domingo, 14 de junho de 2009

Depois do Feriadão

Não sei se todos tiveram um feriadão ou apenas um feriadinho. De qualquer forma, as duas alternativas são excelentes. São momentos para se relaxar um pouco da rotina atribulada do dia-a-dia. Espero que todos tenham tido o seu descanso merecido e bem aproveitado.
Hoje decidi colocar mais um pouco de romance ao vento para podermos iniciar a semana um pouco mais leves. Muitas já devem conhecer a estória da minha advogada, a Sylvia. Mas se quiserem ler de novo, eu deixo...rsrsrs. Para quem não leu ainda, espero que gostem. Enquanto a nova estória não fica pronta, deixo vocês com "A Advogada". Beijos!



A Advogada - Parte I



O trabalho no escritório, nas últimas semanas, estava acabando com Sylvia. Andava tão estressada, que já não conseguia dormir ou comer direito. Seu aniversário estava próximo, mas não tivera tempo de planejar nada. Nem mesmo um jantar com amigos. Se é que ainda tinha algum. Apenas tinha a certeza da amizade de seu sócio, Edward, pois ele era o único que certamente não invejava a sua posição, já que estavam lado a lado na sociedade. Quanto aos outros, com quem trabalhava, tinha suas dúvidas. Amigos fora do ambiente de trabalho podiam ser contados nos dedos de uma só mão. Mesmo assim, fazia tanto tempo que não os encontrava, que tinha até vergonha de procurá-los para festejar qualquer coisa que fosse, muito menos o seu aniversário. Talvez fosse melhor tirar uma noite de descanso e curtir seu apartamento novo, esvaziando as caixas da mudança, que ainda estavam empilhadas pelos cantos, a espera de sua dona.
- Sylvia! Reunião de emergência! Agora! – gritou Edward ao vê-la passando com uma xícara de cafezinho na mão, a caminho de sua sala.
- Já estou indo – respondeu, interrompendo o curso dos planos para o seu aniversário.
Entrou na sala de Edward. Lembrou de quando cursavam a faculdade de Direito juntos. Sempre foram amigos, desde o primeiro dia. Sempre ativo, estudioso e empreendedor. Gostava dele como de um irmão, que não tinha. Quando terminaram o curso, pareceu natural que se tornassem sócios. Claro que haviam trabalhado por algum tempo junto a uma firma de advocacia maior, mas tão logo se acharam mais experientes, uniram as forças e lançaram-se no mercado com unhas e dentes. Depois do primeiro ano, tiveram a sorte de trabalharem na negociação de uma fusão entre duas grandes redes de TV, tornando-se conhecidos no meio artístico. A partir daí, o sucesso fluiu, com o surgimento de trabalhos junto a produtoras, tanto de programas de TV, de cinema e de música. O trabalho era árduo, estressante, mas recompensador, do ponto de vista monetário. Não tinha do que se queixar quanto a isso. Em compensação, sua vida pessoal era um horror. Não conseguia ter sorte com seus relacionamentos, que acabavam por falta de tempo para cultivá-los ou por descobrir que o interesse do companheiro não era só na sua pessoa. Já nem pensava mais nisso. Pelo menos não gostava de pensar muito nisso.
- Então, sócio, o que está acontecendo? Onde é o incêndio? – perguntou, fechando a porta atrás de si, acabando com as esperanças de pelo menos três colegas de ouvirem o que seria dito.
- Conseguimos uma nova produtora para assistir. Eles estão começando agora. Ajudaremos com todos os tramites legais para efetivá-la e ficaremos como responsáveis por toda a parte jurídica. Sei que não é nenhum negócio milionário, mas acho que ela tem um grande futuro. Temos que apostar nisso.
- Que ótimo, Ed! Confio no seu faro.
- O que há com você? Está tão abatida. Está doente?
- Não, só cansada.
- Precisando de umas férias?
- Talvez...
- Mas só depois de fecharmos este negócio, certo? Aí, você poderá usufruir um logo mês de férias. Que tal?
- Seria maravilhoso...E você? Não tira férias?
- Ah! Minha querida amiga e sócia, você sabe que o meu lazer predileto é o trabalho. Férias para quê?
- Você tem que se cuidar, Ed. Não quero ficar sozinha nesta sociedade tão cedo, ok?
- Não precisa se preocupar. Andei fazendo um check-up há pouco tempo e estava ótimo.
- Que eu lembre o seu último check-up foi há dois anos atrás e, se não me engano, o seu colesterol estava um pouquinho elevado. Lembra?
- Está bem. Assim que você voltar de suas férias, eu vou ao médico para uns exames. Combinado?
- Você promete?
- Claro! – respondeu sem olhá-la nos olhos.
- Ed... Não tente me enganar.
- Prometo, Sylvia. Prometo.
- E a reunião com estes novos produtores? Quando vai ser?
- Bem, ficamos de nos encontrar na semana que vem para levarmos os contratos a serem assinados e nos conhecermos.
- Como assim, nos conhecermos? Você ainda não os encontrou?
- Na verdade, encontrei apenas com um dos sócios. Ele me procurou e acertamos tudo. Nesta reunião ele vai apresentar o seu parceiro e eu apresentarei você. Não fica ótimo assim?
Depois de uma pausa teatral, Ed olhou Sylvia maliciosamente e disse:
- O tal Alan é meio feioso, mas parece que o sócio dele é ator, provavelmente mais bem apresentável. Quem sabe?
- Quem sabe o quê? – perguntou Sylvia levemente indignada com as possíveis intenções da última pergunta de Edward.
- Ora, Sylvia... Não vejo você com um namorado novo há pelo menos um ano.
- Quem falando! E você? A última vez que me apresentou alguém foi... Acho que na mesma época do seu check-up. Ela era a médica que o examinou. Débora, não?
- Você disse bem. Que eu a apresentei. Mas depois disso tive várias mulheres. Não preciso ficar apresentando-as a você cada vez. Ou tenho? Vai virar minha mãe, agora?
- Eu diria sua irmã... Mais moça.
- Mais moça? Da onde? Nós temos a mesma idade, maninha. Praticamente gêmeos univitelinos.
- Está bem, está bem. Vamos parar por aqui. Já sei que esta discussão não vai dar em nada. Quer jantar comigo? Estou meio carente hoje.
- Olha... Eu tenho um encontro com uma gata...- respondeu com ar pensativo, como se estivesse sondando alguma possibilidade de romper o compromisso para sair com ela.
- Não quero atrapalhar. Pode deixar, Ed. Fica para outra vez – disse , tristemente.
- Estou brincando, Sylvia. Sou todo seu. Você tem razão a respeito de minha vida amorosa. Ela está mais em baixa que as ações das AeroVias.
- Mas as AeroVias estão falidas.
- Exatamente o que eu disse.
Caíram na gargalhada juntos. Riram tão alto que todos no escritório pararam para ver o que estava acontecendo. Edward acenou para todos, mandando-os voltar aos seus afazeres e desceu a cortina da janela de sua sala, que dava para o interior do escritório.
- Agora, vamos ficar aqui um tempinho e deixar a imaginação das coleguinhas novas rolar, pensando que você é a dona de todo este corpinho – brincou, fazendo um molde imaginário de seu corpo com as mãos, mostrando alguns dos “pneus” adquiridos ao longo dos últimos anos de falta de cuidado com sua alimentação,
- Você não tem jeito, Ed. Continua querendo conquistar as novatas me usando como isca. O pior é que ainda me torno a mais odiada entre as mulheres deste “covil”.
- Ah, Sylvia. È isso que torna a vida mais interessante. Você não acha?
Achando que já era tempo de sair dali, Sylvia jogou um beijo no ar para Edward e despediu-se:
- Vou terminar de editar uma papelada lá no meu gabinete e te espero para sairmos para jantar. Você acha que às 21 horas está bom?
- Passo lá para te pegar.
- Ok!
Ao sair, Sylvia notou os olhares curiosos e dissimulados de seus colegas.
Achava graça nesta mania de Edward tentar insinuar que havia um caso entre eles. Apesar de não gostar muito desta estória, acabava participando. Às vezes era uma boa desculpa para escapar de alguns sujeitos inconvenientes.
Já eram 21:30 horas, quando saíram do trabalho rumo a um restaurante novo, o O-Bar, no Santa Mônica Boulevard, em West Hollywood. Tinham ouvido falar muito bem da cozinha e do ambiente. Longos móbiles de quartzo branco desciam do alto do teto, maravilhosas cortinas armadas como tendas em cada mesa de jantar, dando um ar de mistério ao ambiente. Era um lugar de sonho e romance. Não me pareceu muito indicado para um jantar entre amigos, mas era bom conhecer e saber que havia um lugar assim para ir com alguém especial. Tivemos sorte de conseguir lugar. Talvez porque fosse uma quinta feira e o movimento fosse menor. Normalmente, fomos avisados, necessitaríamos de reserva, com antecedência.

