quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Erik - Capítulo XIX

Já nem pensávamos mais no ocorrido naquela última segunda feira, quando um mensageiro chegou à joalheria, no início da tarde, com uma mensagem para mim.
“Senhor Erik Bell,
Estarei aguardando-o na rua Durward, 55, em Whitechapel, esta noite, às 23 horas, para tratar de assunto do seu interesse. Venha sozinho.
Charles Palmer”
O que este canalha esperava falar comigo? Provavelmente vingar-se ou talvez quisesse algum dinheiro para deixar-nos em paz. Teria ele descoberto alguma coisa de meu passado? Em nosso último encontro ele perguntara se eu já havia matado alguém. Será? Eu precisava ir a este encontro para esclarecer tudo de uma vez por todas. Tomaria minhas precauções. Tinha de manter Catherine e Paul afastados disso. No horário marcado eles provavelmente já teriam se recolhido e eu poderia sair sem ser visto. Este bairro, Whitechapel, era muito pobre. Seria este o seu endereço? De qualquer maneira só teria minhas respostas rebatidas ao encontrá-lo.
As horas restantes da tarde pareceram passar mais lentamente que o habitual. Tentava prever o que ocorreria naquele encontro da noite. Não pretendia ir armado. Chegaria mais cedo para observar o local e tentar descobrir algum tipo de emboscada. A noite ainda poderia ser minha camuflagem, como em tantas outras ocasiões.

- Você parece preocupado com alguma coisa, querido. O que é?
- Não é nada, Catherine. Acho que estou apenas cansado. Tivemos muito trabalho hoje.
- É verdade. O movimento da loja e das encomendas é cada vez maior. Logo teremos de pensar em ampliar nossa oficina. Talvez procurar um local maior, contratar um ourives e um novo funcionário para atender no balcão – disse Paul todo orgulhoso com nosso sucesso.
- Vocês não estão satisfeitos com o meu trabalho? – disse Catherine simulando uma carinha de choro.
- Não é isso, querida. Acho que não fica bem a irmã de um próspero comerciante, noiva de seu sócio, ficar atendendo como uma simples balconista. Você não acha, Erik?
- Concordo plenamente com você, Paul. Já tinha pensado nisso, mas não quis arranjar briga com a Catherine. Foi bom você ter tocado no assunto – falei assim, dando uma piscada de olho para meu sócio. Nesta semana eu havia desenhado o anel de noivado de Catherine e Paul ficara encarregado de torná-lo real Assim que ele o tivesse terminado, combinamos que eu pediria oficialmente a mão de Cathy em casamento.
- Parece que há um complô armado contra mim. O que posso eu fazer, a não ser acatar as ordens de meus senhores?

