quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A Cruz de Hainaut - Capítulo XIII (2ª parte)

Calais  -  4 de Setembro de 1346
 
 
Após a recusa de rendição do governador Jean de Vienne, em nome do Rei Filipe e de todos os cidadãos de Calais, Eduardo III iniciou a movimentação de suas tropas, com cerca de trinta mil homens, para a ocupação das terras em torno da fortaleza. Tendas brancas foram colocadas ao longo dos limites das muralhas, como uma maneira de demonstrar o poderio do exército inglês aos franceses. Não era sua intenção partir para o ataque, usando seus homens ou seus canhões. Desejava possuir a cidade e manter seus muros e fossos, pois precisaria deles para combater Filipe em seu próprio território. Calais era perfeita para seus planos, pois, além de estar nas fronteiras do Condado de Flandres, seu importante aliado na luta para o reconhecimento de seus direitos ao trono francês, encontrava-se no ponto mais próximo da Inglaterra, onde o canal marítmo entre os dois reinados era mais estreito, o que facilitava o acesso ao seu exército. No dia seguinte, colocaria em andamento suas próximas metas, dando início à construção da  cidadela, onde se estabeleceriam durante o cerco, e de uma torre de observação. O corte de árvores nos bosques próximos já fora iniciado. Precisariam de muita madeira para construção. Também dera ordens para que os animais da região fossem confiscados, com o objetivo de alimentá-los. Sentia-se animado, apesar de reconhecer que sua previsão   de espera, em meses, para tomar o porto francês, teria que ser ampliada. No entanto, sua animação não vinha de nenhuma perspectiva de batalha ou de vitória sobre a França, mas sim da noite maravilhosa que tivera com Filipa, e que o fizera recordar de seus primeiros meses de casado. Amanhecera confiante na ideia de que, aquele período passado em litoral francês, o levaria não só a vitória sobre Calais, mas também à reconquista do coração de sua esposa.
Enquanto Eduardo regozijava-se consigo mesmo, no centro da cidade, a movimentação era grande. Reunidos na prefeitura, Jean de Vienne e o comandante Fosseaux, que fora enviado dias antes para defender Calais, arquitetavam planos de defesa e resistência ao cerco.
Na zona nobre da cidade, um de seus cidadãos mais abastados acabara de realizar o grande sonho de sua vida. Entretanto, com o inicio do cerco pelos ingleses, a alegria fora substituída pelo medo. O futuro do primeiro filho, recém-nascido, de Jean d’Aire era nebuloso.  Este pai, um rico e conhecido ourives e dono de uma fábrica de botões, fizera sua fortuna criando joias de rara beleza e artefatos de coral. Requisitado pelos nobres da região e da corte, até a idade de 56 anos não conseguira ter um herdeiro que levasse adiante a sua arte e seus negócios. Sempre sonhara em ter um filho que se interessasse por seu trabalho e a quem ensinaria, assim como seu próprio pai o fez, todos os segredos da ourivesaria. Ele levaria o nome e as tradições  de sua família para as gerações futuras. No entanto, seu sonho foi definhando com o passar do tempo. Sua primeira esposa teve grande dificuldade para gerar um filho. Durante muitos anos, ele esperou pacientemente que seu desejo se tornasse realidade. Quando suas esperanças se perdiam, ela engravidou. A gestação foi complicada desde o início e a pobre mulher sofreu com náuseas e vômitos incoercíveis, dores no corpo, tonturas e cefaléias. Quando entrava no sétimo mês,  desencadearam-se fortes dores no ventre. Infelizmente, sua esposa não resistiu e acabou morrendo. O bebê, vindo prematuramente ao mundo, sobreviveu apenas algumas horas e também acabou por falecer. A tristeza de Jean d’Aire foi tanta, que quase sucumbiu diante das duas perdas terríveis. Muitos anos se passaram até que ele acabou por abrir seu coração mais uma vez e a esperança de ter um filho voltou a rondá-lo. Sua segunda esposa era jovem, bonita e saudável, filha de um de seus fornecedores. Ele a conheceu quando ela acompanhou o pai a Calais e acabou atraído pela jovem mulher. O casamento ocorreu  poucos meses depois. A gravidez foi anunciada mais de um ano após a união, período em que D’Aire, desesperado, começou a pensar na possibilidade de o problema ser seu ou fruto de alguma maldição desconhecida. Agora, finalmente, seu primeiro filho homem viera ao mundo. Um mundo ameaçado pela invasão e destruição. Todos sabiam que, no caso do rei inglês tomar posse da cidade, ninguém sobreviveria. Seriam mortos e seus bens distribuídos entre os soldados. Calais seria ocupada integralmente por famílias inglesas e não sobraria nem rastro dos antigos cidadãos.
Sentado diante do leito de Annie, sua mulher, que ainda se recuperava do esforço do parto e da perda de sangue, e do berço de Gustave, que dormia tranquilamente, alheio aos planos de conquista e morte do monarca ingles, D’Aire olhava para eles com ternura e preocupação.
- Senhor... – um de seus servos o interrompeu.
D’Aire apenas o olhou com aborrecimento.
- Eustache de Saint-Pierre está aqui. Pode recebê-lo? – continuou ele em voz baixa.
Ao ouvir o nome de seu amigo de longos anos, seu rosto iluminou-se. Levantou-se imediatamente da cadeira e foi na direção da porta onde estava Louis, seu criado.
- Mas é claro! Que ideia é essa de não poder receber meu amigo? Eustache é sempre bem vindo a nossa casa. – disse num sussurro, para não acordar sua esposa e o bebê. – Cuide para não acordá-los. Annie acabou de dormir e ela precisa repousar.
- Sim, senhor.
Ao entrar na sala, viu a figura alta, de porte elegante, olhos bondosos e um rosto alongado emoldurado pela espessa barba branca, cultivada após a morte de Flora.
- Eustache! Que alegria, meu amigo.
- Jean! Sinto não ter vindo antes, mas pode imaginar o caos em que nos encontramos com a atual situação. Muitos problemas para resolver.
- Eu sei o que quer dizer. Ainda não consegui ir à fábrica... Não consigo sair de perto... deles.
- Eu o entendo. Sei o quanto esperou por esse momento e agora...
- Sabe de alguma novidade? O Rei Filipe já está a caminho?
- As notícias não são nada boas. Filipe está com seu exército em frangalhos, após a derrota em Crécy. As probabilidades de que possa mandar reforços para cá e agora são mínimas.
D’Aire deixou-se cair pesado sobre uma cadeira.
- Andei pensando em mandar Annie e o menino para a casa de seus pais em Brugges, mas tenho medo de arriscar.
- Nem pense nisso. Se eles forem pegos tentando escapar, sabe-se lá o que farão com eles. É melhor ter paciência e rezar para que nosso rei possa mandar ajuda o mais breve possível. Até lá, conseguiremos nos manter seguros atrás de nossas muralhas.
- Tem razão, Eustache. Preciso acreditar que Deus não me daria um filho tão desejado por tanto tempo, apenas para tomá-lo de mim logo em seguida.
- Acredite e tenha fé, Jean.
- E seus filhos, como estão? – perguntou buscando animar-se.
- Achilles e Eric estão acompanhando a chegada dos últimos carregamentos no porto. Espera-se um bloqueio inglês ali também. Quanto à Corine, desde que o noivo chegou da Itália, não pára de falar nos presentes que ele lhe trouxe ou de contar os minutos para as visitas diárias que Pierre faz. Seu sorriso e suas palavras de ânimo nos faz esquecer um pouco da realidade.
- É o amor, Eustache. Isso é bom...
- Ela tenta esconder seus medos de nós. É uma boa menina... Ontem à noite, eu a ouvi chorando em seu quarto. Tenta nos manter otimistas, mas no fundo teme por seu futuro como qualquer um de nós.
- Vou lhe mostrar algo que o fará esquecer de nossas tristezas, amigo.
Eustache sorriu a imaginar o que D’Aire queria lhe mostrar.
- Foi para isso que eu vim. Não vejo a hora de conhecer este famoso herdeiro!
- Marie! – chamou pela ama de leite do menino.
À porta, surgiu uma jovem e rechonchuda senhora, de meigas feições e grandes olhos azuis.
- Sim, senhor?
- Por favor, traga Gustave. Quero apresentá-lo ao meu amigo, o senhor Eustache.
- Pois não, senhor.
- Marie... – chamou-a antes que ela se fosse.
- Sim?
- Cuide para não acordar Annie.
- Não se preocupe. Vou deixá-la descansar.
Dizendo isso, deixou os dois homens a sós, conversando sobre as alegrias de ser pai, esquecidos momentaneamente do assunto que mais os angustiava e atemorizava. O cerco.
 
(continua...)
 
 
Espero que todos tenham tido um excelente Natal, cercados pelas pessoas que amam, com o coração leve, preparados para o novo ano que vem aí. Afinal, a suposta previsão dos Maias não era real. Será que o Elyk teve algo a ver com isso?...rsrs
Quero aproveitar, também, para fazer uma correção de algo que me dei conta ao escrever o último texto. No capítulo X eu havia escrito que o nome da caçula de Eustache era Serafine. Corrigindo: o nome correto é Corine. Desculpem a falha. A correção já foi feita no capítulo citado.
Caso eu não consiga fazer uma última postagem antes do dia 31, gostaria de dizer que desejo um ano de 2013 fantástico, em todos os sentidos, a todos vocês, meus queridos. Considerem ter recebido uma segunda chance ao não ver o fim do mundo em que vivemos e que possamos recomeçar o ano com um olhar diferente sobre as pessoas e tudo mais que nos cerca. Compreensão e amor pelo próximo podem nos levar a um mundo melhor, já dizia aquele rapaz que fez aniversário no dia 25 de Dezembro. Acreditem nele, seja qual for sua crença.
Na última semana li  uma mensagem de Ano Novo do divino Carlos Drummond de Andrade. Deixo aqui as palavras dele, que são eternas, como presente de réveillon.
 

Feliz Olhar Novo
 
"O grande barato da vida é olhar para trás e sentir orgulho da sua história.
O grande lance é viver cada momento como se a receita de felicidade fosse o AQUI e o AGORA.

Claro que a vida prega peças. É lógico que, por vezes, o pneu fura, chove demais..., mas, pensa só: tem graça viver sem rir de gargalhar pelo menos uma vez ao dia? Tem sentido ficar chateado durante o dia todo por causa de uma discussão na ida pro trabalho?

Quero viver bem! Este ano que passou foi um ano cheio. Foi cheio de coisas boas e realizações, mas também cheio de problemas e desilusões. Normal. As vezes a gente espera demais das pessoas. Normal. A grana que não veio, o amigo que decepcionou, o amor que acabou. Normal.
O ano que vai entrar vai ser diferente. Muda o ano, mas o homem é cheio de imperfeições, a natureza tem sua personalidade que nem sempre é a que a gente deseja, mas e aí? Fazer o quê? Acabar com o seu dia? Com seu bom humor? Com sua esperança?

O que desejo para todos é sabedoria! E que todos saibamos transformar tudo em boa experiência! Que todos consigamos perdoar o desconhecido, o mal educado. Ele passou na sua vida. Não pode ser responsável por um dia ruim... Entender o amigo que não merece nossa melhor parte. Se ele decepcionou, passe-o para a categoria 3. Ou mude-o de classe, transforme-o em colega. Além do mais, a gente, provavelmente, também já decepcionou alguém.

O nosso desejo não se realizou? Beleza, não estava na hora, não deveria ser a melhor coisa pra esse momento (me lembro sempre de um lance que eu adoro): CUIDADO COM SEUS DESEJOS, ELES PODEM SE TORNAR REALIDADE.

Chorar de dor, de solidão, de tristeza, faz parte do ser humano. Não adianta lutar contra isso. Mas se a gente se entende e permite olhar o outro e o mundo com generosidade, as coisas ficam bem diferentes.

Desejo para todo mundo esse olhar especial.

O ano que vai entrar pode ser um ano especial, muito legal, se entendermos nossas fragilidades e egoísmos e dermos a volta nisso. Somos fracos, mas podemos melhorar. Somos egoístas, mas podemos entender o outro. O ano que vai entrar pode ser o bicho, o máximo, maravilhoso, lindo, espetacular... ou... Pode ser puro orgulho! Depende de mim, de você! Pode ser. E que seja!!!

