domingo, 24 de junho de 2012

O Vampiro de Edimburgo - Capítulo XIII

by Kodama e Fantin

Sentia-me estranhamente nervoso, provavelmente pelo encontro inusitado com meu antigo amigo e companheiro de incontáveis batalhas. Perguntava-me o que teria feito ele para ser expulso da dimensão superior. A última vez que o vi foi no dia da morte de Cath. Depois de minha maldição, nunca mais havia visto qualquer um dos nossos guerreiros...
Ouvi a porta da catedral ranger nas velhas dobradiças. Junto ao magnífico órgão, onde já tivera a oportunidade de ouvir vários concertos de música celta, permaneci sentado, aguardando Damian.
Estranhava a falta de Ariel, que forjara aquele encontro.  Ela parecia realmente empenhada em ajudar os MacTrevor. Gostaria de pensar que seu interesse não fosse apenas pelos irmãos, mas não podia me dar esse luxo. Eu precisava tirá-la de minha cabeça. Talvez eu devesse procurar um bom analista nesse século para analisar essa minha tendência para me apaixonar por mulheres impossíveis. Quase consegui rir desse pensamento quando percebi alguém sentar-se ao  meu lado. Não precisei olhar para certificar-me sobre a identidade do visitante. Ele continuou sem dizer palavra alguma. Sua ansiedade era quase tão palpável quanto a minha.  Decidi tomar a iniciativa e romper o silêncio.
- É uma pena termos que nos encontrar aqui, pois acho que ambos estamos precisando de uma bebida bem forte.
- Tornou-se sarcástico ao longo dos séculos? – perguntou sem sorrir.
- E você virou um pregador aborrecido?
Era visível a irritação de Damian.
- É melhor irmos direto ao assunto. Dependendo do rumo dessa conversa, poderemos relembrar os velhos tempos ou ... – aspirou o ar frio e exalou a amarga ameaça  – ... Posso te matar.
- Aborrecido e violento... Bem, pelo menos isso não mudou muito... – ironizei, quebrando a tensão imposta por ele. – Não vai precisar me matar, Damian.  Sei que o faria sem pestanejar. Se tivesse motivos. – disse, virando-me de frente para ele e encarando-o sem qualquer sinal de sarcasmo. – Eu jamais faria mal a seus filhos, principalmente à Leonora.
Damian levou alguns instantes para falar.  Certamente tentava digerir a ideia de estar conversando com um vampiro, que tinha sido seu amigo, e ponderando sobre a possibilidade confiar nele ou não.
- Ariel tentou me tranquilizar quanto a isso...
- Ora, isso é uma surpresa... – paralisei a fala ao notar uma lágrima deslizar solitária na face do pastor.
Seguiu-se um suspiro entristecido.
- Pelos Céus, Elyk! O que Ele fez a você? Por quê?
- É a pergunta que me fiz por algumas centenas de anos, mas que agora já não tem mais importância.
Damian sufocou a dor em seu peito e olhou para cima, na direção da abóboda feita de arcos perfeitos e continuou.
- Eu não pude suportar ou aceitar a sua punição e pedi para ser exilado e servir na Terra. Ele acabou cedendo ao meu pedido, certamente por entender que eu não poderia mais corresponder às Suas expectativas como guerreiro celestial.  Assim, tornei-me um anjo caído, pouco tempo depois da sua expulsão.
- Por que não me procurou? – perguntei comovido.
- Tinha medo do que encontraria. Medo de ter que destruí-lo. Por isso abandonei a Escócia e passei a percorrer o mundo, procurando entender os homens, seus conceitos e conhecer o livre-arbítrio humano. Caí em pecado e cometi crimes incontáveis durante um longo tempo. Poderia ter sucumbido nessa busca não fosse minha estrutura angélica. Participei das Cruzadas, das obras jesuíticas no Novo Mundo e trabalhei na resistência contra os nazistas na Grande Guerra. Amei muito, mas  sofri em igual intensidade,  a cada amada que via envelhecer e morrer em meus braços, ao ver meus filhos e netos perecerem da mesma forma... – Nesse momento sua voz embargou, mas logo voltou a narrar sua jornada. – Com a alma apaziguada, retornei a Escócia. Acompanhei sua trajetória como banqueiro, as notícias de suas falsas  mortes e seus ressurgimentos  como jovem herdeiro.  Conheci a mãe de meus filhos e me apaixonei mais uma vez. Alicia era descendente do clã MacTrevor para onde levamos os sobreviventes da chacina naquele dia infeliz. Quando Leonora nasceu foi uma grande alegria, mas à medida que ela crescia, meus temores me atormentavam. A cada dia ela mais se parecia com a sua Cathella, fosse por  uma armação genética ou  desígnio divino.  Passei a temer que ela o encontrasse. O destino encarregou Dominic de fazer isso tornar-se realidade.
- Às vezes tenho a sensação de fazer parte de um grande jogo... – pensei alto, mas logo voltei à lógica. – Ariel lhe contou a situação em que nos encontramos?
- Sim. O que podemos fazer?
- Kolchak me deu um prazo que expira em exatos vinte e cinco dias. Entretanto, conhecendo-o como conheço, tenho certeza que ele tentará dar mostras do seu poder antes desse prazo para forçar minha definição. Temos que ficar atentos. É um alívio saber que você estará por perto. Temo que Ariel não tenha poder suficiente para proteger Dominic e muito menos Nathanael, aquele anjo que mais parece saído de  uma propaganda de Natal, para proteger Leonora.
- Então,  temos uma aliança? – indagou Damian estendendo-me a mão.
- É um prazer ter você de volta ao meu  lado, Damian. – respondi agarrando firmemente a mão estendida.
- Igualmente, Elyk. – comemorou devolvendo o aperto com força, como nos velhos tempos.



