quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A Cruz de Hainaut - Capítulo XIII (2ª parte)

Calais  -  4 de Setembro de 1346
 
 
Após a recusa de rendição do governador Jean de Vienne, em nome do Rei Filipe e de todos os cidadãos de Calais, Eduardo III iniciou a movimentação de suas tropas, com cerca de trinta mil homens, para a ocupação das terras em torno da fortaleza. Tendas brancas foram colocadas ao longo dos limites das muralhas, como uma maneira de demonstrar o poderio do exército inglês aos franceses. Não era sua intenção partir para o ataque, usando seus homens ou seus canhões. Desejava possuir a cidade e manter seus muros e fossos, pois precisaria deles para combater Filipe em seu próprio território. Calais era perfeita para seus planos, pois, além de estar nas fronteiras do Condado de Flandres, seu importante aliado na luta para o reconhecimento de seus direitos ao trono francês, encontrava-se no ponto mais próximo da Inglaterra, onde o canal marítmo entre os dois reinados era mais estreito, o que facilitava o acesso ao seu exército. No dia seguinte, colocaria em andamento suas próximas metas, dando início à construção da  cidadela, onde se estabeleceriam durante o cerco, e de uma torre de observação. O corte de árvores nos bosques próximos já fora iniciado. Precisariam de muita madeira para construção. Também dera ordens para que os animais da região fossem confiscados, com o objetivo de alimentá-los. Sentia-se animado, apesar de reconhecer que sua previsão   de espera, em meses, para tomar o porto francês, teria que ser ampliada. No entanto, sua animação não vinha de nenhuma perspectiva de batalha ou de vitória sobre a França, mas sim da noite maravilhosa que tivera com Filipa, e que o fizera recordar de seus primeiros meses de casado. Amanhecera confiante na ideia de que, aquele período passado em litoral francês, o levaria não só a vitória sobre Calais, mas também à reconquista do coração de sua esposa.
Enquanto Eduardo regozijava-se consigo mesmo, no centro da cidade, a movimentação era grande. Reunidos na prefeitura, Jean de Vienne e o comandante Fosseaux, que fora enviado dias antes para defender Calais, arquitetavam planos de defesa e resistência ao cerco.
Na zona nobre da cidade, um de seus cidadãos mais abastados acabara de realizar o grande sonho de sua vida. Entretanto, com o inicio do cerco pelos ingleses, a alegria fora substituída pelo medo. O futuro do primeiro filho, recém-nascido, de Jean d’Aire era nebuloso.  Este pai, um rico e conhecido ourives e dono de uma fábrica de botões, fizera sua fortuna criando joias de rara beleza e artefatos de coral. Requisitado pelos nobres da região e da corte, até a idade de 56 anos não conseguira ter um herdeiro que levasse adiante a sua arte e seus negócios. Sempre sonhara em ter um filho que se interessasse por seu trabalho e a quem ensinaria, assim como seu próprio pai o fez, todos os segredos da ourivesaria. Ele levaria o nome e as tradições  de sua família para as gerações futuras. No entanto, seu sonho foi definhando com o passar do tempo. Sua primeira esposa teve grande dificuldade para gerar um filho. Durante muitos anos, ele esperou pacientemente que seu desejo se tornasse realidade. Quando suas esperanças se perdiam, ela engravidou. A gestação foi complicada desde o início e a pobre mulher sofreu com náuseas e vômitos incoercíveis, dores no corpo, tonturas e cefaléias. Quando entrava no sétimo mês,  desencadearam-se fortes dores no ventre. Infelizmente, sua esposa não resistiu e acabou morrendo. O bebê, vindo prematuramente ao mundo, sobreviveu apenas algumas horas e também acabou por falecer. A tristeza de Jean d’Aire foi tanta, que quase sucumbiu diante das duas perdas terríveis. Muitos anos se passaram até que ele acabou por abrir seu coração mais uma vez e a esperança de ter um filho voltou a rondá-lo. Sua segunda esposa era jovem, bonita e saudável, filha de um de seus fornecedores. Ele a conheceu quando ela acompanhou o pai a Calais e acabou atraído pela jovem mulher. O casamento ocorreu  poucos meses depois. A gravidez foi anunciada mais de um ano após a união, período em que D’Aire, desesperado, começou a pensar na possibilidade de o problema ser seu ou fruto de alguma maldição desconhecida. Agora, finalmente, seu primeiro filho homem viera ao mundo. Um mundo ameaçado pela invasão e destruição. Todos sabiam que, no caso do rei inglês tomar posse da cidade, ninguém sobreviveria. Seriam mortos e seus bens distribuídos entre os soldados. Calais seria ocupada integralmente por famílias inglesas e não sobraria nem rastro dos antigos cidadãos.
