sábado, 21 de agosto de 2010

Confusões de um Viúvo - Capítulo II


Como se metera naquela enrascada? Devia ter desconfiado que a ação de caridade do simpático casal tinha mão dupla, repreendia-se, enquanto se dirigiam para o restaurante. A irmã mais velha de Fabrício também fora convidada para sair. Obviamente que tudo tinha sido meticulosamente planejado para que ocorresse um “encontro às escuras” entre os dois. Leonardo não teve a menor chance. Marina e Tati já estavam brincando, animadíssimas, com Fabiana, a filha de 10 anos dos “cupidos”, quando percebeu a armadilha em que caíra. Não tinha como recuar, inventando uma dor de barriga ou algo similar. Agora era encarar o que vinha pela frente. Decidiram que iriam num só carro. Como Cláudia não bebia nada alcoólico, seria a motorista no final da confraternização e todos chegariam com segurança em casa. Pelo menos assim esperava.

Cláudia e Fabrício
Denise, como se chamava a irmã solteira de Fabrício, era funcionária de banco. Parecia pouco à vontade, assim como Leonardo. Mal pode ouvir sua voz durante o percurso. Ela parecia muito nervosa, mantendo-se junto à janela oposta à sua, olhando atentamente a rua e o movimento dos outros veículos. Mas isto durou pouco tempo. Já no restaurante, depois do primeiro cálice de vinho tinto, ela ficou mais relaxada e começou a falar sobre a sua instigante rotina como caixa. O pior foi quando ela começou a contar fatos supostamente engraçados e a bater com a mão na mesa. Ela parecia divertir-se muito analisando os diversos tipos de clientes que a procuravam em série. Segundo ela, até já arranjara dois ou três namorados nas intermináveis filas diante do seu guichê, mas infelizmente eles só tinham um interesse. O interesse econômico... Depois de dizer isso com expressão sarcástica, explodiu em novas gargalhadas, que provocaram um olhar de desprazer dos demais frequentadores. Cláudia até tentava conter os arroubos da cunhada, tentando mudar o assunto, mas a mulher não tinha controle. Dava para entender o porquê de ainda estar solteira. Pensando em Fabrício com uma peruca de cabelos louros um pouco mais longos, no escuro... Ele conseguia ser um pouco mais atraente que a irmã. Quando os seus pedidos finalmente chegaram, Denise começou a acalmar-se. Provavelmente o efeito de três taças de vinho a tivesse deprimido ou o nervosismo inicial desaparecera, pois ela ficou mais calada, para alívio dos comensais. Com isso, a conversa pareceu fluir melhor, convergindo para cinema, teatro, novos restaurantes na cidade e viagens, assuntos que há muitos meses não faziam parte da vida de Leonardo. Pouco antes de a sobremesa ser servida, uma risada deliciosamente agradável chamou sua atenção. Uma jovem de longos cabelos louros e seu acompanhante entrou no recinto, sentando-se na mesa indicada pelo garçom. Leonardo tinha a impressão de já a ter visto em outro lugar. Apesar de continuar ouvindo os argumentos de Cláudia defendendo o último filme de James Cameron, seu olhar não conseguia desviar do sorriso encantador da mulher sentada a poucos metros da sua mesa.

