domingo, 9 de agosto de 2009

Erik - Capítulos VI e VII

Um ano já se passara. Nenhuma notícia de Erik. O reinício tinha sido difícil. Esperava que ele tivesse conseguido recompor sua vida. Pelo menos não tinha sido capturado. Meu trabalho atual não era dos mais gratificantes, mas eu continuava atuando junto a espetáculos de dança. Conseguira um emprego no Folies Trévise, um teatro de variedades, onde realizavam operetas, óperas cômicas e audições musicais. Nada que se comparasse com a Ópera, mas muitos políticos eram atraídos para lá. Não só pelas óperas em si, mas pelas dançarinas. Eu atuava como coreógrafa e ensaiava as meninas. Terminava meu trabalho e ia embora. O que elas faziam depois dos espetáculos não me interessava. Não pretendia me envolver com estes “problemas”. Parece que, antes do final do ano, o nome do teatro seria modificado. Estavam pensando em algo como Folies Bergère. Queriam melhorar a qualidade das apresentações. Talvez melhorasse meu salário também.
Quanto a Meg, resolveu abrir uma pequena escola de balé para crianças. Esvaziamos o andar térreo da casa que meu irmão deixara, colocamos barras nas paredes e voilà. Ali, ela passava a tarde a dar aulas às filhas dos comerciantes do bairro. Com isso, conseguia complementar nossa renda. Precisávamos sobreviver.
Quantas mudanças a partir daquela noite. Quantos perderam seus empregos. Meg e eu havíamos tido muita sorte em ter onde morar e por ter conseguido formas de sustentar-nos.
A reconstrução da nova Ópera já saíra dos planos e começava a manifestar-se na restauração das estruturas antigas. O incêndio havia sido controlado a tempo, poupando as fundações e a estrutura principal de teatro. Um arquiteto desconhecido de nome Charles Garnier assumira o comando dos trabalhos. Ainda tinha esperança de um dia voltar a reassumir meu antigo emprego. Quem sabe?
De novo perdida em pensamentos. Mon Dieu! Vamos trabalhar, mulher! Já estava na hora de ensaiar aquelas tresloucadas do Folies.
Saí para a minha caminhada diária de quase três quilômetros para chegar ao trabalho. Não podia dar-me ao luxo de pegar um coche. Considerava aquilo como um aquecimento antes dos ensaios. Já não tinha mais tanto medo da volta, em torno das 23 horas, pois já era conhecida nas redondezas e os malandros do bairro me respeitavam.
Ao voltar para casa, estava tão cansada que nem tive ânimo para comer qualquer coisa, apesar de Meg ter deixado meu prato pronto. Minha querida filha. Sempre tão prestativa e companheira.
No dia seguinte, pela manhã, enquanto estava arrumando nossos quartos, ouvi a voz de Meg, chamando por mim:
- Mamãe, chegou uma carta para a senhora. Parece que é da Inglaterra?
- O quê? – desci as escadas correndo e, por pouco não tropeço nos últimos degraus.
- Olhe, mamãe! De quem será? Algum admirador secreto que a conheceu no Folies?
- Olha o respeito comigo, menina! Onde já se viu?
Peguei o envelope e fiquei tentando imaginar quem teria escrito. Será que finalmente eu teria notícias de meu amigo?