Ele estava numa das mesas próximas ao bar do O-Bar, conversando com uns amigos, antes de voltar para seu apartamento. Estava aproveitando que não teria filmagens nas próximas semanas e resolvera relaxar um pouco. Foi quando viu aquela bela mulher, vestida elegantemente com um tailleur mostarda, com uma saia que deixava ver as pernas bem torneadas, sem ser curta demais. Seus cabelos negros estavam presos na nuca e alguns fios despenteados lhe caiam sobre o rosto. A maquiagem era leve, mas realçava a boca de lábios cheios e, provavelmente muito macios. Há muito tempo uma mulher não lhe chamava tanto a atenção. Seu olhar era meigo e seus modos extremamente femininos. Infelizmente estava acompanhada por um tipo de altura mediana, com uma calvície já iniciada no alto da testa, com um certo sobrepeso. Não era feio e vestia-se com um terno Armani, apesar de lhe faltar elegância para tal. “Ela merecia coisa melhor”, pensou Gerry, sem conseguir parar de seguir o casal. Só deixou de vê-los quando “esconderam-se” numa das mesas de jantar do restaurante. Ficou pensando se não estava na hora de dar um tempo e dedicar-se a um relacionamento mais sério. O tempo estava passando. Via quase todos seus amigos casando-se, tendo filhos e ele apenas entregue ao trabalho. Sentia falta de ter uma mulher que lhe fizesse carinho quando chegasse em casa, depois de um dia de trabalho. Ou alguém que o acompanhasse em suas viagens. Dormir e acordar acompanhado de alguém que o amasse e que o compreendesse. Que pudesse ouvi-lo, trocar intimidades, abraçá-lo e beijá-lo sem motivos, simplesmente porque o amava. Sabia que muitas mulheres o desejavam, mas como desejavam a um de seus personagens. Talvez se o conhecessem como era de verdade, não o desejassem tanto.
- Gerry! Gerry! Ei! Andando por onde, amigo? Sonhando acordado? – perguntou Steve, um amigo de longa data, casado, batendo-lhe no ombro.
- Ahn? Não... Eu estava distraído.
- Foi aquela morena que entrou a pouco, não foi?
- Linda ela, não? – respondeu sorrindo, tentando disfarçar a melancolia que sentia.
- Falando nisso, a minha linda está lá em casa me esperando. Prometi não chegar muito tarde em casa. Vamos? Ou você vai ficar, esperando que o acompanhante da morena caia fulminado e você a aborde?
- Não seria uma má idéia – gargalhou, ao pensar na situação proposta por Steve.
Entre risadas, pagaram a conta e saíram. Steve ao encontro de sua mulher e Gerry para o seu solitário apartamento, onde encontraria algum roteiro para ler, antes de pegar no sono. No fim de semana daria um jeito de ir até o “Lohan’s”, a casa noturna onde ele ás vezes ia para dançar e “pegar” alguém para levar para a cama, quando a carência estava insuportável. Tinha vergonha de reconhecer que precisava pagar para este tipo de coisa, mas as garotas de programa eram discretas. Quando bem pagas, é claro.