Bruna
 O encanto quebrou-se quando ela o olhou num misto de surpresa e dúvida, e cumprimentou-o com um meneio de cabeça, mostrando estar envaidecida por seu interesse. Isto fez Leonardo virar o rosto quase que instantaneamente, como um moleque pego em franco delito. Ficou irritado consigo pelo flagrante e pasmo por ela ter apresentado aquele tipo de atitude, tendo o namorado ao lado. Nem notou o brilho de interesse no olhar de Bruna, que nunca vira um homem ficar envergonhado por ter sido descoberto flertando.
- Você a conhece, Léo? – perguntou Cláudia que a tudo observava.
- O quê? Quem? – indagou atrapalhado.
- A moça daquela mesa. Você a conhece? – insistiu.
- Não... Achei ela parecida com uma prima. Mas não é – explicou mentindo.
- Ela está olhando para cá. Eu acho que a conheço de algum lugar também... De onde será? – disse forçando a memória, que não costumava ser o seu forte em matéria de fisionomias.
- Gente, acho que não estou passando muito bem – interrompeu Denise, com a face contorcida pela náusea e os lábios sem cor.
Leonardo ficou intimamente grato por Denise salvá-lo de mais explicações.
- O que está sentindo, Denise? – perguntou Fabrício preocupado com a irmã.
- Acho que foi o vinho. Não estou acostumada a beber.
- Você quase não tocou na comida – observou Cláudia – Quem sabe vamos dar uma chegadinha no banheiro e passar uma água no rosto?
- Talvez seja uma boa idéia, cunhada.
- Venha. Vamos antes que aconteça algo desagradável aqui no meio do restaurante – ordenou com firmeza, levantando-se e pegando Denise pelo braço, o mais discretamente possível.
- Desculpe a minha irmã, Léo, mas ela é meio fraca com bebidas alcoólicas – revelou, esperando que as mulheres se afastassem para que pudesse falar melhor sobre esta fraqueza em sua família – Certa vez...

- Porque esta cara de preocupada, Bruna? – perguntou Álvaro.
- Nada importante. É que acho que a mulher daquele homem, na mesa atrás de você, está passando mal. Mas não olha agora! – cochichou baixinho.
- E porque este seu interesse? Como sabe que ela é mulher dele? Você o conhece?
- Não, mas deve ser... Coitada. É que eu acho que ela ficou assim quando percebeu que ele estava olhando para cá.
- Ele a estava paquerando na frente da mulher?
- Não sei, mas ele não tirava o olho daqui. Acho que vou lá à toalete para ver se não precisa de ajuda.
- Você é louca?
- Por quê?
- Se acha que a mulher já está passando mal só porque o marido a olhou, imagina o que vai acontecer se você aparecer na frente dela, no banheiro?
- É, talvez tenha razão. O pior é que o marido não está nem aí. Olha só para ele – indicando Leonardo, que naquele momento ria com Fabrício. Este acabara de contar um fato hilário que acontecera com sua irmã, devido a sua dificuldade com o álcool.
- Olha aí! – regozijou-se Álvaro – O nosso jantar está chegando. Deixa prá lá este pessoal. Para mim, aquela mulher ou está fingindo para chamar a atenção dele ou só passou da conta na bebida. Provavelmente nem deve ter notado o marido olhando prá cá. E, aqui entre nós... Ele tem bons motivos para ficar olhando para outras mulheres – e caiu na risada – Eu olharia... Principalmente se aparecesse uma tão bonita quanto você.
- Engraçado... – murmurou Bruna, pensativa, não dando ouvidos ao elogio de Álvaro.
- O quê?
- Acho que conheço aquele homem de algum lugar. Não consigo lembrar de onde...
Logo sua atenção foi desviada para o prato que o garçom acabara de servir, com um suculento filé com molho de mostarda e uma porção dourada de batata suíça de aparência deliciosa.

- Será que a Denise está melhor? – perguntou Leonardo para o despreocupado irmão que ainda sorria divertido com o que acabara de contar.
- Pode deixar que se a Cláudia precisar de ajuda, ela chama. – dizendo isto, olhou na direção das toaletes e exclamou – Olha só elas aí – mostrando as duas voltando para a mesa – Parece que Denise está melhor... Por favor, não diga a ela que lhe contei sobre aquele incidente – disse num cochicho.
- Fique tranquilo – sussurrou de volta.
Leonardo levantou-se e, polidamente, ajudou Denise a sentar-se. Quando levantou os olhos, cruzou com o olhar da moça loura da outra mesa e conseguiu dar um sorriso. Foi a vez de ela baixar os olhos para o prato, deixando-o sem graça.
- Será que podemos ir embora? – perguntou Denise aborrecida – Desculpe, Leonardo, mas eu estraguei a nossa noite, não?
- Imagine só – Nossa noite? – Estava muito bom. Há muito tempo eu não me divertia tanto... – falou e deu-se conta da gafe - Isto é, eu quis dizer que... Desde que a minha mulher faleceu, eu não saía para jantar fora ou conversar com amigos – explicou, preocupado que a coitada pudesse pensar que a bebedeira dela fora o motivo da sua diversão.
- Eu entendo, sim – disse compreensiva, com um sorriso amarelo estampado no rosto pálido.
- Quer deixar as meninas dormindo lá em casa esta noite, Léo? – perguntou Cláudia.
- Não. Muito obrigado. Prefiro levá-las para casa.
Fabrício fez questão de pagar a conta, apesar dos pedidos de divisão dos gastos de Leonardo. Levantaram-se e antes de saírem, instintivamente ele voltou seu olhar para a jovem acompanhada. Ela também o observava indiscretamente. Desta vez nenhum deles sorriu.

