domingo, 21 de junho de 2009

Final de domingo...

Olá!! Não sei por que não consigo ficar longe deste meu cantinho. Já notaram que ando colocando todo o meu "repertório" antigo, enquanto não termino a minha nova criação. Assim, vou postar um pequeno romance, passado na Toscana, terra que já inspirou muitos outros romances e filmes do gênero. Espero que gostem. Um ótimo final de domingo e um tranquilo reinício de semana para todas. Beijos!!


DOCE ENGANO



A brisa zangada forçava as árvores a curvarem-se a minha passagem. Podia ouvir o murmúrio da natureza a saudar-me enquanto caminhava por aquela estrada deserta. Adorava caminhar por ali, àquela hora da manhã, quando o movimento de carros ainda era distante. Dali podia-se avistar as videiras de “sangiovese” e as oliveiras, harmoniosamente plantadas numa grande extensão de terra, quase a perder de vista. Faltavam três meses para a colheita das uvas começar. Era a época que mais trazia recordações de minha infância. Alegres lembranças. As danças, as mulheres de pés descalços a pisotear as uvas dentro dos tonéis, as palmas, a música, meus avôs sorrindo. Ultimamente a colheita vinha perdendo o matiz de antigamente. A industrialização na produção dos vinhos avançava dia a dia, descolorindo os tons do passado. A máquina substituía o homem. Alguns poucos, como meu avô, ainda resistiam. Por quanto tempo? Depois que vovó morrera, ele andava estranho, mais tristonho. Parecia cansado. Ele mudara muito no período que fiquei em Florença, para estudar hotelaria. Foram três anos afastada, que não mudaram muita coisa. No fim das contas, tanto estudo que não frutificara em nada até agora. Acabara voltando para a agrovila de meu avô, gerenciando a vinícola - se é que seguir as ordens de alguém significava gerenciar. Nenhuma de minhas idéias era aceita por ele. Tentara incrementar o negócio sugerindo que se fizesse uma pousada junto à vinícola, mas não fora feliz com meu ouvinte. Fazer o que? Estava cumprindo a promessa que fizera a minha avó, antes dela falecer, que cuidaria dele e lutaria ao seu lado para manter as suas amadas videiras e a produção de seu delicioso vinho artesanal. Isto sem falar da produção de azeite de oliva, que era mais uma atividade vinculada à vinícola.
Perdida nestes pensamentos, não prestei atenção quando um carro esporte, preto, conversível passou por mim. Só o percebi, quando ele parou e começou a dar ré. Nunca fui de reparar em automóveis, mas aquele chamava a atenção. Devia ser bem caro. Resolvi parar a minha caminhada e esperar que o motorista pedisse a sua informação. Devia ser algum turista perdido. Isto era muito comum naquela região. Daí pensar em como seria rentável uma pequena pousada por ali.
Quando o carro chegou mais perto, pude ver melhor o rosto do seu ocupante. Era um belo exemplar masculino. Tinha cabelos castanhos claros, mas com aparência jovem – no máximo 35 anos -, lindos olhos azuis, como pude verificar quando ele tirou os óculos de sol, uma boca bem desenhada, dentes perfeitos , com uma barba rente a um rosto másculo e bronzeado, que parecia ter saído das capas de uma Vogue de moda masculina. Cheguei a engolir em seco, quando ouvi a voz que vinha com todo aquele “layout”. Ela era muito sensual, principalmente perguntando:
- Bon giorno, signorina!
- Bom giorno.
- A senhorita fala inglês?
- Sim.
- Ah, que bom! Poderia informar-me se estou muito longe de Arezzo? – seus olhos brilhavam e o sorriso era estonteante. Será que ele era modelo de alguma agencia a passeio ou procurando pelas locações onde o esperavam para fotografar?
- Não, senhor. Basta seguir por esta estrada mais 10 quilômetros. Vai encontrar uma placa indicando uma estrada à esquerda, que dará em Arezzo em mais sete quilômetros. Não é difícil.
- A senhorita mora por aqui? – senti o seu olhar penetrando no meu, o que me fez estremecer e dar sinal de alerta. Era um total estranho e eu estava numa estrada deserta sem ninguém que pudesse me socorrer. Claro que este era um medo absurdo, pois ele não tinha cara de quem fosse estuprador ou bandido. De qualquer forma, tinha de manter distancia. Ele era perigosamente charmoso. Certamente um playboy.
- Pode seguir as minhas indicações que o senhor chegará onde quer. Tenha um bom dia. Adeus! – dizendo isto, segui em passos rápidos pela estrada afora, deixando-o com cara de bobo diante de meu adeus repentino, cortando completamente nosso curto relacionamento.
Logo, ouvi o seu carro em baixa aceleração a seguir-me, ficando lado a lado na estrada, a fitar-me com olhar divertido, achando graça do modo como eu o evitava.
- Não precisa ter medo de mim, signorina. Prometo que não lhe farei mal. Estava apenas tentando contatar com alguém da região. Não conheço nada por aqui e achei que seria bom ter quem me orientasse.
- Tenho certeza de que encontrará bons guias turísticos em Arezzo.
- Tenho certeza que nenhum será tão agradável de olhar como a signorina.
Não consegui responder ao galanteio, tão nervosa fiquei.
- Posso lhe oferecer uma carona?
- Não, obrigada
- Mora aqui por perto?
Como eu não o olhasse mais e seguisse com meus passos rápidos e firmes, como se estivesse surda e cega, ele falou uma última vez:
- Bem, já que é assim... Bon giorno e arrivederce!
Acelerou a marcha e saiu em alta velocidade pela estrada, levantando um pouco de poeira que veio direto em meu rosto. “Mal educado! Ainda sai me jogando pó. Idiota!”
Continuei meu exercício matinal, ainda tentando imaginar quem seria aquela figura. O que estaria fazendo por ali. Turismo? Pelo jeito era americano. Eles achavam que eram os donos do mundo. Convencido. E assim, durante os últimos trinta minutos de caminhada não consegui parar de pensar um instante sequer naquele forasteiro.
“Melhor tomar um banho e começar meu trabalho”. Já podia ver a pouca distancia a nossa casa. Ela ficava no alto de uma colina, com suas paredes de pedra, estilo rústico, com dois andares, uma construção simples e típica da região. Entre os muros baixos de pedra, tinha sido construída uma piscina nos anos 70, que era muito agradável de ficar nos dias quentes. A vista do segundo piso era entorpecedora. Podia-se ver a propriedade em quase toda a sua extensão, bem como o prédio da vinícola a mais ou menos 500 metros dali. Com boa vontade, na linha do horizonte podiam-se visualizar alguns dos prédios e torres de Arezzo. “Será que ele já tinha conseguido achar um guia? Ou um hotel para ficar?”