Finalmente era sexta feira. Ainda não decidira o que fazer para festejar o seu aniversário. Ao chegar ao escritório, achou estranho o silencio reinante. Ninguém havia chegado ainda?
O que estava acontecendo? Dirigiu-se diretamente a sua sala. Ao abrir a porta, quase caiu para trás. Foi recebida com uma chuva de balões, apitos de línguas de sogra e um bolo, onde uma vela que, felizmente não denunciava sua idade. Pelo menos Edward resolvera ser discreto neste ponto. Não que 32 anos fosse uma idade avançada. Mas quando se é solteira, estranhamente, os anos a mais pesam mais que os de uma mulher casada.
Logo o canto do“Parabéns” se fez ouvir. Depois de apagar a vela cor de rosa no centro do bolo decorado com “Felicidades, Sylvia” em glacê, foi abraçada primeiramente por Ed. Em seguida, todos os outros colegas a cumprimentaram. Estava realmente sensibilizada com a homenagem que, certamente fora iniciativa de seu amigo. Mas também, surpresa pela participação “em massa” de todos os outros, mesmo aqueles que ela achava que não eram seus simpatizantes.
Depois de passada a euforia, a volta aos trabalhos foi conseqüência inevitável. Já estava distraída digitando alguns laudos, quando Lina e Gloria, que eram duas das mais recentes estagiárias, entraram em sua sala muito sorridentes.
- Oi, chefe. Podemos falar com você?
- Claro. Algum problema?
- Não há problema algum. Só queríamos saber se você já tem programa para hoje. Pensamos em convidá-la para sair.
Sylvia ficou mais surpresa com este convite do que com a festa realizada a pouco. Lina e Gloria nunca tinham demonstrado muita intimidade com ela desde que chegaram ao escritório. Está certo que ela tinha sido a responsável pela entrevista das duas e dera o seu aval para que elas iniciassem seu estágio lá. Mas sua relação não passara disso.
- Não... Isto é, na verdade não planejei nada para hoje. Pensei em ficar em casa e arrumar minhas coisas. Desde que me mudei, ainda não consegui desencaixotar nem a metade de tudo.
- Então, que tal fazer uma coisa diferente e sair para agitar um pouco na noite. Conhecemos um lugar ótimo para dançar e conhecer pessoas... – olharam-se, sorrindo maliciosamente uma para a outra.
- Não sei... – falou indecisa, mas já ficando um pouco animada com a possibilidade de relaxar um pouco. Adorava dançar. Talvez fosse um bom programa para festejar aquele dia.
- Temos certeza que o Ed não vai se chatear – riram novamente.
Mais uma dupla que acreditava no caso dela com Edward. Quem poderia acreditar que isso fosse uma coisa séria, principalmente depois de saber que o outro a abandonaria na noite de seu aniversário? Mas não falou nada a este respeito.
- Não, eu tenho certeza que ele não vai, não... Está bem! Eu topo. Não tenho nada a perder, não é mesmo?
- É isso aí, chefe! Boa decisão.
- Por favor, não me chamem de chefe. Sinto como se 20 anos fossem acrescidos a minha idade.
- Tudo bem, Sylvia. Bem, que tal nos encontrarmos lá no “Lohan’s” às 22:30 horas?
- “Lohan’s”? Onde fica?
- Vamos lhe dar o endereço. Nos encontramos lá dentro, no bar. Está certo?
- Está certo. Combinado.
As duas saíram entre risinhos de sua sala. “Será que estão preparando mais alguma surpresa para mim?”, pensou desconfiada.
De qualquer forma, não era nada mal a idéia de dançar e, quem sabe, conhecer alguém interessante.
Na hora do almoço, saiu com Ed e foram a um restaurante próximo. Contou-lhe sobre o convite para a noite.
- Você quer que eu a acompanhe?
- Não, imagina. Acho que vai ser bom fazer um programa diferente.
- Bem já que não vai querer a minha companhia – resmungou, Ed, simulando um beicinho – eu me resigno a ficar em casa rezando para que a sua comemoração seja em grande estilo. Quem sabe não seja a sua chance de desencalhar – caindo na risada.
- Não acho elegante esta palavra desencalhar. Me sinto como um navio enferrujado encalhado no Mar Morto.
- Tem navios encalhados por lá? – achando graça na referencia de Sylvia.
- Não sei... Mas o fato dele estar Morto tem algum significado para mim. Encalhada, morta...
- Pare com isso. Já me arrependi do comentário. Desculpe – reagiu ele, com legítimo arrependimento – Você é uma mulher atraente, com uma cabeça incrível, inteligente. Só ainda não encontrou o cara certo. Além disso, hoje não é dia para depressão. Saia e se divirta.
- Vou tentar...
- Olhe, eu não ia contar agora, mas em vista de sua carinha de tristeza, vou adiantar o assunto.
- O quê? Mais alguma fusão em vista?
- Não, nada de trabalho. É sobre as suas férias, lembra? Depois da próxima terça feira a senhora estará de férias. Ou já esqueceu do seu pedido?
- Ah, claro!
- Pois é. Em nome do “Michels and Allen ‘s Lawyers” você será presenteada com uma semana de férias, a primeira das quatro, em Nova York, numa suíte do Marriot, para renovar seu guarda roupa e poder escolher seu próximo destino, nas três semanas seguintes. Tenho certeza que você ainda não teve tempo de planejar estas quatro semanas. Estou errado?
- Ed, nem sei o que dizer. Nova York? No Marriot? Realmente, eu ainda não tinha pensado para onde ir...
- Então, a primeira semana você já sabe. Considere isto como o meu presente de aniversário.
- Ed, posso te dar um beijo?
- À vontade – ela levantou-se da cadeira onde estava e segurando a cabeça dele nas mãos, deu-lhe um beijo estalado no rosto, seguido de um abraço.
- Nossa, assim eu fico encabulado – observando que várias pessoas dentro do restaurante haviam parado de conversar para olhar a cena protagonizada por eles.
- Desde quando você fica com vergonha em público? – falou Sylvia, divertindo-se com o desconcerto do amigo e voltando a sentar em seu lugar.
- E desde quando você perdeu a vergonha. Você já foi mais recatada, moça.
- Hoje é meu aniversário e eu posso tudo, não?
- È isso aí, Sylvia. Você merece muito mais, querida.
- Você é o melhor amigo que alguém poderia ter, sabia?
- Que você pense assim, acho ótimo. O pior é que todas as outras garotas de Los Angeles parecem pensar assim também.
- Tenho certeza que a sua alma gêmea está reservada e logo vocês vão se conhecer.
- A esperança é a última que morre, já dizia minha avó.
Terminaram seu almoço já com melhores ânimos e voltaram ao trabalho. Combinaram que na segunda feira teriam a reunião com os clientes da nova produtora e, dali, Sylvia seguiria para suas férias de um mês.
A noite chegou. Sylvia foi para casa, excitada com as possibilidades das próximas horas. Conseguira marcar uma hora no cabeleireiro para o horário em que sairia do trabalho. Resolveu deixar o cabelo solto, para variar um pouco. Colocaria seu vestido novo, comprado há mais de um mês, depois da mudança. Este pelo menos não estava encaixotado.
Às 21:30 horas já estava pronta. Olhou-se no espelho para ver o resultado e não achou nada mal, para alguém de 32 anos. Parecia mais jovem. Os cabelos castanho-escuros longos, ondulados, soltos, davam um visual sensual. Caprichara na maquiagem, realçando sua boca e olhos. O vestido vermelho ajustado ao corpo, mostrava suas coxas só um palmo acima dos joelhos. Sem mangas, era “clean” e sexy, sem ser vulgar. Como bijuterias, colocara um lindo colar de cristais transparentes e brincos acompanhando. Depois de colocar seu perfume Burberrry London, seu preferido, achou que estava pronta para festejar seu aniversário em grande estilo.
Pouco antes das 22:30h, chegou ao “Lohan’s”. Foi de táxi, pois tinha medo de dirigir sozinha à noite. Não viu as garotas na frente do prédio e resolveu seguir o combinado. Criou coragem e entrou. Seguiu na direção do bar, tentando acostumar-se com as luzes e os neons que inundavam a escuridão do lugar. Ainda não conseguira ver nem sinal das colegas. Sentou no bar, numa das banquetas, e pediu uma taça de vinho branco.