- Abra, mamãe! Estou curiosa!
- Calma... – cuidadosamente, abri o envelope e comecei a ler seu conteúdo.
Bastaram poucos segundos de leitura para que minhas lágrimas viessem à tona. Uma grande tristeza abateu-se sobre mim. Não era o tipo de notícia que eu esperava.
- O que houve, mamãe? Porque está chorando? Quem escreveu?
Não conseguia encontrar palavras para responder a minha filha, por isso deixei-a ler a carta.
Ele finalmente tinha encontrado paz. Parece que, pelo menos tinha feito um amigo. Paul Marback. Quem seria ele? Pedia para encontrar-se comigo assim que chegasse a Paris.
Precisava encontrar Christine. Erik desejava que estivéssemos juntas durante o funeral.
Será que ela já sabia do ocorrido? Como ela reagiria a esta notícia? Provavelmente com alívio.
- Erik... Ele morreu. Ah, mamãe, sinto muito. Sente-se aqui. Vou buscar um copo de água para a senhora.
- Ele queria ser enterrado sob o teatro. Como vão conseguir isto? O prédio está em obras. Preciso falar com Christine – Tomei um gole da água que Meg me oferecia.
- Coitado. Pelo menos não viveu seus últimos dias dentro de uma prisão infecta.
- Tem razão, minha filha.
Enxuguei minhas lágrimas. Nunca mais falara com Christine, desde que ela se tornara Viscondessa de Chagny. Evitara procurá-la para não fazê-la sofrer mais com recordações. Ela devia estar tentando esquecer o passado. Mas, agora... Teríamos de nos reencontrar pela memória de Erik. Como reagiria Raoul?
Dezenas de pensamentos vieram atordoar-me a cabeça.
- Mamãe, fique descansando aqui. Deixe que eu preparo nosso almoço. Logo as crianças vão chegar para a aula. A senhora vai trabalhar?
- Claro, filha! Imagine! Não posso me dar ao luxo de ficar chorando por um amigo em casa. Vai ser bom trabalhar para distrair-me um pouco desta dolorosa notícia.
- Então, fique sentadinha aqui, enquanto preparo algo para comermos. Está bem?
- Claro, meu anjo. Obrigada.
Beijei suas mãos e ela saiu em direção à cozinha.
Ali fiquei. Sentada, inerte, tentando imaginar o que teria acontecido com Erik desde a sua saída de minha casa até este triste desfecho. Como teria conhecido o senhor Marback?
Talvez Christine soubesse mais detalhes. De repente, veio uma vontade incontrolável de chorar. Chorei baixinho para não incomodar Meg. Chorava por Erik, por Christine, por minha filha, por mim.
À tarde, fui trabalhar. Pelo menos, enquanto ensaiava com as dançarinas, esqueci por alguns momentos da carta.
Naquela noite, mal consegui pegar no sono, apesar do cansaço. Ao levantar pela manhã, sentia a cabeça pesada e o corpo todo dolorido. Tinha de aprontar-me para procurar Christine. Como seria o nosso reencontro?
Meg insistiu em ir comigo ver a antiga grande amiga. Apesar de não achar conveniente, devido à motivação que nos levava a fazer aquela visita, permiti que ela fosse.
Logo após um breve café da manhã, seguimos as duas rumo ao nobre bairro Champs-Elysées, onde moravam os Viscondes de Chagny.