Feliz olhar novo!!! Que o ano que se inicia seja do tamanho que você fizer.

Que a virada do ano não seja somente uma data, mas um momento para repensarmos tudo o que fizemos e que desejamos, afinal sonhos e desejos podem se tornar realidade somente se fizermos jus e acreditarmos neles!"
 
Um beijo do tamanho do mundo e um mega abraço a vocês, meus amigos e leitores muito amados!
 
 
 

domingo, 16 de dezembro de 2012

A Cruz de Hainaut - Capítulo XIII (1ª parte)



Ainda irritada e confusa com seus sentimentos por Galen, Filipa chegou finalmente ao seu hotel. Levou algum tempo para achar sua chave eletrônica em meio aos seus pertences na bolsa. Checou se o pote de creme ainda estava ali, enquanto subia ao 4º andar no elevador. Depois de fechar a porta, atirou-se sobre a cama e ficou a analisar o teto. Gostaria de esvaziar a cabeça de todas as informações que recebera de Galen e deixar de sentir aquela atração desesperada por ele. Ao tentar mudar o rumo de seus pensamentos, lembrou de seus pais e olhou o relógio de pulso, já acertado com o horário local. Havia esquecido de ligar pela manhã e só agora se dava conta que se enganara com a diferença do fuso. Eram 5 horas da tarde, portanto no Brasil seria 1 hora da tarde. Na noite anterior, poderia ter ligado, pois, na verdade, lá seria final da tarde. Correu para o telefone e pediu a ligação. Momentos depois ouviu a voz de sua mãe.
- Oi, mãe!
- Filha! Que bom te ouvir, querida! Está tudo bem? Como foi a viagem?
- Tudo ótimo, mãe! Amsterdã é linda e as pessoas muito gentis.
- E o tal professor... Que tal? Foi te receber no aeroporto?
- Sim, mãe... – Não quis entrar em detalhes. – E o pai, está bem?
- Está com saudades. Não pára de falar em você e já estava preocupado com a falta de notícias.
- Ele está em casa?
- Está aqui do lado, ansioso. Por acaso, ele veio almoçar em casa hoje... Calma, Arthur! Tchau, filhinha!
- Tchau, mãe! Beijo! – despediu-se rindo, imaginando os pais brigando pelo telefone. Era  bom ouvir aquelas vozes, falando em português e fazendo-a sentir um pouco de normalidade.
- Pipa, minha filha! Por que demorou tanto a dar notícias? Aconteceu alguma coisa?
- Pai, eu cheguei ontem, lembra? Não faz tanto tempo assim. Poderia ter ligado ontem, mas fiz confusão com o fuso horário e achei que vocês estariam dormindo quando eu ligasse.
- Está tudo bem mesmo?
- Claro, pai.
- Ainda pretende continuar aí e viajar um pouco?
- Ainda não fiz um plano, mas provavelmente sim. Aviso assim que resolver, está bem?
- Não deixe de ligar.
- Tudo bem, pai. Estou com saudades, também, e é muito bom ouvir vocês.
- Sua mãe está gritando aqui do lado que as suas amigas já ligaram muitas vezes querendo saber de você.
- Se ligarem de novo, digam que mandei um beijo e que estou bem. Vou ter que desligar agora, pai. Te amo! Beijo!
- Também te amo, Pipa. Se cuida, filha!
- Pode deixar! Beijo!
Desligou o telefone com uma ponta de tristeza e saudade de sua casa e da tranquilidade de sua vida em Porto Alegre. Estava em Amsterdã há apenas dois dias e parecia que havia se passado uma semana. Tanta coisa acontecera...
Ouviu, então, um bip. Ele vinha de sua bolsa. O celular! Seria Andries ou O’Neill? Para o primeiro lembrava de ter dado o seu número e O’Neill, sendo da Interpol, devia saber qual era. Ele parecia saber tudo que dizia respeito a ela. Foi obrigada a esvaziar o conteúdo da bolsa sobre a cama para achar seu telefone e, finalmente, concluir que a ligação não era de nenhum dos dois. Era de Lair, seu colega genealogista. Ele já ligara diversas vezes pelo que pode verificar vendo o identificador de chamadas não atendidas. Talvez ele tivesse concluído a sua árvore genealógica e pudesse esclarecer esse mistério e, quem sabe, a origem dessa esmeralda.
Abriu seu laptop, agradecendo à gerência do hotel que liberava a rede wi-fi para os hóspedes. Num instante acessou seu email. Lá estava uma mensagem recente de Lair.
“Cara Filipa,
Não pude esperar por sua volta para lhe dar as últimas boas novas sobre a pesquisa que me pediu sobre a família de seu pai e lhe agradecer por ter o privilégio de realizá-la. Liguei várias vezes para seu celular, mas não consegui encontrá-la. Para resumir, seus ascendentes mais recentes vieram realmente da Holanda, como você havia suposto. Eles vieram de Amsterdã  juntamente com a expedição de Maurício de Nassau. O casal imigrante, Rutger e  Antje Zegers teve uma filha, já no Brasil, cujo nome veio a ser Filipa. Retrocedendo um pouco mais na historia genealógica, descobri que este ramo holandês na realidade descende de uma famíla francesa, que foi para a Holanda em torno do ano de 1347-48. A primeira Filipa, nascida em solo holandês, tinha como pais, Corine e Peter. Em virtude dos séculos passados, estou tendo alguma dificuldade em determinar a ascendência anterior deles na França. Estou contando com a ajuda de alguns amigos genealogistas europeus. Graças a eles, tenho algumas suspeitas sobre a origem dessas pessoas e o motivo que os levaram a Holanda, mas pretendo continuar a pesquisa e, quando tiver mais detalhes, contatar com você novamente.
Um abraço cordial.
Lair Saafeldt”
Então Andries estava certo. Realmente o arquiteto Rutger era seu ascendente, pensou Filipa.
Rapidamente digitou uma resposta ao e-mail, agradecendo o empenho de Lair e dizendo que aguardaria ansiosamente por notícias.
Logo em seguida voltou a sua cama e passou a recolher o conteúdo de sua bolsa, ainda esparramado ali. Ao pegar o pote de creme, notou que parecia mais leve. Aflita, abriu-o e constatou com desespero que seu anel havia sumido. Galen! Ele a roubara! Aquele bandido, desgraçado, a enganara direitinho com aquela conversa de Interpol, quando não passava de um ladrão miserável! Certamente se aproveitara quando ela fora ao toalete e esqueceu a bolsa na cadeira.
O som do telefone a tocar assustou-a. Refeita, atendeu a voz formal do outro lado da linha.
- Boa tarde, senhorita. Um agente da policia está aqui na recepção e gostaria de lhe falar.
- Agente da polícia? – surpreendeu-se. Teria Andries dado queixa de seu desaparecimento? Claro que sim. Os argumentos de Galen eram todos mentirosos e ele estava apenas dando um tempo com ela para afanar a sua joia. Quando ele percebeu que o anel estava com ela, em sua bolsa, aproveitou um momento de distração e... Ele realmente era um ladrão, pois ela nem percebera que fora roubada. Ainda veio com aquela história de dispositivo em seu cabelo! As lágrimas começaram a brotar de seus olhos. Sentiu-se ludibriada e... triste. A dor maior era ter sido enganada por alguém que despertara seu desejo e outros sentimentos que não sabia explicar. Ele era um grande ator e ela uma grande babaca. Acreditar numa carinha bonita sobre um corpo desejável. Bem feito por ser tão idiota! 
- Senhorita? Está me ouvindo?
- S-sim, claro. Eu já vou descer. Peça que me espere um instante. – solicitou com a voz trêmula.
- Pois não, senhorita. – E desligou o educado recepcionista do hotel.
Calçou seu sapatos, limpou as lágrimas, suspirou profundamente e saiu em direção a recepção. Durante todo o tempo tentava imaginar o que diria ao policial. Contaria a versão sugerida por Galen? Tinha vergonha de dizer a um policial que tinha caído no golpe mais velho do mundo. Chegou ao saguão, ainda nõ resolvida sobre o que diria ao policial, quando viu uma mulher jovem e muito bonita, vestida com um discreto tailleur marinho, usando os cabelos castanho-claros presos em um coque na nuca, andando em sua direção.
- Senhorita Vasconcelos? – perguntou com um estranho sotaque.
- Sim, sou eu.
- Meu nome é Emma Donahue e sou investigadora da policia local.
- Sim?
- Fomos informados de seu desaparecimento pelo Professor Andries Van Persie. Há pouco recebemos a informação de sua volta ao hotel e gostaríamos de nos certificar sobre o que houve.
- Podemos nos sentar ali? – perguntou Filipa  apontando para o conjuntos de estofados do lobby. Sentia-se um pouco tonta.
A investigadora a acompanhou e sentou-se em uma das poltronas a frente dela.
- E então, senhorita, pode me dizer o que aconteceu?
A voz da mulher era fria, mas, ao mesmo tempo, tranquilizadora.
- Eu ia ligar para o And...Professor Andries para dizer que estava bem, mas ainda estou um pouco abalada com o que aconteceu.
A mulher permaneceu calada, apenas olhando-a de forma intimidadora.
- Bem... Eu fui sequestrada por um tipo que eu nunca tinha visto antes. – Começou a inventar a versão de Galen.  – Ele me colocou dentro de um porta-malas de um carro e me levou para um lugar longe do centro. Quando ele me tirou de lá, consegui derrubá-lo e fugi. Acho que ele bateu com a cabeça na queda e...
- A senhorita tem uma grande imaginação pelo que posso observar.
- Como assim?
- Por que está defendendo quem realmente a levou.
Filipa baixou a cabeça, envergonhada. Nem ela mesma sabia porque inventara aquela história.
- Nós prendemos o sujeito que a raptou... Um tal de Arent Dupret.
- Oh, meu Deus...
- Ele nos disse que um outro homem apareceu e a levou com ele. O nome desse outro homem é Galen O’Neill. A senhorita o conhece?
- Sim... Não... Quer dizer... Conheço pouco... Ele me disse que trabalhava para a Interpol...
- Foi o que ele lhe disse?
- Sim. – disse chateada com o olhar de pena que a outra lhe deu.
- Galen O’Neill é um ladrão de joias conhecido e procurado em diversos países.
- Ah, não... – Era a confirmação que precisava para cair na realidade. Sentiu os olhos se encherem de lágrimas mais uma vez, mas conseguiu represá-las pois não queria demonstrar o que sentia àquela mulher.
- Deu alguma coisa de valor para ele ou sentiu falta de algo?
- Sim – falou, relutante em mostrar-se como uma otária.
- Sinto muito que ele a tenha enganado. – A policial pareceu sentir prazer em sua afirmação. Filipa sentia-se como uma retardada mental. – O que ele levou?
- Um anel de família.
- Um anel? – pareceu surpresa ao ouvir a declaração de Filipa. – Pode descrevê-lo?
- É uma esmeralda retangular, grande, emoldurada por pequenos brilhantes... – Parou sua descrição subitamente e perguntou com cara de choro contido. – Ele é mesmo um ladrão?
- Infelizmente, sim... Ele usa de sua boa aparência para ludibriar mulheres...
- Não precisa entrar em detalhes, por favor! – interrompeu-a Filipa quase gritando.
Emma tirou um IPad de sua bolsa e digitou algumas palavras e logo estava no site da Interpol com a lista dos mais procurados.
- Olhe essa foto e me diga se é esse o homem que a roubou.
Filipa teve que conter o gemido de dor ao ver a foto de Galen com seu nome, alguns dados biográficos e um pequeno resumo de seus crimes logo abaixo.
- Convencida?
- Sim... – disse derrotada e infeliz.
- Posso gravar o seu depoimento confirmando o roubo e a identidade do homem que a enganou?
- Aqui? ... Assim?
- Certamente. Não queremos criar maiores constrangimentos para a senhorita. Estamos atrás de O’Neill há muito tempo e com a sua ajuda poderemos pegá-lo mais facilmente. Ele não deve ter tido tempo de atingir a fronteira ainda. Com seu depoimento poderemos dar a ordem de prisão imediatamente, assim que o localizarmos.
- Preciso tomar uma água, por favor. – A tontura e uma terrível dor de cabeça ameaçavam a consciência de Filipa.
- Por favor. – disse fazendo um gesto com a mão para deixa-la à vontade. –  Vou entrar em contato com o meu comando e poderemos gravar a sua denúncia.
Filipa levantou-se e foi lentamente até o bar, a poucos metros de distância de onde estavam sentadas. Enquanto aguardava sua água mineral, apoiada no balcão, viu Emma ao telefone. Vislumbrou um sorriso de vitória, que a magoou ainda mais fundo, antes que a mulher desligasse o celular  e voltasse sua atenção para o Ipad.  Ali gravaria sua imagem e suas palavras que ajudariam a prender Galen e a transformariam na mais nova vítima de um golpista sujo e ordinário. 
 