“Era ela? A mesma mulher do “O-Bar”, que ele vira há três dias atrás?”, Gerry estava surpreso. O que ela estaria fazendo por ali? Não era um lugar muito recomendável para uma garota elegante. Seria ela uma destas garotas de programa requintadas? Não conseguia acreditar nisto. Ela estava mais linda e sensual que nunca com aquele vestido vermelho e os cabelos soltos. Logo pensou que aquela seria uma noite inesquecível. Pensando assim, rumou na direção dela.
- Boa noite – falou, sentando-se ao seu lado, displicentemente.
Ao ouvir aquela voz rouca e máscula a lhe cumprimentar, teve como primeiro impulso desencorajar o seu dono de qualquer pretensão a seu respeito. Ao levantar os olhos do balcão e cruzar com o olhar intenso e sensual, de um verde profundo, acabou por esquecer o que tinha pensado no último minuto e perdeu o poder da palavra. Em alguns instantes, hipnotizada por aqueles olhos, imaginou se ele não iria pensar que ela era retardada, tal a demora em responder um simples boa noite. Finalmente, conseguiu destravar a língua e responder:
- Boa noite... – o que fez brotar um lindo sorriso da boca lasciva de seu interlocutor.
- Está sozinha?
- Não... Quer dizer, estou esperando umas amigas, mas acho que elas se perderam por aí. Ou devem estar chegando – corrigiu rapidamente, para que ele não pensasse que ela estava totalmente só.
- Posso acompanhá-la... Até suas “amigas” chegarem?
- Como quiser. Você já está sentado mesmo ao meu lado. Que eu saiba o bar é livre. Não posso impedir que você fique aqui. Posso?
- Não quero ser inoportuno. Posso procurar outra pessoa para conversar.
- Desculpe – disse, arrependida do que acabara de falar, pois o homem parecia ser bem interessante. Era, mais uma vez, o seu sistema de defesa contra homens em geral, dando o alarme. Mas este parecia ser diferente. Esperava que fosse. Ele era extremamente charmoso e elegante. Além disso, não era nenhum rapazote. Parecia ter classe e experiência – Não costumo ser abordada em bares.
- Não? Onde você costuma ser abordada?
- Na verdade, não costumo sair muito à noite.
“Ela está se fazendo de difícil, mas eu gosto disso”, começou a sentir-se excitado.
- Acho que a vi esta semana no “O-Bar”, se não me engano, acompanhada por um homem.
- No “O-Bar”? Como sabe que era eu?
- Você é inesquecível – disse ele lançando-lhe um olhar que a fez estremecer e sentir os joelhos fraquejarem.
- Realmente eu estive jantando por lá esta semana. Não lembro de você...
- Era seu cliente?
- O quê? Quem?
- O homem que a estava acompanhando.
- Ed? Ah, não... Ele é meu sócio.
“Aquele cara não tinha jeito de cafetão. Mas hoje em dia nunca se sabe...”, pensou curioso.
- Você quer dançar um pouco?
Sylvia olhou para os lados, tentando ver se Lina ou Gloria apareciam para salvá-la aquela situação, mas nem sinal delas, ainda.
- Ainda nem sei o seu nome.
-Meu nome é Gerry – respondeu, pensando que aquela era uma garota de classe. Porque estaria nesta vida? Provavelmente tinha potencial para muito mais que uma “vida fácil”.
- Muito prazer, Gerry. O meu nome é Sylvia.
- Bem, agora que fomos apresentados, que tal aceitar o meu convite para dançar. A não ser que não esteja incluído, no seu programa, dançar – falou sarcasticamente.
Sylvia achou estranho o modo como ele falava, mas não deu muita importância. Talvez ele fosse estrangeiro, pois seu sotaque não era americano. Daí, talvez viesse alguma dificuldade em expressar-se.
- Dançar, certamente, está mais que incluído no meu “programa”.
- Então? Vamos? O que você tem a perder. Se não gostar de minha companhia, existem dezenas de outros que já devem estar de olho em você.
Sylvia sentiu seu rosto pegar fogo ao notar o olhar de volúpia de Gerry a despi-la, enquanto estendia-lhe a mão para ajudá-la a descer da banqueta.
Foram na direção da pista onde alguns casais já dançavam bastante animadamente. Talvez mais do que o esperado para ser visto numa pista de dança. Esperava que seu Gerry fosse menos afoito do que os outros. Começaram dançando separados, trocando sorrisos e conversando sobre banalidades.
- Você vem sempre aqui?
- Às vezes – mentiu, não querendo parecer uma freira.
- Eu nunca a tinha visto por aqui.
- Então você é assíduo.
- Na verdade, não muito. Venho só quando estou muito carente.
- E você está muito carente hoje? – perguntou, surpreendendo-se com sua própria impropriedade.
- Estou... Muito. E você?
- Para dizer a verdade, também – logo teria de por um esparadrapo na boca para parar de se escancarar com um completo estranho. Mas ele era muito sedutor e a fazia sentir-se à vontade com ele. Nunca sentira isso num primeiro encontro com ninguém.
“A noite realmente vai ser mais produtiva do que eu imaginava...”.
O ritmo da música tornava-se mais envolvente. Foi quando Gerry passou-lhe a mão na cintura e puxou-a para mais junto de si, surpreendendo-a.
- Vamos com calma...
- Só estou seguindo a batida da música – fazendo-a rodopiar e forçando-a a jogar-se para trás, quando tentou aproximar-se mais.
Sylvia começou a achar que a taça de vinho que havia tomado estava tendo efeitos sobre sua conduta, pois começava a achar tudo aquilo extremamente divertido e Gerry, um excelente dançarino. Talvez estivesse solta demais. O que ele pensaria sobre ela?
Quando a balada romântica começou, ela tentou desvencilhar-se de seus braços, com a desculpa de descansar um pouco. Mas ele, sem permitir, e exigindo mais aquela dança, apertou-a ainda mais contra seu corpo, deixando-a quase sem fôlego.
- Se você me apertar mais, não vou poder respirar.
- Quem está sem ar, sou eu, querida – murmurou Gerry, sedutoramente.