- Bom dia, Giulia! – gritou a auxiliar doméstica de meu avô há 20 anos, enquanto estendia algumas roupas no varal da propriedade.
- Bom dia, Agostina – respondi, com um aceno de mão, já em direção a porta da entrada. Subi correndo as escadas para o meu quarto. Vovô já devia estar na vinícola. Costumava acordar antes de o dia amanhecer e tomar o seu “café” junto às pipas de madeira abarrotadas de vinho em maturação. Agostina já deixava pão fresco esperando sobre a sua mesa, para que ele pudesse comê-lo junto com a sua taça de chianti matinal. Segundo ele, este era o segredo da longevidade. Depois da morte da vovó, ele nunca mais fizera este comentário, mas continuava a manter o seu ritual.
Após o banho, vesti uma roupa mais leve - calça de linho cru e uma camiseta de manga curta, cor cereja, com decote em V - pois o calor já começava a surgir junto com os últimos dias da primavera. Desci para tomar o meu café, com tudo que tinha direito: pão, queijo, salame, manteiga e um delicioso café expresso. Tudo feito pelas mãos mágicas de Agostina. Não existia um desjejum melhor. Claro que, depois de tudo isto, não podia pensar em almoço, caso contrário acabaria como as “mamas” da terrinha... Uma legítima matrona. Esperava que tivesse herdado os genes da família de meu pai, que tinham a constituição mais elegante. Provavelmente, porque descendiam de franceses. As francesas sempre tiveram a sorte de serem mais esbeltas que as italianas. Agostina, por exemplo, era uma típica italiana. Apesar de tudo, era muito ágil e nunca parecia estar cansada. Passava o dia trabalhando e cantando.
Terminei de ler as últimas notícias no jornal local e encerrei minha refeição principal do dia. Depois de uma visita rápida ao banheiro para escovar os dentes e retocar o batom, parti em direção a vinícola, encontrar com meu chefe.

- Bom dia, Don Pippo! – saudei-o, para logo estalar um beijo na sua testa careca. Olhou-me com seus olhinhos verdes arguidores e respondeu:
- Continua fazendo o “Cooper”? Isto não deve fazer bem para a saúde. Ao invés de vir aqui beber um bom vinho ainda em jejum, não. Vai se cansar por estas estradas cheias de ladeiras.
Ele devia ser a última pessoa na face da terra que ainda lembrava-se do nome do homem que ficara famoso por promover exercícios aeróbicos, como forma de melhorar o sistema cardiovascular, há “séculos” atrás. Tive que rir daquele comentário, o que não o deixou muito satisfeito.
- Vovô, deixa de ser antiquado. O vinho pode fazer bem para a saúde, mas os exercícios são reconhecidamente muito benéficos ao nosso corpo. Nos mantém em forma, física e mentalmente. Mas não vamos recomeçar esta discussão de novo, certo? Alguma novidade?
- Está bem, bambina. Nada de novo. Teremos alguns visitantes na cantina da vinícola, para degustações.
- Ah, isso é bom. Movimentar um pouco este lugar sempre é bom.
- Você tem se sentido muito só desde que veio para cá, não é, Giulia? Talvez você devesse ter continuado em Florença, conseguido um bom emprego e levar uma vida junto às pessoas da sua idade. Sei que teve boas ofertas e recusou para vir se enfiar nesta vila com um velho ranzinza como eu.
- Não fale uma bobagem destas, Don Pippo. Eu adoro tudo isto aqui e “isto” inclui o velho ranzinza – falei, dando-lhe um abraço e um beijo estalado na bochecha vermelha.
- Você é um amor, minha querida. Mas é jovem e precisa conviver com outros jovens. Não quero que fique solteirona por minha causa. Mais um birrento aqui vai ser demais de aguentar.
- Não se preocupe. Se eu começar a ficar birrenta, vou embora e o deixo em paz. Combinado?
- Gigi, Gigi... – repetia o meu apelido de criança, quando viviam correndo atrás de mim pelas videiras, onde costumava perder-me, inebriada pelo cheiro das uvas, na época da colheita, fascinada pelas cores das folhas, em tons de vermelho, amarelo e alaranjado, e o espectro que era lançado no solo e no ar quando o sol as refletia.
- Bem, vamos ao trabalho, Don Pippo. Vou para o escritório verificar os extratos bancários e colocar em dia a burocracia. Depois vou dar uma olhada em como anda o trabalho do pessoal. Lancei um beijo no ar em sua direção e saí rumo aos meus afazeres.
Na verdade, passei o resto da manhã tentando arranjar uma desculpa para ir a Arezzo. Ainda não conseguira tirar o rosto daquele homem da cabeça. Por mais que eu tentasse esquecer, o seu sorriso voltava a rondar minha memória. Finalmente consegui inventar um pretexto para ir ao banco, conversar com o nosso gerente, sobre nossos investimentos.
Logo no início da tarde, coloquei um vestido de algodão, com estampa floral, em tons de amarelo, branco e vermelho, com um belo decote, que valorizava meu busto. Fiz uma maquiagem leve e prendi os cabelos para trás. Gostei do resultado ao olhar a imagem refletida no espelho. Peguei as chaves do carro e saí lépida e sorridente rumo a Arezzo. Será que eu o veria de novo?
No caminho, enquanto tentava imaginar qual o assunto que teria a comentar com o nosso gerente de contas, observei um carro vindo na direção contrária. Qual não foi minha surpresa ao verificar que era o mesmo carro esportivo que havia visto pela manhã, só que com a cobertura fechada. E... Sim! Ele estava ao volante! Ai, meu Deus! Que azar! Será que ele já estava indo embora? Não é possível que já tenha conhecido a cidade e já esteja indo para outras paragens! O infeliz passou tão rápido, que nem me viu... Fazer o que? Agora que estou aqui, o negócio é ir em frente, entrar no banco alegremente, conversar com Antonio, o gerente, e voltar para a vinícola.