- Por que não vai esfriar a cabeça em um dos jardins de repouso dos Guardiões? – perguntou Dominic, angustiado com a minha agitação. 
Se arrependimento matasse, eu estaria morta e, pior, sem saber como tinha sido a conversa entre aqueles dois. Só esperava que eles não decidissem resolver diferenças ao velho estilo dos guerreiros. De repente, a sugestão de Dominic me pareceu atraente... Porém, o jardim em que pensei não era exatamente aquele para onde ele estava me mandando.
- Tem certeza que ficarão bem? – perguntei enquanto dava uma espiada em Leonora, que dormia feito um querubim, em sua cama, depois do forte sedativo que lhe foi dado por Dominic. Desde o ataque que sofrera, não tinha conseguido pregar o olho.
- Vá esfriar a cabeça e volte depois. O Nathanael está aqui conosco... Está? – interrogou em voz alta com a intenção de certificar-se de sua afirmação.
- Estou! – exclamou Nathanael irritado, da cabeceira de Leonora.
- Bem... Já que é assim, com licença. Fui!
Materializei-me entre as  urzes perfumadas do jardim de inverno em Malachy. Desde a primeira vez em que estivera ali, senti uma atração irresistível por aquele lugar. Talvez o motivo fosse o amor que estivera envolvido na construção daquele santuário. Eu podia senti-lo em cada pedra, em cada grão de terra e em cada raiz plantada. Quase sentia inveja da mulher que inspirara Kyle a construir algo tão belo e delicado.
- A invasora de propriedade privada voltou a atacar ...
Tive um sobressalto ao ouvir a voz grave e cálida de Kyle. Voltei-me e o vi de pé, com os  braços cruzados sobre o peito, relaxadamente apoiado no umbral da porta, com aquele sorriso de escárnio costumeiro.  Irritada por ter sido pega de surpresa, mais uma vez, engoli em seco e fiz o meu pedido de desculpas esfarrapadas.
- Sinto muito ter invadido o seu santuário, mas ele me impressionou muito na última vez que estive aqui. Eu estava ansiosa para saber o resultado do seu encontro com Damian, por isso vim para cá para ficar a sua espera. Já estou de saída. Podemos conversar outra hora, em outro local.
No instante em que procurava encontrar organização mental para a desmaterialização, Kyle me alcançou num simples passo e me segurou pelo braço. A organização foi para o espaço.
- Não quero que vá embora! – exclamou assustando-me. – Fique... Por favor. Você combina com esse jardim ... Gosto de vê-la aqui.
Senti meu coração bombear tão rápido que pensei que ele poderia ouvir as batidas alucinadas que desencadeara.
- Não devia ter vindo aqui – disse, desviando do seu olhar que insistia em focar-me.
- Me alegra que alguma coisa nesse castelo a emocione... – disse em um tom de voz mais baixo.
Sua mão abrandou a força sobre meu braço e seus dedos deslizaram em minha pele, provocando um arrepio, que foi impossível de não ser notado por ele. Tão logo isso ocorreu, Kyle retirou a mão abruptamente  e baixou os olhos.
- Sinto que lhe cause tamanha repulsa...
- O quê? Não... Não sinto repulsa por você... – Eu precisava desesperadamente travar  minha língua nesse momento, mas... – Pelo contrário.
Os olhos verdes pousaram sobre mim novamente, com curiosidade.
- Pelo contrário?
- Sim... Quer dizer... Eu não lhe quero mal... Você já provou que eu estava errada pensando mal de você, isto é... – Eu não conseguia encontrar uma explicação razoável para o que eu acabara de dizer. E ele se aproximou um pouco mais, a ponto de eu sentir o seu cheiro... Aquele cheiro que me inebriava.
- Por que se arrepiou quando a toquei?
- Talvez esteja um pouco frio aqui...
- Os anjos não tem problemas com a temperatura externa. Esquece que fui um anjo?
Agora ele estava tão próximo que era possível sentir sua respiração em minha testa. Em meus olhos... Na ponta de meu nariz... Sobre meus lábios... Oh, Santos Terrestres... O que ele estava fazendo? Foi o último pensamento que consegui eliminar. Sua boca tomou a minha com tal  ternura que  paralisou qualquer reação de recuo. Ele saboreava minha boca como se eu fosse o mais doce dos néctares. Senti sua respiração acelerar e logo os braços fortes me envolveram e forçaram nossa união. Independentes de minha vontade, minhas mãos subiram lentas e tremulas pelo seu corpo, até alcançarem suas espáduas, quando o imitei puxando-o ainda mais contra meu peito, como se isso fosse possível. O beijo tornou-se mais intenso. Sua língua torturava a minha, acarinhando, sugando, misturando-se em mim. Perdi a noção de tempo e espaço, suspirei e tive uma sensação de dèjá vu, o que era totalmente sem sentido, pois eu nunca fora beijada daquela maneira por anjo ou homem algum. Então suas mãos ganharam vida sobre meu corpo, pressionando, palpando, moldando... Oh... Aquele era o verdadeiro paraíso...  Sua boca abandonou finalmente a minha deixando um vazio momentâneo, que logo foi preenchido pelos beijos suaves em meu rosto, descendo por meu colo... Seus dedos trabalhavam disseminando prazer, descendo a alça de minha veste... Ofeguei quando a língua ágil brincou em meus seios. Ouvi o seu gemido e sua voz rouca me chamando ao longe... Ariel... Estranho nome...
- Elyk... – gemi, respondendo.
Com a sensação de estar caindo no vácuo e um frio de morte avançando sobre minha alma, Kyle se afastou.
-  A sua voz... Por que me chamou de Elyk?
A pergunta me arrancou definitivamente da onda de volúpia em que me encontrava.
Assustada com minhas emoções e incerta sobre o rumo a tomar, fugi do jardim que ele erguera para Cathella e de seus braços, envergonhada por imaginar que ele, um dia, talvez  pudesse me amar como a ela.

