XII, atuara como mediadora entre Filipe, seu irmão, e Eduardo, seu genro, no cerco de Tournai. Sempre fora uma mulher de valor e alma altruísta. Seu rosto iluminou-se ao relembrar a menina Filipa, muito parecida com sua mãe, no físico e no coração. Em uma de suas últimas visitas a Hainaut, vira o jovem casal de futuros reis a trocar seus primeiros olhares enamorados. Esperava sinceramente que a menina tivesse encontrado a felicidade ao lado do arrogante Eduardo. Pelo que soubera já tinham sete filhos, sendo que o primogênito de apenas 16 anos, Eduardo, já acompanhava o pai nas batalhas em terras francesas.
- Pai!
Eustache foi arrancado de suas memórias pela voz de seu filho mais velho. O rapaz o surpreendeu quando saia do escritório para verificar a chegada de uma carga de seda e porcelana vinda da Itália. Precisava conferir pessoalmente esse tipo de produto para não ter surpresas em relação à qualidade do que importavam.
- Achilles, meu filho! Aonde vai com tanta pressa?
- Pai, o navio de Genova está chegando. Andre acabou de me avisar. Quero ter certeza de que não fomos roubados lá ou aqui. Por isso quero estar no porto quando eles atracarem. Além disso, acho que outra “carga” preciosa, endereçada a Corine, deve vir nesse navio. – anunciou piscando o olho direito marotamente.
- Então, vá! O que está esperando? – disse com falso ar severo, que escondia um sorriso de satisfação pelo entusiasmo e dedicação de seu filho ao trabalho.
O filho deu um beijo em seu rosto e saiu quase a correr na direção do cais.
Seus filhos eram motivo de grande orgulho. Os dois rapazes eram trabalhadores e mostravam gosto pelo negócio que ele erguera com esforço e perseverança. Sua caçula herdara os traços da mãe, dona de personalidade forte, mas com um grande coração. Com apenas 19 anos cuidava da casa, do pai e de seus irmãos. Aguardava ansiosa pela volta do noivo, Pierre, irmão de Jacques de Wissant, seu amigo abastado, dono da fábrica de tecidos local, herança de seu pai. Pierre não nascera com o tino comercial de seu irmão. Era um jovem estudioso, que desde cedo mostrara interesse na área das ciências biológicas. Há três anos partira para a Itália para tornar-se médico, na famosa Escola de Medicina de Salerno. Saudoso de sua noiva, soubera do navio que partiria de Genova para Calais através dos futuros cunhados, meses antes. Por ser um aluno dedicado, obtivera licença para se ausentar por um mês da Escola. Faltava pouco para terminar seus estudos e seu irmão, Jacques, já estava à procura de um local para que Pierre estabelecesse seu consultório.
Eustache podia se considerar um homem quase completamente feliz, não fosse a ausência de Flora. Com um suspiro de resignação, entrou na Saint Pierre e Fiennes, e se dirigiu à saleta de onde regia seus negócios. Jean, seu sócio, ainda não voltara de Brugges, onde fora tratar com fornecedores menores.
Uma leve batida na porta tirou sua concentração dos cadernos contábeis abertos a sua frente. Quando elevou os olhos e viu a expressão amedrontada de seu amigo Andrieu, teve uma sensação muito estranha. A sensação de que seu mundo logo viraria de cabeça para baixo.
(continua...)
Mais uma semana que termina... Este foi um post mais turístico. Amsterdã é uma cidade linda e muito simpática. A Filipa deve ter adorado o passeio, pelo menos até antes do seu sequestro.
Como puderam ver, a história de Eduardo e Filipa deu um pulo de 20 anos. Nove filhos! O Eustache não lembrou que ela tinha perdido dois... É, naquele tempo sem anticoncepcional, não era fácil fazer controle de natalidade. Depois desses ela ainda teve mais dois. O Eduardo, seu primogenito, foi chamado de O Príncipe Negro, graças a armadura negra que ele vestia. Foi motivo de muito orgulho para seu pai.Eu confesso que me apaixonei pela história da Filipa e do Eduardo. Eles parecem ter passado por muitos problemas, traições conjugais por parte dele (dizem as más línguas), mas, como vocês verão mais adiante, o amor sempre existiu de uma forma ou de outra. Ontem vi o final de um filme chamado Amor à Toda Prova, onde o personagem principal faz uma declaração de amor a sua mulher, que segundo ele era a sua alma gêmea, dizendo, entre outras coisas, que sempre a amou, mesmo quando a odiava, e que isso os casados entenderiam. Ri e dei toda a razão para ele.
Bem, os meus beijos especialíssimos para as minhas maravilhosas comentadoras da semana: Ly e Nadja. Obrigada, queridas, por acariciarem o meu ego semanalmente.
Beijinhos para todos e até a próxima semana!
Meu Deus Rô!!!
ResponderExcluirSe eu roesse unhas pode ter certeza de que estariam no sabugo, rsrsrsrs.