E assim foi. Quando saí do banco, trinta minutos depois, – não conseguia acreditar que tinha ficado este tempo todo aguentando as cantadas e as piadas do Antonio – o tempo estava “carregado”. Nuvens escuras adornavam os céus e alguns relâmpagos já podiam ser vistos clareando os céus por trás das torres de Arezzo. Já no início da estrada, a chuva começou a cair forte. Cerca de cinco quilômetros depois, o carro começou a engasgar, dar solavancos, até parar completamente. “Não acredito! É muito azar! Não devia ter saído de casa hoje.” Resolvi verificar o que tinha acontecido. Já devia ter trocado aquele automóvel logo que voltara de Florença. Ele já tinha dado problemas antes, mas tinha saído a pouco tempo de uma revisão completa. Não entendia o que poderia estar havendo. Resolvi enfrentar a chuva intensa e sair para verificar o motor. Não que entendesse muito de mecânica, mas quem sabe não encontrava algum cabo solto ou sabe-se lá o que?
Em poucos segundos, estava encharcada, vestido colado ao corpo, o cabelo totalmente desgrenhado, em frente ao motor, sem encontrar nada que me levasse a melhorar aquela situação. Foi quando ouvi uma buzina bem atrás de mim. Quase me enfiei por debaixo do carro, quando vi quem estava disposto a ajudar-me. Ele. Logo ele. Agora que estava parecendo um pinto molhado, completamente horrível, ele reaparecia. A onda de azar parecia um tsunami. Não parava de crescer.
- Ora, ora... Quem está aqui - lá vinha ele com o seu sorriso, agora mais sarcástico do que nunca, tirando proveito da situação para ficar gozando do meu drama – Está precisando de ajuda?
- Não, obrigada. Não precisa se preocupar, pois já pedi ajuda pelo celular. Devem estar a caminho – menti descaradamente.
- O que aconteceu? O motor pifou? Não é a gasolina que acabou?
Como eu não tinha pensado naquilo antes? Fazia algum tempo que não enchia o tanque. Também não costumava sair muito de carro, mas era uma possibilidade. Será? Ai, que vergonha se for isto. Não, mas não vou dar esta chance a ele.
- Não, não é a gasolina. Já verifiquei.
- Tem certeza? Deixe-me olhar – e foi saindo do seu carro, enfrentando a torrente, que parecia ficar cada vez maior, para ficar parado ao meu lado olhando as engrenagens da minha “carroça”.
- Não! Não, por favor. Não acredita em mim?
- Está bem. Mas não pode ficar aqui, sozinha, com esta chuva toda. Venha! Eu lhe dou carona e depois o socorro lhe avisa para onde levaram o carro.
- Não se preocupe. Eles já devem estar chegando.
- Olha, quem sabe se a gente entra dentro do meu carro para conversarmos, caso contrário vamos nos afogar aqui nesta estrada debaixo desta tormenta toda.
Estávamos os dois ensopados.
- Está bem.
Logo após minha permissão, fui agarrada pelo braço e colocada dentro do Porsche preto.
- Porque não entramos no meu carro? – perguntei, preocupada em ficar em terreno inimigo.
- Porque o seu vai ser levado daqui, em pouco tempo, segundo você, e não quero tomar mais um banho de graça. Está explicado?
Achei que ele estava começando a ficar um pouco zangado. Seria por causa do estofamento de couro preto que acabara de ficar totalmente molhado ou seria porque eu não era a única “desabada” por ali? Cheguei a sentir uma peninha dele. Ao contrário de mim, ele continuava tão sedutor quanto antes, com aquela camisa colada ao tórax, realçando os braços fortes e o abdômen sarado. O rosto adornado por partículas de água estava particularmente sexy. E a boca... Ai... A boca.
- Você está me ouvindo ou o barulho da chuva a deixou em transe?
- D-desculpe. O que você falou?
- Enquanto esperamos, podíamos ao menos nos apresentar. O meu nome é Alex Sheridan. E o seu? Se é que está disposta a se apresentar agora?
- Giulia... Giulia Malfati.
- Muito prazer, Giulia. Quem sabe você liga de novo para o socorro e avisa que não estará aqui quando chegarem?
- Acho que não é necessário. È melhor eu voltar para lá – falei apontando para a minha Fiorino velha – e esperar o reboque.
- Então, ao menos ligue para saber quanto tempo ainda vão demorar.
Diante da insistência dele, resolvi abrir a bolsa e procurar o celular, pensando numa maneira de sair daquele impasse. O maremoto de azar continuava. Não conseguia achar o celular. Eu esquecera o celular em casa. E agora??? O que eu diria a ele?
Ele notou o meu desespero e perguntou:
- Será que você não o deixou dentro do carro? Olhe, use o meu aparelho. Sabe o número do socorro? – falou já me alcançando o seu celular.
Aí não aguentei mais o emaranhado de mentiras que eu estava criando e me enrolando cada vez mais, e obriguei-me a contar a verdade.
- Sr. Sheridan. Por favor. Na verdade, eu não trouxe meu celular.
- Mas você disse que havia ligado para o auto-socorro – de repente ele parou de falar e me olhou de uma maneira zombeteira – Então você mentiu para mim? Por quê?
Eu não sabia onde me meter, tal a saia justa que acabara de vestir. Devo ter ficado corada com todas as cores das videiras no verão, de uma só vez.
- Não sei. Desculpe-me. Olhe, o senhor pode seguir o seu caminho, que dou um jeito. Vou esperar passar a chuva e vou a pé para casa. Não fica longe daqui – e pensei nos 15 quilômetros que teria de percorrer de salto alto e quase desanimei.
- Giulia, primeiro pare de me chamar de senhor e, em segundo lugar, deixe de ser infantil e me deixe levá-la até sua casa. A não ser que não queira que eu saiba onde mora. Eu também preciso me secar. Também podemos ir até o meu hotel e você liga de lá para o seu marido ou namorado pegá-la. É outra opção.
- Não! De jeito nenhum – pense Giulia, pense rápido. O que eu poderia fazer agora. Teria de ceder e deixá-lo me levar até a vinícola – Está bem. A vinícola onde trabalho fica a 15 quilômetros daqui. Eu mostro o caminho. A propósito, não tenho nem marido nem namorado - Porque eu tinha dito aquilo?? Idiota! Pelo menos eu manteria um pouco de respeito com esta mentira. Percebi que os olhos dele estavam focados em outro local que não o meu rosto. Era sobre meu decote, que estava mais generoso. Parece que o aguaceiro havia encolhido o vestido e as curvas de meus seios, molhados de chuva, estavam mais salientes.
- Bom saber. Então tenho uma chance com a signorina?
- Chance? Que chance? Senti um calor subindo pelo meu corpo e localizando-se na face.
Ele apenas sorriu. Um sorriso que me pareceu diabólico. Deu a partida no carro e saímos pela estrada.