(continua...)

Mais uma vez peço desculpas pelo atraso na postagem, mas há cerca de dez dias estou enfrentando problemas de saúde na família e isso tem me tomado bastante tempo, além de roubar um bocado da inspiração que preciso para escrever.
Um beijo grande para as nossas queridas comentaristas (Nadja, Vanessa e Dioceli) da  semana, incluindo a Cacá, que comentou em uma das minhas primeiras postagens, Um Amor na Montanhas, e as boas-vindas aos novos seguidores, que agora enfeitam a barra lateral do blog com seus rostos e me deixam muito feliz por saber que a sementinha que plantei há tres anos continua florescendo.
Um abraço muito afetuoso e beijos para todos!
Até a próxima postagem!






sexta-feira, 15 de junho de 2012

O Vampiro de Edimburgo - Capítulo XII

by Kodama e Fantin


O ensolarado dia seguinte ao baile parecia ter sido encomendado especialmente para fazer os sobreviventes esquecerem o que acontecera à noite. Sentindo-se responsável pelo ataque que Leonora sofrera, Kyle encerrou seus compromissos sociais e profissionais mais cedo e levou-a, juntamente comigo, para um passeio a pé pela cidade antiga de Praga, o bairro Malá Strana, onde tivemos a oportunidade de conhecer o castelo de Hradcany, entre outros belíssimos pontos turísticos. Era evidente o desconsolo de minha irmã, que apenas em raros momentos mostrara um tênue sorriso. Eu ainda estava preocupado com o que Ariel ficara de me contar a respeito de Kyle, mas que, após os acontecimentos atordoantes do baile, acabou por protelar. Por sinal, ela estava com uma cara horrível desde o início daquela manhã. Ao perguntar a causa, me arrependi instantaneamente, tal o mau humor  que acompanhou a resposta.
- Estou ótima! – grunhiu.
Era  óbvio que alguma coisa estava acontecendo entre ela e Kyle. No entanto, certamente eu teria que esperar que minha amiga de asas recuperasse seu bom humor e pudesse me esclarecer tudo.
Ao fim do passeio, após o almoço em um agradável bistrô no centro histórico, quando retornamos ao hotel, Kyle revelou que antecipara nosso retorno para o final da tarde e pediu que nos preparássemos. Deu como desculpa alguns problemas em seus negócios a resolver em Edimburgo, mas eu sabia que a real causa era o infeliz incidente da noite anterior. Notei o quão preocupado ele ficara. Diversas vezes, durante a manhã, o percebera olhando de maneira preocupada, ora para Leonora ora para mim.
Deixei minha irmã em seu quarto, atarefada em arrumar as malas e – surpresa! - sem reclamar. Ariel sumira desde o início do almoço, mas assim que fechei a porta de minha suíte, ouvi sua voz.
- Precisamos conversar, Dom.
- Já não era sem tempo. Desde ontem que você está muito estranha... O que está acontecendo?
- Eu nem sei como começar...
- É tão ruim assim?
- Descobri que Kyle é uma espécie de anjo caído.
- O quê? Uma espécie...?
- Ele foi amaldiçoado por Deus a viver na Terra como um ser das sombras.
- Ser das sombras...? O que quer dizer com isso, Ariel?
- ... Kyle é um vampiro.
- Como? – minha voz estava embargada com o susto.
- É uma história longa... Por punição divina ele foi condenado a viver na Terra como um vampiro, seduzindo e alimentando-se de mulheres para sobreviver.
Já tinha ouvido histórias a respeito desses seres, mas saber que conhecia um de verdade... Imediatamente pensei em Leonora e um arrepio me percorreu ao imaginar se ela não corria perigo. Tentei afastar esse pensamento terrível... Kyle não seria capaz...
- E por que ele foi punido? O que ele fez?
- Apaixonou-se por uma mulher.
- Só isso?
- Também achei algo extremo, mas não podemos julgar os atos Dele.
Meus pensamentos de aflição logo se transferiram para outra pessoa.
- Está pensando em Yesalel? – perguntou ao ver minha expressão.
- Sim. Certamente Ele sabe do que acontece entre nós, tanto que a proibiu de continuar como minha protetora.
- Talvez Ele tenha se tornado mais tolerante...
- E o que mais a preocupa? Não acredito que Kyle possa nos machucar... Acha que Leonora corre algum risco?
- Aí é que está... Leonora, segundo ele, é igual à mulher por quem era apaixonado. Entretanto, não creio que ela corra risco algum. Ele gosta de vocês e não quer que nada de mal lhes aconteça. Ontem ele tentou  provar isso.
- Como assim? – perguntei mais aliviado com a opinião de Ariel, que ia de encontro a minha intuição.
- Kyle tentou se destruir ontem à noite. Deixou de se alimentar e pretendia morrer, deixando você como seu único herdeiro. 
- O que você está dizendo? Mas porque ele tentou fazer isso?
- O Filho das Trevas quer que Kyle se torne um deles. Há séculos tenta levá-lo para o lado do Mal e costuma ameaçar  pessoas com quem ele tenha algum envolvimento afetivo para forçá-lo. Até agora não teve êxito, mas parece  que o miserável encontrou algo que pode mudara situação.
- Como assim?  -  perguntei, apesar de imaginar qual seria a resposta.
- É o que você está pensando... Ele está usando Leonora e você para chantagear Kyle.
- Oh, meu Deus!
 - O que aconteceu à Leonora ontem não foi ao acaso.
Isso era totalmente aterrorizante. Imaginar que estávamos à mercê de forças malignas contra as quais não podíamos ter qualquer controle era terrível.
Levei alguns momentos para me recuperar e voltei a falar.
- E o que nós podemos fazer?
- Ainda não sei como lutar contra isso, como protegê-los... Terei que buscar ajuda de meus superiores.
-  Mas, se Kyle é um anjo caído, talvez o seu pedido de ajuda não seja bem-vindo.
- Algo terá que ser feito. Não posso deixar vocês ou Kyle ficarem a mercê daquele monstro. – Era evidente o horror de Ariel, no tom de voz e na expressão do seu rosto.
- Você está apaixonada por ele?
- Claro que não! – exclamou  indignada, como se estivesse tentando convencer-se a si mesma.
- Está bem... Não vou discutir isso. Não é da minha conta. Desculpe. – falei compreensivo, pois eu também enfrentara uma confusão de sentimentos quando descobri meu amor por Yesalel. Não era nada fácil amar um anjo. Imaginei como seria para Ariel estar  amando alguém como Kyle, principalmente agora que sabia quem ele era realmente.
Não voltamos a nos falar até a chegada em Edimburgo. Aliás, não a vi nem senti mais até terminar a viagem.