 
(continua...) 
 
 
 
Infelizmente, o meu tempo continua escasso, por isso vou postar à medida que conseguir escrever as partes dos capítulos. Agradeço a compreensão de vocês e o apoio dos amigos.
Um beijo enorme para todos e muito obrigada por continuarem me acompanhando.
Até mais!
 
 
 


 

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Continuação do Capítulo XII

 

Calais – 3 de Setembro de 1346
 
 
Eduardo acabara de se reunir com seu filho e com seus generais, para estudarem as estratégias para a tomada de Calais. Entre eles, contava com a ajuda de Sir Walter de Manny, que se tornara um fiel amigo desde os tempos em que viera de Hainault, como escudeiro, acompanhando sua, então noiva, Filipa. Walter provara ser um grande comandante e estrategista, apesar de seu coração misericordioso. Depois de avaliarem as dificuldades que encontrariam devido aos altos muros da cidade, as fortificações e fossos que a defendiam, chegaram a um acordo. Seria exigida a rendição da cidade de forma oficial no dia seguinte. Talvez o medo fizesse com que o governante local, Jean de Vienne, os atendesse. Se o pedido fosse negado, como imaginava que seria, iniciariam imediatamente a construção de uma cidadela, onde ele, sua família e seus homens se estabeleceriam, para manter as fronteiras de Calais fechadas ao socorro francês. O primeiro corte seria na alimentação da população.  Suas expectativas não eram muito animadoras. Sabia que o povo francês, assim como o inglês, era guerreiro e o cerco estava fadado a prolongar-se por um longo período, talvez um ou dois meses. Esperava que a cidade caísse em suas mãos antes do inverno. Sozinho, saiu de sua tenda e olhou na direção de outra barraca, fortemente vigiada por quatro de seus melhores soldados. Lá estava sua maior preocupação, Filipa. Ela insistira em acompanhá-lo naquela campanha e, como sempre, o vencera com argumentos como seu amor de mãe, devido a presença de Eduardo, seu primogênito. Com dezesseis anos, Eduardo era um rapaz notável e o seu maior orgulho. Para Filipa, ele ainda era apenas um garoto que necessitava do amor e dos cuidados de seus pais e, apesar de reconhecer sua grande inteligência e habilidades nas artes da guerra, não admitia abandoná-lo. Sua esposa continuava sendo seu único amor, apesar dela, possivelmente, não acreditar mais nisso. Vinte anos se passaram desde que eles se conheceram e se apaixonaram. Um amor romântico e ingênuo, que não pôde ser envenenado por sua mãe, Isabel. Apesar de tudo, o afastamento entre eles,  nos últimos anos, tinha sido inevitável. Guerras, campanhas em terras distantes, inúmeras gravidezes, algumas complicadas, a morte de Guilherme, seu terceiro filho, em 1337, e... mulheres, que, em sua cama, serviam apenas para aplacar o seu desejo sexual, mas jamais aplacariam o amor que carregava dentro do peito por sua esposa. Sentia-se culpado por tudo isso e incapaz de reverter esse quadro. Ainda sentia o amor de Filipa por ele, em seu olhar, em gestos e nas poucas vezes que tinham intimidades, na maioria das vezes exigidas por ele. Ela sentia vergonha de seu corpo e acreditava que ele não poderia mais desejá-la como antes. Uma vez ouviu-a falar nessa tolice com uma de suas damas de companhia. Nove gestações marcaram seu corpo, deixando-o mais arredondado e mais macio, mas ela não entendia que era amada ainda mais por esses sinais do tempo, que eram a prova de sua divina capacidade de gerar a vida, e por suas outras inúmeras qualidades. Sua inteligência, sua bondade, seu amor pelos animais, o carinho que demonstrava com os filhos e até com seus serviçais. Filipa não fazia distinção entre ricos ou pobres, o que muitas vezes motivara brigas entre eles, pois temia que essa docilidade pudesse expô-la mais facilmente às intrigas e maldades na corte. Ela era o seu ponto de equilíbrio, aquela que sempre tentava fazê-lo enxergar o lado mais doce da vida, apesar de nem sempre conseguir. No entanto, sua presença nunca deixara de ser um bálsamo em meio aos pensamentos de morte, dor e sangue que o rodeavam. Estivera presente em  todas suas expedições, sendo reconhecida em todas por sua compaixão e benevolência. Apesar dela não reconhecer, ele precisava dela como o ar que respirava.

Estremeceu ao ver a aproximação de Eduardo. Pensou que ele passaria a noite na outra tenda. Seu filho acabara de sair, depois de lhe dar um beijo de boa noite. Sempre gentil...
Quando olhava para seu primogênito, lembrava do jovem e intrépido príncipe que conhecera nas terras de seu pai e que lhe jurara amor eterno. Seu rei tornara-se um homem atraente e vigoroso, por quem as mulheres suspiravam e os homens temiam e respeitavam. Os anos haviam sido generosos com ele, apesar das cicatrizes adquiridas nos campos de batalha que lhe marcavam o corpo, ao passo que ela... Não gostava mais de se olhar no espelho e sentia vergonha de seu corpo. Fingia não saber dos casos de Eduardo com outras mulheres, pois achava que ele tinha o direito de ter prazer com corpos mais belos que o seu. Ele sempre fora muito ardente e isso tinha sido maravilhoso nos primeiros anos de casada. Agora imaginava que ele a levava para cama por obrigação ou por não ter outra mulher disponível. De qualquer maneira, ela adorava esse momentos. Ele era habilidoso e sabia como lhe dar prazer. Por isso, seu coração começou a bater mais forte quando o viu aproximando-se com determinação de sua barraca. Sabia que, às vésperas de uma batalha, gostava de extravazar sua ansiedade na cama.  Eduardo surgiu imponente e com aquele estranho brilho no olhar, que quase a fazia acreditar que seu amor por ela não morrera completamente.
- Boa noite, meu senhor. – disse curvando-se de leve, em reverência.
Com um gesto autoritário, ele mandou que as duas mulheres, que acompanhavam a rainha, saíssem.
- Agora estamos a sós, Filipa... Para você, sou apenas Eduardo,... lembra? – insinuou com voz suave, aproximando-se dela lentamente.
- A que devo a honra de sua visita, meu rei?
- Fiquei com saudades...
- Não precisa mentir para mim...
- Por que acha que estou mentindo? Por que me repele? Não gostas mais de mim? – indagou pegando em sua mão e beijando-a com suavidade.
- Você continua um sedutor... – Não pode deixar de sorrir.
- Então deixe-me seduzí-la essa noite, minha rainha... – Curvou-se e beijou-a no pescoço, exposto pelo penteado que lhe prendia os cabelos.
- Ah, Eduardo... Queria voltar a ser aquela menina que fui um dia.
- Pois eu desejo a mulher em que a menina se tornou. – continuou, soltando seus longos cabelos.
- Mas essa mulher já não é atraente ao seus olhos...
- Por favor, Filipa... Pare com essa bobagem... Eu quero você... – Antes que ela pudesse opor-se a ele, cobriu-lhe a boca com um apaixonado beijo, fazendo-a esquecer de todas as barreiras e desculpas para evitá-lo.

 
(continua...)


Como eu tinha prometido, aqui está a finalização do último capítulo postado, mostrando os nossos heróis lá em 1346. Espero que tenham gostado de rever o Eduardo e a Filipa vinte anos depois. Como viram, mesmo havendo amor, as circunstâncias da vida podem afastar as pessoas e levá-las a acreditar que não são mais amadas pelo outro. A falta de diálogo, falta de amor próprio e as traições, mesmo que circunstanciais, podem destruir uma linda relação.
Espero voltar no fim de semana com o capítulo XIII.
Beijos!!

domingo, 9 de dezembro de 2012

A Cruz de Hainault - Capítulo XII

 
Volendam era o nome do vilarejo localizado à 20 minutos de Amsterdã. Filipa quase esqueceu seus problemas ao ver o velho dique, transformado em rua principal, animado por inúmeras lojas de souvenir, bares e restaurantes, e as casas de madeiras, com suas janelas coloridas, datadas do século XVII. Até alguns holandeses em trajes típicos, podiam ser vistos caminhando orgulhosos pela rua. A pequena vila era uma alegria só, com música no ar, vinda de vários locais, onde artistas amadores se apresentavam, turistas com suas câmeras fotográficas penduradas no pescoço e barraquinhas onde eram vendidos lanches à base de peixe, de onde vinham cheiros deliciosos que perfumavam o ar, inspirando o apetite.
O’Neill parou o carro em um estacionamento no porto e desceram para um curto passeio a pé, para chegarem ao restaurante.
O local ficava à beira do passeio, com cadeiras de vime e mesas redondas, com tampos de mármore, cobertas por alegres guarda-sóis vermelhos e amarelos.
- Dizem que aqui se come o melhor peixe da Holanda. – disse ele descontraidamente.
O homem, que permanecera sério durante o restante da breve viagem, agora parecia estar muito à vontade e com jeito de menino frente àquele clima de quermesse espalhado no ar.
- Não vejo a hora de provar isso... Estou morrendo de fome. – manifestou Filipa.
- Venha... Vamos sentar e pedir.
Instintivamente, ele a pegou delicadamente no braço, para guiá-la até uma das mesas ao ar livre, oferecidas pelo restaurante, provocando-lhe aquela conhecida sensação de sublimação que a tomava quando ele estava assim tão próximo. Era difícil lutar contra esse efeito provocado por O’Neill, mas sua segurança dependia de não se deixar levar por essas sensações e, pelo menos aparentemente, precisava manter a linha.
O clima de embaraço envolveu os dois, quando o garçom retirou-se com os pedidos do paling (enguia defumada servida com salada e pão), uma das especialidades locais.