- Por acaso você trabalha na Agricola Giusti?
- Como você sabe?
- Eu estava voltando de lá agora.
Meu queixo quase caiu, pensando que, se tivesse ficado por lá, o veria de qualquer maneira, evitando toda esta situação ridícula.
- Sério?
- Sim. Então você trabalha para o Don Pippo Giusti.
- Ele mesmo.
- Não deve ser fácil. Ele é um “cabeça dura”, não?
Não gostei do modo como ele falou de meu avô, apesar de não estar falando nenhuma inverdade.
- Não. É uma pessoa muito dócil e bom patrão – disse, “dourando” um pouco meu comentário – E você? Está aqui a passeio?
- Sim e não.
- Como assim?
- Na verdade estou conhecendo a região por força de meu trabalho. Sou funcionário de uma multinacional do vinho e estou visitando os pequenos proprietários das vinícolas da região para fazer uma proposta para aumentar a produção e...
- Multinacional? Americana? Porque vocês insistem em industrializar tudo que existe. Saiba que um vinho de qualidade tem de ser feito da maneira tradicional, por pessoas, não por máquinas.
Ele estava surpreso com a minha reação
- Será que eu posso terminar de falar?
- Acho melhor encerrarmos esta conversa. Tenho certeza que Don Pippo já lhe disse que não concorda com sua proposta – eu estava indignada com o caráter de sua visita.
- Pois vou lhe dizer que ele concordou em pensar – dizendo isto, dissipou a expressão pasmada para voltar ao sorriso de antes.
- Está rindo de que agora? – eu continuava indignada.
- Estou pensando que você fica ainda mais bonita quando está zangada.
- Você deve se achar o máximo, andando por aí neste carrão, viajando provavelmente com tudo pago pela sua multinacional, comprando pobres vinicultores ignorantes, no seu conceito, achando que as italianas vão desmaiar aos seus pés só porque é americano.
- Não, eu não penso assim. Se você ao menos deixasse eu falar, seria mais fácil de me entender.
Olhei para ele e comecei a achar que estava pegando muito pesado. Seu rosto estava sério, agora, e olhava diretamente para a estrada. Resolvi não falar mais nada e permaneci muda até a hora em que ele atravessou os portões da propriedade de meu avô.
- Por favor, pode me deixar em frente aquela casa?
Ele não respondeu. Simplesmente foi na direção indicada por mim e estacionou. Esperou que eu abrisse a porta, descesse e dissesse:
- Obrigada. Sinto se o que falei não o agradou, mas é o que penso.
- Talvez pudéssemos conversar melhor sobre tudo isto, em outra hora, outro local?
- C-como assim? – porque ele insistia em falar tão docemente, me olhando com aquele jeito de cachorro molhado e escorraçado?
- Que tal jantarmos juntos, amanhã? Eu a pego aqui, amanhã, às 19 horas.
Enquanto eu ainda estava chocada com o convite, pensando numa maneira de explicar que não poderia e inventar um motivo para tal, vi-o fechando a porta do automóvel e dizer:
- Cuide-se! Até amanhã, às 19 horas. Arrivederce! – e saiu calmamente pelo mesmo caminho que viera, deixando-me boquiaberta com o que acabara de acontecer. Que cara mais convencido. Ele nem me deu chance de responder se aceitava ou não... Eu estava pasma.
- Bambina!! Venha já para dentro de casa. Vai pegar uma pneumonia se continuar nesta chuva. – gritou Agostina, aflita com o meu estado.
Logo, ela estava ao meu lado com um enorme guarda sol fazendo-me entrar no interior da casa.
- Vai já tomar um banho quente. O que aconteceu com o seu carro?
Aí me lembrei da Fiorino, que havia deixado abandonada no acostamento, há 15 quilômetros dali.
- Agostina, por favor. Peça para o Genaro ir até a estrada para Arezzo e rebocar a minha camioneta. Acho que fiquei sem gasolina no caminho.
Genaro era o nosso faz tudo por ali. Trabalhava com meu avô há alguns anos.
- Ah, por isso aquele moço lhe deu carona?
- É... Por isso.
- Pode deixar que eu providencie tudo. Agora suba logo, antes que tenha de ficar de cama.
Resolvi encher minha banheira de água quente e relaxar um pouco num banho de espuma. Assim que o banho estava pronto, tirei minhas roupas e mergulhei naquela nuvem perfumada. “Ahhh, que delícia”, pensei. Logo a seguir, meus pensamentos saíram da banheira para perderem-se naquele longo caminho entre Arezzo e a vinícola, a bordo do Porsche preto. Fechei os olhos e comecei a lembrar de cada contorno do seu rosto. Às vezes tentava relutar contra aquele devaneio, pensando que ele não devia prestar, que era mais um americano metido à besta, que vinha para descaracterizar o trabalho de centenas de pessoas. Ao mesmo tempo, pensava que ele estava apenas cumprindo ordens. Talvez ele pensasse diferente de seus patrões. Ele devia precisar do emprego. Coitado, nem tinha dado chance para ele se explicar. Ele devia me achar uma italiana muito maluca e escandalosa, como aquelas que eles costumavam retratar no cinema.
A espuma já estava praticamente ausente, quando me dei conta que estava quase na hora do jantar. Minhas mãos estavam completamente murchas e água já começara a esfriar.
Mas a lembrança de Alex continuava fervilhando em minha cabeça.
Preparei-me para descer e encontrar vovô na sala de jantar.
- Olá, Don Pippo! – saudei-o alegremente.
- Olá, Gigi! Você desapareceu durante a tarde. O que aconteceu? O Genaro disse que teve de buscar a Fiorino na estrada. Esqueceu de colocar gasolina de novo?
- È, parece que sim.
- A Agostina me contou que um homem veio trazê-la até em casa. Alguém conhecido?
- Mais ou menos.
- Como assim?
- Ele havia falado comigo pela manhã pedindo informações, enquanto eu estava fazendo a minha caminhada.
- Ah, sim. Isto o torna um velho conhecido?
- Não exatamente, mas... Vovô, você conversou com ele esta tarde. Ele me disse que esteve aqui, logo depois que eu saí. Ele trabalha para uma multinacional de vinhos.
- Várias pessoas estiveram aqui esta tarde, enquanto você se perdia pela estrada. Mas, acho que sei de quem está falando. Cuidado com este homem. Não me parece uma pessoa confiável. Só faltei enxotá-lo daqui. Veio com uma proposta de compra da minha propriedade. Eles pretendem industrializar toda a produção. Já imaginou isto? Acho que ele vai voltar. Tenho de falar com nossos vizinhos para que não baixem a guarda para esta multinacional. O que vai ser do nosso chianti e da produção de azeite de oliva?