Depois de fazer um resumo de tudo a Nathanael, pedi que ele reforçasse seus cuidados com Leonora. No íntimo, sabia que Kyle, agora recuperado de sua "privação alimentar", também protegeria os irmãos MacTrevor. Por isso, depois de conversar com Dom, decidi ir atrás de Samuel e esclarecer minhas dúvidas e indignação. Materializei-me nos portais da Central dos Guardiões. Respirei fundo, tomei coragem e entrei determinada a enfrentar a "fera".
- Olá, Ariel – soou a voz de tenor tão logo entrei em sua sala – Eu já a esperava...
- Então sabe por que estou aqui. Pode começar a falar e explicar-se sobre o que está acontecendo!
- Olhe o respeito com seu superior! – disse não muito convincente. – Não pense que vou permitir que me fale dessa maneira.
- Você não me respeitou quando escondeu a verdade de mim, lançando-me no meio de uma tremenda confusão.
- Foram Ordens Superiores. Apenas cumpri meu dever... Por mim, você não teria sido eleita para essa missão. Acredite em mim. – terminou por dizer... E havia muita sinceridade em seu olhar.
A única pergunta que eu conseguia ouvir reverberando em minha cabeça era: POR QUÊ?
- Por que não disse que conhecia Kyle, ou melhor, Elyk?
- Se trata de uma nova batalha contra o Mal, Ariel. Não mudaria em nada você saber que eu o conhecia ou saber quem ele era mil anos atrás.
- Claro que mudaria! Eu não teria perdido tempo acreditando que ele era o Mal!
- Isso não impediu que você gostasse dele... – disse em voz baixa.
Será que eu tinha algum tipo de sinalizador na testa dizendo que eu amava Kyle Sinclair ou eu era o anjo mais transparente da face dos céus?
- O que eu preciso saber é como proteger meu humano e sua irmã...
- E Elyk. – completou Samuel.
- Sim... Ele também está em perigo. Não creio que o Criador queira que ele cruze definitivamente para o outro lado.
- Obviamente que não. Elyk resistiu bravamente por um longo tempo  e provou continuar fiel ao Nosso Criador, apesar de tudo. Infelizmente, ele terá que vencer essa batalha sem a intervenção superior.
- Como?
- Com a sua ajuda ou de quem mais estiver disposto a ajudar... Na Terra.
- É só isso que pode me dizer?
- Dois conselhos mais... O demônio pode estar nos locais mais improváveis. Cuidado! Desconfie de todos a sua volta. E, Ariel... Você é mais poderosa do que pensa.
- Regras de Autoajuda? Numa hora dessas? Nenhum exército de Arcanjos na manga só para dar uma mãozinha? – disse mais irritada do que deveria estar, pois afinal, como Sam havia dito, Ele era o responsável pelo modo de condução desse caso. Contudo, acabei por exclamar – Poupe-me de seus conselhos.
- Lembrará deles na hora certa, Ariel.
- Uma última pergunta, Samuel...
- Sim?
- Sendo um anjo guerreiro, deveria estar em um nível superior, junto ao Criador. Por que ficou aqui como chefe de departamento? É essa a causa de seu eterno mau humor?
Notei a face de Samuel mudar de cor e anuviar-se. Atingira seu ponto fraco, com toda a certeza. Cheguei a desejar não ter sido tão maliciosa, mas às vezes certos sentimentos humanos, indesejáveis em um anjo, se apoderavam de mim. Eu não conseguia esconder a raiva que sentia por Samuel, mesmo sabendo que ele não era o único responsável pelo que estava acontecendo. Nem eu mesma entendia o que estava sentindo.
- Desculpe... – falei arrependida. – Não deveria ter tocado nesse assunto.  Às vezes perco o controle da língua.
- Talvez esse seja o seu lado mais atraente... Um dia talvez eu lhe conte a minha história, mas no momento... Gostaria que você voltasse ao seu trabalho imediatamente. – terminou por dizer secamente.
Ele voltara a ser o velho e bom Samuel, meu chefe. Sumi dali como ele desejava. Fui encontrar Dom. Ele estava desembarcando no aeroporto de Edimburgo, juntamente com Leonora e Kyle. Angus, em sua habitual elegância e discrição, como todo bom mordomo britânico, já os esperava, junto à pista de pouso, com um lindo Rolls-Royce Silver Wraith. Para minha surpresa, Leonora permaneceu calada a maior parte do percurso para casa. Aparentemente, o incidente da noite anterior provocara um tipo de  amadurecimento na menina de dezessete anos.  Kyle também estava calado, sentado do lado esquerdo de Angus, com seu rosto másculo indecifrável e o olhar vago na paisagem enevoada que corria através da janela do carro. Tinha quase certeza que ele sabia de minha conversa com Dominique sobre sua história. Era certo que teríamos que falar a respeito de como combater os demônios. Eu estava perdida. Eles podiam usar dos mais baixos meios para forçar Kyle a converter-se e ninguém melhor que ele próprio, que os enfrentava há quase mil anos, para montar um esquema de proteção aos dois irmãos e a ele próprio. O que eu ainda não entendia era o porquê de eu ter sido escolhida para participar dessa missão. Logo eu que sempre tive problemas em conduzir minhas tarefas, com minhas atitudes mais humanas que angelicais. As dúvidas rondavam minha mente, quando o carro estacionou diante do prédio onde moravam os MacTrevor.
Kyle fez questão de acompanhá-los até o apartamento. Leonora continuava muito estranha e Nathanael havia sumido. Aliás, ele vinha se ausentando com muita frequência ultimamente. Ou ele estava ficando preguiçoso ou eu o estava assustando com a minha preocupação extrema. Desde o início, eu meio que assumira a proteção de Leonora , como se os irmãos formassem um pacote único. De qualquer maneira, ele tinha suas responsabilidades. Principalmente agora, eu precisaria dele para criar uma proteção especial contra aqueles tipos infernais. Esperava contar com Yesalel também. Qualquer ajuda seria bem vinda. Se até agora ela não havia sido advertida é porque talvez ela fizesse parte de algum plano divino.
Ao entrarmos na pequena sala da casa de Dom, uma surpresa de quase dois metros de altura, cabeça raspada e dois enormes olhos cinzas muito claros nos aguardava.
- Pai!? – exclamou Dom.
Damian abriu os braços e aconchegou com facilidade Leonora e Dom, que não conseguiam esconder a saudade e a admiração pelo homem que os trouxera ao mundo.
Assim abraçado aos filhos, seu olhar logo encontrou o de Kyle e toda a alegria, que antes brilhava pelo reencontro familiar, cessou imediatamente, dando lugar a um misto de tristeza e temor.
- Quando chegou? Por que não nos avisou? – falou Dom.
- Cheguei hoje. Estão bem?  - perguntou olhando diretamente para Leonora, como se soubesse do ocorrido em Praga.
- Estamos... – respondeu Dom, enquanto Leonora derramava algumas lágrimas. – Pai, quero apresentar-lhe um amigo. Kyle Sinclair.
Esse permanecia imóvel como uma estátua e seu rosto inabalado.
- Kyle... Sinclair. – repetiu o nome dito pelo filho.
- Damian... – finalmente Kyle reagiu, fazendo uma pequena reverencia com a cabeça, como se conhecesse.
- Mas... Eu não disse o nome dele... – surpreendeu-se Dom.
- Não é necessário, meu filho. Conheci Ely... quero dizer, o senhor Kyle Sinclair há muitos anos.
- Como?
- Você saberá ... Logo... O mais importante agora é que voltei, pois pressenti que estavam em perigo...  E agora tenho certeza disso. – falou olhando diretamente para o banqueiro.
- Eu não teria tanta certeza da fonte do perigo, meu caro. – redarguiu Kyle.
-  Que tal terem uma conversa reservada?
Os dois  antigos anjos guerreiros voltaram seus olhares para mim. Apenas Leonora não entendeu porque eles olhavam um canto vazio logo atrás de seu irmão.
- Meu nome é Ariel, Damian. Sou a nova protetora de seu filho e estou precisando de toda a ajuda possível para ter absoluto sucesso em minha função. Existe um lugar aqui em Edimburgo onde poderemos estar seguros. Que tal uma reunião amigável e elucidativa?
Com a concordância de ambos, foi marcado um encontro para o dia seguinte, na Catedral de Edimburgo.

