sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Erik - Capítulo V

Eu ainda podia vê-lo, em meio às chamas, as lágrimas em seu rosto, sinceras, chorando o amor perdido. Não sei como conseguira forças para continuar a viver. Em grande parte, claro, pelo amor de Raoul. Mas uma parte de mim ficara naqueles subterrâneos, enterrada com a dor do Fantasma. Aquele beijo... Aquele beijo, que devia ser apenas uma súplica por liberdade, transformara-se, naquele momento, na dúvida que passaria a carregar por toda a vida. O fogo da paixão acendeu-se em mim. Um fogo que consome a alma e trai nossos sentidos. Diferente do amor que sentia por Raoul - calmo, seguro, pueril. A razão acabou falando mais forte. Fiquei feliz por libertar meu companheiro de infância, meu amor adolescente. Por outro lado, deixara minha idolatria, meu Anjo da Música, abandonado em meio ao inferno. Ao olhar para trás, meu coração despedaçou-se ao vê-lo tão arrasado em meio ao caos.
Desde então, a vida continuava. O casamento fora marcado, em data que não ofendesse aos afetados pelo incêndio. Muito adequado. Não voltei a cantar. O encantamento me abandonara. Minha voz perdera sua motivação maior. Meu professor se fora.
- Christine! Meu bem! O que está fazendo aí? Nossos convidados chegaram.
- Ah! Estava pensando em um nome para o bebê. Temos que resolver logo, para começar a bordar as iniciais nas roupinhas.
Tão fútil, tão frágil. Era assim que esperavam que eu me comportasse. E assim eu seria. Não, não era ruim. A vida estava sendo boa comigo. A escuridão só chegava até mim em sonhos, pesadelos que eram bem compreendidos por meu esposo. Acho que ele sabia de como eu me sentia dividida, mas nunca comentou nada a respeito, como cavalheiro nobre e educado que era. Talvez tivesse medo do que eu teria a dizer se perguntasse.
- Não se preocupe com isso agora. Venha! Você está linda, como sempre – dizendo isso, depositou um beijo carinhoso em minha face direita. A face direita... A deformação de meu mestre. Pare de pensar nisso, Christine! A sua vida é ao lado de Raoul. Você o escolheu. Ele merece o seu respeito e o seu amor.
Os dias corriam calmos, apesar dos recentes confrontos com a Prússia, quando vivia amedrontada com a possibilidade de Raoul ser chamado para o campo de batalha. Mas, logo fui tranquilizada. Sua família era bastante influente. Bastante o suficiente para deixar o filho de fora dos conflitos. A gravidez viera alegrar nossa união. Uma nova vida estava sendo gerada, trazendo novas expectativas. A notícia havia chegado como um bálsamo para acalmar meu espírito angustiado. Mal sabia eu que, em breve, notícias viriam do outro lado do canal, para reacender minhas aflições e ofuscar minha alegria gerada pela maternidade.

Lá estavam o Conde e a Condessa de Vincenne, o Duque e a Duquesa de Orleans e o Marquês de Cluny, que enviuvara recentemente. Esta, aparentemente, era sua primeira aparição em um acontecimento social. Todos sorriam e davam suas congratulações pela chegada do mais novo herdeiro dos Chagny. Nenhum problema parecia afetá-los. Os assuntos eram amenos. Provavelmente, após o jantar, quando os homens estivessem fumando seus charutos, no salão destinado a eles, longe de suas frívolas mulheres, os assuntos tornar-se-iam menos suaves. Certamente a política de Napoleão III seria criticada, a perda da Alsácia e de Lorena para a Alemanha e... sobre as novas meninas nos prostíbulos de Monmartre. Neste último assunto, acreditava eu, que Raoul não estivesse interessado. Pelo menos por enquanto.
Porém, durante o jantar, as conversas acabaram por retornar ao velho assunto, ainda não esquecido, da tragédia da Ópera de Paris. As buscas pelo facínora responsável pela destruição daquele monumento e pela morte de, pelo menos, duas pessoas, continuavam sem resultados.
Senti um aperto no coração. Deus queira que ele esteja bem longe daqui. Estaria vivo? Meu coração dizia que sim. Comecei a sentir náuseas. Meu filho, recém gerado, já me ajudava a escapar de momentos pouco convenientes.
- O que houve, Christine? Você está pálida. Não está se sentindo bem?
- Coitadinha... Deve estar enjoada – falou a bondosa Duquesa de Orleans, Terése. – Vocês insistem em tocar nestes assuntos desagradáveis durante o jantar.
- Por favor, perdoem-me, mas a duquesa tem razão. Quero dizer, a respeito do enjôo – dei um sorriso amarelo – Não tenho sido uma boa companhia, ultimamente. Com licença...
- Quer que eu a acompanhe até seus aposentos?
Raoul, como sempre meigo e preocupado comigo.
- Não, querido. Fique com nossos convidados. Mais uma vez, me perdoe. Boa noite.
Fiz uma reverência com a cabeça e retirei-me, tentando conter a ânsia a todo custo.
Consegui chegar ao meu quarto, mas não contive a náusea. Esta era a pior parte da gravidez. Os vômitos. Como um ser tão desejado podia provocar tanto mal estar?
Depois de lavar-me, coloquei minha camisola e recostei-me na cama. Peguei um livro, com o intuito de ser levada ao sono. Desde a tragédia, tinha certa dificuldade em adormecer. Às vezes, depois de conseguir, acordava no meio da noite, em sobressaltos, com palpitações.
Não se passaram mais que duas horas, ouvi os passos de Raoul subindo as escadas que levavam ao nosso dormitório. Provavelmente nossos convidados já haviam se retirado.
A porta abriu-se:
- Ainda acordada?
- Não consigo pegar no sono.
- Quer que eu durma no quarto de hóspedes?
- Não, meu amor. Prefiro que fique aqui comigo, por favor...
Seu rosto iluminou-se. Ele também precisava de atenção. Havia sido atingido por aqueles acontecimentos dramáticos tanto quanto eu. Só tentava ser mais forte.
- O que você acha do nome Gustav? Pensei em fazer uma homenagem ao meu pai.
- Acho uma belíssima escolha, querida. Concordo. Gustav de Chagny... Gostei.
- Que bom que lhe agradou a minha escolha. Boa noite, querido.
- Boa noite, Christine.
Dormimos abraçados. Apesar de tudo, eu o amava muito. Como era possível ter amor por dois homens ao mesmo tempo? Talvez porque o outro estivesse perdido na distância, no tempo. Quando aquela lembrança me deixaria livre para viver minha vida com Raoul e nosso filho? O tempo. O tempo tudo apagaria. Pelo menos era o que eu esperava.
Quando acordei, na manhã seguinte, Raoul já havia saído para os seus compromissos do dia.
Acabara de tomar meu desjejum, quando o mordomo trouxe a correspondência. Mais convites para festas, jantares, chás com as senhoras da nobreza e uma carta sem lacre, comum, originária de Dover, na Inglaterra? Endereçada para mim?
Rapidamente, desprezei as demais e voltei toda minha atenção para aquele simples envelope, sem brasões nobres. Abri-o com cuidado e comecei a ler seu conteúdo, escrito em francês perfeito, apesar de sua origem:

