domingo, 24 de junho de 2012

O Vampiro de Edimburgo - Capítulo XIII

by Kodama e Fantin

Sentia-me estranhamente nervoso, provavelmente pelo encontro inusitado com meu antigo amigo e companheiro de incontáveis batalhas. Perguntava-me o que teria feito ele para ser expulso da dimensão superior. A última vez que o vi foi no dia da morte de Cath. Depois de minha maldição, nunca mais havia visto qualquer um dos nossos guerreiros...
Ouvi a porta da catedral ranger nas velhas dobradiças. Junto ao magnífico órgão, onde já tivera a oportunidade de ouvir vários concertos de música celta, permaneci sentado, aguardando Damian.
Estranhava a falta de Ariel, que forjara aquele encontro.  Ela parecia realmente empenhada em ajudar os MacTrevor. Gostaria de pensar que seu interesse não fosse apenas pelos irmãos, mas não podia me dar esse luxo. Eu precisava tirá-la de minha cabeça. Talvez eu devesse procurar um bom analista nesse século para analisar essa minha tendência para me apaixonar por mulheres impossíveis. Quase consegui rir desse pensamento quando percebi alguém sentar-se ao  meu lado. Não precisei olhar para certificar-me sobre a identidade do visitante. Ele continuou sem dizer palavra alguma. Sua ansiedade era quase tão palpável quanto a minha.  Decidi tomar a iniciativa e romper o silêncio.
- É uma pena termos que nos encontrar aqui, pois acho que ambos estamos precisando de uma bebida bem forte.
- Tornou-se sarcástico ao longo dos séculos? – perguntou sem sorrir.
- E você virou um pregador aborrecido?
Era visível a irritação de Damian.
- É melhor irmos direto ao assunto. Dependendo do rumo dessa conversa, poderemos relembrar os velhos tempos ou ... – aspirou o ar frio e exalou a amarga ameaça  – ... Posso te matar.
- Aborrecido e violento... Bem, pelo menos isso não mudou muito... – ironizei, quebrando a tensão imposta por ele. – Não vai precisar me matar, Damian.  Sei que o faria sem pestanejar. Se tivesse motivos. – disse, virando-me de frente para ele e encarando-o sem qualquer sinal de sarcasmo. – Eu jamais faria mal a seus filhos, principalmente à Leonora.
Damian levou alguns instantes para falar.  Certamente tentava digerir a ideia de estar conversando com um vampiro, que tinha sido seu amigo, e ponderando sobre a possibilidade confiar nele ou não.
- Ariel tentou me tranquilizar quanto a isso...
- Ora, isso é uma surpresa... – paralisei a fala ao notar uma lágrima deslizar solitária na face do pastor.
Seguiu-se um suspiro entristecido.
- Pelos Céus, Elyk! O que Ele fez a você? Por quê?
- É a pergunta que me fiz por algumas centenas de anos, mas que agora já não tem mais importância.
Damian sufocou a dor em seu peito e olhou para cima, na direção da abóboda feita de arcos perfeitos e continuou.
- Eu não pude suportar ou aceitar a sua punição e pedi para ser exilado e servir na Terra. Ele acabou cedendo ao meu pedido, certamente por entender que eu não poderia mais corresponder às Suas expectativas como guerreiro celestial.  Assim, tornei-me um anjo caído, pouco tempo depois da sua expulsão.
- Por que não me procurou? – perguntei comovido.
- Tinha medo do que encontraria. Medo de ter que destruí-lo. Por isso abandonei a Escócia e passei a percorrer o mundo, procurando entender os homens, seus conceitos e conhecer o livre-arbítrio humano. Caí em pecado e cometi crimes incontáveis durante um longo tempo. Poderia ter sucumbido nessa busca não fosse minha estrutura angélica. Participei das Cruzadas, das obras jesuíticas no Novo Mundo e trabalhei na resistência contra os nazistas na Grande Guerra. Amei muito, mas  sofri em igual intensidade,  a cada amada que via envelhecer e morrer em meus braços, ao ver meus filhos e netos perecerem da mesma forma... – Nesse momento sua voz embargou, mas logo voltou a narrar sua jornada. – Com a alma apaziguada, retornei a Escócia. Acompanhei sua trajetória como banqueiro, as notícias de suas falsas  mortes e seus ressurgimentos  como jovem herdeiro.  Conheci a mãe de meus filhos e me apaixonei mais uma vez. Alicia era descendente do clã MacTrevor para onde levamos os sobreviventes da chacina naquele dia infeliz. Quando Leonora nasceu foi uma grande alegria, mas à medida que ela crescia, meus temores me atormentavam. A cada dia ela mais se parecia com a sua Cathella, fosse por  uma armação genética ou  desígnio divino.  Passei a temer que ela o encontrasse. O destino encarregou Dominic de fazer isso tornar-se realidade.
- Às vezes tenho a sensação de fazer parte de um grande jogo... – pensei alto, mas logo voltei à lógica. – Ariel lhe contou a situação em que nos encontramos?
- Sim. O que podemos fazer?
- Kolchak me deu um prazo que expira em exatos vinte e cinco dias. Entretanto, conhecendo-o como conheço, tenho certeza que ele tentará dar mostras do seu poder antes desse prazo para forçar minha definição. Temos que ficar atentos. É um alívio saber que você estará por perto. Temo que Ariel não tenha poder suficiente para proteger Dominic e muito menos Nathanael, aquele anjo que mais parece saído de  uma propaganda de Natal, para proteger Leonora.
- Então,  temos uma aliança? – indagou Damian estendendo-me a mão.
- É um prazer ter você de volta ao meu  lado, Damian. – respondi agarrando firmemente a mão estendida.
- Igualmente, Elyk. – comemorou devolvendo o aperto com força, como nos velhos tempos.