Sentado diante do leito de Annie, sua mulher, que ainda se recuperava do esforço do parto e da perda de sangue, e do berço de Gustave, que dormia tranquilamente, alheio aos planos de conquista e morte do monarca ingles, D’Aire olhava para eles com ternura e preocupação.
- Senhor... – um de seus servos o interrompeu.
D’Aire apenas o olhou com aborrecimento.
- Eustache de Saint-Pierre está aqui. Pode recebê-lo? – continuou ele em voz baixa.
Ao ouvir o nome de seu amigo de longos anos, seu rosto iluminou-se. Levantou-se imediatamente da cadeira e foi na direção da porta onde estava Louis, seu criado.
- Mas é claro! Que ideia é essa de não poder receber meu amigo? Eustache é sempre bem vindo a nossa casa. – disse num sussurro, para não acordar sua esposa e o bebê. – Cuide para não acordá-los. Annie acabou de dormir e ela precisa repousar.
- Sim, senhor.
Ao entrar na sala, viu a figura alta, de porte elegante, olhos bondosos e um rosto alongado emoldurado pela espessa barba branca, cultivada após a morte de Flora.
- Eustache! Que alegria, meu amigo.
- Jean! Sinto não ter vindo antes, mas pode imaginar o caos em que nos encontramos com a atual situação. Muitos problemas para resolver.
- Eu sei o que quer dizer. Ainda não consegui ir à fábrica... Não consigo sair de perto... deles.
- Eu o entendo. Sei o quanto esperou por esse momento e agora...
- Sabe de alguma novidade? O Rei Filipe já está a caminho?
- As notícias não são nada boas. Filipe está com seu exército em frangalhos, após a derrota em Crécy. As probabilidades de que possa mandar reforços para cá e agora são mínimas.
D’Aire deixou-se cair pesado sobre uma cadeira.
- Andei pensando em mandar Annie e o menino para a casa de seus pais em Brugges, mas tenho medo de arriscar.
- Nem pense nisso. Se eles forem pegos tentando escapar, sabe-se lá o que farão com eles. É melhor ter paciência e rezar para que nosso rei possa mandar ajuda o mais breve possível. Até lá, conseguiremos nos manter seguros atrás de nossas muralhas.
- Tem razão, Eustache. Preciso acreditar que Deus não me daria um filho tão desejado por tanto tempo, apenas para tomá-lo de mim logo em seguida.
- Acredite e tenha fé, Jean.
- E seus filhos, como estão? – perguntou buscando animar-se.
- Achilles e Eric estão acompanhando a chegada dos últimos carregamentos no porto. Espera-se um bloqueio inglês ali também. Quanto à Corine, desde que o noivo chegou da Itália, não pára de falar nos presentes que ele lhe trouxe ou de contar os minutos para as visitas diárias que Pierre faz. Seu sorriso e suas palavras de ânimo nos faz esquecer um pouco da realidade.
- É o amor, Eustache. Isso é bom...
- Ela tenta esconder seus medos de nós. É uma boa menina... Ontem à noite, eu a ouvi chorando em seu quarto. Tenta nos manter otimistas, mas no fundo teme por seu futuro como qualquer um de nós.
- Vou lhe mostrar algo que o fará esquecer de nossas tristezas, amigo.
Eustache sorriu a imaginar o que D’Aire queria lhe mostrar.
- Foi para isso que eu vim. Não vejo a hora de conhecer este famoso herdeiro!
- Marie! – chamou pela ama de leite do menino.
À porta, surgiu uma jovem e rechonchuda senhora, de meigas feições e grandes olhos azuis.
- Sim, senhor?
- Por favor, traga Gustave. Quero apresentá-lo ao meu amigo, o senhor Eustache.
- Pois não, senhor.
- Marie... – chamou-a antes que ela se fosse.
- Sim?
- Cuide para não acordar Annie.
- Não se preocupe. Vou deixá-la descansar.
Dizendo isso, deixou os dois homens a sós, conversando sobre as alegrias de ser pai, esquecidos momentaneamente do assunto que mais os angustiava e atemorizava. O cerco.
 