“Cara Viscondessa de Chagny,

Meu nome é Paul Marback. Apesar de não nos conhecermos, tínhamos um amigo em comum. Infelizmente, é com pesar que venho informar-lhe o falecimento do Sr. Erik. Sua saúde encontrava-se muito debilitada, devido a graves ferimentos, o que provocou a sua morte.
Ele próprio, antes de falecer, solicitou-me que escrevesse para repassar-lhe seus últimos desejos. O primeiro era ser enterrado nos subterrâneos da antiga Ópera de Paris, local onde passou a maior parte de sua vida. Seu segundo desejo era o de que seu esquife não fosse aberto, em hipótese alguma. Tenho em meu poder provas de que o corpo pertence a ele mesmo e que somente a senhora, e talvez seu esposo, possam reconhecer, junto às autoridades legais.
Chegarei com o corpo de nosso amigo, no porto de Calais, no dia 05 de Abril, pela manhã.
Espero contar com seu apoio.
Respeitosamente,
Paul Marback”

Senti perder minhas forças e o quarto passou a rodopiar a minha volta. Deixei cair a carta ao chão. Uma forte opressão no peito fez com que tivesse dificuldade para respirar. Tudo escureceu a minha volta.
- Christine... Christine... Acorde, meu amor. Por favor, responda.
Meus olhos pareciam ter chumbo nas pálpebras. Com grande dificuldade consegui abri-los e vi a expressão preocupada de Raoul.
- Raoul... Você voltou para casa?
- Fui chamado às pressas. Você desmaiou.
Só então lembrei o que tinha acontecido. Minha cabeça latejava. Veio uma imensa vontade de chorar, que tentei reprimir. Quis levantar-me da cama onde estava, mas fui impedida por Raoul.
- Fique deitada. Já descobri a causa do seu mal estar. Não se preocupe com nada. Vou cuidar de tudo.
- Raoul... Ele está morto... – não consegui mais evitar as lágrimas.
- Foi melhor assim, meu bem. Agora, não existirão mais sombras entre nós.
- Ele quer ser enterrado nos subterrâneos. Chegará em quatro dias, em Calais.
- Já disse para não se preocupar. Eu, pessoalmente irei até lá e encontrarei o Sr. Marback, para trazermos o corpo “dele”. Fique tranqüila.
- Raoul... Obrigada. Desculpe por lhe dar mais este fardo.
- Será um alívio poder encerrar este caso. Tenha certeza disto. Agora, descanse. Tente não pensar mais nisso. Pense em nosso filho.
- Com licença, visconde. Trouxe um chá de ervas para a senhora – falou nossa camareira, Marie.
- Ah! Obrigada, Marie – agradeceu meu marido.
- Tome, amor. Vai lhe fazer bem. Vou sair novamente, para começar a tratar deste assunto. Descanse.
Deu-me um beijo na face e saiu, não sem antes recomendar máximos cuidados à Marie.
Conseguira acalmar o choro, mas aquela angústia no peito não me deixava. Será que Raoul tinha razão? As sombras iriam embora, finalmente? Talvez sim, talvez não...



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