Faltava pouco para o dia amanhecer quando consegui conciliar o sono. Este veio por pura exaustão, após passar um bom período pensando em tudo que acontecera em tão curto espaço de tempo. A emoção de poder ter Catherine ao meu lado, correspondendo ao meu amor, construindo uma vida junto a mim, uma família. Tudo parecia um sonho. Tudo o que conseguira até aqui. Tinha tido muita sorte. Preocupava-me a reação daquele embusteiro do Charles Palmer, quando Paul e Catherine abortassem os seus planos de casamento com uma rica herdeira. Não imaginava que nossa joalheria estivesse com tamanha fama, a ponto de tornar Catherine alvo deste tipo de caçador de dotes. Ele devia estar realmente desesperado.
Com alguma dificuldade, acordei para trabalhar. Lavei-me e desci para tomar o desjejum. Na sala, já me aguardavam, com expressões de contentamento, Paul e Catherine.
- Bom dia, meu caro Erik! Dormiu bem? – saudou-me jovialmente o meu amigo.
- Bom dia. Não tanto quanto gostaria, mas o suficiente. Bom dia, Catherine.
- Bom dia - falou com um sorriso maroto nos lábios.
- Estávamos aguardando-o para tomar o café da manhã. Vamos sentar?
- Claro!
A senhora Emma, aparentemente já refeita do susto da noite anterior, cumprimentou a todos e passou a servir-nos.
_ Catherine me falou que talvez tenhamos novidades nesta casa. Será que eu posso saber do que se trata?
Paul não conseguia disfarçar a alegria pelo que, certamente, já tinha ouvido de Catherine antes de minha chegada.
- Bem, Paul, eu gostaria de falar sobre este assunto de maneira mais formal, como o tema exige, mas pelo visto a senhorita, sua irmã, não conseguiu esconder os fatos que ocorreram após a sua saída, na noite de ontem – tentei falar em tom formal, mas o clima reinante era de descontração.
- Ah, Erik, eu não resisti e acabei contando a Paul a nossa conversa. Você não está chateado, está? – aquele olhar de súplica quase infantil no rosto de Catherine ao falar só me incitava a beijá-la.
- De forma nenhuma. Pelo contrário, me poupa de dar explicações para o seu irmão – ponderei lascivamente.
_ Como assim? Vou querer um pedido formal. O que você está pensando? – disse Paul, caindo na gargalhada logo em seguida.
Levantou-se da cadeira e veio em minha direção.
- Erik, você não tem idéia de como estou feliz com este entendimento de vocês. Finalmente vou tê-lo como um legítimo irmão. É isso, não? Ou estou sendo precipitado?
- Paul, você me deixa sem palavras falando desta maneira. Não sei se mereço tanto.
Não conseguia esconder minha emoção ao levantar-me e ser abraçado efusivamente por Paul.
- Desse jeito eu vou começar a chorar...
Voltei-me na direção da responsável por aquelas últimas palavras, que estava ao meu lado, e disse, pegando firmemente em sua delicada mão e mirando o fundo de seus olhos.
- De hoje em diante, uma de minhas prioridades na vida vai ser fazê-la feliz. Portanto, nada de choro.
- Bem, – falou Paul, visivelmente emocionado – vamos terminar o café. Infelizmente o trabalho nos espera. De qualquer maneira podemos fazer uma comemoração hoje à noite. O que acham?
A resposta foi unanimemente positiva.
Durante todo aquele clima de festejo e descontração, notei a senhora Emma com uma nova expressão, que não aquela melancolia permanente. Ela quase estava sorrindo, parecendo regozijar-se com a nossa alegria.
Passei a manhã um pouco tenso, apesar do clima de congraçamento reinante na loja. Estava apreensivo pelo aparecimento de Charles e a finalização deste relacionamento abominável com Catherine. Porém, ele não apareceu, apesar da ansiedade que demonstrava no dia anterior, em sua conversa no café. Talvez tivesse desistido. Seria bom demais ficar livre daquele marginal sem discussões desagradáveis.
Durante o almoço, resolvemos sair à noite para um jantar especial de comemoração. Paul e eu decidimos levar Cathy no “Rules”, onde já tínhamos tido a oportunidade de saborear a cozinha maravilhosa.