- Eu sabia... Isto mesmo, Don Pippo, vamos resistir. Eles não podem ter tudo que querem. Tem coisas que eles não podem comprar.
E pensar que eu aceitara sair para jantar com ele. Mas eu deixaria bem clara a minha posição. Provavelmente o convite foi interesseiro. Soube que eu era gerente da vinícola e resolveu me convidar para um jantar para me convencer a vencer a resistência de meu patrão. No fundo, eu estava chateada, muito chateada, por pensar que aquele jantar havia sido friamente calculado. Era uma pena, realmente uma pena. Ele era tão charmoso, elegante e tinha aquele olhar... Pare de pensar nele, Giulia. Amanhã vamos esclarecer bem as coisas. Ele não perde por esperar. Não sabe com quem está se metendo.

Tive uma noite um pouco agitada. O sono não queria me fazer companhia. Depois de muitas horas rolando de um lado para o outro na cama, o cansaço foi vitorioso.
Acordei com dificuldade. Não tive nem coragem de ir fazer o meu “Cooper”, como dizia vovô. Além do mais, o tempo continuava feioso. A chuva amainara um pouco, mas ainda era presente.
Pela manhã, fui verificar como ia o andamento do engarrafamento do azeite e o do vinho da safra de dois anos atrás. Sempre havia movimento por lá. Raramente ficava-se sem atividade alguma. Isto foi muito bom naquele dia, em que a cada hora passada minha ansiedade aumentava, pois se aproximava a hora de encontrar-me com Alex Sheridan. Ficara preocupada, novamente, com o excesso de rótulos que continuava a ser extraviado. Já falara com a gráfica responsável - a segunda em um ano - mas ninguém conseguia explicar aquele problema.
No meio da tarde, o tempo esfriou um pouco e as nuvens começaram a bater em retirada, deixando que o sol voltasse com força e brilho. Às cinco da tarde encerrei meu expediente e fui para casa começar minha arrumação. Decidi que ia vestir-me como uma administradora. Afinal seria uma reunião de negócios, não? Coloquei um tailleur marinho, de corte acinturado, muito elegante. Prendi os cabelos num coque na nuca. Só faltava um par de óculos para dar o ar formal que necessitava para o encontro. Certamente ele ficaria surpreso. Com isto, pretendia mantê-lo a distancia. Ele não conseguiria me seduzir com aquela fala mansa e aqueles olhos azuis... Não! Com certeza que não!
Enquanto dava os últimos retoques na minha maquiagem, ouvi Agostina bater a minha porta, me chamando:
- Tem um moço aí perguntando por você! Diz que se chama Alex!
- Obrigada, Agostina! Diga que já estou descendo!
Olhei no espelho pela última vez para ver o resultado final do meu disfarce de executiva. Parecia agradável, mas pouco sexy. Esperava que ele pensasse assim também.
Desci as escadas e logo pude vê-lo, de pé no hall de entrada, esperando por mim. Virou-se, assim que ouviu o barulho de meus passos. Parecia surpreso com meu visual. Não tinha certeza se a surpresa tinha sido ruim ou boa. O certo é que se abriu num sorriso intrigado e disse:
- Boa noite! – e seguiu-me sem desgrudar os olhos de mim, até que eu chegasse a sua altura. Não fez nenhum comentário sobre minha aparência – Vamos?
- Boa noite. Podemos ir. Boa noite, Agostina – falei, torcendo que ela não falasse a palavra avô. Graças aos céus, ela contentou-se em dizer apenas boa noite, sem esconder o queixo caído. Ainda bem que vovô tinha saído para dar uma volta antes do jantar. Certamente para escolher um bom vinho e não para exercitar-se, obviamente. Resolvi contar-lhe sobre este encontro só depois, para não deixá-lo preocupado.
Ele abriu a porta do carro, educadamente, sem dizer palavra alguma.
- Obrigada – agradeci, secamente.
Entrou e deu a partida. Só então pude ouvir aquela voz meio rouca e musical.
- Não tinha uma roupa, digamos, mais conveniente para um jantar à noite? Parece que vai participar de uma negociação entre empresários. Não que não esteja muito atraente com este visual, mas eu imaginava outra coisa.
- Mas não é este o intuito deste jantar? Um esclarecimento de suas intenções para com a vinícola de Don Pippo e uma negociação?
- Não são bem estes os assuntos que pretendia conversar durante o jantar, mas se você acha este assunto agradável e estimulante, não vou querer desapontá-la.
O carro iniciou seu percurso.
- Mas este não é o caminho para Arezzo. Onde você está me levando?
- Surpresa.
- Eu não gosto de surpresas. Para onde estamos indo?
- Logo verá.
Em seguida pegou um desvio que levava para um campo de pouso próximo. No horizonte, onde os últimos raios de sol inundavam de vermelho as poucas nuvens remanescentes, pude ver a silhueta de um helicóptero.
- O que significa isto?
- Isto significa que vamos jantar em Florença. Prefiro os restaurantes de lá. De carro perderíamos um hora para ir e outra para voltar. Além do mais, não gosto de dirigir à noite, principalmente depois de beber um bom vinho.
- Mas, mas...
- Não se preocupe. Vou deixá-la sã e salva em casa, no final da noite.
Ajudou-me a descer do carro. Eu estava começando a entrar em pânico. Além do nervosismo natural por estar ali ao lado dele, sendo levada para outra cidade para um jantar, eu morria de medo de voar em qualquer coisa que fosse. Imagine num helicóptero!
Quando chegamos próximos a porta, quase paralisei. Mas eu não podia deixar que ele percebesse este meu medo.
- Você está com medo? – Ele lia pensamentos também.
- Imagine. De maneira alguma.
Colocando um pé depois do outro, com a ajuda das mãos de Alex, consegui entrar e sentar-me. Meu corpo parecia que ia começar a petrificar. Colocamos os cintos de segurança.
- Giulia, por acaso você tem medo de voar?
- Não, por quê? – menti.
- Porque você está pálida como um papel e dura como uma pedra. Se quiser segurar minha mão, esteja à vontade. O vôo de helicóptero é muito seguro. Já viajei diversas vezes assim, sem problema algum.