- Acho que vou ao toalete.
- Fique à vontade.- disse ele.
Quando retornou, Filipa foi a primeira a quebrar o silêncio, decidida a ouvir as explicações dele.
- Então, O’Neill, o que tem para me dizer e convencer a acreditar em você, além do que já disse?
- Pode me chamar de Galen, por favor. – solicitou, ansiando por ouvi-la dizer seu primeiro nome.
- Está bem..., Galen. – Aquele nome lhe soava muito bem aos ouvidos e era gostoso de dizer, como algodão doce derretendo na boca. – Estou esperando...
- Acho que tenho  muito pouco a falar, além do que já conversamos. Em resumo, o fato é que trabalho para a Interpol. Sou uma espécie de expert em joias, principalmente aquelas que tem algum valor histórico. Também conheço a maioria dos, digamos, outros interessados, nesse ramo, como o Arent, por exemplo.
- Ladrões, você quer dizer.
- É... Por isso, a Interpol utiliza meus serviços para localizar esses...ladrões e as joias roubadas – disse a palavra com certa dificuldade e cuidado. Parecia aborrecido com o termo.
Essa afirmação fez Filipa repensar na origem da esmeralda deixada por sua tia. E se ela fosse alguma relíquia roubada há séculos atrás? Teriam como saber?
- Como é que, sabendo da existência de um sujeito como esse Arent, a polícia não o prende? – continuou esclarecendo suas dúvidas, afastando os pensamentos tolos. Ela não tinha nada a ver com que acontecera no passado, fosse o que fosse.
- Ele já foi preso diversas vezes. Não é muito cuidadoso. A última vez foi há cerca de seis meses, quando penetrou numa casa de leilões em Londres e roubou  algumas joias que pertenceram a Lady Diana, que seriam leiloadas pela família Spencer. Depois de três meses de prisão, um advogado surgiu, contratado por alguém desconhecido, e conseguiu liberá-lo condicionalmente. Desde então, Arent tem se comportado de maneira estranha e desconfiamos que existe alguém ou um grupo por trás dele. Por isso, fui chamado por Matthew para acompanhar seus movimentos. Viajei  ao Brasil atrás dele.
- Foi ele que invadiu a casa de minha tia em Ouro Preto e arrombou meu apartamento?
- Sim.
Filipa mostrou-se surpresa com a calma com que ele afirmou aquele fato.
- Se você sabia, porque não o impediu? Ele estava em liberdade condicional! – exaltou-se. – Devia ser detido já na primeira vez. Ele provavelmente provocou a morte da minha tia! Eu também poderia estar morta, se ele me encontrasse dentro do meu apartamento!
- Pode falar mais baixo e deixar que eu explique? – continuou aparentemente calmo.
- Muito bem. Qual é a sua explicação para permitir que esse bandido tivesse liberdade para fazer tudo isso e não ser impedido.
- Sinto muito pelo ocorrido com sua tia. Foi a morte dela que alertou a Interpol.  Arent estava sendo rastreado. Eles sabiam que ele estava em Ouro Preto, mas não tinham ideia do que ele estaria procurando lá. Foi quando surgiu a notícia da morte de sua tia, após um arrombamento, aparentemente comum. Só então eu fui chamado para entrar no caso.
Estranhamente, Filipa sentiu-se aliviada por Galen não ter estado envolvido com a morte da tia. Ele parecia sincero demais para que ela duvidasse quanto ao seu envolvimento naquele assassinato "parcial". Ninguém poderia garantir que, se Tia Filipa tivesse sido atendida no momento em que enfartava, teria alguma chance de sobrevida. Certamente, o invasor não prestou auxílio e continuou sua busca friamente. Não conseguia imaginar Galen fazendo algo assim...
- Soube que Arent havia seguido para o Rio Grande do Sul. A Interpol conseguiu examinar a bagagem dele, quando chegou a Porto Alegre, sem que ele soubesse. Descobriram apenas uma foto sua com seus pais e uma carta com o endereço da casa deles. Ele agiu rápido, seguindo o seu rastro, descobrindo onde você morava e entrando em sua casa. Quando consegui chegar ao Brasil, segui para Minas, para tentar descobrir o que poderia ter atraído Arent para lá. Como é uma região conhecida pela exploração de ouro e muito visada pela nobreza na época colonial, pensamos que alguma relíquia recém descoberta pudesse tê-lo atraído. Porém, quando a sua foto foi identificada na mala dele, começamos a elaborar outras possibilidades. Decidi ficar em Minas para investigar melhor sua tia e tentar descobrir o motivo da busca de Arent. Outro agente, da polícia civil brasileira, foi colocado para ficar na cola de Arent... O que foi, Filipa? – interrompeu suas explicações diante da expressão atormentada dela.
- Estou pasma com tudo que está me contando... Vai me dizer agora que me seguiu quando fui a Minas...
- Sim. – disse como se isso fosse a coisa mais normal do mundo.
- Eu não acredito...
- Por que não? Nós estamos tentando identificar uma quadrilha que vem praticando roubos de joias raras e de valor histórico, pela Europa, há mais de ano e Arent pode ser a ligação que temos e que poderá nos levar a acabar com ela.
- E onde eu fico no meio disso tudo? – lamentou com voz amargurada, o que provocou em Galen um estranho sentimento de culpa.
- Cada vez menos gosto de ver você metida nessa história, Filipa... Infelizmente, quer queiramos, quer não, você está envolvida e, só o que posso fazer, é tentar mantê-la o mais segura possível. – Seu olhar envolveu Filipa numa aura de carinho, quando sua mão repousou sobre a dela amavelmente.
Filipa não rechaçou aquele gesto de Galen, pois achou que era sincero. Gostou de sentir sua preocupação por ela, mas desviou o olhar para o mar, com medo de que seus sentimentos ambíguos se transformassem em choro. Engoliu em seco e, finalmente retirou a mão sob a dele, também suavemente. O garçom apareceu trazendo o pedido. Filipa respirou fundo, afastando a tristeza. A sensação de fome ficou acentuada, animando-a, assim que pôs os olhos sobre as apetitosas postas de peixe (ela prefiria pensar que aquilo era um peixe comum e não enguias), acompanhadas por uma refrescante salada de folhas verdes e tomates rubros e uma cesta de pães, que cheiravam como se tivessem acabado de sair do forno. Após servi-los, o rapaz se retirou desejando um “goede eetlust” e que Filipa imaginou que fosse o equivalente de “bom apetite” em holandês.


- Posso continuar? – perguntou bem humorado, observando a avidez de Filipa pelo conteúdo de seu prato e a mudança em seu humor.
- Sim... – respondeu assim que engoliu a primeira deliciosa porção de enguia.
- Depois que Arent assaltou o banco, onde provavelmente você teria deixado o seu objeto do desejo, e não encontrou nada, ele simplesmente desapareceu. Só soubemos onde estava quando pegou um avião para a Holanda. Assim...
- Espere, espere...
- O que foi?
- Como você soube que aquele ladrão não tinha achado nada?
- Por que um dos ladrões que o acompanhou era um agente da polícia.
- O quê? Como assim?
- Precisávamos saber o que ele procurava. Mas parece que você foi mais esperta e escondeu o anel com você.
- Como você sabe sobre o anel? – indagou Filipa quase engasgando com o pão.
- É difícil de esconder algo de metal dos detectores do aeroporto.
Ela estava boquiaberta.
- E por que não abriram minha maleta de mão para saber o que eu carregava?
- Como eu já disse, o que nos importa é pegar o grupo que está atrás de sua joia. Não queríamos chamar a atenção de mais ninguém sobre você.
- Depois me seguiu até Porto Alegre e ficou me vigiando?
- Mais ou menos... – disse meio sem graça. – Então, você recebeu o email de Andries.
- Como soube disso? – falou resignada, pois achou que ele não poderia dizer mais nada que a surpreendesse.
- Conseguimos acesso aos computadores da faculdade e ao seu.
- Ao meu também? – exclamou surpreendida.
- Desculpe, mas foi por uma boa causa.
- Isso é invasão de privacidade. Conhece esse termo?
- O pessoal para quem trabalho desconhece-o, com toda a certeza. – reconheceu com um discreto sorriso cúmplice, que a fez esquecer a irritação de momentos antes.
- Foi esse email que fez as suspeitas recaírem sobre Andries?
- Certamente.
- Eu sei que você acha que meu trabalho é uma merda e que ninguém poderia se interessar, a não ser uma “medíocre revista italiana”, mas talvez  o Andries também seja um “medíocre”, que gostou do que escrevi. Ele só teve o azar de entrar em contato comigo na época errada e passar a ser suspeito de chefe de quadrilha...
- Olhe, Filipa, eu não quis desmerecer o seu trabalho... Por favor, tente entender o meu ponto de vista. Além do que, eu não sou um historiador... Por isso não pode levar a minha opinião em conta. Me desculpe por ter ofendido você. Não era minha intenção...
- Está bem, entendi... – disse balançando a cabeça afirmativamente. –  Mas que você foi bastante ofensivo, foi.
- Me desculpa, então? – rogou mansamente, obrigando-a a sufocar um suspiro.
- Não. Entender não quer dizer que eu aceito o seu pedido de desculpas. – Foi taxativa, arrancando um sorriso dele, que quase a fez voltar atrás em sua resposta.
- Talvez eu mereça isso...
Ela retribuiu o sorriso e degustou mais uma porção da salada.
- Por que você fez que não me conhecia naquele dia no bar? – indagou subitamente ao lembrar como ficara magoada com sua falta de educação.
- Mais um pedido de desculpas... Acho que vou ter que passar o resto de minha vida lhe pedindo desculpas...
“Está aí uma ideia bem agradável”, pensou Filipa, disfarçando sua aprovação.
- Arent estava na recepção do hotel logo ali em frente e se ele me visse falando com você colocaria tudo por água a baixo.
- Ele estava lá no hotel?
- Sim. Depois que você saiu com aquela moça, ele foi direto ao seu apartamento.
- E você deixou? Como pode...
- Eu esperei que ele saísse do seu quarto. Pelo modo aborrecido em que estava, percebi que não encontrara nada ali. Peguei seu celular “emprestado” por alguns instantes e assim detectei o contato dele com Andries.
- Tinha esquecido desse detalhe... Mas isso não prova a culpa de Andries.
- Pelo jeito, ele conquistou mesmo você... – disse pesaroso. – Você o defende ferrenhamente, não importam as circunstâncias.
- É que tudo isso me parece tão... tão... maluco.
- Você não tem ideia do que algumas pessoas podem fazer por dinheiro.
- O que você faz quando não está trabalhando para a Interpol..., Galen?
- Sou uma espécie de investigador.
- Um detetive?
- Pode chamar assim... – ele sorriu daquele jeito que a derretia por dentro. – Só que não investigo crimes. Minha investigação é em cima de joias, artefatos antigos, tesouros recém descobertos, que precisam ser avaliados e, às vezes, encontrados.
- Um caçador de tesouros...
- Esse é o nome romântico para o que eu faço, mas posso afirmar que não é nada disso. Às vezes pode ser bem perigoso, dependendo de com que se está lidando.
- Como agora, por exemplo?
- Talvez...
Terminaram a refeição e Galen pediu a conta.
- Consegue acreditar em mim agora?
- Você teria que ser um roteirista de filmes policiais para inventar tudo isso que acabou de me contar, mas ainda tenho minhas dúvidas, principalmente a respeito do Professor Andries. Eu não consigo vê-lo envolvido nessa trama.
- Ele deve ser muito envolvente mesmo...
- Você também é... – As palavras saíram de sua boca sem permissão, expressando parte seu sentimento em relação a Galen O’Neill.
- Devo considerar isso como um elogio ou uma forma de dizer que sou um ótimo mentiroso?
- Ainda não decidi... – respondeu olhando-o com olhar maroto.
- Eu espero que resolva pela primeira opção. – expressou seriamente, sem sinal de qualquer ironia.
Encerrada sua conta, levantaram-se e dirigiram-se para o estacionamento no porto. Ainda conversaram sobre amenidades e riram sobre algumas situações que encontraram no caminho até o carro, como amigos normais.
Na volta à Amsterdã, Filipa mais uma vez retornou ao assunto que os ligava no momento.
- O que faremos agora?
- Você deve voltar ao seu hotel e agir como se não soubesse de nada.
- E como vou explicar meu sumiço?
- Vai contar exatamente o que aconteceu. Que foi sequestrada por um estranho e que conseguiu escapar.  Estava tão nervosa que ficou perambulando por aí, com medo, antes de resolver voltar ao hotel. Se ele não tiver nada a ver com isso, o que eu duvido, vai ficar perturbado, mas aceitará o que diz. Talvez até queira levar você à polícia para dar queixa, mas eu acho que não vai fazer isso.
- E depois?
- Aja naturalmente. Quais eram os seus planos?
- Eu pretendia... – Lembrou da investigação sobre sua família na Holanda, que o próprio Andries prometera ajudá-la, e ficou na dúvida se devia contar isso a Galen.
- O que pretendia? – perguntou curioso, percebendo a indecisão de Filipa em continuar sua frase.
- É que... – Decidiu contar apenas a verdade parcial, assim como fizera com Andries. – Segundo uma carta deixada por minha tia, nossa família veio da Holanda. Quando visitei o museu de história, Andries me mostrou um documento antigo, onde o próprio Maurício de Nassau agradecia a um arquiteto, que o acompanhara ao Brasil, e dava os parabéns pelo nascimento de sua filha. O nome dela era Filipa. Não sei se isso tem a ver com minha família, mas é uma grande coincidência, não acha?
- Isso tem a ver com a joia que sua tia lhe deixou?
A pergunta a pegou de surpresa.
- Talvez... Andries se ofereceu para ajudar a verificar se há essa possibilidade de eu ser descendente deste casal.
Galen ficou pensativo por alguns instantes. Não quis insistir na história da joia para não inibi-la. Certamente havia uma ligação aí, que apareceria mais cedo ou mais tarde. Ainda precisava ganhar mais a confiança de Filipa.
- Como eu disse antes – acabou por dizer. –, aja naturalmente. Deixe que ele a ajude. Eu estarei por perto, mas tenha cuidado. Eles vão tentar de tudo para pegar o seu anel. Anote o meu celular. Qualquer coisa, me ligue.
- Como você pretende pegá-los? – perguntou enquanto fazia mais uma tentativa para achar seu telefone na bagunça da bolsa.
- Não se preocupe com isso. É mais seguro você não saber nada além do que eu lhe contei e que foi muito mais do que devia saber.
- Está bem... O caçador aqui é você. – caçoou, aparentando não estar preocupada, mas, no fundo, morria de medo do que estava por vir. Talvez Galen tivesse razão. Era melhor não saber mais nada sobre esse jogo de gato e rato.
Finalmente acho o celular e anotou o número dado por ele.
Galen a deixou próxima à estação de trens, com a indicação de qual condução pegar para chegar até seu hotel.
- Cuide-se... – disse ele fazendo um carinho em seus cabelos.
- Você também... – falou sentindo um vazio ocupar sua alma à ideia de separar-se dele. Não conseguia controlar essa sensação perturbadora.
Quando ela se preparava para sair, ele chamou sua atenção novamente.
- Filipa!
- Sim? – respondeu numa animada expectativa.
- Não lave os cabelos nos próximos dois dias, pelo menos.
- Por que? – indagou, achando graça do pedido.
- Coloquei um microtransmissor nele.
- O quê? Como? – Lembrou do carinho em seus cabelos e ficou furiosa.
- Se lavar os cabelos não terei como localizá-la.
Filipa não sabia se estava furiosa por descobrir que ele colocara um aparelho nela sem sua permissão ou por descobrir que o carinho que recebera era falso.
- Odeio você! – esbravejou em tom baixo e saiu pisando duro, depois de bater com força a porta do carro.