Imantada no seu olhar, Sylvia desistiu de lutar contra o abraço forte, e foi sendo levada a abraçá-lo também. Logo, a atração foi aumentando e um beijo era iminente.
“Eu preciso desta mulher”, pensou Gerry.
“Eu quero este homem”, desejou Sylvia.
E assim foi o primeiro beijo deles. Intenso, voraz, úmido e quente. Um beijo de tirar o fôlego e acordar o desejo adormecido em seus íntimos.
Sylvia sentia-se inebriada por aquele homem. Pensava em coisas que já esquecera há muito ou que nunca imaginara pensar ou ansiar. Precisava tentar controlar-se. Tinha que evitar aqueles olhos, aquele olhar...
Os beijos tornaram a repetir-se e o calor começava a atordoar-lhes os sentidos. A pista de dança já não permitia a demonstração de todos os sentimentos que insistiam em aparecer.
- Sylvia, vamos sair daqui?
Alertada pela pergunta, tentou recompor-se e bloquear a onda de desejo que estava sentindo por Gerry.
- Acho melhor irmos sentar numa das mesas e pedir alguma coisa para beber ou beliscar. Que tal?
- Não considero uma boa idéia. Estou tentado a fazer coisas bem melhores com você, do que beber ou comer “alguma coisa”.
Ela o sentia extremamente excitado. O fato de pensar que um homem como aquele se sentia tão atraído por ela, também era muito agradável, envaidecedor e... Estimulante. Afinal, ela era maior de idade, dona de seu nariz, não tinha que dar satisfações a ninguém. Que mal teria em dar-se de presente uma noite de prazeres com alguém tão interessante? Ela poderia apaixonar-se por ele. Talvez ele por ela... Quem sabe?
Quando ele novamente a beijou ardentemente, suas últimas barreiras foram destruídas e ela se deixou levar pela torrente de emoções.
- Vamos para o meu apartamento – ordenou ele.
- Está bem – sussurrou, simplesmente obedecendo.
Em poucos minutos, corriam pelas ruas, na BMW conversível de Gerry. Mal podia esperar chegar em casa para compartilhar o seu corpo com o de Sylvia.
Os beijos e abraços continuaram no caminho entre a garagem e a porta do apartamento de Gerry. Quando a porta da cobertura fechou-se atrás deles, as peças de roupa começaram a ser arrancadas e jogadas sem dó, no chão da sala de estar. Fizeram amor ali mesmo, mas não sem antes Gerry ter o cuidado de colocar um preservativo, surgido sabe-se de onde. Sylvia simpatizou com este cuidado da parte dele. Tomara que ele tivesse um bom estoque em casa. “Realmente eu não estou no meu normal... Pensar uma coisa destas, nesta hora...”, novos pensamentos surpreendiam Sylvia.
Depois da sala, veio a vez do quarto. Entre gemidos e gritos de prazer, Sylvia tinha as melhores sensações de sua vida. Por sua vez, Gerry pensava que nunca havia sentido prazer maior em muitos anos.
Amaram-se até não agüentar mais, quando caíram exaustos sobre a cama , com Sylvia deitada sobre o peito de Gerry, que a aconchegou em seus braços.
Ele custava a acreditar que esta mulher maravilhosa pudesse ser uma garota de programa. Ela chegou a simular certa falta de experiência, que inclusive o excitou ainda mais. Seria isto possível? Mas o lugar onde a encontrou era conhecido por todos como um local de encontros com este tipo de mulher. Talvez estivesse tentando negar este fato, para que houvesse uma mínima possibilidade de viver um caso sério com ela. O jeito seria tentar pegar seu telefone para ficar como cliente fixo. Ou não? Ele poderia se apaixonar por ela. Isto parecia muito fácil e provável de acontecer, se continuasse a vê-la. O melhor seria ficar com esta noite apenas na lembrança, como sendo uma das melhores noites de sua vida. Não queria ter mais uma decepção na sua galeria.
A manhã chegou. Gerry não teve coragem de acordá-la, tal a expressão de paz e satisfação estampada no belo rosto de Sylvia. Deixou um bilhete e um cheque com o valor do programa imaginado por ele, já que ela não discutira seu preço antes. Ainda assim considerou aquém do que ela merecia. Mas não podia inflacionar o mercado.
Sylvia, cerca de meia hora depois da saída de Gerry para seus exercícios matinais, abriu os olhos preguiçosamente e procurou por ele. Decepcionou-se quando não o viu deitado ao seu lado. Eles tinham tanto a se falar. Tudo tinha sido tão rápido, mas tão intenso. Talvez estivesse se apaixonando. Nunca se sentira tão à vontade com uma pessoa, nem tanto prazer. Agora, precisavam conhecer-se. Tinha certeza que ele pensava da mesma maneira que ela. Pelo menos imaginava que sim. Levantou-se e foi ao banheiro, olhando e certificando-se de que realmente estava só. Tomou um banho rápido, admirando o bom gosto da decoração da peça e tentando identificar os gostos dele, através dos xampus, cremes e perfumes que se encontravam sobre a bancada de mármore da pia. Pelo jeito ele era muito vaidoso. Não sabia qual a sua profissão ou seu nome completo. Ria de si mesma por ter sido capaz de fazer uma loucura como esta. Talvez estivesse com expectativas grandes demais sobre o que acontecera. Gerry poderia achar que tinha sido apenas uma aventura. E se ele fosse casado? A mulher poderia estar viajando... Não! Melhor parar de pensar bobagens. Melhor se arrumar e esperá-lo aparecer para conversarem. E assim o fez. Vestiu novamente o vestido vermelho. Apenas escovou os cabelos, passou um rímel nos longos cílios e um batom nos lábios. Quando saiu do banheiro, disposta a fazer um reconhecimento do apartamento, viu o bilhete sobre um papel dobrado, em uma das mesas de cabeceira. Correu para abri-lo, esperando encontrar palavras de carinho. Levou um choque. Entre lágrimas de tristeza e extrema vergonha, Sylvia lia as duras palavras escritas:

“Deixe o seu telefone para que possamos repetir uma noitada como esta uma outra vez. Aqui tem um cheque, que espero que cubra seus honorários. Até uma próxima. Gerry.”

“Que diabos está acontecendo aqui? Ele me confundiu com uma prostituta??” Ela custava a acreditar no que seus olhos viam naquelas palavras escritas em tom tão frio. Como ele pudera confundir tudo o que tiveram naquelas últimas horas com o trabalho de uma profissional? Será que ele não tinha conseguido ter a sensibilidade de reconhecer que o prazer que lhe dera era legítimo? Tantas perguntas vinham a sua cabeça, só aumentando ainda mais o seu desespero e sua decepção. Como ela pudera pensar que ele era o homem da sua vida. Quanto mais pensava nisso, mais tinha vontade de chorar.
Precisava sair dali o quanto antes. Não queria encontrar com ele... Nunca mais. Seria capaz de bater naquele homem. O sentimento de humilhação tornava-se insuportável. Pegou sua bolsa e correu a procura da porta de saída. Por sorte, não encontrou com ninguém. Já na rua, fez sinal para o primeiro táxi que surgiu vazio, entrou e foi para casa em prantos. Chegou em casa, um pouco mais calma, mas com uma sensação de vazio. As imagens da noite anterior insistiam em voltar a cada segundo. Os beijos, o gosto de sua boca, os braços fortes envolvendo-a, a invasão de sua intimidade de todas as maneiras possíveis... Ahhh.... Como podia ter sido tão idiota de entregar-se daquela maneira a um desconhecido? Mas ele parecia tão maravilhoso, tão perfeito...
De repente, sentia-se suja. Abriu as torneiras de seu chuveiro, tirou suas roupas de noite e entrou no box para um outro banho. Um banho que tirasse qualquer vestígio de que um dia um sujeito chamado Gerry tivesse tocado nela. Sylvia sentia-se como uma louca, a esfregar-se e a chorar. Lágrimas misturadas à água com que tentava limpar sua mágoa e o aviltamento porque passara.
Perto do meio dia, o telefone tocou. Ela não conseguia mexer-se da posição fetal em que se encontrava sobre a cama desde que saíra do banho. O toque irritante persistia. Parava por alguns poucos minutos e voltava a tocar, insistente. Cerca de uma hora mais tarde, outro som passou a tirá-la de seu estado catatônico. Era a campainha da porta de seu apartamento. Logo passou a ouvir as batidas na porta de madeira, que foram crescendo, numa quase tentativa de arrombá-la. Junto, ouviu seu nome, gritado por uma voz conhecida.
- Sylvia!! Eu sei que você está em casa! Abra a porta! Sou eu, Ed! Por favor! Estou preocupado com você!
“Ed... O que ele está fazendo aqui?”, alterando o curso de seu pensamento para a realidade atual, abandonando a seqüência de cenas da noite anterior, onde ainda procurava explicação para o que acontecera.
Com algum esforço, levantou-se, vestiu um robe que estava mais a mão e dirigiu-se para a porta, que estava a um passo de ser derrubada. Ao abrir, deu de frente com o punho de Edward, que se preparava para esmurrar mais uma vez a entrada do apartamento, estacionando no ar.
- Sylvia! – exclamou agoniado e surpreso com a expressão abatida de sua amiga. Entrou na sala, empurrando-a delicadamente para trás, a fim de fechar a porta e evitar a curiosidade de algum vizinho que estivesse interessado nos motivos do quase arrombamento.
- O que aconteceu, Sylvia? Estou tentando ligar desde as 11:30 horas. Já são quase 15 horas e você não respondeu. Liguei para a portaria do seu prédio e o funcionário confirmou que havia visto você chegando mais cedo, de táxi, chorando. Agora vejo você neste estado de semimorta. O que houve? A noite foi tão ruim assim?
Quando ela conseguiu encarar os olhos assustados de Ed, desabou em choro novamente.
- Acalme-se, querida... Sente-se aqui nesta poltrona e me conte o que aconteceu para deixá-la neste estado. Quer um pouco de água?
- S-Sim... – conseguiu murmurar, entre uma fungada e outra.
Após bebericar a água, respirou fundo e começou a contar o que acontecera. Sabia que podia confiar em Ed. Claro que deixando de lado os fatos mais íntimos.
Depois de ouvir tudo, Edward a olhava atônito.
- O que você foi fazer no “Lohan’s”? Você não sabe a fama daquele lugar?
- Que fama? Nunca tinha ouvido falar de lá. Quem me convidou para ir foram a Lina e a Glória. Lembra? Eu contei a você ontem.
- Mas não me disse o local do encontro.
- E o que tem o local?
- É um ponto conhecido de prostituição, Sylvia. Pelo que você está me contando este cara que saiu com você está inocente. É óbvio que ele pensou que você era uma garota de programa. Eu vou despedir são aquelas duas vigaristas que a convidaram para ir lá. Elas lhe prepararam uma armadilha, é claro.
- Armadilha?
- A Glória vem atirando seu charme sobre mim desde que começou a trabalhar na nossa firma. Como eu não estava interessado, acabei usando você como escudo, dizendo que você não ia gostar e estas coisas, que sempre falo. Certamente ela usou esta oportunidade para se vingar de nós dois, achando que tínhamos alguma coisa.
- Não, Ed. Não acredito que elas teriam coragem de fazer isto. Talvez elas não soubessem da fama deste lugar.
- Elas não apareceram por lá, não foi?
- Não... Será que elas seriam capazes de uma baixaria destas?
- Não duvido nada. Porque você acha que eu não quis nada com a Glória? Achei-a muito vulgar, desde o início.
- De qualquer jeito, eu não podia ter agido como agi. Tinha que ter me resguardado. Fui muito fácil.
- Sylvia, pára de se culpar. Pense no lado bom de tudo que aconteceu.
- Eu não consigo. Não consigo parar de pensar naquele cheque e no bilhete... Ser confundida com uma p... Não entra na minha cabeça.
- De quanto foi o cheque? Só por curiosidade...
- Dois mil dólares.
- O quê? E você não pegou?
- Ed!!!
- Sylvia, nunca imaginei que você pudesse ser tão boa de cama...
O olhar de Sylvia o fulminava.
- Sério! O cara deve ter te adorado.
- Se você não parar de falar assim, vou pedir para que vá embora.
- Desculpe, mas não pude me conter – disse meio que rindo.
- Vocês homens são todos iguais mesmo.
- Minha querida, não entendo porque está tão chateada com o tal do Gerry. Pelo jeito vocês tiveram uma ótima noite e ele apenas se enganou com a sua profissão.
- Você faz parecer tão simples...
- Mas é simples. Vocês se conhecem num bar, dançam, tem atração um pelo outro e resolvem curtir aquele momento. È óbvio que ele não ia sair te pedindo em casamento. Sylvia , nós vivemos em Los Angeles, que de anjo não tem nada , só o nome. Se fosse você pararia de sofrer e levaria isto na boa.
- Estou chocada com você, Ed.
- Você queria que ele estivesse apaixonado por você como você por ele, não é?
- Eu não estou apaixonada por ninguém! – gritou indignada.
- Espero que não. A chance de um encontro deste tipo virar um romance é 0,01%. Isto só acontece em filmes como “Uma Linda Mulher”.
- Chega, Ed. Pensei que você pudesse me consolar, mas só está me fazendo sentir pior.
- Sylvia, tente ver a coisa toda mais friamente. Mais tarde você vai me dar razão. Você está assim porque gostou do sujeito e ficou furiosa quando percebeu que para ele você foi apenas mais uma.
Ela fez uma cara de choro e já com lágrimas brotando dos olhos, baixou a cabeça e murmurou com voz embargada:
- Acho que sim...
- Venha cá, meu bem. Não fique assim. Esta sensação de ressaca vai passar. Pense que você em dois dias estará livre do trabalho, a caminho de Nova York. Poderá esquecer tudo isto nas compras maravilhosas que fará por lá – disse, abraçando-a fraternalmente.
- É... Talvez você tenha realmente razão. Vou tentar esquecer esta noite.
- Lá em NY, tenha cuidado na escolha dos lugares aonde vai à noite, está bem?
- Pare com isso, seu bobo! – respondeu, dando-lhe um safanão de leve, esboçando algo parecido com um sorriso.
- Bem, acho que já cumpri meu papel de irmão. Que tal ajeitar-se e sair para comer alguma coisa? O dia está lindo e agradável.
- Não. Vou ficar por aqui. Tenho uma pilha de caixas para desfazer. Talvez seja bom para me distrair. Vou aproveitar para pensar sobre as férias e procurar alguma sugestão na Internet.
- Tem certeza?
“Não tenho”, pensou.
- Sim – respondeu.
- Amanhã pretendo ficar em casa para ler alguns artigos. Se quiser conversar é só me ligar, tá bom?
- Está bem. Qualquer coisa te ligo. Obrigada, Ed.
- Te vejo na segunda, sem falta. Não esqueça a nossa reunião na produtora. Nos encontramos no escritório e vamos juntos para lá. Certo?
- Certo. Até segunda... Ah, antes que me esqueça. Não faça nada contra aquelas duas.
- Por quê? Elas merecem ir prá fora.
- Não. Não quero que elas pensem que conseguiram o que pretendiam. Vou dizer que como não as encontrei por lá, resolvi ligar para uns amigos e fazer outro programa. Elas vão ficar decepcionadas.
- Você que sabe. Mas vou ficar de olho nelas. Assim que cometerem o mínimo deslize, serão despedidas sem dó.