Neste momento, os motores começaram a entrar em funcionamento. O barulho tornou-se ensurdecedor. À medida que o aparelho elevava-se no ar, o meu pavor foi tornando-se mais aparente. Quando chegou à altura desejada e começou a deslocar-se em frente, rumo a Florença, senti a sua mão forte segurando a minha e o seu braço em torno de meus ombros.
- Relaxe, Giulia. Perdoe-me. Se soubesse que você tinha este medo, não teria escolhido este meio de transporte – falava com real sentimento de culpa na voz. Aquele pedido de desculpa teve um efeito calmante sobre mim. Consegui virar a cabeça e dar de encontro com aqueles olhos claros cheios de preocupação.
- Já está passando. Não se preocupe – e por incrível que pareça, era verdade. Sentia-me segura por aquela mão e aquele abraço confortável.
- Já, já chegaremos. O vôo não demora mais do que 15 minutos. Tudo bem?
- Tudo bem – respondi, tentando esboçar um sorriso.
Durante o resto do percurso não trocamos mais nenhuma palavra.
Aterrissamos no Aeroporto Vespucci, onde nos aguardava uma linda Ferrari vermelha.
Já recuperada de minha crise de pânico, desvencilhei-me do seu abraço e soltei sua mão.
Lembrei da minha intenção de ser o mais formal possível. Não podia dar liberdades para ele. Aquele incidente no helicóptero não estava previsto, mas já passara. Tinha de manter meu intuito original. Agora o meu medo era de não conseguir resistir aos encantos dele. Tinha sido tão delicado e protetor comigo naquele momento de crise. Fez-me sentir tão bem...
- Pelo jeito já está sentindo-se melhor – falou ao notar a minha rejeição ao seu cuidado.
- Já. Já estou bem, obrigada.
Acomodei-me no automóvel, ao seu lado e seguimos para o nosso jantar.
- Guilia, porque você não relaxa um pouco. Não precisa ficar tão na defensiva comigo. Quero apenas conversar e conhecê-la melhor. Tem algum mal nisso? - sentia sinceridade na sua voz. Talvez se eu baixasse um pouquinho a guarda.
- Está bem, Alex. Desculpe. É que não consigo aceitar os motivos da sua visita à nossa terra. A história de industrializar as vinícolas. Não é justo.
- Mas eu já disse que não quero industrializar nada. Falei que queria orientar no aumento de produção. A minha empresa produz vinhos artesanais na Califórnia e na França. Mas também trabalhamos com importação, principalmente aqui da Itália. Uma das vinícolas que trabalha conosco é a de Don Pippo. Você sendo a gerente deve saber disso. Trabalho com a empresa Calvine. Queremos incrementar a produção e com isso importar um volume maior. Não nego que também produzimos vinhos industrializados, mas ainda prefiro os métodos artesanais, que sem dúvida torna o vinho de qualidade superior.
Eu estava abismada com tudo que ele estava falando e comecei a ficar envergonhada por meu comportamento até ali. E ele notou isto.
- Espero que, agora que você ouviu sobre minhas intenções, possa relaxar um pouco e manter uma conversação mais informal.
- Alex, se tudo que você está dizendo é verdade, gostaria que me desculpasse, pois acho que houve um grande mal entendido por aqui.
- Como assim?
- Quando falei com Don Pippo sobre você ontem à noite, ele me preveniu contra você. Ou pelo menos pensei que era você. Ele me disse que havia estado por lá, à tarde, um funcionário de multinacional com intenções de comprar a vinícola e instalar uma indústria. Inclusive, pediu-me para ter cuidado com esta pessoa, que ele achava não ser muito confiável.
- Deve ter sido outra pessoa. Quando saí de lá estava chegando outro automóvel. Ele não disse o nome?
- Não, não disse. Estranho ele só ter citado este outro homem e não ter falado em você.
- Talvez porque eu tenha pedido sigilo.
- Por quê? – aquela história parecia estar mal contada. Eu não conseguia entender por que.
- Estamos chegando. Vamos continuar esta conversa durante o jantar. Não quero que você fique pensando mal de mim.
- Está bem.
Por mais que eu tivesse dúvidas ainda, não conseguia imaginá-lo fazendo qualquer tipo de maldade ou de engodo. Alex parou o carro diante da Enoteca Pinchiorri, um dos restaurantes mais famosos da Itália. Só aceitavam reservas com muita antecedência. Como ele havia conseguido tão facilmente? Sempre tivera curiosidade de conhecer aquele lugar e agora, conheceria acompanhada por ele. Comecei a maldizer-me por estar tão mal vestida para aquela ocasião. Se tivesse o deixado falar no dia anterior sobre o propósito de sua visita, nada disso teria acontecido.
Alex entregou a Ferrari para o recepcionista e deu-me o braço para entrarmos. Lá dentro fomos recepcionados pelo próprio dono, o senhor Giorgio Pinchorri, que parecia conhecer Alex há muito tempo.
O lugar era lindíssimo. Fiquei boquiaberta com a decoração, de extremo bom gosto e requinte, onde prevalecia o rosa antigo, nas cadeiras e nas toalhas das mesas. Quadros de pintores renascentistas emolduravam as paredes, sem falar nas pratarias, talheres, candelabros sobre as mesas e grandes vasos repletos de rosas do mesmo tom do ambiente. Muito romântico, também... Fomos levados para uma mesa colocada discretamente em uma das salas – eles tinham pelo menos tres ambientes diferentes – num canto, sob um lindo quadro que retratava uma paisagem da Toscana. As velas, no candelabro de prata, já estavam acesas.
- Você parece ser um funcionário muito bem quisto dentro da sua empresa, para ter todas estas facilidades e luxos.
- É, não posso me queixar – falou com um meio sorriso.
Enquanto o maitre nos atendia e escolhíamos algumas das iguarias e vinho do menu, sentia o seu olhar a analisar-me, de vez em quando. A cada vez, sentia meus joelhos enfraquecerem e o rubor indo e vindo. Assim que terminamos de escolher, novamente a sós, tentei voltar ao assunto da vinícola.
-Alex, tudo que você falou antes é verdade, não é?
- Você ainda duvida. Podemos falar com Don Pippo quando voltarmos. Ele vai confirmar o que digo.
- Mas, então quem será este outro homem. Agora fiquei preocupada.
- Não se preocupe. Como falei, o seu patrão não tem intenção nenhuma em vender a vinícola, pelo que eu senti na sua conversa de ontem. Mesmo que tivesse eu daria um jeito de dissuadi-lo, pois não tenho nenhum interesse em perder um dos meus principais fornecedores – falando isso, olhou-me docemente e disse: - Giulia, que tal esquecer este assunto e falarmos sobre você. Eu já contei um pouco de mim, mas não sei quase nada a seu respeito, a não ser que é gerente da Vinícola Giusti.