Marina e Tati já dormiam, jogadas num dos sofás da sala enquanto Fabiana via um filme de suspense com sua babá. A primeira acordou ao ouvir a voz do pai. Esfregando os olhinhos, deu um abraço em Leonardo e perguntou se já estava na hora de ir para casa.
- Sim, meu bem, já está na hora. Papai vai levar a Tati no colo e você me ajuda com a maleta de brinquedos que trouxeram para a tia Cláudia. Tá bom?
- Sim, papai – respondeu com a voz arrastada.
- Precisa de ajuda para levá-las ao carro? – ofereceu-se Cláudia.
- Não, obrigado. Posso dar conta. Não se preocupe.
- Temos que repetir a dose outra noite destas – intrometeu-se Fabrício.
- Claro. A gente se fala. Obrigado, mais uma vez.
- Se precisar de alguma auxílio com as meninas, pode me ligar, Léo – colocou-se à disposição com sinceridade – Sei que a Cristina faria isso por Fabrício se ele precisasse.
- Se precisar, eu ligo. Obrigado. – respondeu emocionado, dando um beijo na face da amiga. – Boa noite.
Terminaram as despedidas e Leonardo foi com suas meninas para o carro, enquanto o casal acenava da porta de sua casa agradavelmente localizada entre árvores e canteiros floridos de um condomínio fechado na zona sul. Durante o trajeto, Marina pegou novamente no sono, enquanto Tati continuava ressonando. Apesar de já ter passado da meia-noite, as ruas continuavam movimentadas. O calor, que assolava aqueles últimos dias de Abril, mantinha os barzinhos da capital lotados, com suas mesinhas na calçada, as filas das danceterias repletas de adolescentes em animadas conversas ao ar livre. No silêncio do carro, olhou para o banco ao seu lado e viu Cristina a lhe sorrir, com a mão pousada em sua nuca, como ela sempre costumava fazer enquanto ele dirigia.

 De repente, o sorriso dela foi substituído por outro e, agora, quem estava ao seu lado era a mulher do restaurante. Tentou pensar em outra coisa, mas não conseguia fugir daquele olhar perturbador. Assim como Cláudia, também teve a impressão que a conhecia de algum lugar. Mas devia estar enganado, já que não tinha oportunidade de conhecer mulheres como aquela há muito tempo.
- Léo, não pensa em bobagens. A loura tem namorado ou marido, sei lá! E você tem duas filhas pequenas para criar. Aquiete-se. Não vai procurar sarna prá se coçar – falou em voz baixa, reprovando-se.

O domingo chegou prometendo ser mais um dia de sol, sem nuvens e abrasador. Nada como uma manhã radiante para sair com as filhas a passear no Parque Farroupilha, o mais antigo da capital e famoso local de encontro dos porto-alegrenses. Artistas e admiradores das artes, velhos e novos amigos, casados e solteiros, idosos e crianças. Todos estavam lá, a caminhar, sorrir e desfrutar das belezas do lugar. Também conhecido como Redenção, reunia uma variada feira de artesanato, uma exposição com venda de antiguidades ao ar livre e um parque de diversões, pequeno, mas eficiente para agradar aos pequenos. Todos estes atrativos ficavam acomodados nos limites do parque. Em meio à extensa área verde descobriam-se jardins temáticos, como o Jardim Oriental, que possuía uma réplica de um templo budista, e o Jardim Europeu, onde um chafariz em metal, presenteado pelo consulado francês no início do século, maravilhava os caminhantes.