Sylvia tentou não pensar mais no ocorrido, mas não conseguia esquecer os carinhos e beijos de Gerry. Tudo fora muito intenso. Ainda bem que ficaria longe de tudo isto em dois dias. Teria um mês inteiro para esquecê-lo.
Passou o final de sábado e todo o domingo distraída com a arrumação de seu apartamento e nas visitas a Internet para decidir para onde iria nas semanas seguintes após NY. Estava quase decidida por fechar um pacote para o Caribe. Seriam três semanas de sol, mar e descanso merecido, num resort a beira-mar. Enviou e-mail para algumas agencias de turismo em NY. Talvez até segunda feira já soubesse o seu roteiro. Começava a ficar animada.
Iniciou a sua curtíssima semana de trabalho, levantando muito cedo e colocando um de seus melhores trajes de executiva poderosa. Como sempre, prendeu os cabelos e, depois de um frugal café da manhã, dirigiu-se para o escritório.
Edward já esperava. Glória havia chegado um pouco antes dela e veio pedir-lhe desculpa por não ter comparecido ao encontro marcado, mas havia ocorrido um imprevisto na família. Um tio materno falecera. “Já começou a matar a família para ter um álibi do crime”, disse Sylvia para si mesma.
- Não se preocupe. A minha noite foi ótima – afirmou sorrindo – Uns amigos acabaram me fazendo uma surpresa e, como vocês não apareceram, aceitei o convite deles para ir a outro nightclub. Fomos a um lugar fantástico e, acho eu, muito mais animado que aquela espelunca. Vocês costumam mesmo ir lá? Precisa melhorar o seu gosto, menina.
Adorou ver a cara de decepção de Glória. Certamente seria semelhante à de Lina, quando a amiga lhe contasse o fato.
- Vamos, querida? Já está na hora – chamou Ed.
- Claro.
Saíram no carro de Ed e foram em direção a West Hollywood onde ficava o escritório do novo produtor, Alan. Chegaram um pouco antes do combinado, mas foram imediatamente recebidos cordialmente por seu cliente.
- Muito prazer, senhorita Allen. Como vai, Edward?
- Pode me chamar de Sylvia, por favor. É um prazer conhecê-lo também, senhor Slaver.
- Alan, por favor – solicitou, todo sorridente – Mas vamos sentar. O meu sócio ainda não chegou e temo que ele se atrase um pouco. Ele me pediu que iniciássemos sem a presença dele, para não ocupar muito o seu tempo.
A partir daí, Sylvia tomou a frente das negociações, com grande fluência. Ela era expert nestes assuntos. Ed sempre a deixava falar, pois ela transmitia mais seriedade do que ele durante este tipo de discussão.
Quando faltavam apenas alguns detalhes e explicações para a assinatura dos contratos, Alan foi avisado por sua secretária, através do interfone, que seu sócio já chegara. Imediatamente a porta abriu-se. Sylvia estava de costas e sentiu-se congelar ao ouvir Alan saudando a pessoa que acabara de entrar:
- Oi, Gerry! Já íamos encerrar sem você. O que houve?
- O transito... Sabe como é a esta hora... – ele meio que parou de falar o que ia dizer ao ver a mulher de costas, que o lembrou muito de alguém.
Ed levantou-se e antes de cumprimentar Gerry, olhou para Sylvia, esperando que ela o imitasse. De repente, pareceu dar-se conta do que estava acontecendo com ela, ao ver o rosto muito pálido da amiga e ligar ao nome que acabara de ouvir. Ele sabia que o outro sócio da produtora era Gerard Caldwell, mas desconhecia o seu apelido.
- Sylvia... Você está bem?
Neste momento, foi a vez de Gerry surpreender-se. “Sylvia? O que ela faz aqui?”, perguntou-se e tentando fazer a ligação entre a garota de sexta e a advogada que estava ali. “Não devem ser a mesma pessoa”, imaginou.
Sylvia levantou-se lentamente e virou-se. Ainda tinha a esperança que o Gerry da produtora não fosse o mesmo que ela conhecera, apesar da voz ser muito parecida... Diria, inconfundível. Suas dúvidas todas caíram ao chão, quando o olhou diretamente. Ela, quase foi ao chão. “Controle-se, Sylvia... Faça de conta que não o conhece... Provavelmente ele fará o mesmo. Ele não vai se atrever a...”, seu pensamento foi interrompido por Gerry, que se aproximou rapidamente dela, com um doce sorriso e curvou-se para beijá-la no rosto.
- Sylvia... Que prazer... - disse ele.
Ao mesmo tempo, Sylvia esquivou-se de seu “cumprimento” efusivo e olhou-o o mais friamente que pode.
- Nós nos conhecemos?
- Vocês se conhecem? – perguntou Alan, meio defasado no tempo.
- È um prazer conhecê-lo, senhor Caldwell – Ed tentava consertar a situação constrangedora, tirando a atenção de Sylvia, que parecia que ia ter uma síncope a qualquer instante, dando um tempo para que ela se recuperasse do choque. Apesar de Gerry não conseguir tirar os olhos dela, cumprimentou-o meio que automaticamente:
- O prazer é meu, Ted – respondeu sem olhar o advogado – Sylvia, acho que precisamos conversar...
- Ed... de Edward – corrigiu, chateado com a troca de seu apelido, mas levando em conta o momento de conflito que o outro devia estar passando. Não devia ser nada fácil ele encontrar uma garota de programa, do qual fora cliente, sendo sua advogada, dias depois. Mais uma vez ele era seu cliente... “Nossa, que confusão”, pensou Ed.
Antes que Gerry tivesse a chance de dizer mais alguma coisa, Sylvia conseguiu desviar os olhos dele e virando-se para Alan, que também estava em situação de pasmo, disse:
- Alan, o Edward pode terminar a reunião sem mim. Acho que já não sou necessária. Preciso sair imediatamente, pois tenho outro compromisso. Sei que você vai entender.
- Claro... Mas você está bem?
- Sim. É que lembrei agora deste outro compromisso – disse mostrando um sorriso amarelo e virando-se para Ed – Edward, nos falamos depois.
Pegou sua elegante maleta Louis Vuiton e saiu, diante do olhar estupefato dos três homens.
- Alguém pode me explicar o que está acontecendo aqui? – indagou Alan, olhando para um e outro, esperando alguma manifestação.
- Quem sabe se terminamos a assinatura dos papéis e encerramos a reunião? – sugeriu Edward.
- Eu vou atrás dela – disse Gerry, preocupado com a reação de Sylvia.
- Melhor não – afirmou Edward, com firmeza – Não é o melhor momento.
- Acho que Ed tem razão. Vamos encerrar logo esta reunião e resolver assuntos pessoais depois, ok? – Alan começava a ficar irritado com a falta de informações e o descaso com a sua presença.
- Está bem... Mas depois precisamos conversar – falou Gerry, apontando para Edward.
Tentando retomar o fio da meada, Ed continuou as explicações de onde Sylvia parara. Não tinha muito mais o que falar.
- Se quiser, senhor Caldwell, posso voltar atrás na explanação.
- Não é necessário. Tenho certeza que Alan entendeu tudo. Qualquer dúvida esclareceremos depois. Onde eu assino? – sua vontade era ter corrido atrás dela. Não conseguira tirá-la da cabeça desde aquela noite incrível. E agora ela aparecia assim. Enfim...
Era uma ótima notícia. Não precisaria mais tirá-la de uma vida ilegal... Ou será que ela tinha vida dupla? Mais incertezas o incomodavam.