À tarde, Catherine teria que abrir a loja sozinha, pois Paul e eu teríamos de dividir tarefas fora. Ele combinara de visitar um cliente importante e eu teria que comprar material para fazer ligas metálicas necessárias para nosso trabalho de ourivesaria O que se passou após nossa despedida em frente à joalheria, me foi relatado mais tarde por Catherine.
Ela deu início ao atendimento. Quando Charles apareceu, com um ramo de rosas nas mãos, um largo sorriso nos lábios e extremamente galanteador, não havia nenhum outro cliente no local.
- Bom dia, minha cara. Seu irmão está? Vim conforme tínhamos combinado.
- Bom dia, senhor Charles. Estávamos esperando-o no período da manhã.
- Sinto tê-la deixado apreensiva com meu atraso. Agora estou aqui para compensarmos esta minha falta.
- Não é essa a questão. Paul teve de ausentar-se agora neste início de tarde e não poderá falar-lhe.
- Ah, mas eu posso adiar meus outros compromissos e aguardá-lo em seu retorno para conversarmos. Você sabe como é importante para eu ter você ao meu lado o mais breve possível. Meu amor não resiste mais esperar para poder visitá-la em sua residência e firmarmos o nosso compromisso o mais cedo possível – disse-lhe, lançando um olhar lânguido e apaixonado.
- Ele não deve demorar, mas talvez possamos começar nossa conversa antes da chegada de Paul.
- Querida! Não imaginava que você fosse tão fogosa. O seu guarda-costas mal encarado também não está?
- Acho que o senhor está sendo precipitado em suas palavras.
- Não creio, meu amor. Que tal aproveitarmos que estamos a sós?
Ele foi aproximando-se dela com olhos de cobiça. Entregou-lhe o ramalhete e aventurou-se a envolver-lhe a cintura com as mãos. Imediatamente foi rechaçado, o que o deixou muito surpreso.
- Está bem, se você prefere ser difícil. Tenho toda a paciência do mundo, Cathy.
- Senhor Charles, por favor. Sinto dizer que as coisas mudaram.
Após alguns segundos, com olhar atônito, conseguiu falar:
- Como assim, mudaram? O que mudou? Há dois dias combinamos que hoje eu falaria com seu irmão para que ele permitisse minhas visitas em sua casa, no que você concordou muito satisfeita.
Ele falava com a voz rouca, em tom cada vez mais baixo e a face alterada.
- Acalme-se, por favor. Não temos nenhum compromisso. Achei que éramos amigos. Nada mais.
- Como assim, amigos? Você acha que eu vinha aqui quase que diariamente para perder meu tempo com uma amiga? Que a convidei para ir ao baile, como amiga? Que perdi de dançar com dezenas de outras mulheres mais interessantes e mais ricas que você, por amizade?
- O senhor está me assustando. Não era minha intenção dar-lhe falsas esperanças. E, como o senhor mesmo insinuou agora, deve haver dezenas de moças mais prendadas e mais RICAS do que eu, que o interessariam mais e que adorariam jogar-se em seus braços. Sinto saber que o seu interesse não estava centrado apenas em mim como pessoa, mas no dote que eu pudesse lhe oferecer. Vou ser obrigada a pedir-lhe que se retire. Além do mais, já estou comprometida.
Aquela foi a gota d’água aos ouvidos de Charles, que se viu completamente transtornado por ver seus planos esfacelados, lançado novamente na miséria.
Segurou Catherine pelos ombros, num rompante de fúria, puxando-a contra si com força.
- Pare! O senhor está me machucando! Não faça isso! – Catherine estava chocada com a reação de seu “amigo”.
- Então, alguém foi mais esperto que eu. Quem é o felizardo? Não me diga que é aquele aleijado?
- Não fale dele dessa maneira. Infelizmente, só agora percebo que você não chega aos pés dele.
- Então é ele... Ora, então me deixe beijar a noiva.
Ela viu a boca asquerosa aproximando-se da sua, enquanto tentava de todas as maneiras safar-se daquele abraço indesejado.