Não notou o sorriso ou o desejo no olhar de Galen enquanto a observava andando irritada e confusa entre as bicicletas e os pedestres que circulavam no centro, a procura do número do tram (espécie de bonde elétrico) indicado por ele para levá-la ao hotel. O toque do celular cortou seu devaneio com Filipa e sua expressão sombreou-se ao ver o nome de Matthew no visor. Aquela devia ser a centésima ligação que seu “chefe” fazia e que O’Neill não atendera, pois colocara no modo silencioso, propositalmente. Talvez o atendesse agora.
 



(continua...)

 
 
Olá, queridos leitores e leitoras!
Como podem ver, a conversa entre o Galen e a Filipa rendeu bastante. Ficou faltando a parte de Calais, que pretendo escrever e postar até a metade da semana. Pelo menos é a minha intenção. Devido a problemas domésticos (demissão da minha auxiliar por incompatibilidade de gênios...rsrs) , estou com uma restrição maior de tempo, por isso a demora em escrever e postar.
Em postagens anteriores, esqueci de comentar a respeito de um dos personagens que surgiu conversando com o Arent. A Elisabeth Donovan. Quem leu O Vampiro de Edimburgo deve lembrar de uma linda socialite que é usada pelo Kyle para se alimentar. Pois é ela mesma. Ela até faz uma referência a carinha de anjo da nova mulher dele. Beth ainda vai voltar a aparecer por aqui.  Aguardem.
O meu agradecimento e todo o meu carinho às eternas comentaristas e leitoras fiéis, Nadja, Léia, Ly e Cassinha. Um grande beijo para vocês!
Espero estar de volta no início da semana com a postagem da segunda parte deste capítulo.
Beijinhos!!
 

 
 

domingo, 2 de dezembro de 2012

A Cruz de Hainaut - Capítulo XI

 

- Para onde está me levando? – Ainda sentia seu coração bater descompassado e tinha medo de pensar sobre o que estava acontecendo. Por que aquele homem a sequestrara? Como o “olhos tristes” havia chegado a tempo de resgatá-la?
- Vamos a um lugar seguro. Precisamos conversar. – respondeu sem tirar os olhos da rua a sua frente.
Agora o pânico começava a assaltá-la novamente.
- Não quero ir a lugar nenhum com você.
- Não vou sequestrá-la, se é isso que está pensando.
- Você nem ao menos chamou a polícia para pegar aquele marginal... – rebateu Filipa, exasperando-se, à medida que ia conseguindo raciocinar um pouco melhor sobre sua situação . – E eu nem sei o seu nome! Se pensa que vou ...
- A polícia está cuidando desse caso. Não se preocupe.
- Quem me garante que está dizendo a verdade? Como não me preocupar? Eu devia ter ficado lá, a espera da polícia, para dar queixa daquele marginal .  – As ideias começavam a chegar em torvelinho à sua cabeça, o que só fazia aumentar ainda mais seu desespero e a torrente de palavras que lançava sobre ele. – Por acaso aqui na Holanda é diferente? Só porque você me diz que a polícia está cuidando do caso, eu devo aceitar calmamente?
- Meu nome é O’Neill. Galen O’Neill. – esclareceu lançando-lhe um olhar compreensivo e calmo.
- E não me olhe com esse olhar de “é louca, coitada...”
Ele não conseguiu segurar o riso diante do comentário de Filipa.
Antes que nova onda de indignação a atingisse, lembrou que ouvira seu raptor chamar o nome O’Nil. O homem o reconhecera! Esse fato deixou-a ainda mais confusa, mas não disse nada com medo da reação dele. Ou ele era um policial muito conhecido no submundo do crime ou era um comparsa do outro, enganando-a para conseguir o que queria. O herói chegava, salvava a mocinha e ela se abria com ele... Isso estava parecendo um filme de suspense de muito mau gosto. Queria sair daquele carro e fugir dele. Engoliu em seco e procurou raciocinar melhor. Tinha que aguardar uma oportunidade para escapar dele. Não podia correr riscos. E se ele fosse um assassino? A cada momento sentia seus músculos enrigecerem e a náusea e o frio tomarem conta de seu estômago.
- Pensando em fugir? – falou como se lesse seus pensamentos, provocando um sobressalto em Filipa. Sua voz transparecia uma calma e uma segurança que constrastava com o turbilhão de emoções que se passavam com ela. Ele tentava tranquilizá-la. 
- O que você acha? Coloque-se no meu lugar... Acha que posso confiar em você? – explodiu novamente.
- Precisa confiar em mim, Filipa.
Ela balançou a cabeça incrédula tentando controlar seus nervos.
- O que vocês querem de mim, afinal?
- Como eu lhe disse ontem, só você pode me dizer o que tem em seu poder de tanto valor que atrai gente, como aquele sujeito – referindo-se a Arent –, como a abelhas ao mel.
Ela o olhou desconfiada, quase tentada a contar sobre o legado de sua tia, mas quem lhe dava garantias de que ele não era apenas mais um ladrão que farejara algo importante, como uma hiena atrás de carniça. Não podia cair na tentação. Aqueles lindos olhos azuis podiam muito bem ser uma doce armadilha, aquele corpo podia ser usado para enganar pobres milionárias, que dariam sua fortuna por uma noite com ele, sua voz podia ser como o canto das sereias ao seu ouvido... Arranhou a garganta e melhorou a postura, cortanto o caminho do desejo para onde seus pensamentos a estavam levando.
- Está bem. Seja o que for que esteja maquinando aí nessa sua cabecinha, vou precisar de sua ajuda para pegar esses ladrões. Não precisa me dizer o que possui.
- Como assim, minha ajuda para pegar esses ladrões? Você acabou de estar com um deles na mão e o deixou livre lá atrás!
- Arent é peixe miúdo. Estamos tentando capturar o “cabeça” dessa quadrilha. Tenho acompanhado o movimento deles a algum tempo, mas só agora estamos conseguindo chegar mais próximo do chefe.
- Então você deixou esse tal Arent solto? Depois do que ele me fez? Ainda tentou me enganar que a polícia o pegaria?
- Estava tentando acalmá-la... E eu não disse que a polícia o pegaria. Disse que ela estava cuidando do caso.
- E se ele tentar me pegar de novo?
- Eu vou estar ao seu lado de novo.
- Como se isso fosse algo muito reconfortante... – disse balançando a cabeça inconsolada.
Depois de pensar alguns instantes, olhando as ruas que passavam coloridas e indiferentes às suas angústias pela janela, voltou a falar.
- Como sabe o nome daquele bandido, Arent?
- Porque ele é um velho conhecido...
- Como assim, um velho conhecido?
- Quero dizer que ele é um ladrão conhecido há muito tempo.
- Ele sabia o seu nome... – Resolveu arriscar.
- Ele me conhece, obviamente.
A resposta não a convenceu, mas sabia que não ia conseguir nada naquela direção. Pelo menos não o  notara surpreso quando ela comentou a respeito do conhecimento entre os dois.
- E se eu disser que não tenho nada ou que, o que quer que seja, ficou no Brasil.
- Pode até ser que tenha deixado no Brasil. Talvez fosse mais sensato e menos idiota do que sair carregando uma joia de valor tão alto por aí, dentro da bolsa. 
Essa última frase pegou em cheio o amor-próprio de Filipa, que precisou se segurar para não demonstrar sua indignação diante da suposição de O’Neill. Como ele podia saber disso? Pior que, provavelmente, ele tinha razão...Instivamente, apertou sua bolsa contra o corpo, movimento que não passou desapercebido por ele, confirmando suas suspeitas.
- No entanto,  – ele continuou. – nada disso vai fazê-los largar do seu pé. Pode ter certeza que eles sabem muito bem o que tem em seu poder e farão de tudo para roubá-la, nem que tenham que levá-la de volta para seu país e lá forçá-la a lhes entregar a joia, ou que quer que seja, ou torturá-la até obter  a informação que desejam.
Sua voz é sensual até falando coisas ruins.... Preciso lembrar de me esbofetear diante do espelho, assim que conseguir ter acesso a um, e buscar minha razão , repreendeu-se por não conseguir parar de pensar em bobagens num momento como aquele.
- Pronto. Chegamos. 
- Ai, meu deus! Esqueci do Professor Andries!
- Não se preocupe. Ele já deve saber que você teve que sair “às pressas”. – disse em tom irônico.
- Avisado por quem?... Vou ligar para ele agora mesmo. O coitado deve estar sentado na mesa daquele café a minha espera...
O’Neill apenas observava com expressão divertida enquanto Filipa procurava desesperadamente,  dentro do seu saco colorido, o telefone celular.
- Quer ajuda?
- Está rindo de que? – perguntou irritada ao perceber a cara de O’Neill.
- De nada... – negou sem esconder a ironia.
Só então Filipa se deu conta que estavam estacionados diante de uma das casas no Red Light District.
- O que estamos fazendo aqui?
- Por incrível que pareça, isso é apenas uma fachada. Temos um escritório aqui.
- E vai me dizer que as moças vestidas apenas com roupas íntimas naquela vitrine são as secretárias?
Ele a olhou com um discreto sorriso resignado  e acenou levemente com  a cabeça.
Filipa o olhou como se ele fosse louco por pensar que ela entraria com ele numa daquelas casas. Segundos depois, abriu a porta do carro e, agarrada a sua bolsa, saiu em desabalada fuga  pela rua. Não demorou muito para que O’Neill a alcançasse.
- Filipa, por favor, não fuja. – rogou quando conseguiu pegá-la pelo braço firmemente. – Nós precisamos conversar...
- Me solta ou vou começar a gritar.
- Você não vai fazer isso... – sussurrou  em voz baixa, olhando-a repreensivamente e segurando-a pelos ombros, de forma a captar-lhe o olhar.
- Eu avisei... – disse Filipa preparando-se para soltar um pedido de socorro com toda a força de seus pulmões.
Antes que pudesse expelir qualquer som, os lábios de O’Neill fecharam-se sobre sua boca violentamente. Pega de surpresa, ofegou e debateu-se contra ele, empurrando-o com as mãos. Aos poucos, a pressão foi diminuindo e a sensação da maciez daquela boca contra a sua inundou os seus sentidos. Sua oposição foi perdendo força à medida que sentia as mãos dele rodeando-lhe as costas e a cintura. Gemeu desapontada quando ele se afastou, mantendo-a ainda presa entre seus braços. Olhava-a com expressão estranha, como que  avaliando sua reação à atitude pouco ortodoxa tomada por ele para calar seu grito. Soltou-a do abraço, mas segurou-a pelo braço mais uma vez.
- Venha! – ordenou com visível irritação.
- Já disse que não vou entrar aí com você. – reagiu Filipa com um fio de voz,  procurando esconder seu desconcerto e sua excitação diante do que ocorrera.
 Ele não disse nada. Apenas a levou de volta até o carro.
- Você tem razão. Aquele não é um bom lugar para conversarmos. – disse secamente, ajudando-a a entrar no veículo.
Ela se manteve calada, ainda tentando controlar os batimentos cardíacos.Sentia-se completamente perdida e sozinha. Apesar de todas as razões contra O’Neill, uma voz, miúda, não muito distante e cheia de admiração contida por aquele homem, lhe sussurrava para confiar nele.
- Desculpe pelo que aconteceu há pouco – falou visivelmente contrariado, mas com menos tensão na voz.
Filipa procurou, sem sucesso, o que dizer naquela situação. O único pensamento que a infernizava era o desejo de ser beijada novamente por ele, mas isso não poderia dizer.
- Foi a única maneira que encontrou de me calar? – Conseguiu articular com certa mágoa na voz, dissimulado seus verdadeiros sentimentos. 
- Não estava falando apenas do beijo, e sim da minha estupidez.
- Realmente, foi muito estúpido da sua parte me beijar.
- Essa foi a melhor parte... Eu queria fazer isso desde que nos encontramos no avião... Estava me referindo a maneira como apertei o seu braço e a forcei a vir comigo.
Ela mal pode ouvir a última frase dita por ele, pois as duas anteriores continuavam bombardeando sua mente e seu coração. Podia sentir o pulso acelerado e o arrepio na nuca que tantas vezes ironizara nas mocinhas apaixonadas dos romances “água com açúcar”.
- Não acontecerá novamente... – acabou por prometer secamente, imaginando que o silêncio de Filipa demonstrava repulsa ao seu beijo, com bons motivos.
- Por que? – acabou por perguntar sem coragem de olhá-lo.
- Por que o quê? – perguntou confuso.
- Esquece. – disse arrependida de sua pergunta irreprimida; a razão assumindo o sentimento. – Para onde está me levando?
Notou que o carro estava saindo da cidade e o pânico começou a retornar.
- Conheço um pequeno restaurante de pescadores, não muito longe daqui. Sei que deve estar com fome, já que não conseguiu almoçar.
- Como sabe que não tive tempo para almoçar?
- Da mesma maneira que soube quando Arent a pegou no toalete do Van Gogh.
- Você estava vendo tudo e permitiu que ele fizesse aquilo comigo?
- Eu não podia resgatá-la ali sem me revelar ao Andries.
- Andries?
- Sim. Infelizmente o seu professor é suspeito de estar ligado a um grupo de ladrões de jóias e relíquias históricas.
- Não acredito! Isso é demais!
- Não sei por que o espanto. Sendo curador de um museu importante como o de Amsterdã, ele tem acesso a informações sigilosas a respeito da localização de relíquias e tesouros perdidos, que os leigos normalmente não têm...  Por que acha que ele a convidou para vir a Amsterdã, com tudo pago?
- Ora... Porque se interessou pelo meu trabalho. – disse orgulhosa.
- E isso é algo comum dentro do seu meio? Digo, um curador de museu europeu pagar integralmente a vinda de um professor de história por causa de um trabalho de tese publicado em uma medíocre revista italiana?
- Agora você está me ofendendo!
- Não era minha intenção, Filipa. Só quero que pense se não há um exagero nesse convite. Ele a afastou do seu ambiente, deixando-a totalmente a mercê dele. Só está esperando o momeno certo para dar o bote.Como acha que Arent sabia onde você estava?
- Da mesma forma que você, ora!
- Não há como convencê-la, não?
- Por que essa suspeita sobre Andries? – perguntou por curiosidade, apesar de achar impossível tal acusação.
- O telefone dele estava na agenda do celular de Arent.
-  Como sabe disso?
- Eu verifiquei pessoalmente.
- Como você conseguiu o celular daquele miserável?
- Peguei “emprestado” por alguns minutos para ver seus contatos..
- Você o roubou? – perguntou perplexa.
- Não gosto muito desse termo no meu trabalho. – respondeu sarcático.
- Olhe, que tal se me explicasse de uma vez por todas essa história desde o início. Estou achando cada vez mais dificil de aceitá-la.
- Tem razão. Vou te contar tudo, desde que me prometa não abrir a boca, principalmente para Andries.
Antes que ela pudesse prometer qualquer coisa, um toque de celular se fez ouvir, e não era o dela, que continuava perdido em algum lugar de sua bolsa-saco.
O’Neill sacou o celular do bolso de sua jaqueta, olhou o visor e soltou uma praga. Apesar da irritação com a ligação, atendeu.
- Boa tarde prá você também, Matthew... Sim... Não... Ela está comigo... Não.... Por que ela ficou assustada com o local... Só você mesmo para pensar num escritório no Red Light... Eu sei.... Não se preocupe... Já disse para não se preocupar! Adeus! – gritou a despedida e recolocou o telefone no bolso.
- Posso perguntar quem era? – falou temerosa de sua reação.
- Era o meu “chefe”. – disse secamente.
- E você sempre fala assim com ele?
- Às vezes, ele pode ser muito irritante e inconveniente.
- Ele estava nos esperando no... “escritório”?
- Sim.
- Que tipo de policia tem um “escritório” num lugar como aquele?
- A Interpol.
- Então, você é da Interpol? – constatou surpreendida.
- Trabalho para eles.
- Ah...
Filipa gostaria de perguntar mais, mas decidiu aguardar o almoço, já que O’Neill não parecia muito receptivo agora, depois que falara com seu “chefe”.
 