- Por que não vai esfriar a cabeça em um dos jardins de repouso dos Guardiões? – perguntou Dominic, angustiado com a minha agitação. 
Se arrependimento matasse, eu estaria morta e, pior, sem saber como tinha sido a conversa entre aqueles dois. Só esperava que eles não decidissem resolver diferenças ao velho estilo dos guerreiros. De repente, a sugestão de Dominic me pareceu atraente... Porém, o jardim em que pensei não era exatamente aquele para onde ele estava me mandando.
- Tem certeza que ficarão bem? – perguntei enquanto dava uma espiada em Leonora, que dormia feito um querubim, em sua cama, depois do forte sedativo que lhe foi dado por Dominic. Desde o ataque que sofrera, não tinha conseguido pregar o olho.
- Vá esfriar a cabeça e volte depois. O Nathanael está aqui conosco... Está? – interrogou em voz alta com a intenção de certificar-se de sua afirmação.
- Estou! – exclamou Nathanael irritado, da cabeceira de Leonora.
- Bem... Já que é assim, com licença. Fui!
Materializei-me entre as  urzes perfumadas do jardim de inverno em Malachy. Desde a primeira vez em que estivera ali, senti uma atração irresistível por aquele lugar. Talvez o motivo fosse o amor que estivera envolvido na construção daquele santuário. Eu podia senti-lo em cada pedra, em cada grão de terra e em cada raiz plantada. Quase sentia inveja da mulher que inspirara Kyle a construir algo tão belo e delicado.
- A invasora de propriedade privada voltou a atacar ...
Tive um sobressalto ao ouvir a voz grave e cálida de Kyle. Voltei-me e o vi de pé, com os  braços cruzados sobre o peito, relaxadamente apoiado no umbral da porta, com aquele sorriso de escárnio costumeiro.  Irritada por ter sido pega de surpresa, mais uma vez, engoli em seco e fiz o meu pedido de desculpas esfarrapadas.
- Sinto muito ter invadido o seu santuário, mas ele me impressionou muito na última vez que estive aqui. Eu estava ansiosa para saber o resultado do seu encontro com Damian, por isso vim para cá para ficar a sua espera. Já estou de saída. Podemos conversar outra hora, em outro local.
No instante em que procurava encontrar organização mental para a desmaterialização, Kyle me alcançou num simples passo e me segurou pelo braço. A organização foi para o espaço.
- Não quero que vá embora! – exclamou assustando-me. – Fique... Por favor. Você combina com esse jardim ... Gosto de vê-la aqui.
Senti meu coração bombear tão rápido que pensei que ele poderia ouvir as batidas alucinadas que desencadeara.
- Não devia ter vindo aqui – disse, desviando do seu olhar que insistia em focar-me.
- Me alegra que alguma coisa nesse castelo a emocione... – disse em um tom de voz mais baixo.
Sua mão abrandou a força sobre meu braço e seus dedos deslizaram em minha pele, provocando um arrepio, que foi impossível de não ser notado por ele. Tão logo isso ocorreu, Kyle retirou a mão abruptamente  e baixou os olhos.
- Sinto que lhe cause tamanha repulsa...
- O quê? Não... Não sinto repulsa por você... – Eu precisava desesperadamente travar  minha língua nesse momento, mas... – Pelo contrário.
Os olhos verdes pousaram sobre mim novamente, com curiosidade.
- Pelo contrário?
- Sim... Quer dizer... Eu não lhe quero mal... Você já provou que eu estava errada pensando mal de você, isto é... – Eu não conseguia encontrar uma explicação razoável para o que eu acabara de dizer. E ele se aproximou um pouco mais, a ponto de eu sentir o seu cheiro... Aquele cheiro que me inebriava.
- Por que se arrepiou quando a toquei?
- Talvez esteja um pouco frio aqui...
- Os anjos não tem problemas com a temperatura externa. Esquece que fui um anjo?
Agora ele estava tão próximo que era possível sentir sua respiração em minha testa. Em meus olhos... Na ponta de meu nariz... Sobre meus lábios... Oh, Santos Terrestres... O que ele estava fazendo? Foi o último pensamento que consegui eliminar. Sua boca tomou a minha com tal  ternura que  paralisou qualquer reação de recuo. Ele saboreava minha boca como se eu fosse o mais doce dos néctares. Senti sua respiração acelerar e logo os braços fortes me envolveram e forçaram nossa união. Independentes de minha vontade, minhas mãos subiram lentas e tremulas pelo seu corpo, até alcançarem suas espáduas, quando o imitei puxando-o ainda mais contra meu peito, como se isso fosse possível. O beijo tornou-se mais intenso. Sua língua torturava a minha, acarinhando, sugando, misturando-se em mim. Perdi a noção de tempo e espaço, suspirei e tive uma sensação de dèjá vu, o que era totalmente sem sentido, pois eu nunca fora beijada daquela maneira por anjo ou homem algum. Então suas mãos ganharam vida sobre meu corpo, pressionando, palpando, moldando... Oh... Aquele era o verdadeiro paraíso...  Sua boca abandonou finalmente a minha deixando um vazio momentâneo, que logo foi preenchido pelos beijos suaves em meu rosto, descendo por meu colo... Seus dedos trabalhavam disseminando prazer, descendo a alça de minha veste... Ofeguei quando a língua ágil brincou em meus seios. Ouvi o seu gemido e sua voz rouca me chamando ao longe... Ariel... Estranho nome...
- Elyk... – gemi, respondendo.
Com a sensação de estar caindo no vácuo e um frio de morte avançando sobre minha alma, Kyle se afastou.
-  A sua voz... Por que me chamou de Elyk?
A pergunta me arrancou definitivamente da onda de volúpia em que me encontrava.
Assustada com minhas emoções e incerta sobre o rumo a tomar, fugi do jardim que ele erguera para Cathella e de seus braços, envergonhada por imaginar que ele, um dia, talvez  pudesse me amar como a ela.