Jardim Europeu
Ainda havia o lago artificial, construído na década de 1930, onde era possível navegar em pedalinhos, um espelho d’água, um majestoso anfiteatro e um mini-zoo. Por este democrático clima de festa, Leonardo e suas filhas foram envolvidos. Depois de uma ida ao parquinho, onde Marina e Tati andaram no carrossel, na mini-montanha russa e nos carrinhos antigos, saíram a passear entre as alamedas de árvores frondosas e arbustos perfumados a procura do lago.
Carrinhos antigos

Mini-montanha russa

Espelho d'água
Pedalinhos no lago artificial

Não houve como negar um passeio aquático. Para tal, Tati escolheu um simpático barquinho em forma de cisne branco onde cabiam os três componentes de sua família. Dando gritinhos de alegria, posicionou-se ao lado do pai, que começou a pedalar, movimentando a pequena embarcação. Percorriam o lago lentamente, sentados lado a lado, próximo às margens, quando a face de Marina iluminou-se.
- Papai! A professora Bruna, do balé! – exclamou apontando para outro pedalinho que estava no meio do lago, com um casal.
Forçando um pouco a vista através da intensa luminosidade criada pelo reflexo dos raios solares sobre a água, Leonardo foi surpreendido pela visão da jovem da noite anterior. Então se deu conta de onde já a tinha visto antes. Claro! Ela é a nova professora de balé, que substituiu a Ana, lembrou-se num momento.
Marina levantou-se dentro do barco, que começou a balançar perigosamente.
- Sente-se, Marina! – exigiu Leonardo, puxando-a firmemente pelo braço para que sentasse – O barco pode virar, minha filha – explicou compreensivo.
- Oi, Bruna! – gritou para que a professora a visse, abanando vigorosamente.
Bruna ouviu seu nome e virou-se na direção deles, tentando reconhecer quem chamava por seu nome. Ao ver Marina, acenou, identificando-a como uma de suas alunas.
- Papai, vamos lá! Vai!
- Não, minha filha, é melhor deixar. Ela deve estar com o namorado e nós vamos incomodar – objetou, no mesmo instante em que percebeu que o pedalinho de Bruna já estava vindo na direção deles.
O sorriso desapareceu do rosto de Bruna, por alguns instantes, ao reconhecer Leonardo, assim que emparelharam os cisnes lado a lado.
- Oi, Bruna! – saudou-a alegremente a menina.
- Oi, anjinho! Tudo bem? Também está passeando? – perguntou, retribuindo a alegre saudação da pequena, tentando desviar os olhos do rosto de Leonardo.
- Estamos sim. Esse é o papai e essa é a minha maninha, a Tati. Quem é esse moço? – perguntou, mortificando o pai com sua indiscrição pueril.
- Bom dia – cumprimentou formal, arriscando uma rápida olhada no pai, mas logo baixando os olhos para mirar na altura da cintura dele – Oi, Tati! – cumprimentou a menininha, que esticava o pescoço para vê-la melhor, saindo de trás do braço de Leonardo. – Este é o Álvaro.
- Muito prazer – disse o rapaz.
- Bom dia. Desculpem a Marina estar atrapalhando o namoro de vocês – disse acabrunhado – Ela quase virou o barco quando a viu.
- Eu não... Ui! – Álvaro começou a dizer, quando foi bruscamente interrompido por Bruna, que lhe deu um discreto cutucão no estomago.
- Está mesmo um belo dia para se passear por aqui – respondeu ela, tentando manter a naturalidade e ocultar os sinais de que o reconhecia da noite de sábado. Imaginou que, provavelmente a mãe das garotas não se recuperara da indisposição apresentada durante o jantar, já que não estava presente. Estaria ela na margem observando-os? Conjeturou consigo mesma.