 

Calais  -  1346
Batalha de Crécy
 
 
Andrieu d’Andres era um renomado alfaiate, responsável pelo guarda-roupa da maioria dos nobres e senhores feudais de todo o norte da França. Aprendera o ofício com seu pai, na época em que Eustache ainda atuava como mercador ambulante. Era tio dos irmãos Jacques e Pierre e fora uma alegria quando o mais moço deles demonstrara seu interesse em cortejar Corine, a caçula do comerciante. Isso só fez aumentar os laços de amizade entre as famílias.
 - Entre, meu amigo! O que o traz aqui a essa hora do dia?
Andrieu aparentava estar seriamente preocupado com alguma coisa.
- Já soube das notícias?
- Não, Andrieu. Acabei de chegar ... Pelo jeito não são boas notícias...
- Eduardo venceu em Crécy há três dias. Pelo que fiquei sabendo, somos o seu próximo objetivo..
- E o Rei Filipe? Onde está? Certamente já tem planos para nos defender.
- Não sei... Segundo os relatos, nosso exército teve grande número de baixas e está totalmente sem recursos. Até que o rei consiga se fortalecer para uma nova batalha, Eduardo já terá ocupado Calais.
- Jean já sabe disso? – perguntou referindo-se ao prefeito de Calais, Jean de Vienne.
- Provavelmente. Já está providenciando aumento nos estoques de mantimento em todos os depósitos da cidade. Podemos contar com o fosso duplo e as muralhas fortificadas ao nosso favor, mas não sei quanto tempo poderemos resistir.
- Filipe não nos abandonará. Calais é importante demais como ponto estratégico, para que ele possa permitir essa invasão. Eduardo terá a chave e a fechadura da França se conseguir seu intento aqui.
- Talvez devessemos abandonar a cidade, assim como alguns estão fazendo com suas famílias.
- Não, Andrieu. Devemos ficar e lutar pelo que é nosso. Farei de tudo para proteger minha familia e a vida que construí aqui.
- Eu sei, Eustache, eu sei... Também penso assim, mas tenho muito medo pelo que está por vir. Sabe como esse inglês é impiedoso. Se ele conseguir entrar em Calais, seremos todos mortos. Ele não poupará a nenhum de nós.
- Temos que resistir, até que nosso rei possa ter condições de enviar seu exército em nosa defesa.
- Deus o ouça, Eustache...
Na prefeitura, o alvoroço era grande. A notícia de uma iminente invasão inglesa, aguardada e temida há muito tempo, começara a criar o pânico entre os cidadãos de  Calais. Os boatos espalhavam-se rapidamente. A ideia de que o exército inglês era invencível se reforçava a cada minuto.  Ele vencera, apesar da soberania numérica do exército francês em Crécy, onde Filipe tinha cerca de 80000 homens a seu serviço, enquanto os ingleses lutavam com menos de 15000. Nada disso tinha sido impedimento para que Eduardo e seu primogênito, o Príncipe Negro, avançassem sobre o inimigo e conseguissem uma vitória impressionante. Além de exímios estrategistas, os ingleses contavam com novas armas, chamadas de canhões, que, com um único tiro, podiam eliminar grande número de soldados de uma só vez.
O prefeito Jean de Vienne se fechou em seu gabinete a escrever cartas com pedidos desesperados de ajuda ao rei Filipe e aos nobres que viviam na região. Tinha poucas esperanças quanto às respostas, pois sabia das dificuldades que o rei teria em formar um novo exército, depois das perdas que sofrera em Crécy. Graças ao Conde de Bolougne, que construíra os altos muros e as fortificações de Risban e de Nieulay, em torno de Calais, no século passado, prevendo as tentativas de invasão, tinham alguma chance de resistir ao cerco de Eduardo por um bom tempo, talvez levando-o a desistir de seu intento de dominar a cidadela. O comandante do pequeno exército de soldados, que faziam a segurança do porto, estava tomando todas as providências para que eles ocupassem efetivamente os fortes em torno da cidade, inclusive convocando os homens comuns, em idade para lutar, para juntarem-se a eles na defesa.
Ao final daquele dia, Jean estava exausto, mas não conseguia parar de pensar no que mais poderia fazer para proteger a cidade, que ele tanto amava, e a seus habitantes.


(continua...)