- O que você quer saber?
- Como foi parar lá?
Estava na dúvida se continuava a esconder o meu parentesco com o senhor Giusti, mas resolvi manter assim até conversar com vovô.
- Bem, na verdade, me formei em Hotelaria, aqui em Florença, na escola Aurélio Saffi. Morei aqui por três anos. Quando terminei, não consegui nenhuma boa proposta. Por isso segui para a zona das vinícolas, com meu currículo debaixo do braço. Don Pippo acabara de perder sua esposa e estava precisando de ajuda para gerenciar sua propriedade. Assim, consegui meu emprego. Satisfeito?
- Você tem certeza que não está me escondendo nada? - lá vinha ele com aquele sorrisinho irônico, me olhando daquele jeito intimidador.
- Porque eu estaria escondendo alguma coisa? – com essa devo ter ruborizado até a alma.
- Acho difícil não ter conseguido uma posição, aqui mesmo em Florença ou em outro centro turístico, com a quantidade de hotéis que existem na Itália. Porque se “esconder” no interior?
- Talvez o meu currículo não fosse bom o suficiente?
- Duvido. Você não leva jeito para ser uma má aluna.
Neste momento, o garçom chegou com o vinho. Para minha surpresa, não era um vinho italiano. Nem mesmo europeu. Era californiano.
- Vou lhe apresentar um de nossos produtos. Espero que goste. Não chega aos pés do chianti de Don Pippo, mas é um bom vinho. Depois de provar este podemos pedir outro melhor, a sua escolha.
Depois de ele provar de seu cálice e aprovar, o garçom serviu-nos. Então, ele propôs um brinde:
- À paz entre nós?
Ele era irresistível.
- À paz!
O vinho era muito bom. Parecia ser de um teor alcoólico maior que os nossos. Tinha que me cuidar, pois não costumava beber, apesar de conhecer e viver naquele meio.
A partir de nosso brinde, a conversa começou a fluir melhor, apesar de sempre ter a sensação de que nem tudo era dito. Parecia haver alguns segredos subliminares. Talvez eu estivesse me sentindo culpada por não ter contado que era neta de Don Pippo. Mas o que ele estaria me escondendo?
- Afinal, temos histórias parecidas. Acabamos nos formando e assumindo funções em áreas da vinicultura.
- Com a diferença que você teve bem mais sorte do que eu. O seu emprego deve ser muito interessante. Viagens pelo mundo, carros luxuosos e helicópteros à disposição.
- Vai achar que estou mentindo, mas às vezes isto cansa um pouco. È um trabalho que me mantém afastado de muitas coisas e de pessoas. Às vezes me sinto muito solitário por causa disso. É muito difícil, por exemplo, manter um relacionamento com estas viagens constantes. Senti seus olhos transpassarem-me. Tive vontade de dizer-lhe que eu também estava solitária e me jogar de cabeça naqueles lagos azulados que me olhavam intensamente.
- Mas, você não deve ter dificuldade em conseguir companhia. Você é agradável, charmoso, inteligente.
- De relacionamentos superficiais já cansei. Falo de uma coisa mais sólida, se é que você me entende – falou isso, pegando em minha mão que estava sobre a mesa e fazendo com que meu corpo todo estremecesse.
Onde ele estava querendo me levar com aquela conversa? O que queria que eu respondesse? O álcool começava a fazer o seu efeito. Já não sentia as pernas e estava começando a pensar em besteiras. Resolvi mudar de assunto.
- A comida daqui é maravilhosa, não? – falei, tirando a mão do seu alcance.
Ele sorriu, divertindo-se com a minha saída pela tangente.
- É. Que bom que você gostou da minha escolha.
- Nunca pensei em entrar aqui um dia. Sei que as reservas têm de ser feitas com muita antecedência. Como você conseguiu?
- O Giorgio é meu velho conhecido. Nós fazemos negócios para abastecer a sua enoteca há algum tempo. Falei que queria trazer uma amiga para conhecer e a reserva foi feita imediatamente.
- Giulia, você ainda está com medo de mim?
- Medo? Não... Por quê?
- Você continua tensa. Mudou de assunto agora, quando eu falei sobre relacionamentos. Você deve ter notado que estou atraído por você desde que nos conhecemos. Ou não?
Quase desmaiei com aquela afirmação tão direta. Não sabia o que fazer. Um homem como ele me falando uma coisa dessas parecia um sonho. Ainda tinha dúvidas quanto a ele. Não podia me deixar levar. Sentia-me andando em terreno desconhecido, com medo de perder-me e não saber voltar depois.
- Alex, acho muito cedo para falarmos sobre estas coisas. Nós mal nos conhecemos. Acho que ainda temos muito a conversar. Podemos ser amigos. Depois... Não sei. Além do mais, estou meio tonta com o excesso de vinho. Não estou acostumada a beber. Não quero fazer ou falar nenhuma bobagem. Está bem? – disse, oferecendo o meu melhor sorriso. Não queria ofendê-lo.
- Está bem. Eu entendo você. Talvez eu esteja sendo precipitado. Então... Amigos?
- Sim. Amigos – e ofereci minha mão novamente, que foi suavemente acariciada por ele.
Antes que me derretesse, falei:
- Vou ter de ir ao toalete. Podemos voltar para casa depois?
- Você não quer sair para dançar um pouco? – falou com olhar suplicante, que quase arrancou um sim da minha garganta.
- Não. Hoje não. Talvez outro dia. Tudo bem?
- Ok!
- Com licença, então.
Ao me levantar, desequilibrei um pouco, fazendo-o levantar-se rapidamente com o intuito de ajudar-me. Mas consegui readquirir o controle das pernas, agradecer a preocupação e sair respirando fundo, tentando não dar vexame no caminho.
Já no toalete, espirrei um pouco de água sobre o rosto para reanimar-me. Que vergonha. Quase bêbada. O que ele ia pensar? Fiz o que tinha de fazer, lavei minhas mãos, retoquei o batom e respirei fundo mais uma vez, antes de voltar para o salão.
Ele já me aguardava para sair. Segurou meu braço e seguimos juntos para a saída, onde o carro já nos aguardava.
- Nós vamos voltar de carro para casa?
- Sim, mas não neste. Vamos até o Aeroporto. Lá nos aguarda uma mini-van, com um motorista, que nos levará. A não ser que você prefira voltar de helicóptero.