(continua...)
 
 
Espero que todos tenham tido um excelente Natal, cercados pelas pessoas que amam, com o coração leve, preparados para o novo ano que vem aí. Afinal, a suposta previsão dos Maias não era real. Será que o Elyk teve algo a ver com isso?...rsrs
Quero aproveitar, também, para fazer uma correção de algo que me dei conta ao escrever o último texto. No capítulo X eu havia escrito que o nome da caçula de Eustache era Serafine. Corrigindo: o nome correto é Corine. Desculpem a falha. A correção já foi feita no capítulo citado.
Caso eu não consiga fazer uma última postagem antes do dia 31, gostaria de dizer que desejo um ano de 2013 fantástico, em todos os sentidos, a todos vocês, meus queridos. Considerem ter recebido uma segunda chance ao não ver o fim do mundo em que vivemos e que possamos recomeçar o ano com um olhar diferente sobre as pessoas e tudo mais que nos cerca. Compreensão e amor pelo próximo podem nos levar a um mundo melhor, já dizia aquele rapaz que fez aniversário no dia 25 de Dezembro. Acreditem nele, seja qual for sua crença.
Na última semana li  uma mensagem de Ano Novo do divino Carlos Drummond de Andrade. Deixo aqui as palavras dele, que são eternas, como presente de réveillon.
 

Feliz Olhar Novo
 
"O grande barato da vida é olhar para trás e sentir orgulho da sua história.
O grande lance é viver cada momento como se a receita de felicidade fosse o AQUI e o AGORA.

Claro que a vida prega peças. É lógico que, por vezes, o pneu fura, chove demais..., mas, pensa só: tem graça viver sem rir de gargalhar pelo menos uma vez ao dia? Tem sentido ficar chateado durante o dia todo por causa de uma discussão na ida pro trabalho?

Quero viver bem! Este ano que passou foi um ano cheio. Foi cheio de coisas boas e realizações, mas também cheio de problemas e desilusões. Normal. As vezes a gente espera demais das pessoas. Normal. A grana que não veio, o amigo que decepcionou, o amor que acabou. Normal.
O ano que vai entrar vai ser diferente. Muda o ano, mas o homem é cheio de imperfeições, a natureza tem sua personalidade que nem sempre é a que a gente deseja, mas e aí? Fazer o quê? Acabar com o seu dia? Com seu bom humor? Com sua esperança?

O que desejo para todos é sabedoria! E que todos saibamos transformar tudo em boa experiência! Que todos consigamos perdoar o desconhecido, o mal educado. Ele passou na sua vida. Não pode ser responsável por um dia ruim... Entender o amigo que não merece nossa melhor parte. Se ele decepcionou, passe-o para a categoria 3. Ou mude-o de classe, transforme-o em colega. Além do mais, a gente, provavelmente, também já decepcionou alguém.

O nosso desejo não se realizou? Beleza, não estava na hora, não deveria ser a melhor coisa pra esse momento (me lembro sempre de um lance que eu adoro): CUIDADO COM SEUS DESEJOS, ELES PODEM SE TORNAR REALIDADE.

Chorar de dor, de solidão, de tristeza, faz parte do ser humano. Não adianta lutar contra isso. Mas se a gente se entende e permite olhar o outro e o mundo com generosidade, as coisas ficam bem diferentes.

Desejo para todo mundo esse olhar especial.

O ano que vai entrar pode ser um ano especial, muito legal, se entendermos nossas fragilidades e egoísmos e dermos a volta nisso. Somos fracos, mas podemos melhorar. Somos egoístas, mas podemos entender o outro. O ano que vai entrar pode ser o bicho, o máximo, maravilhoso, lindo, espetacular... ou... Pode ser puro orgulho! Depende de mim, de você! Pode ser. E que seja!!!

Feliz olhar novo!!! Que o ano que se inicia seja do tamanho que você fizer.

Que a virada do ano não seja somente uma data, mas um momento para repensarmos tudo o que fizemos e que desejamos, afinal sonhos e desejos podem se tornar realidade somente se fizermos jus e acreditarmos neles!"
 
Um beijo do tamanho do mundo e um mega abraço a vocês, meus amigos e leitores muito amados!
 