Quando já estava quase sem forças para lutar, repentinamente, Charles foi como que arrancado do chão, de tal maneira que a soltou imediatamente. Quando ela conseguiu sentir-se livre, viu Charles caído no chão com um fio de sangue a escorrer da narina direita, ainda tonto com o murro que levara de Erik.
Quase enlouqueci ao ver aquele desgraçado agarrando Catherine. Eu poderia matá-lo naquele momento, mas algum poder maior segurou minhas mãos. Eu tinha de saber se ela estava bem, por isso fui ajudá-la a levantar-se, abraçando-a.
- Você está bem, querida?
- Ohhh! Mas que amoroso! Veio salvar sua pobre noivinha?
Mesmo abatido e sangrando, sua língua bestial continuava fazendo sarcasmo e escoando veneno.
- Vocês vão me pagar. Isto não vai ficar assim. Pode ficar com a sua roceira. Ela nunca vai passar disso mesmo. Talvez vocês se mereçam. Um aleijão e uma camponesinha ignorante.
- Vá embora daqui, seu verme, e não apareça nunca mais ou vai se haver comigo.
- Ah, estou morrendo de medo. Você já matou alguém? Provavelmente sim. Você não me engana. Você não perde por esperar.
Dizendo isso, levantou-se com dificuldade e saiu mancando, com um sorriso diabólico impresso na face inchada, de nariz quebrado, pelo soco recebido.
Na saída, esbarrou em Paul que vinha chegando de seu compromisso. Quase foi derrubado por Charles, que atravessava a porta ofuscado pelo ódio.
- O que houve? - perguntou pasmado.
- Charles tentou agarrar Catherine. Ainda bem que cheguei na hora.
- Mas, porquê?
- Eu falei a ele que o tinha em consideração, como amigo. Aí ele pareceu enlouquecer e começou a mostrar seus verdadeiros propósitos para comigo. Praticamente deixou claro que estava interessado apenas no meu dote. Foi horrível! – falou Catherine, começando a chorar e escondendo o rosto no peito de Erik, que ainda a mantinha abraçada.
- Acho melhor irmos para casa. Paul, eu vou levá-la. Você não se importa de ficar sozinho?
- Não, claro que não. Você está bem, Cathy?
- Estou. Não se preocupe.
- Vou ficar aqui mais um pouco e trabalhar na oficina. Assim que terminar, fecho a joalheria mais cedo e vou para casa. Cuide dela, Erik.
- É claro.
Ao chegarmos em casa, levei Catherine para o seu quarto para que ela pudesse trocar de roupa e descansar um pouco. Pedi ajuda à senhora Emma.
_ Você está bem, mesmo?
_ Estou, meu amor. Se não fosse você, não sei o que poderia ter acontecido.
_ Agora descanse. Eu vou estar lá embaixo. Se precisar de qualquer coisa, me chame, está bem? - disse isso e dei-lhe um beijo na face. Deixei-a aos cuidados de Emma.
Fui para o meu quarto pensando sobre o ocorrido. Teríamos que ter cuidado. Charles tinha sido ferido em seu orgulho próprio e visto seus planos desfeitos de uma hora para outra. Sendo ele quem era, pelo que pude ouvir da conversa naquele café, ele procuraria vingar-se. Infelizmente, eu conhecia aquele tipo de sentimento muito bem.
Quando desci, resolvi tocar um pouco de piano para desanuviar a mente e relaxar. Enquanto tocava, distraidamente, senti dois braços enlaçando-me o pescoço e aquele perfume suave, que eu tanto apreciava, envolvendo-me. Parei de tocar e prendi as mãos de Catherine, ainda em torno de mim, contra meu peito.
_ Não acha melhor descansar um pouco mais?
_ Não. Prefiro ficar aqui com você, ouvi-lo tocar – suas palavras faziam cócegas em meu ouvido, o que era muito agradável.