Capítulo VII



Saí de casa, ainda atordoado com a notícia da morte do “Fantasma”. Por outro lado, sentia-me aliviado por aquela história ter chegado ao fim. A certeza de que ele desaparecera para sempre da vida real, talvez o fizesse sumir de nossos pesadelos e temores mais profundos. Christine voltaria a ser somente minha.Teria de partir para Calais no dia seguinte, se quisesse chegar a tempo de encontrar o tal Paul Marback. Precisava falar com as autoridades responsáveis pelas buscas, ainda hoje, e obter a permissão para enterrá-lo nos subterrâneos da Ópera, que já se encontrava em obras de restauração. Acabei decidindo pedir ajuda ao Marquês de Cluny, meu amigo, que mantinha ótimas relações com os funcionários da Justiça parisiense. Tinha certeza que ele conseguiria ajudar-me nesta empreitada.
Cheguei a sua casa logo após o almoço. Fui recebido efusivamente:
- Meu caro Raoul! O que o traz à minha presença tão prematuramente após nosso jantar de ontem? Christine está bem? Melhorou de sua indisposição?
- Ah, sim, obrigado. Ela está bem. Na verdade, vim até aqui para pedir-lhe ajuda numa situação muito delicada que surgiu hoje pela manhã.
- Sente-se, meu amigo. Conte-me o que houve.
Sentei em uma poltrona a sua frente, na sala de fumar.
- Aceita um? – falou, oferecendo-me um charuto.
- Não, obrigado, Claude.
Enquanto ele iniciava a sua cerimônia de cortar, acender e dar uma bela baforada em seu charuto, comecei a contar-lhe os motivos de minha visita:
- Em nosso jantar de ontem, havíamos comentado sobre o fato de ainda não ter sido capturado o causador da grande tragédia do ano passado.
- E?
- Pois hoje, recebemos a confirmação de que ele está morto. Seu corpo chegará em 5 de Abril, no porto de Calais.
- Tem certeza disso?
- Absoluta.
A partir daí, passei a relatar-lhe sobre a carta que Christine recebera e o seu conteúdo. Não sabia dizer quais provas seriam dadas para comprovar o fato, mas estaria em Calais no dia marcado para verificar a veracidade disto tudo.
- Mas existem alguns problemas, meu caro Claude. Neste sentido é que precisarei da sua ajuda.
- Quais problemas?
- O falecido exige ser enterrado nos subterrâneos da Ópera.
- Como assim, exige?
- Um último desejo.
- Mas, um criminoso não tem esse direito – ele estava indignado.
- Também penso da mesma forma, mas... Claude, agora, lhe falando como amigos que somos, gostaria que relevasse este pedido e conseguisse a permissão para tal.
- Por quê?
- Por Christine. Ela está muito abalada com o que ocorreu. Como você sabe, ele foi seu professor de canto. Apesar de ser um louco, ele representou uma fase importante de sua vida. Ela acreditava que ele era um anjo enviado por seu pai, para ajudá-la após sua morte. Não podia saber da mente insana que estava por trás disso.
- Pobre Christine. Eu entendo. Bem, vou fazer o possível. Por Christine e por você, meu bom amigo. Ela não pode incomodar-se no atual estado em que se encontra. Temos que pensar no seu herdeiro. A minha pobre Dauphine não conseguiu me dar filhos, apesar de ter sido uma esposa maravilhosa. Fique tranqüilo, Raoul. Nós vamos conseguir que o último desejo do crápula seja realizado. Não por ele, mas por sua família.
- Fico extremamente grato por sua compreensão, Claude.
- Você parte para Calais amanhã, eu presumo?
- Sim. São dois dias de viagem de carruagem. Quero estar lá quando o corpo chegar.
- Bem, assim que você retornar, avise-me, que eu estarei com tudo preparado para dar um fim a esta história lamentável.
- Estarei em eterno débito com você, Claude.
Nos despedimos com um caloroso aperto de mãos. O Marquês de Cluny sempre tinha sido um verdadeiro amigo. Sabia que poderia confiar nele numa hora como esta. Naqueles tempos, ainda era uma boa coisa ser nobre. A revolução não conseguira acabar totalmente com alguns privilégios.
Agora que conseguira resolver meu problema, sentia-me melhor. Melhor seria quando visse o “Anjo da Música” enterrado, definitivamente.
Já na rua, depois de minha visita, fui até um café próximo a Sainte-Chapelle. Fiquei degustando uma taça de conhaque, relembrando todos os momentos que passara desde o reencontro com Christine, na Ópera, até os momentos em que vimos Erik pela última vez, no meio das chamas. Como gostaria de acreditar que tudo voltaria ao normal.
À tardinha, ao voltar para casa, encontrei Christine com melhor aspecto, carinhosa como sempre, mas ansiosa para saber se tinha conseguido permissão para o enterro.
- Não se preocupe, querida. Tudo vai ser como ele pediu. O marques de Cluny me garantiu que conseguirá a permissão.
- Ah, Raoul, muito obrigada. Sei que é duro para você vivenciar tudo isso, mas agora este assunto estará encerrado.
- Você jura? Acredita realmente nisso?
- Claro. Você duvida disso?
- Não sei, Christine. Às vezes sinto que os seus pensamentos vão para o seu “Anjo da Música”. Sinto-me sozinho.
- Você está imaginando coisas, Raoul. Eu te amo muito. Nunca duvide disso.
Ela aproximou-se de mim e abraçou-me, repousando a cabeça de cabelos longos e cacheados em meu peito. Ah! Como eu amava aquela mulher. Seria capaz de qualquer coisa por ela.
- Amanhã parto para Calais, pela manhã. Espero estar de volta em cinco dias. Melhor não falar com ninguém sobre isso. Não sei como Claude vai conseguir estes favores ou com quem. Assim, é melhor manter o sigilo. Está bem?
- Está bem.
Daquela noite até o momento de minha partida, na manhã seguinte, não tocamos mais no assunto Erik.

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