- Não! Prefiro a estrada, por favor!
- Eu estava brincando.
Ajudou-me a entrar no carro e partimos pela noite, em direção ao Vespucci. A brisa da noite me fez bem. O torpor parecia diminuído. Trocamos umas poucas palavras bobas durante o trajeto. Lá chegando, fui apresentada a Pietro, nosso motorista. Acomodamos-nos no banco traseiro da van e fomos em direção à auto-estrada para Arezzo. Só o ronco suave do motor chegava até meus ouvidos. O tremor leve provocado pelo deslizamento dos pneus na rodovia começou a tornar-se hipnótico. Fechei os olhos e não pensei em mais nada. Não soube dizer quanto tempo fiquei adormecida. Só sei que fui acordada por aquela voz rouca e sexy, dizendo em meu ouvido:
- Giulia, acorde. Já chegamos.
Quando consegui abrir os olhos, notei que estava totalmente aconchegada nos braços dele, com os cabelos soltos e sem o casaco do tailleur. A blusa branca estava com os três primeiros botões abertos, deixando entrever meus seios.
- O que aconteceu? Porque estou sem meu casaco? – estava meio surpresa, meio dormindo.
- Não aconteceu nada. Você pediu para tirar o casaco, que a estava incomodando e abriu os botões porque estava sentindo-se sufocada. Juro que não fiz nada, se é o que está pensando – falou, com aquele sorriso divertido.
- Você me acha muito boba, não?
- De jeito nenhum. Eu a acho adorável com este jeito desconfiado de ser.
- Ah, Alex, me perdoe. Acho que bebi demais. Você não vai querer sair comigo nunca mais.
- Pois saiba que amanhã venho falar com Don Pippo, para esclarecermos aquela sua dúvida. Depois você já está convocada para irmos dançar.
- Como? – de novo ele me pegava de surpresa e me deixava sem ação.
- Não se preocupe. Será ali em Arezzo mesmo. Conheço um local muito bom.
Antes que eu pudesse dizer não, ajudou-me a sair da van e levou-me até a porta de casa.
- A princesa está em casa - dizendo isto, abaixou-se um pouco, aproximando seus lábios do meu rosto e depositou um beijo suave. Logo, foi desviando-se e outro beijo foi dado mais próximo a minha boca. Eu estava perdida no seu olhar, que continuava a fitar-me intensamente, quando senti seus lábios quentes e macios tocarem os meus, com uma pressão cada vez mais intensa. Quando dei por mim, estava com a boca entreaberta, solicitando urgente por seus lábios e sua língua, abraçando-o e puxando sua cabeça de encontro a mim. Ele respondeu imediatamente e seus braços envolveram-me, acariciando-me as costas e os cabelos. Tive a sensação de flutuar e imaginei – ou não? – ouvir sinos de uma igreja tocando ao longe.
- Giulia! - ouvi aquela voz distante, mas não era a mesma que me acordara a poucos instantes. Parecia que tudo rodava a minha volta.
- Vovô?
- Avô?! – exclamou Alex.
- O que está acontecendo aí? Giulia!
- Oh, meu Deus! - afastei-me do abraço de Alex, olhando-o assustada. Não sabia bem se pela presença súbita de Don Pippo ou por ter sido pega numa mentira.
- Você é neta de Don Pippo?
- Alex, é melhor você ir. Depois eu explico. Amanhã nos falamos, está bem? Eu não estou me sentindo muito bem.
- Apesar de tudo, eu estou me sentindo muito bem. Pode ter certeza que estarei aqui amanhã. E não esqueça o nosso compromisso para a noite.
Antes de deixar-me, ainda beijou-me mais uma vez. Menos veementemente, é claro.
- Boa noite, Don Pippo – saiu acenando para meu avô que estava parado na porta, com cara de irritado. Entrou na van, dono de um largo sorriso e partiu na companhia de Pietro.
- Dona Giulia! O que significa isto tudo?
- Ah, vovô. Significa que eu tive uma grande noite. Talvez uma das melhores da minha vida.
- Você está ligeiramente bêbada, não está? Reconheço este hálito de vinho californiano de longe. Ele por acaso tentou embebedá-la?
- Não. Bebi por livre e espontânea vontade. E foi ótimo! – eu me sentia andar flutuando e com uma vontade de rir. Ao olhar para o rosto brabo de meu avô, comecei a gargalhar. Realmente eu estava definitivamente leve e solta. Seria só o efeito do vinho? Não era só isso não. O gosto daqueles beijos ainda estava em minha boca e era de um sabor extraordinário.
- Melhor você tomar um banho e ir dormir. Sua sorte é que amanhã é sábado. Estará dispensada de trabalhar pela manhã. Vou deixar preparados uns analgésicos para tomar ao acordar. Vai precisar. O único vinho que não dá dor de cabeça na ressaca é o meu.
Novamente não consegui evitar o riso. Dava graças por não ter precisado ouvir um sermão maior.
Consegui chegar ao meu quarto agarrando-me no corrimão, sem parar de rir. Estava menos alcoolizada do que parecia. Estava embriagada de felicidade e o nome do vinho era Alex Sheridan. Mal consegui tirar a roupa e atirei-me sobre a cama.
Continua amanhã...

3 comentários:

  1. E eu volto para a continuação! Estou adorando!
    Que gostosura de história!
    Bjs

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  2. Q vinho mama mia, dessa embreagues nunca + quero me livrar... seguido de um belo exemplar, com olhar tão penetrante nas "engrenagens da minha carroça"...
    É nesse terreno "inimigo" q eu quero ficar...
    Jézuis q me perdoe, mas ñ venha me salvar...rss
    Bjkas

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  3. É, sei bem a Giulia devia se sentir, trabalhar para a família é a pior coisa, ninguém escuta mesmo a gente, tudo o que fazemos parece ser obrigação e o reconhecimento merecido não vem.
    Nossa, mas que encontro chique... ah, até que foi bom ela ficar um tantinho alta, saiu um pouco da rotina, sem que com isso tenha tido motivos para se envergonhar de algo. E levando a vida da mesma maneira, todos os dias, nada melhor do que sentir-se leve, flutuando e feliz. Tadinha, só espero que a ressaca do dia seguinte não seja forte, mas com certeza nem isso diminuiria o brilho da noite anterior.
    Mas esse moço é um espetáculo mesmo... tão lindo, simpático e seguro de si... e com uma criatividade deliciosa... hummm...
    Beijinhos

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