Rodei a banqueta onde estava sentado, de forma a ficar de frente para ela, passando meus braços em torno de sua cintura delgada. Abracei-a e deitei minha cabeça sobre seu colo. Ela passou a acariciar-me os cabelos e o pescoço. Uma sensação de bem estar tomou conta de mim, como se me sentisse em casa pela primeira vez, depois de uma longa viagem. Levantei a cabeça, de forma a olhá-la de frente, querendo gravar cada milímetro daquele rosto amado em minha memória, para poder lembrá-lo quando não estivéssemos juntos. Aqueles olhos, sua boca...Catherine foi aproximando-se. Seu olhar apaixonado era um bálsamo para minha velha alma atormentada. Finalmente, nossos lábios tocaram-se, num beijo muito doce.
_ Toque para mim, Erik.
Não só toquei, como também cantei uma nova canção que havia composto
nos últimos dias, quando ainda estava atormentado pela dúvida em declarar meu amor por ela. A canção teve o poder de tranquilizá-la. Pude sentir pelo seu doce olhar que ela seria minha para sempre.
Até o momento em que Paul chegou, ficamos a tocar piano e a trocar carícias.
_ Desculpem ter demorado tanto, mas clientes acabaram aparecendo e não pude fechar a joalheria mais cedo. Você está bem, Catherine? Pelo que estou vendo já se recuperou do susto – disse maliciosamente, olhando para os dois abraçados – Agora quero me contem exatamente o que aconteceu.
Catherine passou a relatar o ocorrido em detalhes. Assim que terminou, Paul falou, impressionado com o que acabara de ouvir:
_ Realmente, Erik, você tinha razão em ficar preocupado com as atitudes daquele sujeito.
_ Como assim? Que atitudes? – perguntou Catherine
_ Lembra quando lhe falei que tinha sabido que Charles era jogador e que estava falido e por isso tinha se aproximado de você?
_ Sim.
_ Pois é. Foi Erik que ouviu uma conversa dele com outro jogador, num café da cidade. Ele estava se preparando para pedi-la em casamento e conseguir dinheiro através do dote. Eu pedi a ele que não tomasse nenhuma ação precipitada e que aguardasse os acontecimentos.
_ Que sujeito repelente. E pensar que acreditei e fiquei com pena dele, quando me contou de sua luta contra o vício e a má fama improcedente junto às famílias daqui.
_ Bem, agora que tudo está resolvido, que tal nos prepararmos para a nossa noite comemorativa. Ou já esqueceram? - Paul não perderia um festejo por nada deste mundo.
_ Claro que não. Vamos festejar – falou Catherine alegremente.
Cerca de uma hora mais tarde, estávamos os três a caminho do Rules. Desta vez, com lugares reservados e trajes adequados.
Com alguma dificuldade, acordei para trabalhar. Lavei-me e desci para tomar o desjejum. Na sala, já me aguardavam, com expressões de contentamento, Paul e Catherine.
- Bom dia, meu caro Erik! Dormiu bem? – saudou-me jovialmente o meu amigo.
- Bom dia. Não tanto quanto gostaria, mas o suficiente. Bom dia, Catherine.
- Bom dia - falou com um sorriso maroto nos lábios.
- Estávamos aguardando-o para tomar o café da manhã. Vamos sentar?
- Claro!
A senhora Emma, aparentemente já refeita do susto da noite anterior, cumprimentou a todos e passou a servir-nos.
_ Catherine me falou que talvez tenhamos novidades nesta casa. Será que eu posso saber do que se trata?
Paul não conseguia disfarçar a alegria pelo que, certamente, já tinha ouvido de Catherine antes de minha chegada.
- Bem, Paul, eu gostaria de falar sobre este assunto de maneira mais formal, como o tema exige, mas pelo visto a senhorita, sua irmã, não conseguiu esconder os fatos que ocorreram após a sua saída, na noite de ontem – tentei falar em tom formal, mas o clima reinante era de descontração.
- Ah, Erik, eu não resisti e acabei contando a Paul a nossa conversa. Você não está chateado, está? – aquele olhar de súplica quase infantil no rosto de Catherine ao falar só me incitava a beijá-la.
- De forma nenhuma. Pelo contrário, me poupa de dar explicações para o seu irmão – ponderei lascivamente.
_ Como assim? Vou querer um pedido formal. O que você está pensando? – disse Paul, caindo na gargalhada logo em seguida.
Levantou-se da cadeira e veio em minha direção.