 
 
Aposto que pensaram que eu tinha esquecido de postar...Não, não esqueci. Desculpem por não ter postado como habitualmente faço, na sexta-feira. Infelizmente, tive uma semana meio corrida, compromissos e preocupações que afetaram, não só o tempo, como a inspiração para escrever. Vocês podem entender como é. De vez em quando a coisa pega fogo... rsrs... Que nem está acontecendo em Calais e com a nossa confusa professora Filipa e o O'Neill... rsrs.
Mas, a inspiração chegou e aqui está mais um capítulo de A Cruz de Hainaut.
Muito obrigada às minhas amadas comentaristas da semana passada, Ly ( que fez aniversário no último dia 29! Parabéns, querida!), Nadja, Lucy e Léia. Não posso deixar de lembrar minha nova parceria com o Blog do Balaio, da minha querida conterrânea, Vanessa Meiser, que me deixou muito feliz. 
Um grande beijo a todos! Até o próximo capítulo! 

sábado, 24 de novembro de 2012

A Cruz de Hainaut - Capítulo X



Arent  jantava no pub próximo ao seu apartamento, quando recebeu o telefonema. Olhou o nome que piscava na tela e deu um suspiro. Era ele de novo. Talvez tivesse alguma novidade.
-  Fale.
Ouviu atentamente as instruções e não ousou  levantar obstáculos, pois certamente seria repreendido. Como sempre, a ligação foi cortada sem despedidas.
Pegou sua caneca de cerveja escura e bebericou, enquanto deixava a mente arquitetar seus movimentos no dia seguinte, de acordo com o que lhe fora ordenado. Foi quando uma voz feminina e musical o interrompeu.
-  Olá, Arent... Há quanto tempo?
- Beth?? – Quase engasgou ao ver quem o interpelava. – O que está fazendo aqui?
- Edimburgo estava muito chata. Resolvi dar uma volta e comecei por aqui.
Arent piscou, imaginando o que a ex de seu primo estava armando. A desculpa de estar entediada com sua vida de dondoca escocesa não colava.
- Como está o seu patrão? – perguntou  irônica, sentando-se à mesa..
- Ele não é meu patrão. Somos sócios. – respondeu irritado.
- Ah, claro! Ele manda, você cumpre e as migalhas são suas... Me esqueço como funciona essa sociedade... Pobre Arent...
- Se você está aqui para me envenenar contra ele, pode voltar de onde veio.
- Eu não poderia fazer isso. Você sabe que ele é o cérebro e que não teria nem as migalhas se não fosse ele.
- O que você está querendo, Elisabeth Donovan? Não vou entrar no seu joguinho de gato e rato para que tire alguma vantagem disso.
- Ora! Como está esperto... Talvez a convivência com ele esteja sendo benéfica, afinal.
- A vida de viúva rica não está agradando? Não está tentando dar o golpe em outro ricaço?
- Até tentei, mas não tive sucesso. O idiota se encantou com uma espertinha com cara de anjo.
- Mas que pena... Aí, você resolveu vir me chatear... Pois veio ao lugar errado.
- Acho que não... Você sabe que essa vida em alta sociedade é muito chata e que tenho um hobby muito interessante, que me excita profundamente, além de incrementar um pouquinho mais os meus cofres.
- Então, não entendo o que faz aqui, perdendo seu tempo comigo.
- Não creio que será uma perda de tempo.
Ele a olhou com cara de paisagem, apesar da preocupação em saber como ela havia farejado o que estava acontecendo.
- Olha, Beth, se está atrás de diversão, acho que veio ao lugar errado.
- Acho que não... Um passarinho me contou que vocês estão atrás de um peixe grande e eu gostaria de tomar parte disso. Se não abrirem para mim, vou ter que trabalhar por conta própria.
- Se não acredita em mim, fale com seu ex.
- Você sabe que nosso rompimento não foi muito amigável. Tenho certeza que ele não me perdoou por eu ter ficado com aquela linda pulseira de diamantes. Eu não pude resistir...
- Ele queria matá-la...
- Então... – ronronou colocando sua mão sobre a dele com um olhar cheio de insinuações. – por que não abre o jogo com sua amiga aqui?
- Primeiro, minha linda Beth – respondeu com sarcasmo. –, porque não tem jogo algum. Em segundo, se houvesse e eu dissesse algo, ele me mataria, antes de ir atrás de você.
Sentindo que nada conseguiria com aquele idiota, bufou e levantou-se com  raiva.
- Tudo bem, Arent. Pode deixar!  Tenho outras maneiras para descobrir o que vocês estão aprontando. E pode ter certeza que saberei. Adeuzinho!

 
Filipa teve dificuldade em pegar no sono naquela noite, pensando nas emoções do longo dia e no que teria de enfrentar no dia seguinte. Tão logo se sentiu segura, trancada no seu apartamento,  pensou em seus pais. Talvez fosse uma boa hora para ligar dizendo que chegara bem. Ou não. Lembrou-se do fuso horário, com a diferença de quatro horas para mais. Eles estariam dormindo àquela hora em Porto Alegre. Ligaria pela manhã, antes de sair com Andries. Seria bom ouvir as vozes das pessoas que mais amava para clarear um pouco as ideias. Resolvido esse ponto, seus pensamentos se voltaram  para o encontro que tivera a pouco.  Apesar de tentada a falar com Andries sobre o que acontecera, decidira  não contar nada sobre o homem que usara o nome dele para forjar um encontro. Se a pedra deixada por sua tia fosse o real motivo para tanta confusão, talvez ela fosse  muito mais importante do que imaginara.  Quanto ao “gato”, que agora se dizia um policial, teria que ter muito cuidado. Talvez o termo “gato” pudesse ser aplicado não só por suas qualidades físicas, mas por sua profissão real, o que seria uma pena... Será que ele a procuraria no dia seguinte como prometera? Aquele olhar a atordoava e o desejo por ele nublava seu raciocínio. Estremeceu quando se  lembrou do momento em que sentiu a mão em sua cintura, puxando-a contra o corpo, que parecia lapidado em rocha, o hálito quente e o perfume másculo que a envolveram. Ela seria um perigo para si mesma se não conseguisse sobrepor a razão àquela atração absurda.
Abraçou-se ao travesseiro de plumas e acabou por adormecer por pura exaustão.
 
 
Como sempre acontecia em suas viagens, acordou assustada com o alarme do celular, que dessa vez fora acertado para tocar às oito e trinta. Demorou  quase um minuto para perceber onde estava e desligar o aparelho ruidoso sobre a mesinha de cabeceira.  Tomou uma chuveirada.  Vestiu um  jeans escuro e um twin set branco, de linha, bem apropriado para o verão holandês. Parecia adequado para um passeio turístico e não muito sexy, pensando em evitar as possíveis investidas de Andries.
Filipa pronta para o passeio
 
 Jogou todo o conteúdo  de sua bolsa de couro, que usara na viagem, dentro da  bolsa de lona colorida. Assim não teria risco de esquecer algo, como documentos, celular, maquiagem,  na troca. Enfim, a bagunça “organizada” de sempre. Verificou o cadeado da mala, onde estava escondido o anel e pensou se não seria melhor colocar aquilo no cofre do hotel. Por mais que pensasse, não conseguia imaginar um lugar totalmente seguro para a esmeralda, principalmente agora que tinha sido avisada de que uma quadrilha estava, aparentemente,  atrás dela, se é que podia confiar nas palavras do ... . Droga! Mais uma vez repreendeu-se por não ter perguntado o nome dele. Será que ele voltaria a procurá-la como prometeu? Apesar do medo que embrulhava seu estomago ao pensar nisso, no fundo desejava vê-lo novamente, nem que fosse para saber o seu nome e chamar a polícia. Sorriu ao imaginar essa possibilidade, mas balançou a cabeça, não acreditando que teria coragem para fazer isso com ele. Talvez fosse melhor lhe dar corda e ver até onde ele iria. Já estou eu aqui pensando bobagens! Melhor que ele não apareça mais... , disse para si mesma, com alguma tristeza.
Suspirou forte para afastar os maus pensamentos.  Acabou por seguir seus instintos a respeito do melhor local para deixar o pote de creme e saiu para tomar o seu café da manhã. Se fosse pontual, como parecia ser, logo Andries estaria a sua espera na recepção.
 
Andries
 
Depois de um beijinho fraterno em sua  face, Andries pegou delicadamente seu braço para guiá-la até o carro.
- Tem algum lugar em especial que queira conhecer?
- Estou por sua conta, professor. – respondeu sorrindo.
-Então, o que estamos esperando? – disse ele jovialmente, abrindo a porta da BMW e fazendo uma reverencia  para Filipa, que achou graça na atitude do curador.
Percorreram calmamente as ruas, entre as inúmeras bicicletas, principais meios de transporte dos cidadãos de Amsterdã, passando pelo Mercado das Flores, o Noviçado, o Red Light District, famoso pelas vitrinas onde as garotas de programa ficam expostas, até chegarem ao Rijksmuseum, onde grandes obras de Rembrandt e outros célebres pintores holandeses estão expostas. Filipa estava encantada com  o passeio e tudo que lhe era oferecido aos olhos, chegando a esquecer dos acontecimentos da noite anterior.
Mercado das Flores
 
Red Light District
 
 
Noviçado
 

- Com fome? – perguntou Andries quando estavam  na loja do museu.
- Sim...
- Acho que vai gostar do local que escolhi para almoçarmos.
- Tomara que sim – disse brincando.
Já se sentia mais a vontade na presença dele. Além do mais, durante toda a manhã, ele não fizera qualquer insinuação que demonstrasse outro tipo de interesse nela que não fosse o da amizade. Era um cavalheiro e,  ser rechaçado na noite anterior,  quando tentara beijá-la, devia tê-lo feito perceber que Filipa não estava interessada em outro tipo de relação. Pelo menos não com ele...
- O que houve, Filipa?
Ele percebera uma sombra nublar seu sorriso. Não podia dizer a Andries sobre o rosto que lhe viera à mente ou sobre os sentimentos decorrentes dessa lembrança.
- Nada... Acho que é um pouco de cansaço... e fome. – tranquilizou-o com um  novo sorriso, colocando a mão sobre a barriga,  acariciando-a em movimentos circulares.
- Tem certeza que está tudo bem?
- Claro! Por que não estaria?
Ele a olhou de soslaio e deu um meio sorriso, como se ainda tivesse alguma dúvida sobre o que a deixara subitamente preocupada.
- Vamos por aqui.
Guiou-a até a saída do Rijks. Andaram até onde estavam as imensas letras que formavam a frase   I AMSTERDAN, na praça em frente ao museu, cartão postal da cidade, onde todos os turistas mereciam tirar uma foto de recordação. Andries fez questão de fotografá-la agarrada a uma das letras vermelhas e brincou com a situação.
 
RijksMuseum

I AMSterdam

Ainda caminhando,  foram  ao Museu Van Gogh, localizado a poucos metros, na Museumplein, onde , segundo Andries, havia um bistrô, no térreo do prédio, que servia uma comida ótima.
 
Van Gogh Museum

Até o momento, O’Neill conseguira passar despercebido, seguindo aqueles dois de dentro de seu carro. Na noite anterior, sem que Filipa percebesse, conseguira colocar um micro localizador em seus cabelos. Lembrou sarcástico que a tecnologia no ramo da espionagem já alcançara ou, muito provavelmente, já  ultrapassara os recursos mostrados nos filmes de James Bond.  Por sorte e para seu alívio, ela não lavara a cabeça depois da colocação  e o sensor continuava funcionando perfeitamente. A antipatia pela figura de Andries só fazia aumentar a cada sorriso que Filipa exibia durante aquela manhã, todos dirigidos a seu acompanhante emplumado. Algumas vezes, se pegou fantasiando ser ele o alegre guia turístico, merecedor da atenção radiante da brasileira. Esperava ansiosamente pela queda da máscara do curador, que não deveria tardar. Quando os viu entrar no Museu Van Gogh, seu instinto o fez deixar o carro e manter os dois sob sua visão direta. Admiraram apenas a exposição no andar térreo, antes de se dirigirem ao simpático café, ali  localizado. Foi quando notou a presença de alguém, seu conhecido, tomando um café num dos cantos do bistrô, com a aparência mais inocente do mundo, deixando-o totalmente alerta para o que poderia vir a acontecer. Certificou-se mais uma vez do bom funcionamento de seu monitor e do aparelho que implantara em Filipa. Não podia perdê-la.
 