(continua...)


Oi, meus caríssimos leitores!
Desculpem por demorar a postar hoje, mas foi por motivos alheios a minha vontade.
Espero que tenham gostado do capítulo e que deixem seu comentário.
Quero deixar o meu agradecimento especial, como sempre, para a Leia, a Nadja, a Vanessa e a Dioceli, minha amigas muito queridas, que sempre vem deixar o seu estímulo e carinho aqui no blog.
Amo voces!
Um beijo cheio de afeto, meu e da Aline, para todos! Até a próxima semana!

quinta-feira, 7 de junho de 2012

O Vampiro de Edimburgo - Capítulo XI

by Kodama e Fantin

Apesar de já me sentir recuperada pela perda de sangue, eu não conseguia me mover, paralisada que estava depois de ouvir o relato de Kyle.
- Então... Você é um anjo caído? – perguntei estupefata.
- Uma péssima companhia para você...
- Adotou o nome Sinclair em homenagem à sua... – Não consegui completar a frase por algum motivo.
- E Kyle, que obviamente é o inverso de meu antigo nome. Kyle Sinclair... Eu poderia ter sido mais criativo, não acha? – indagou parecendo divertir-se com o fato. – Na verdade, acabei por escolher esse nome em meados do século XIII, quando iniciei minha carreira como banqueiro. Como descobri que era importante o registro das transações comerciais, precisei adquirir um nome real.
- Por que está brincando com isso? Não há nada de engraçado na sua história...
- O tempo desgastou meus sentimentos e aplacou meu ódio e o desejo de vingança. Hoje vejo que nada disso é importante. Quem realmente me importava pereceu e, mesmo que eu soubesse o porquê ou quem provocou sua morte, isso não a traria de volta.
Senti  uma grande necessidade de consolar aquele homem-vampiro-anjo, ou fosse lá o que ele fosse. Queria abraçá-lo e beijá-lo, até que sua dor desaparecesse e ele substituísse Cathela em seu coração...
- Pensei que ela havia voltado para mim quando conheci Leonora. – ele continuou.
- Leonora?
- Ela é exatamente igual à Cath. Pelo menos, fisicamente... Acredito que algum sobrevivente dos Sinclair foi levado ao clã dos MacTrevor e a hereditariedade, depois de todos esses séculos,  tornou Leonora fenotipicamente igual á minha Cath.
Então... Ele já tinha uma substituta em seu coração... E não era eu...
- Por que queria se matar? – perguntei para evitar pensar em mais bobagens ilusionistas.
- Kolchak me procurou mais uma vez e ameaçou a vida de Dominic e de Leonora caso eu não me una a ele e a toda a corja de Lúcifer.
- Como? – Tive um sobressalto.
- Nas últimas visitas que ele me fez, conseguiu determinar  pessoas com quem eu estava afetivamente envolvido e torná-las vítimas para me chantagear. Na primeira vez, conseguiu me enganar, colocando um de seus lacaios fingindo ser amigo. Quando descobri, o pobre condenado baixou aos níveis mais baixos do Inferno. Nos séculos seguintes, passou a escolher entre humanos por quem eu tinha alguma empatia.
- Dom seria o escolhido neste século? – perguntei, apesar de já saber a resposta.
- É o que tudo indica...
- Eu fui enviada para proteger Dom de alguma coisa maligna. Até pouco tempo imaginava que fosse você o Mal a ser afastado dele. Agora sei que não é você o perigo... Pelo menos... É o que tudo indica. - tentei brincar... Mas ele não sorriu.
A partir daí resolvi calar-me. Ainda não tinha certeza se realmente podia confiar em Kyle; mesmo depois de tudo que ele me contara. Tinha medo de ser enganada por meu coração... Também precisava falar com Samuel a respeito de seu passado e por que ele escondera informações tão importantes. O quebra-cabeça parecia mais confuso ainda. Minha cabeça começou a doer muito. Talvez a descoberta sobre Elyk, sobre meus sentimentos em relação a ele, dos sentimentos dele para com Leonora... Eu precisava sair dali...
- Ariel! – exclamou Kyle angustiado, provavelmente preocupado com a minha expressão de dor e por ter fechado os olhos. – Você está bem?
- Estou bem. – respondi secamente, abrindo os olhos e tentando fugir do seu olhar. Tinha medo que descobrisse o que realmente eu sentia por ele. Era algo inadmissível... – Tenho que sair.
Tentei levantar-me, mas sua mão, agora dotada de nova energia, agarrou-me pelo braço, evitando que eu fugisse.
- Você não me parece muito bem. – falou com aparente preocupação, algo que atribuí à minha fértil imaginação e ao desejo de que aquilo fosse real.
- Quer fazer o favor de me largar? – quase gritei. Precisava desesperadamente escapar daquele quarto,  da minha ridícula fantasia e... daquele olhar.
Ele recuou visivelmente aborrecido.
- Pode ir. Já cumpriu sua boa ação do dia e conseguiu todas as informações sobre mim. Ganhou seu dia, não? – disse irritado.
Afinal, voltara a ser o vampiro de sempre.
- Pode ter certeza que sim.
- Seu protegido não precisa temer nada de mim... Nem você...
O modo como ele falou as duas últimas palavras me deixaram tão atordoada, que me desmaterializei imediatamente, deixando-o cabisbaixo, sentado à cama.
Com um pouco de esforço, mentalizei Dom e o localizei ainda na Ópera de Praga. Que festa mais comprida! Isso que o homenageado já nem estava mais lá. Aliás, por pouco não faria mais parte desse mundo... Ainda não decidira se deveria contar a história de Sinclair para o meu protegido ou procurar Samuel e espremê-lo contra a parede até ele falar tudo que sabia sobre esse enredo mal explicado.