- Erik, você não tem idéia de como estou feliz com este entendimento de vocês. Finalmente vou tê-lo como um legítimo irmão. É isso, não? Ou estou sendo precipitado?
- Paul, você me deixa sem palavras falando desta maneira. Não sei se mereço tanto.
Não conseguia esconder minha emoção ao levantar-me e ser abraçado efusivamente por Paul.
- Desse jeito eu vou começar a chorar...
Voltei-me na direção da responsável por aquelas últimas palavras, que estava ao meu lado, e disse, pegando firmemente em sua delicada mão e mirando o fundo de seus olhos.
- De hoje em diante, uma de minhas prioridades na vida vai ser fazê-la feliz. Portanto, nada de choro.
- Bem, – falou Paul, visivelmente emocionado – vamos terminar o café. Infelizmente o trabalho nos espera. De qualquer maneira podemos fazer uma comemoração hoje à noite. O que acham?
A resposta foi unanimemente positiva.
Durante todo aquele clima de festejo e descontração, notei a senhora Emma com uma nova expressão, que não aquela melancolia permanente. Ela quase estava sorrindo, parecendo regozijar-se com a nossa alegria.
Passei a manhã um pouco tenso, apesar do clima de congraçamento reinante na loja. Estava apreensivo pelo aparecimento de Charles e a finalização deste relacionamento abominável com Catherine. Porém, ele não apareceu, apesar da ansiedade que demonstrava no dia anterior, em sua conversa no café. Talvez tivesse desistido. Seria bom demais ficar livre daquele marginal sem discussões desagradáveis.
Durante o almoço, resolvemos sair à noite para um jantar especial de comemoração. Paul e eu decidimos levar Cathy no “Rules”, onde já tínhamos tido a oportunidade de saborear a cozinha maravilhosa.
À tarde, Catherine teria que abrir a loja sozinha, pois Paul e eu teríamos de dividir tarefas fora. Ele combinara de visitar um cliente importante e eu teria que comprar material para fazer ligas metálicas necessárias para nosso trabalho de ourivesaria O que se passou após nossa despedida em frente à joalheria, me foi relatado mais tarde por Catherine.
Ela deu início ao atendimento. Quando Charles apareceu, com um ramo de rosas nas mãos, um largo sorriso nos lábios e extremamente galanteador, não havia nenhum outro cliente no local.
- Bom dia, minha cara. Seu irmão está? Vim conforme tínhamos combinado.
- Bom dia, senhor Charles. Estávamos esperando-o no período da manhã.
- Sinto tê-la deixado apreensiva com meu atraso. Agora estou aqui para compensarmos esta minha falta.
- Não é essa a questão. Paul teve de ausentar-se agora neste início de tarde e não poderá falar-lhe.
- Ah, mas eu posso adiar meus outros compromissos e aguardá-lo em seu retorno para conversarmos. Você sabe como é importante para eu ter você ao meu lado o mais breve possível. Meu amor não resiste mais esperar para poder visitá-la em sua residência e firmarmos o nosso compromisso o mais cedo possível – disse-lhe, lançando um olhar lânguido e apaixonado.
- Ele não deve demorar, mas talvez possamos começar nossa conversa antes da chegada de Paul.
- Querida! Não imaginava que você fosse tão fogosa. O seu guarda-costas mal encarado também não está?
- Acho que o senhor está sendo precipitado em suas palavras.
- Não creio, meu amor. Que tal aproveitarmos que estamos a sós?
Ele foi aproximando-se dela com olhos de cobiça. Entregou-lhe o ramalhete e aventurou-se a envolver-lhe a cintura com as mãos. Imediatamente foi rechaçado, o que o deixou muito surpreso.
- Está bem, se você prefere ser difícil. Tenho toda a paciência do mundo, Cathy.
- Senhor Charles, por favor. Sinto dizer que as coisas mudaram.
Após alguns segundos, com olhar atônito, conseguiu falar:
- Como assim, mudaram? O que mudou? Há dois dias combinamos que hoje eu falaria com seu irmão para que ele permitisse minhas visitas em sua casa, no que você concordou muito satisfeita.
Ele falava com a voz rouca, em tom cada vez mais baixo e a face alterada.