Van Gogh Museum Cafe

Tão logo viu Filipa acomodada na mesa,  Andries pediu licença para ir aos toaletes.
- Dê uma olhada no cardápio. Hoje eu confiarei no seu critério. – disse simpaticamente, lembrando a noite anterior, quando Filipa permitira que ele escolhesse os pratos do jantar.
- Tem certeza que pode confiar no meu gosto? – ironizou Filipa.
- Tenho. Fique à vontade para me envenenar, como quiser.
Ela não resistiu ao tom piadista dele e riu, repensando se não seria de dar uma chance àquele homem e esquecer o “olhos tristes”.
Apenas O’Neill atentou ao fato que  outro homem  levantou-se da mesa, onde acabara de terminar o café, e dirigiu-se ao toalete. Voltou os olhos para Filipa que não demorou muito para chamar o garçom e fazer o pedido.
Passaram-se alguns minutos. Andries voltou e sentou-se à mesa.
- E, então? O que vamos comer?
- Pedi uma salada e crepes de presunto e queijo. Espero que goste.
- Perfeito! Os crepes são uma especialidade da casa.
- Que bom que gostou do “veneno”... Se me der licença, também vou ao toalete.  Não escolhi o que beber para você, pois fiquei na dúvida.
- Eu peço, enquanto a espero... Não demore... – falou com súbita sensualidade implícita na voz, o que deixou Filipa mais uma vez alerta quanto às intenções de Andries. No entanto, não ficou totalmente desgostosa. Talvez devesse lhe dar uma chance.
Foi até o toalete, onde havia duas mulheres, provavelmente turistas italianas, conversando enquanto retocavam a maquiagem. Entrou no cubículo onde ficava o vaso sanitário, sempre ouvindo as vozes inflamadas comentando sobre como já não aguentavam mais ver museus. Filipa sorriu diante do comentário. Por ela, passaria o dia inteiro em um museu como o Rijks ou o Louvre, por exemplo, sem se sentir entediada.  As italianas saíram e, de repente, o banheiro ficou silencioso.   Foi até as pias brancas para lavar as mãos. Enquanto a água corria pela pele tirando o perfumado sabonete líquido, foi surpreendida pela entrada de um homem. Ele pareceu atrapalhado ao vê-la. Disse algumas palavras em holandês, que ela tomou como um pedido de desculpas. Virou-se para o secador de mãos junto a parede lateral e imaginou que o homem já tivesse saído. Foi então que sentiu algo duro sendo empurrado contra suas costelas.  Uma mão cobriu sua boca e a voz masculina agora falava em  inglês junto ao seu ouvido.
- Não grite! Vamos sair daqui sem chamar a atenção ou serei obrigado a usar a arma que estou segurando em suas costas. Entendeu? – perguntou com  rispidez.
Filipa balançou a cabeça afirmativamente, sentindo asco por ter aquela mão sobre sua boca. Entrara em estado de alerta, sentia o coração bater violentamente e um frio irradiava-se para o resto do corpo, a partir do estomago. Buscava desesperadamente uma porta de fuga para aquela situação. Quem era aquele homem? O que queria com ela? Não conseguia olhar nos espelhos do banheiro, pois ele não permitia que ela virasse o rosto, impedindo que ela o identificasse. Finalmente ele retirou a mão de seu rosto, mas usou-a para prender seu braço com firmeza, evitando  sua fuga. A arma, provavelmente uma pistola, continuava a importuná-la junto às costelas, provocando dor. O local certamente ficaria com um hematoma aparente muito em  breve.
-  Agora ande bem quietinha, sem olhar para os lados, como se fossemos um casal de namorados saindo do museu.
O braço desarmado rodeou-lhe a cintura com força, puxando-a contra seu corpo, que fedia a cerveja e cigarro, enquanto a arma permanecia encostada nela, escondida sob a jaqueta dele. Mandou-a deitar a cabeça em seu ombro, e prendeu-a sob seu queixo. Quem os visse, pensaria que era apenas um casal abraçado.
Se ao menos Andries olhasse para eles, poderia tentar  impedir que o sujeito a levasse dali. Infelizmente, ele estava de costas para o local dos sanitários. Instintivamente, apertou a bolsa contra seu corpo e continuou atenta a qualquer oportunidade que pudesse usar para fugir daquele homem sem ser ferida. Suas chances diminuíam a cada instante.
- Sorria! – ordenou num cicio.
Foi obrigada a passar sorrindo diante dos seguranças ao atravessar as portas automáticas da saída. Não conseguiu pensar numa maneira de alertá-los para o que estava acontecendo.
Seu raptor continuou a arrastá-la até entrarem em um edifício-garagem que ficava na rua de trás, em um prédio mais antigo. A rua estava deserta e parecia mal frequentada. Certamente ali não encontraria a ajuda que necessitava. Com certa violência, agora que não podiam ser vistos, o homem a puxava pelo braço, levando-a até um carro marrom desbotado.  Abriu o porta-malas e a jogou ali dentro, sempre lhe apontando a arma e não permitindo que o encarasse. Assim que a porta se fechou sobre ela, começou  a tremer. O medo começava a exercer seu efeito. Começou a chorar e a gritar. Ainda pode ouvir o cretino dizer que ninguém mais a ouviria e que logo estariam longe dali. Ouviu um cantar de pneus e uma freada bem próxima de onde estava. Alguém chegara à garagem. Teria visto alguma coisa antes dela ser encerrada no bagageiro? Alguém soltou uma praga e ela pensou ter ouvido um nome. O’Nil? Logo em seguida, o carro sofreu um abalo, como se algo tivesse caído sobre ele, e os gritos do homem começaram. Havia mais alguém do lado de fora. Estavam brigando. Depois do segundo baque sobre o carro, o silêncio envolveu tudo. Filipa, ainda soluçando, tentava controlar a vontade de gritar por ajuda, querendo ouvir e entender o que estava acontecendo do lado de fora. Só então ouviu o barulho de chaves chocando-se num chaveiro e o porta-malas se abriu. A princípio, viu um vulto, contornado pelas luzes do teto da garagem, através da sua visão embaçada pelas lágrimas. Dois braços fortes a tiraram do cubículo onde estava e tentaram colocá-la de pé. Porém, suas pernas haviam perdido a força e teve que ser escorada pelo corpo de seu salvador.
- Filipa! Está bem? Pode me ouvir?
Não era a voz de Andries... Era...
- Está ferida? Responda, por favor! – A voz grave refletia angústia.
- Diga que não vai me ferir... – rogou com a voz trêmula.
Ele a abraçou e ela sentiu-se segura naquele abraço cheio de calor e alívio.
- Venha... Vamos sair daqui.
- E aquele homem...? Temos que chamar a polícia...
- Não se preocupe. Ele está desacordado.
- Você disse que era policial... Por que não o prende agora?
- Depois explico.
O’Neill carregou-a até seu carro e a colocou no banco da frente. Colocou o cinto de segurança e fechou a porta. Pegou a direção e partiram em silencio a caminho da saída da garagem.


 
 

 

 
 
 

Calais – Agosto de 1346
 
Os conflitos entre a França e a Inglaterra já duravam quase dez anos, mas os habitantes de Calais procuravam manter suas rotinas no grande centro comercial, considerado um dos portos franceses mais importantes.
Eustache atravessou a praça, a caminho de seu escritório, cumprimentando a cada homem ou mulher que por ele passavam. No decorrer dos anos, tornara-se uma figura de destaque na cidade, responsável por uma importante parcela do desenvolvimento comercial do porto, gerando rendas e empregos. Também era reconhecido como alguém que não sucumbira ao poder econômico. Era amado pela maioria dos habitantes de Calais, como um homem de bem, amável e caridoso. Perdera a mulher, Flora, cinco anos antes, durante um trabalho de parto complicado. Com ela, se fora o bebê. Esse fato deixou-o arrasado. Não fosse o apoio e o carinho dos filhos mais velhos e de seu amigo e sócio, Jean de Fiennes, teria sucumbido à dor da perda de sua amada.
Parou diante do prédio imponente, olhando a placa negra que pendia sobre a entrada e onde era visível,  em letras douradas, o nome Saint Pierre et Fiennes. Arqueou as sobrancelhas,  um sinal de preocupação, que tanto tentava disfarçar junto aos seus. A atual situação comercial e política estava ameaçada pela invasão da Inglaterra. O Rei Eduardo era implacável e não teria misericórdia de ninguém que se colocasse contra seus planos sobre o território francês. Ao pensar no rei inglês, seu pensamento fluiu imediatamente para a família do Conde de Hainaut, na figura de Joana e sua filha Filipa. A primeira falecera quatro anos atrás. Após a morte de seu marido, Guilherme, abandonara a vida comum e tornara-se abadessa em Fontevraud.  Em 1340, a pedido do papa Bento XII, atuara como mediadora entre Filipe, seu irmão,  e Eduardo, seu genro, no cerco de Tournai. Sempre fora uma mulher de valor e alma altruísta. Seu rosto iluminou-se ao relembrar a menina Filipa, muito parecida com sua mãe, no físico e no coração. Em uma de suas últimas visitas a Hainaut, vira o jovem casal de futuros reis a trocar seus primeiros olhares enamorados. Esperava sinceramente que a menina tivesse encontrado a felicidade ao lado do arrogante Eduardo. Pelo que soubera já tinham sete filhos, sendo que o primogênito de  apenas 16 anos, Eduardo, já acompanhava o pai nas batalhas em terras francesas.
- Pai!
Eustache foi arrancado de suas memórias pela voz de seu filho mais velho. O rapaz o surpreendeu quando saia do escritório para verificar a chegada de uma carga de seda e porcelana vinda da  Itália. Precisava conferir pessoalmente esse tipo de produto para não ter surpresas em relação à qualidade do que importavam.
- Achilles, meu filho! Aonde vai com tanta pressa?
- Pai, o navio de Genova está chegando. Andre acabou de me avisar. Quero ter certeza de que não fomos roubados lá ou aqui. Por isso quero estar no porto quando eles atracarem. Além disso, acho que outra “carga” preciosa,  endereçada a Corine, deve vir nesse navio. – anunciou piscando o olho direito marotamente.
- Então, vá! O que está esperando? – disse com falso ar severo, que escondia um sorriso de satisfação pelo entusiasmo e dedicação de seu filho ao trabalho.
O filho deu um beijo em seu rosto e saiu quase a correr na direção do cais.
Seus filhos eram motivo de grande orgulho. Os dois rapazes eram trabalhadores e mostravam gosto pelo negócio que ele erguera com esforço e perseverança. Sua caçula herdara os traços da mãe, dona de personalidade forte, mas com um grande coração. Com apenas 19 anos cuidava da casa, do pai e de seus irmãos. Aguardava ansiosa pela volta do noivo, Pierre, irmão de Jacques de Wissant, seu amigo abastado, dono da fábrica de tecidos local, herança de seu pai. Pierre não nascera com o tino comercial de seu irmão.  Era um jovem estudioso, que desde cedo mostrara interesse na área das ciências biológicas. Há três anos partira para a Itália para tornar-se médico, na famosa Escola de Medicina de Salerno. Saudoso de sua noiva, soubera do navio que partiria de Genova para Calais através dos futuros cunhados, meses antes. Por ser um aluno dedicado, obtivera licença para se ausentar por um mês da Escola. Faltava pouco para terminar seus estudos e seu irmão, Jacques, já estava à procura de um local para que Pierre estabelecesse seu consultório.
Eustache podia se considerar um homem quase completamente feliz, não fosse a ausência de Flora. Com um suspiro de resignação, entrou na Saint Pierre e Fiennes, e se dirigiu à saleta de onde regia seus negócios. Jean, seu sócio, ainda não voltara de Brugges, onde fora tratar com fornecedores menores.
Uma leve batida na porta tirou sua concentração dos cadernos contábeis abertos a sua frente. Quando elevou os olhos e viu a expressão amedrontada de seu amigo Andrieu, teve uma sensação muito estranha. A sensação de que seu mundo logo viraria de cabeça para baixo.
 
(continua...)
 
Mais uma semana que termina... Este foi um post mais turístico. Amsterdã é uma cidade linda e muito simpática. A Filipa deve ter adorado o passeio, pelo menos até antes do seu sequestro.
Como puderam ver, a história de Eduardo e Filipa deu um pulo de 20 anos. Nove filhos! O Eustache não lembrou que ela tinha perdido dois... É, naquele tempo sem anticoncepcional, não era fácil fazer controle de natalidade. Depois desses ela ainda teve mais dois. O Eduardo, seu primogenito, foi chamado de O Príncipe Negro, graças a armadura negra que ele vestia. Foi motivo de muito orgulho para seu pai.Eu confesso que me apaixonei pela história da Filipa e do Eduardo. Eles parecem ter passado por muitos problemas, traições conjugais por parte dele (dizem as más línguas), mas, como vocês verão mais adiante, o amor sempre existiu de uma forma ou de outra. Ontem vi o final de um filme chamado Amor à Toda Prova, onde o personagem principal faz uma declaração de amor a sua mulher, que segundo ele era a sua alma gêmea, dizendo, entre outras coisas, que sempre a amou, mesmo quando a odiava, e que isso os casados entenderiam. Ri e dei toda a razão para ele.
Bem, os meus beijos especialíssimos para as minhas maravilhosas comentadoras da semana: Ly e Nadja. Obrigada, queridas, por acariciarem o meu ego semanalmente.
Beijinhos para todos e até a próxima semana!