- Então,  pensou que se livraria de nós acabando com sua vida? – A voz de Kolchak era inconfundível. Irritante e inconveniente.
- O que está fazendo aqui? Nosso encontro não era para daqui um mês? – perguntei aborrecido com a invasão do demônio.
- Quero lembrar que o suicídio pode levá-lo até nós...
- Para um morto-vivo não existe esse termo suicídio, portanto eu não iria a lugar algum.
- Caro Kyle... Espero que não tente mais esse tipo de subterfúgio, caso contrário seus queridos amigos, Dominique e Leonora o acompanharão de qualquer maneira a lugar algum... Meu chefe não ficou nada contente com o que você fez...
- Suma daqui!
- Antes, gostaria de falar sobre a inocente Ariel, que tão corajosamente o salvou, mesmo sendo você quem é. Sem querer ela nos foi útil, alimentando-o. Diria que é um ser muito especial...
Kyle sentiu como se lava quente ameaçasse sair de seu peito, mas segurou a explosão e manteve o olhar o mais impassível que pode, para não dar motivos a Kolchak para perseguir a protetora de Dom. Ele não podia demonstrar seus sentimentos ou ela se tornaria o foco de atenção daqueles monstros.
- Ela me odeia. Fez aquilo porque é um anjo, uma pobre domínio, que não poderia ver nem um cão morrer em sua frente, sem tentar ajudá-lo.
- Pode ser, mas vou ficar de olho nela... Em vocês...  – disse, apontou o dedo ameaçadoramente para mim e desapareceu.
Teria a festa terminado? Peguei o telefone sobre a mesa de cabeceira ao lado da cama e liguei para a recepção. Uma sensação nada agradável tomou conta de mim.
- Boa noite. Poderia me informar se Dominique MacTrevor e sua irmã já retornaram ao hotel?... Ainda não?... Obrigado. – encerrei a ligação preocupado.