- Acalme-se, por favor. Não temos nenhum compromisso. Achei que éramos amigos. Nada mais.
- Como assim, amigos? Você acha que eu vinha aqui quase que diariamente para perder meu tempo com uma amiga? Que a convidei para ir ao baile, como amiga? Que perdi de dançar com dezenas de outras mulheres mais interessantes e mais ricas que você, por amizade?
- O senhor está me assustando. Não era minha intenção dar-lhe falsas esperanças. E, como o senhor mesmo insinuou agora, deve haver dezenas de moças mais prendadas e mais RICAS do que eu, que o interessariam mais e que adorariam jogar-se em seus braços. Sinto saber que o seu interesse não estava centrado apenas em mim como pessoa, mas no dote que eu pudesse lhe oferecer. Vou ser obrigada a pedir-lhe que se retire. Além do mais, já estou comprometida.
Aquela foi a gota d’água aos ouvidos de Charles, que se viu completamente transtornado por ver seus planos esfacelados, lançado novamente na miséria.
Segurou Catherine pelos ombros, num rompante de fúria, puxando-a contra si com força.
- Pare! O senhor está me machucando! Não faça isso! – Catherine estava chocada com a reação de seu “amigo”.
- Então, alguém foi mais esperto que eu. Quem é o felizardo? Não me diga que é aquele aleijado?
- Não fale dele dessa maneira. Infelizmente, só agora percebo que você não chega aos pés dele.
- Então é ele... Ora, então me deixe beijar a noiva.
Ela viu a boca asquerosa aproximando-se da sua, enquanto tentava de todas as maneiras safar-se daquele abraço indesejado.
Quando já estava quase sem forças para lutar, repentinamente, Charles foi como que arrancado do chão, de tal maneira que a soltou imediatamente. Quando ela conseguiu sentir-se livre, viu Charles caído no chão com um fio de sangue a escorrer da narina direita, ainda tonto com o murro que levara de Erik.
Quase enlouqueci ao ver aquele desgraçado agarrando Catherine. Eu poderia matá-lo naquele momento, mas algum poder maior segurou minhas mãos. Eu tinha de saber se ela estava bem, por isso fui ajudá-la a levantar-se, abraçando-a.
- Você está bem, querida?
- Ohhh! Mas que amoroso! Veio salvar sua pobre noivinha?
Mesmo abatido e sangrando, sua língua bestial continuava fazendo sarcasmo e escoando veneno.
- Vocês vão me pagar. Isto não vai ficar assim. Pode ficar com a sua roceira. Ela nunca vai passar disso mesmo. Talvez vocês se mereçam. Um aleijão e uma camponesinha ignorante.
- Vá embora daqui, seu verme, e não apareça nunca mais ou vai se haver comigo.
- Ah, estou morrendo de medo. Você já matou alguém? Provavelmente sim. Você não me engana. Você não perde por esperar.
Dizendo isso, levantou-se com dificuldade e saiu mancando, com um sorriso diabólico impresso na face inchada, de nariz quebrado, pelo soco recebido.
Na saída, esbarrou em Paul que vinha chegando de seu compromisso. Quase foi derrubado por Charles, que atravessava a porta ofuscado pelo ódio.
- O que houve? - perguntou pasmado.
- Charles tentou agarrar Catherine. Ainda bem que cheguei na hora.
- Mas, porquê?
- Eu falei a ele que o tinha em consideração, como amigo. Aí ele pareceu enlouquecer e começou a mostrar seus verdadeiros propósitos para comigo. Praticamente deixou claro que estava interessado apenas no meu dote. Foi horrível! – falou Catherine, começando a chorar e escondendo o rosto no peito de Erik, que ainda a mantinha abraçada.
- Acho melhor irmos para casa. Paul, eu vou levá-la. Você não se importa de ficar sozinho?
- Não, claro que não. Você está bem, Cathy?
- Estou. Não se preocupe.
- Vou ficar aqui mais um pouco e trabalhar na oficina. Assim que terminar, fecho a joalheria mais cedo e vou para casa. Cuide dela, Erik.
- É claro.