(continua...)

Mais uma vez peço desculpas pelo atraso na postagem, mas há cerca de dez dias estou enfrentando problemas de saúde na família e isso tem me tomado bastante tempo, além de roubar um bocado da inspiração que preciso para escrever.
Um beijo grande para as nossas queridas comentaristas (Nadja, Vanessa e Dioceli) da  semana, incluindo a Cacá, que comentou em uma das minhas primeiras postagens, Um Amor na Montanhas, e as boas-vindas aos novos seguidores, que agora enfeitam a barra lateral do blog com seus rostos e me deixam muito feliz por saber que a sementinha que plantei há tres anos continua florescendo.
Um abraço muito afetuoso e beijos para todos!
Até a próxima postagem!






4 comentários:

  1. Ai amiga, morri!
    Que capitulo maravilhoso, fiquei emocionada com a fidelidade da amizade de Damian por Elyk, pela opção dele em deixar de ser anjo pra viver na Terra por considerar injusta a punição dada ao amigo, quantas revelações!!!
    Esse encontro entre kyle e Ariel foi mais que perfeito, foi emocionante, foi apaixonante, tô suspirando até agora e com lágrimas nos olhos pelas lembranças que estão vindo à tona.
    Estou começando a deixar de implicar com Samuel, talvez ele não seja esse invejoso que eu supus e deixou de ir para as esferas superiores por um sentimento de carinho e cuidado.
    Não vejo a hora de tudo ser revelado, Kyle não merecia ser esse homem tão torturado, solitário e infeliz, tudo por causa de uma armadilha e uma injustiça. Afinal foram séculos sem o amor da vida dele! Tô ansiosa pelo momento em que ele finalmente vai voltar a ser feliz, felicidade mais do que merecida!
    Espero que tudo já esteja se normalizando na tua família querida!!
    Beijossss querida, te adoro Rô!!!!

    ResponderExcluir
  2. Continuo esperando pelos próximos capítulos ,já dá para antever fortes emoções.beijos e melhoras para a saúde de seu familiar.bjos Dioceli

    ResponderExcluir
  3. Oi, Rô! Espero que as coisas na tua família estejam melhores!
    Amei demais esse capítulo, demais mesmo!!! Quanta sensibilidade em descrever todos os sentimentos que o casal está enfrentando!
    Cheguei a uma conclusão: tô necessitando de ir ao jardim de repouso e encontrar um Elyk por lá!!! hihihi
    Tô achando que a Ariel tem muito mais a ver com a Cathella do que ela pode imaginar! Tô aqui com uma ideia bem formada, mas não vou dizer para não corromper o que outra pessoa possa estar imaginando.
    Este conto está super emocionante de se ler! Parabéns, amigas, por tão belos capítulos que nos trazem sensações maravilhosas, levando-nos a esquecer das vicissitudes do cotidiano.
    Rô, se precisar de algo que eu possa fazer, procure-me. Estarei em orações por tua família. Beijinhos

    ResponderExcluir
  4. Ai meu Deus assim eu tenho um colapso na melhor parte vem o deslize já estava flutuando e volto por os pés no chão que deselegante... kkk Bom pelo menos os dois já estão mais que envolvidos e assumidos só falta a cartada final que vamos esperar anciosamente no próximo post.

    Beijões no coração! ''=_=''

    ResponderExcluir

Cantinho do Leitor
Este cantinho está reservado para que coloquem suas críticas a respeito de meus romances e do blog. A sua opinião é muito importante para mim. Se tiverem alguma dificuldade em postar aqui, deixem mensagem na caixa de recados.
Beijos!