Tá fantástico o romance amiga, o resgate de Filipa por O'Neill foi emocionante, fiquei arrepiada. Assim como ele, também antipatizo cada vez mais com o Andries (mas só pelo personagem viu Dona Rô? graças à senhora peguei mais uma paixonite aguda, já não bastava o Gerry agora vivo assistindo filmes do Fassbender, que diga-se de passagem, são maravilhosos, ele atua divinamente, fiquei angustiada com Shame!).
Estou super curiosa para saber como a esmeralda chegou às mãos da Filipa atual, acredito que essa pedra tenha sido da Cruz de Hainaut, tô certa?
Bom amiga, como não posso continuar lendo (se fosse um livro já o teria devorado) o remédio é esperar a próxima postagem!
Fiquei louca pra ver Amor á Toda Prova.
Beijo, beijo, beijo amiga querida!!!!!!
Oi, minha linda! Fiquei toda boba com o teu comentário... Agora espero manter o nível do romance. Na minha cabeça ainda teremos muita ação pela frente...rsrs
ResponderExcluirSobre o Fassbinder, realmente ele é um homem muito charmoso e muuuito talento( arrisco dizer que muito mais que o Gerry, felizmente ou infelizmente). O filme Shame ainda não vi, mas pelo trailer deve ser bom e ele está ótimo. Lembra dele em Bastardos Inglórios?Um charme de farda... Tem vários filmes dele que não assisti, tipo Prometeus, Um Método Perigoso... O homem anda metido em várias pré-produções.
Quanto à esmeralda, estás no caminho certo ;)
O filme Amor à Toda Prova é uma comédia muito legal e que fala sobre amor. Vale à pena ver, além disso tem o Ryan Gosling que está um tesouro.
Todo o um carinho, querida! Até!
Nossa Rô... A cada capítulo vc se supera no suspense!
ResponderExcluirPreciso dizer que amo quando vc coloca fotos ilustrativas - tanto dos personagens quanto dos lugares por onde eles passam. É algo que mais faz viajar ainda mais na história que vc conta!
E nossa - assim como a Nadja - antipatizo cada vez mais com esse tal de Andries.... mas só seu personagem, porque Fassi (olha a intimidade) é tudebão! E O'Neill... Oinnnn... Que resgate maravilhoso, que emocionante.... *-* E também não tenho como evitar babar por O'Loughlin....
E já vi "Amor à Toda Prova" e é muito bacana. E tem Ryan Gosling, né.... ;)
Tô louca pra saber como Filipa chega a Filipa! :D
Bem, ficarei aqui ansiosa como sempre, aguardando cenas dos próximos capítulos!
Bjim querida! ♥
Ly! É muito bom saber que estás aqui ao meu lado e gostando das minhas "viagens". O Andries é uma graça, mas... rsrs
ResponderExcluirBeijos, amada!
Não sei como a Filipa conseguiu dormir depois dos encontros que teve, acho que a minha cabeça iria ficar funcionando a noite toda! Em quem confiar? Ela sozinha, num país estranho, já tendo sido perseguida e, agora, esses dois homens galantes se aproximam, o que fazer? Eu teria que ter tomado algum remédio para dormir porque senão ficaria numa insônia terrível e, no dia seguinte, já imagina o cansaço!
ResponderExcluirCoitada da Filipa, ser conduzida assim, mediante a força de uma arma e, em seguida, depositada no porta-malas do carro é aterrorizante. Ainda bem que o gostosão, digo, O’Neill, estava de prontidão e conseguiu resgatá-la com seus braços fortes, recostando em seu peitoral másculo enquanto a tirava do carro... ***suspirando muito***
Agora, ao menos, ela dará uma chance a ele para se explicar e, então, terá que decidir por qual lado irá seguir, o que não é nada fácil.
Tadinho do Eustache, está agora sem a sua Flora, é muito triste, mas são as coisas da vida. Estamos neste plano só de passagem, para um aprendizado que nos autorize angariar um lugar melhor.
Tô aqui curiosa em saber os detalhes da conversa do gostosão, digo O’Neill, não sei porque sempre troco o nome!!! Hehehe E também a continuação desse romance do passado.
Estou adorando, Rô! Está bem misterioso, apimentado, nos faz ter vontade de não parar de ler, como tudo o que vc escreve!
Beijinhos
Ah, Rô, já vi tb amor à toda prova, muito bom, gostei muito! Acho o Ryan Gosling um ator bem promissor - ele atuou tb em "Notebook" ("Diário de uma paixão") vc já viu? É tão lindo, amiga, tão lindo!!! Se ainda não viu, veja, quem é romântico com certeza ama!!! Beijinhos
ResponderExcluirOi, Lucy! Ah, o peitoral másculo do O'Neill é tudo de bom...rsrs. A Filipa vai ter que rebolar para não cair nas tentações... Será que ela consegue?
ExcluirVi esse filme, Diário de Uma Paixão na semana passada. Achei lindo! UMA BELÍSSIMA HISTÓRIA DE AMOR! O Gosling é um baita ator, além de tdb.
Beijos, querida!!
Acabei com as minhas unhas do céu ao inferno em minutos tenho minhas dúvidas que Andries está por trás disso que houve com Filipa. Mas para quem tem um O'Neill por perto está mais do que protegida, segura e amparada.
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