Ao chegarmos em casa, levei Catherine para o seu quarto para que ela pudesse trocar de roupa e descansar um pouco. Pedi ajuda à senhora Emma.
_ Você está bem, mesmo?
_ Estou, meu amor. Se não fosse você, não sei o que poderia ter acontecido.
_ Agora descanse. Eu vou estar lá embaixo. Se precisar de qualquer coisa, me chame, está bem? - disse isso e dei-lhe um beijo na face. Deixei-a aos cuidados de Emma.
Fui para o meu quarto pensando sobre o ocorrido. Teríamos que ter cuidado. Charles tinha sido ferido em seu orgulho próprio e visto seus planos desfeitos de uma hora para outra. Sendo ele quem era, pelo que pude ouvir da conversa naquele café, ele procuraria vingar-se. Infelizmente, eu conhecia aquele tipo de sentimento muito bem.
Quando desci, resolvi tocar um pouco de piano para desanuviar a mente e relaxar. Enquanto tocava, distraidamente, senti dois braços enlaçando-me o pescoço e aquele perfume suave, que eu tanto apreciava, envolvendo-me. Parei de tocar e prendi as mãos de Catherine, ainda em torno de mim, contra meu peito.
_ Não acha melhor descansar um pouco mais?
_ Não. Prefiro ficar aqui com você, ouvi-lo tocar – suas palavras faziam cócegas em meu ouvido, o que era muito agradável.
Rodei a banqueta onde estava sentado, de forma a ficar de frente para ela, passando meus braços em torno de sua cintura delgada. Abracei-a e deitei minha cabeça sobre seu colo. Ela passou a acariciar-me os cabelos e o pescoço. Uma sensação de bem estar tomou conta de mim, como se me sentisse em casa pela primeira vez, depois de uma longa viagem. Levantei a cabeça, de forma a olhá-la de frente, querendo gravar cada milímetro daquele rosto amado em minha memória, para poder lembrá-lo quando não estivéssemos juntos. Aqueles olhos, sua boca...Catherine foi aproximando-se. Seu olhar apaixonado era um bálsamo para minha velha alma atormentada. Finalmente, nossos lábios tocaram-se, num beijo muito doce.
_ Toque para mim, Erik.
Não só toquei, como também cantei uma nova canção que havia composto
nos últimos dias, quando ainda estava atormentado pela dúvida em declarar meu amor por ela. A canção teve o poder de tranquilizá-la. Pude sentir pelo seu doce olhar que ela seria minha para sempre.
Até o momento em que Paul chegou, ficamos a tocar piano e a trocar carícias.
_ Desculpem ter demorado tanto, mas clientes acabaram aparecendo e não pude fechar a joalheria mais cedo. Você está bem, Catherine? Pelo que estou vendo já se recuperou do susto – disse maliciosamente, olhando para os dois abraçados – Agora quero me contem exatamente o que aconteceu.
Catherine passou a relatar o ocorrido em detalhes. Assim que terminou, Paul falou, impressionado com o que acabara de ouvir:
_ Realmente, Erik, você tinha razão em ficar preocupado com as atitudes daquele sujeito.
_ Como assim? Que atitudes? – perguntou Catherine
_ Lembra quando lhe falei que tinha sabido que Charles era jogador e que estava falido e por isso tinha se aproximado de você?
_ Sim.
_ Pois é. Foi Erik que ouviu uma conversa dele com outro jogador, num café da cidade. Ele estava se preparando para pedi-la em casamento e conseguir dinheiro através do dote. Eu pedi a ele que não tomasse nenhuma ação precipitada e que aguardasse os acontecimentos.
_ Que sujeito repelente. E pensar que acreditei e fiquei com pena dele, quando me contou de sua luta contra o vício e a má fama improcedente junto às famílias daqui.
_ Bem, agora que tudo está resolvido, que tal nos prepararmos para a nossa noite comemorativa. Ou já esqueceram? - Paul não perderia um festejo por nada deste mundo.
_ Claro que não. Vamos festejar – falou Catherine alegremente.
Cerca de uma hora mais tarde, estávamos os três a caminho do Rules. Desta vez, com lugares reservados e trajes adequados.
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Cantinho do Leitor
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