Eram 20 horas quando acabamos de jantar. Catherine tocou um pouco de piano para nós. Ela estava tocando cada vez melhor. Cerca de uma hora depois todos concordaram que estava na hora de nos recolhermos. Demos boa noite para Paul e acompanhei Catherine até a porta de seu quarto.
- Boa noite, meu amor
- Boa noite, Erik. – disse, abraçando-me. Tinha medo de que, dependendo dos acontecimentos ao cabo daquela noite, não pudesse mais vê-la ou beijá-la. Por isso, abracei-a com força e dei-lhe um longo e ardente beijo.
- Oh, meu amor. Não vejo a hora em que possamos passar o resto da noite juntos. Sem despedidas na porta de meu quarto. Te amo muito, Erik...
- Também te amo, Catherine. Nunca se esqueça disso.
Despedimos-nos. Fui para o sótão iniciar meus preparativos para o encontro. Voltei a vestir minha velha capa preta e meu chapéu de abas largas, que há muito não eram usados, mas que poderiam ajudar-me como disfarce. Assim que não ouvi mais rumores na casa, desci silenciosamente, saindo pelos fundos.
Peguei um coche que me levou até as imediações de Whitechapel. Não foi difícil chegar até o endereço dado por Charles. Não se via nenhum movimento por ali. O relógio já marcava 22:10 horas quando procurei olhar pelas janelas, do outro lado da rua. Era um prédio miserável, pouco iluminado. Enquanto tentava descobrir se havia alguém de tocaia nas proximidades, ouvi um grito terrível de mulher, vindo do interior da moradia, seguido pelo som de dois tiros de pistola.
Corri até a porta da entrada. Ela abriu-se e, para meu espanto Charles apareceu com olhar apavorado.
- Erik, entre! Aconteceu uma coisa horrível!
Ingenuamente, atendi ao seu apelo, preocupado com a mulher que emitira o pedido de socorro. Tão logo a porta fechou-se atrás de mim, ouvi a voz fria de Charles, que já me olhava com ar zombeteiro:
- Você chegou cedo, Erik. Mas não tem problema.
A minha frente, deparei-me com a figura de uma mulher semidespida, morta, com um tiro no peito e outro na cabeça.
- Você a matou?
- Não, meu caro. VOCÊ a matou. Infelizmente vocês discutiram. Você contou a ela que não a queria mais por estar noivo de uma bela jovem. Ela pegou uma arma que tinha guardado e atirou em você. Antes de morrer, você teve forças de alcançar a pistola e atirar nela.
Eu olhava incrédulo para o que aquele louco estava me dizendo.
- A polícia deve estar chegando. Convenci um conhecido a avisá-los, pois temia que algo de mal acontecesse a minha querida Polly esta noite.
- Ela deve ser a pobre apaixonada que ainda o sustentava.
- Parece que você está bem informado a meu respeito, não? Pena que toda esta informação não terá valor algum no próximo minuto. Planejei tudo muito bem. Imagine a pobre Catherine e seu irmão otário quando souberem que você tinha Polly, uma prostituta, como amante. Ela vai ficar completamente arrasada. Antes de a polícia chegar, terei armado a cena do crime passional perfeita, e saído calmamente pelos fundos. Agora, vamos parar de conversar e acabar logo com isso. Aproxime-se dela. Não estou querendo fazer muita força para colocá-la ao seu lado. AGORA!
- O que você ganha com tudo isso, Charles? Não tem sentido!
- Vingança, meu caro. Vingança!
Pensava numa maneira de escapar de sua mira. Como eu tinha me deixado cair naquela emboscada? Realmente eu já não era mais o mesmo. Quando pensava que tudo estava perdido e meus últimos pensamentos iam para Catherine, uma voz feminina e enfraquecida se fez ouvir na sala, atrás de Charles.
- Largue esta arma, Charles. Você não vai arruinar a vida de mais ninguém.
Eu não conseguia acreditar no que via. Era Emma. Mas o que ela tinha a ver com aquele bandido?
- Mãe? O que você está fazendo aqui? Saia! A polícia já deve estar chegando.
- Que bom. Assim eles vão poder jogá-lo numa prisão, onde não poderá prejudicar mais ninguém. Senhor Erik, por favor, vá embora. Eu resolvo esta situação com o meu filho.
- Filho?
- Eu me sinto responsável por tudo que está acontecendo. Fui eu que, inocentemente, falei sobre a senhorita Catherine para ele. A partir daí, ele passou a assediá-la.
- Mãe! Você não vai ter coragem de fazer isto comigo!
- Vou! A não ser que você queira matar a mim também. Mas aí ficará difícil de explicar a minha presença na sua cena perfeita. Além do mais, deixei uma carta na casa do senhor Erik explicando tudo e contando a nossa história. Vá, senhor Erik, agora, antes que seja tarde. Não o quero envolvido nesta sujeira. O senhor foi das poucas pessoas que me trataram com respeito nos últimos trinta anos. Vá! Fuja! Eu vou ficar bem.
Ainda estava pasmado com tudo que estava acontecendo, mas compreendi que ela tinha razão. Eu não podia envolver-me com a milícia. Assim, segui a sua ordem e saí em direção aos fundos da casa. Charles tentou seguir-me, com olhar desvairado, mas Emma jogou-se a sua frente, entre nós, lutando contra ele. Pude ouvir os gritos dos policiais, batendo na entrada da casa e o som de arrombamento, seguido de um tiro. Fiquei tentado a voltar, preocupado com o que poderia ter acontecido a Emma, mas meu instinto de sobrevivência foi maior.
Ainda estava chocado com tudo que acontecera, quando cheguei em casa. Fui procurar pela tal carta da qual Emma falara durante sua discussão com Charles. Lá estava ela, sobre a cômoda de seu dormitório. Subi até meu quarto, onde, após desvencilhar-me de minhas vestes noturnas, pude revelar o conteúdo da sua carta.