A sirene do carro policial já fora desligada e os convidados começavam a retirar-se, passado o interesse pelo infeliz ocorrido. O culpado ainda encontrava-se na sala reservada sendo interrogado pelo policial em serviço naquela noite, enquanto Leonora descansava num sofá do salão principal, rodeada pelos braços de seu irmão, ainda com expressão de medo e vergonha pelo que acontecera. Instintivamente, procurei Nathanael com um pedido telepático, mas ele surpreendentemente não respondeu. Então fui direto para Dom tentar saber o que acontecera em minha ausência.
Ao  ver-me, lançou um olhar cansado e ao mesmo tempo aliviado. Com movimentos labiais, disse que falaria comigo depois. Também consegui entender que Leonora estava bem. Apenas assustada. Foi então que Nathanael surgiu ao meu lado.
- Onde você estava e o que aconteceu aqui? – perguntei exaltada.
- Eu estava procurando por você para dar um apoio ao seu protegido! Você agora resolveu ser babá de banqueiro?
- Achei que estava tudo bem. Pensei que você pudesse dar conta do recado sozinho.
- Cada um tem a sua responsabilidade...
- E pelo jeito você não deu conta da sua!
Nathanael fechou o cenho e não respondeu.
- O que aconteceu? Pode me dizer, senhor Nathanael?
- Leonora foi atacada por um dos rapazes com quem estava flertando.
- Como assim, atacada?
- Felizmente não aconteceu nada grave, mas ele tentou violentá-la em uma das salas de música do prédio.
- Oh, Santo Deus! Como você deixou isso acontecer?
- Não aconteceu nada, pois eu interferi; caso contrário ela teria perdido sua virgindade hoje!
- Está bem... Desculpe... Fiquei nervosa com tudo isso e culpada por não estar presente para ajudá-lo. Você agiu corretamente.
Um policial a paisana aproximou-se do casal de irmãos e disse algumas palavras. Num segundo eu estava ao lado de Dom para ouvir o que ele dizia.
- Gostaríamos que a senhorita desse um pequeno depoimento. É possível?
- Posso acompanhá-la? – perguntou Dominique.
- Não! Eu prefiro ir sozinha... Por favor. – rogou ela remoída em vergonha.
- Tem certeza que quer falar com ele a sós? – indagou protetor.
- Tenho... Eu ficarei com vergonha de você se estiver junto, entende? – explicou docemente.
- Entendo... Mas se mudar de ideia, me chame, certo? – falou aconchegando as mãos da irmã entre as suas e depositando um beijo sobre o dorso de uma delas.
- Certo. – respondeu com um sorriso tímido nos lábios, para logo olhar para o investigador que aguardava pacientemente a sua frente e dizer, subitamente amadurecida. – Estou pronta.
- Pode ser aqui mesmo. São apenas poucas perguntas para estabelecer a queixa contra aquele safado. Ele não tem ficha ou histórico algum no departamento. – esclareceu o homem em um inglês com forte sotaque.
- Então, eu vou ficar logo ali. – disse Dom apontando para uma janela alguns metros adiante, distante o suficiente para dar a reserva necessária para não ouvir  o que Leonora conversaria com o policial.
Foi a deixa para que eu me aproximasse de Dom e soubesse o que acontecera com detalhes.
- O que houve, Dom?
- Um dos rapazes com que Leonora dançou, num momento em que me distraí,  levou-a até uma sala isolada e tentou... Você sabe... Por sorte, Nathanael me avisou e eu pude chegar a tempo antes que acontecesse algo mais sério. – Só então percebi o rosto de Dom machucado e um inchaço sob o olho direito.
- Você lutou com ele?
- Sim... Por que acha que chamaram a polícia? Quando vi o que estava acontecendo, enlouqueci e me joguei sobre o miserável. Acho que o mataria se não tivessem me tirado de cima dele. Acho que esse nunca mais vai tentar forçar outra garota a fazer o que ele quer.
- Oh, Dom... E eu não estava aqui...
- Não se culpe... E Kyle, como está?
- Agora está bem, mas... Mais tarde teremos que conversar sobre ele.
- Algum problema sério?
- Mais tarde... Agora temos que dar atenção a Leonora.
Meu olhar foi desviado para a entrada principal onde uma figura imponente, minha conhecida, entrava  ameaçadoramente. Como ele soubera do que estava acontecendo?