Assim que passou da mesa da secretária de Alan e encontrou-se no corredor do luxuoso prédio de escritórios, Sylvia ainda tentava segurar o choro. Não ia dar este gosto a ele. Já tinha se decidido a esquecê-lo e tudo mais que acontecera. Precisava pensar nas suas férias. Mas a vergonha voltava a rondá-la. Certamente ele contaria para Alan o que acontecera. Estava acabada como advogada. Viraria chacota no meio artístico. Amaldiçoava aquela noite. Uma única vez que tomara uma atitude sem usar a razão, dera nisso. Talvez precisasse começar a pensar em montar um escritório em Aruba. Eles deviam utilizar os serviços de advogados por lá também. Quem sabe um escritório de frente para o mar. Até que seria interessante. Pensando ridiculamente desta maneira, as lágrimas voltavam a querer rolar. Saiu do prédio e fez sinal para o primeiro táxi que viu. Ainda não decidira para onde ir. Teoricamente não tinha mais trabalhos a realizar naquele dia.
- Para onde, senhorita? – perguntou o motorista com cara de mexicano.
- Para casa... – disse como um autônomo.
Sentindo o olhar sem paciência do motorista, caiu em si e falou:
- Oh! Perdoe-me! O endereço é...
Rapidamente, seguiram o itinerário indicado e, em poucos minutos, Sylvia desembarcava em sua casa. Ligou para o celular de Ed e avisou-o de sua resolução de não aparecer mais no escritório naquele dia e nos demais próximos trinta dias.


A parte final desta estória será postada amanhã.
Beijinhos!!!

2 comentários:

  1. Rô, essa fic eu já andei lendo faz tempo. Mas é melhor que novela da Plin-Plin:
    VALE A PENA VER DE NOVO!
    E sonhar, muito!
    Vou ficar aguardando amanhã, minha Jane Austen!
    Bjim e boa semana♥

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  2. Eita, nem me fale em estresse, no trabalho, no escritório, olha, ser advogada não é fácil, é um misto de psicóloga, psiquiatra, melhor amiga, carrasca. Como toda profissão, tem o lado positivo e o ladinho chato. Mas confesso que trabalhar com leis tão ultrapassadas, procedimentos tão descabidos, morosos e falhos já me saturaram, não consigo mais enxergar a beleza da coisa, isso é muito ruim. Infelizmente, nosso Congresso Nacional é preenchido sempre por pessoas não qualificadas, incompetentes. O povo não entende que todo o problema da lentidão e fraqueza dos procedimentos judiciais vem das leis que o Congresso Nacional nos oferece e continuam a eleger qualquer um aos cargos públicos. Então, não consigo ver mudança alguma significativa nem em longo prazo. É uma visão pessimista, eu sei, mas é a minha visão, infelizmente.
    Bom, amiga, a Sylvia sou eu né... (hihihi). Já que vc nos leva a vivenciar diferentes profissões ao longo de seus contos encantadores, essa aí ninguém me tira...
    Gostei muito do tapa com luva de pelica que ela deu naquelas invejosas que tramaram contra ela.
    Mas que confusão danada... ainda bem que ambos nutriam um sentimento sincero, ao menos. Fico aqui imaginando a sensação da Sylvia em acordar após tantos momentos calorosos e meigos e se deparar com aquele cheque, nossa, que coisa mais ultrajante, ela deve ter ido além do fundo do poço... Mas tb o momento do Gerry em perceber o lamentável engano deve ter sido terrível.
    A situação ficou mesmo um Deus nos acuda...
    Beijinhos

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