“Meu caro Senhor Erik,
Deixo este relato minucioso de minha vida, na esperança de que algum dia o senhor, o senhor Paul e a senhorita Catherine possam me perdoar por ter sido a responsável involuntária em fazê-los cruzar com uma pessoa chamada Charles Palmer, meu filho.
Tudo começou há 30 anos quando eu trabalhava como empregada na mansão do Duque de Devonshire. Lá fui envolvida amorosamente por este nobre senhor, que me expulsou de sua casa tão logo soube de minha gravidez, deixando-me sem recursos para sustentar a mim ou ao seu filho que estava por nascer. Graças à bondade de algumas mulheres de um prostíbulo nas margens do Tamisa, que me acolheram ao verem meu estado, grávida e esfomeada, meu filho pôde nascer em lençóis limpos. Após o parto, para pagar a hospedagem, trabalhava para elas, fazendo pequenos serviços, cozinhando e limpando os cômodos. Infelizmente, acabei por ter de sair de lá e tentar conseguir emprego em outro lugar. Com um filho recém-nascido nos braços era difícil de conseguir qualquer ocupação. Por isso, fui obrigada a deixar Charles em um orfanato local, para poder buscar nosso sustento. Esperava tirá-lo de lá assim que conseguisse fazer algumas economias, mas o tempo foi passando e isto não se realizou. Apesar de visitá-lo sempre que possível, meu filho cresceu revoltado, sempre se metendo em confusões ou provocando brigas. Até que, aos 16 anos, foi expulso do orfanato, pois já não agüentavam a sua presença lá. Na época, eu trabalhava como cozinheira na casa de uma nobre senhora, viúva do Barão de York. Charles foi á minha procura. Consegui, com a permissão da baronesa, um lugar para ele dormir, nas estrebarias da propriedade. Logo ele armou uma briga com um dos empregados e foi expulso de lá. Por pouco não perdi meu emprego. Antes de ir embora, obrigou-me a revelar quem era seu pai. Quando soube que era filho ilegítimo do Duque, passou a ter como idéia fixa tornar-se um distinto nobre. A partir daí não descansou até conseguir falar com o pai. Quando conseguiu, começou a fazer chantagem para poder extorquir dinheiro, ameaçando contar a verdade para a duquesa e seus filhos. A semelhança entre eles era tal que não deixava dívidas sobre a afirmação do rapaz. Exigiu uma renda mensal, que nunca era suficiente, pois gastava tudo em jogos de azar e com prostitutas. O Duque, cansado de ser explorado por solicitações cada vez maiores de dinheiro, passou a negar o auxílio. Isto deixou Charles enfurecido. Poucos dias depois de negar novos pagamentos ao bastardo, o Duque de Devonshire foi morto durante uma caçada. Foi considerada morte acidental. Nunca se soube qual espingarda disparara o tiro fatal, mas eu sabia. Charles, então com 26 anos, passou a viver do jogo. Às vezes estava bem, mas na maioria das vezes mal tinha o que comer. Era quando recorria a mim, que acabava por dar-lhe todas minhas parcas economias. Por ter boa aparência e ser bom observador dos modos elegantes dos nobres, passou a galantear as jovens abastadas de Londres ou ligadas à nobreza. Porém, quando a família investigava seu passado, tudo acabava.
Meses atrás, havia sido despedida de meu emprego, graças a Charles ter ido a minha procura e feito um escândalo por eu não ter dinheiro para lhe dar, na frente de minha patroa. Mais uma vez estava na rua, sem ter para onde ir. Foi aí que o conheci, senhor Erik.
Jamais esquecerei sua bondade ao me ver perdida, pedindo dinheiro a quem passava, pois não conseguia uma colocação devido a minha idade e por não ter referencias. O senhor levou-me para trabalhar em sua casa como governanta, acreditando apenas na minha palavra sobre os meus empregos anteriores. Nesta época fiquei sabendo que meu filho andava de caso com a pobre Polly. Ele arranjara alguém que o sustentasse entre uma jogatina e outra, quando as coisas iam mal. Passei a visitá-la de vez em quando para ter notícias de Charles. Ainda me sentia culpada por ele ter se transformado naquele tipo de homem. Numa destas visitas, contei sobre meu novo emprego e citei a senhorita Catherine. Só dei conta de meu erro, quando soube que ele estava flertando com ela. Comecei a ter medo do que poderia acontecer. Passei a ficar atenta às suas conversas, para saber até onde aquele infeliz poderia chegar. Dei graças aos céus quando soube que ela estava apaixonada pelo senhor e não por Charles. Temi por vocês quando os vi chegar naquela segunda feira, com a senhorita Catherine abalada pelo ataque sofrido. Polly me alertou sobre os planos de vingança de Charles. Ele enlouqueceu de vez. Por isso, após concluir este meu relato, pretendo ir até lá para tentar impedir que meu filho torne a cometer outro crime. Novamente, peço-lhe perdão por tudo de ruim que possa ter provocado.
Sinceramente,
Emma Palmer Chapman”

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