Porém, ao invés de ir em nossa direção ou na de Leonora, encaminhou-se para a sala onde o aprendiz de violentador estava detido.
- Fique com a Leonora, que vou ver o que está acontecendo.
Imediatamente me encaminhei à sala reservada.
- O senhor não tem permissão para entrar aqui. – dizia o homem de farda para Kyle.
Este olhou o homem seriamente aborrecido.
- Eu sou responsável pela jovem que foi agredida e, portanto, tenho direito de falar com essa... besta.
- Certamente, senhor. Aguardarei ali fora.
Ele usara algum tipo de poder mental sobre o pobre humano. Fiz menção de me retirar, pois não queria ser testemunha de qualquer violência, mas fui segura pela voz firme e grave de Kyle.
- Fique! Quero que veja isso.
- Não pretendo ver ninguém ser massacrado.
Ele riu, e tornou a virar-se para o infeliz, que estava algemado e sentado na borda do assento de uma poltrona de veludo, num dos cantos da saleta. Fuzilou-o com o olhar, provocando uma expressão aterradora na face do jovem.
- Olhe, não sei quem você é, mas precisa acreditar que não sei o que aconteceu. Achei ela linda e apenas queria beijá-la... Normal... Mas então algo se apoderou de mim e... Não sei o que aconteceu! Foi como se algo primitivo tivesse tomado conta de ... – Sua fala foi interrompida e seu corpo se enrijeceu, fazendo-o atirar a cabeça para trás e revirar os olhos até que apenas o branco das escleróticas ficasse visível. Seu rosto, parecendo uma máscara  distorcida, voltou-se na direção de Kyle, que não aparentava surpresa alguma com o que estava acontecendo.
- Isso foi apenas um aviso, Elyk... – disse com uma voz gutural, liberando uma gargalhada assustadora ao final.
- Quanta honra receber o próprio Lúcifer, ao invés do seu lacaio.  – disse sarcástico. – Parece que consegui irritá-lo mesmo.
- Que bom que ainda conserva seu senso de humor... Logo não o terá. – ameaçou e calou-se, liberando sua vítima.
O jovem, livre de sua possessão, amoleceu o corpo e desabou desleixadamente sobre a poltrona, desacordado.
Materializei-me. Devia estar com aparência de morta,  pois Kyle clamou meu nome até que eu me fixasse em seu olhos.
- Fale comigo, Ariel...Está bem?
- Estou... – sussurrei.
- Entende agora o que eu lhe falei lá no hotel?
- Sim... Mas por que ele fez isso com Leonora?
- Ele não gostou da minha tentativa de abandonar o jogo.
- Para você é apenas um jogo?
- Maldição! É apenas uma maneira de falar, mulher!
- Eu não sou uma mulher...
De repente, vi aqueles olhos ardentes sobre mim mais uma vez. Era assim que ele manifestava seu desprezo por mim? Fazendo-me sentir perdida? Deixei de pensar quando senti meus lábios sucumbirem violentamente sob os dele. Uma vertigem tomou conta de mim e, graças às mãos que me seguravam nada gentilmente, não fui ao solo. Senti um estranho vazio quando ele se afastou e me olhou transtornado.
- Ainda acha que não é uma mulher?
Senti meus olhos umedecerem e só pensava em me afastar daquele macho que provocava meus sentimentos e me fazia sentir tolamente estranha.
Mesmo que eu conseguisse achar minha voz para responder ao seu questionamento, não teria mais sua atenção, pois o rapaz já começava a recuperar a consciência e olhava assustado para Kyle, pois a mim ele não podia ver, pois acabara de desmaterializar-me. Fugi para perto de Dom, com a desculpa de saber como estava Leonora e tentar voltar a um estado próximo ao normal.

(continua...)


Olá! Atendendo a pedidos (não é, Léia?...rsrsrs) estou postando esse capítulo um pouco mais cedo. Espero que tenham gostado.
Mais uma vez agradeço às minhas top comentaristas, Nadja e Léia, e à visita das queridas Daniele, do blog Chá, Biscoitos e um Livro, e Pri, do blog Entre Fatos e Livros
O meu muito obrigada também àqueles que vieram até aqui, leram, gostaram ou não, e não deixaram seu comentário. Espero que continuem voltando e divulgando o blog... ou não.
Desejo a todos um excelente feriado. Curtam ao máximo esse dia (ou dias, para quem terá a chance de fazer feriadão)!
Deixo voces aqui, pois temos muito trabalho a frente para dar continuidade ao romance do Kyle e da Ariel...
Até a próxima sexta! Beijos!!