 
 

6 comentários:

  1. Oi Rô!
    Quando você posta os capítulos separadamente fica parecendo que são dois romances independentes, assim acaba parecendo menos longa a distância entre as postagens.
    Achei lindo o amor que Eduardo ainda nutre por Filipa, imagino como se sentiam as mulheres nessa época, fossem nobres ou não, saber e aceitar como um fato normal da vida que os maridos tivessem outras mulheres. No post anterior fiquei felicíssima por ele tê-la procurado, o beijo apaixonado foi lindo e agora essa esperança de reconquistá-la, ai, ai....
    Beijos amiga e um maravilhoso ano novo, que venha repleto de sonhos realizados!!!

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  2. Rô, também concordo com esse formato de postagem, nos deixa menos ansiosas pela próxim... xD

    A história de Eduardo e Filipa também me encanta. E ô tempos difíceis eram esses, viu....

    Que 2013 seja mais um ano onde vc irá realizar seus novos sonhos... Bjim ♥

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  3. Oi,meus amores! Bom saber que vcs preferem esse tipo de postagem em separado. Sei tb que agora fica meio difícil entender o que uma história tem a ver com a outra, mas no final vcs entenderão. A descrição das personagens na parte de Calais é necessária para entender o que aconteceu ao final do cerco.
    Muito obrigada pela companhia de vcs nesse ano de 2012, que eu espero poder continuar contando em 2013. Adoro vcs e desejo um réveillon com muita festa e alegria e um Novo Ano repleto de surpresas agradáveis. Uma delas bem que poderia ser um encontro entre a gente. Isso seria o máximo! Muitos beijos, Ly e Nadja!

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    1. Oi Rô!!!
      Não é que gostemos mais desse formato, acredito que a Li também pensa assim, é que como você está numa correria grande, logo meio sem tempo, fica menor o tempo entre as postagens, mas assim que tudo se normalizar pode voltar a postar o passado e o presente juntos amiga, não se acanhe! rsrsrs.
      E claro que a presença continuará em 2013, 2014, 2015.....
      Também espero que possamos nos encontrar, não vejo a hora de ter mais fotos como a que tenho com a Roseli!!!
      Beijos amiga, te amo!!!!!

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  4. Feliz Festas Rô que Deus esteja sempre contigo, muita saúde, felicidades, paz, amor e muitos romances ao vento afinal são essas estórias que nos abrilhanta e faz transcorrer os dias com mais leveza. E o mais importante que nossa amizade se fortaleça ainda mais esse ano.

    Adoro-te muitão, super beijo.

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  5. Imagino o entusiasmo do Eduardo após a grande noite que passou ao lado de sua amada esposa. Isso realmente lhe deu ar nos pulmões para sonhar alto nessa batalha.
    De lado oposto, coitado do Jean! Sofreu a morte da esposa e do filho, conseguiu se reerguer, casou-se novamente e justo na hora que seu filho nasceu, a guerra está para estourar em sua localidade. Que desespero!!! Quando amamos alguém, esquecemo-nos de nós mesmos para pensar, primeiramente, nas pessoas que amamos. Ele tinha a esposa e o tão desejado fruto da sua união, seu filhinho, tão puro! Não gosto nem de imaginar uma situação tão aflitiva como esta.
    Para que tantas guerras, porque as pessoas não se contentam em ser, ao invés de ter? Não entendo a cobiça tão deslavada de tantos em detrimentos de outros que sofrem desmesuradamente. Querer auferir dinheiro, ter posses, não é pecado, é saudável. Contudo, como sentir-se satisfeito ao saber que há pessoas injustiçadas com uma ação que tomamos? Sei lá, às vezes, penso que tudo está muito errado, não vejo como o mundo pode melhorar. Sim, a sua história é antiga, mas vivemos esse quadro em todos os tempos, como agora. As guerras são infindáveis, pois a soberbia e prepotência humana são infinitas.
    Amiga, fiquei muito tocada pelo dor do Jean, tomara que ele e a família fiquem bem.
    Beijinhos

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Cantinho do Leitor
Este cantinho está reservado para que coloquem suas críticas a respeito de meus romances e do blog. A sua opinião é muito importante para mim. Se tiverem alguma dificuldade em postar aqui, deixem mensagem na caixa de recados.
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