Repentinamente Marina levantou-se e jogou os braços na direção de Bruna para abraçá-la. Leonardo tentou segurá-la pela cintura, sem notar que a pulseira da filha acabara de enganchar no colar de contas que adornava o pescoço da professora.
- Cuidado! Não a puxe! – gritou Bruna, pouco antes de Leonardo puxar a menina de volta para o seu lado. Com isso, ela desequilibrou-se e caiu no lago, levando junto a pulseirinha de conchas de Marina, que arrebentou na mesma hora.
- Oh, meu Deus – disseram os dois homens quase ao mesmo tempo.
- Ela não sabe nadar! – gritou Álvaro – Nem eu! – completou aterrorizado.
- Cuide das pequenas que eu a pego! – bradou Leonardo, despindo sua camisa rapidamente e jogando-se nas águas escuras onde Bruna debatia-se, tentando manter-se na superfície, ao som dos gritos de Tati, Marina e Álvaro.
- Calma, meninas! O seu pai já vem. Fiquem bem quietinhas aí, que ele foi salvar a tia Bruna – tentava tranquilizar as crianças e a si mesmo.
- Papai!
Logo os gritos chegaram aos ouvidos do responsável pelos pedalinhos. Ele identificou de onde vinham e detectou a operação de salvamento que Leonardo tentava realizar.
- Pare de se debater, por favor! – comandava ele, enquanto recebia tapas de Bruna, que tentava lutar contra as águas – Deixe que eu a seguro! – disse quando finalmente ela encontrou o olhar firme dele e deixou-se ficar em seus braços.
Quando a lancha, mais usada para a manutenção do lago que para salvamentos, chegou, Leonardo já conseguira agarrar a professora e levá-la até o cisne em que estava Álvaro desesperado, sem saber se por Bruna, pelos gritos apavorados das crianças ou por ambos.
- Pegue-a! Coloque-a para dentro! – ordenou Leonardo segurando-a firmemente pela cintura.
Bruna levantou os braços e foi içada para a embarcação oscilante. Ela estava penalizada com a situação. Mal conseguia falar, quando viu seu salvador tentar subir em seu cisne. Leonardo desistiu de tentar quando compreendeu que o pedalinho poderia virar com suas filhas dentro. Logo a lancha do parque chegou.
- Moço, suba aqui! - falou o funcionário estendendo-lhe a mão.
- Mas as minhas filhas...
- Pode deixar que eu as pego logo em seguida. Agora, suba aqui, por favor.
O homem ajudou-o a entrar na lancha, sob os olhares assustados de Marina e Tati. Trêmula e acolhida por Álvaro, Bruna a tudo observava, muda.
Quando conseguiram transferir as irmãs para junto dele, Leonardo lembrou-se de sua socorrida.
- E você, como está? – perguntou a ela, visivelmente preocupado, lutando para desviar os olhos da camiseta molhada, aderida aos seios firmes e arredondados sob um soutien de renda, tornados visíveis por transparência.
- Ensopada, graças a você! – A exclamação tirou-o de sua distração.
- Bruna, ele a salvou... – interferiu Álvaro – Você podia ter se afogado.
- Mas foi ele que me jogou neste lago – disse indignada, antes de soltar um brutal espirro.
- Saúde! – disse Marina de mãos dadas com o pai, amolecendo o coração de Bruna.
- Obrigada, anjinho.
- Desculpe, Tia Bruna... – falou Marina preocupada e tristonha.
- Não foi nada, meu bem. Não foi sua culpa... – disse enternecida, antes de voltar o olhar irritado para Leonardo, que acabava de pegar sua camisa de volta e a vestia, escondendo a silhueta magra, mas de tórax atlético e braços de músculos definidos e fortes, que se mostravam a cada movimento seu.
- Olhe, não foi minha intenção. Foi um acidente... Eu nem sei como aconteceu... – desculpou-se desolado, enquanto abotoava os últimos botões da camisa. Resolveu não falar que pensara primeiro na filha, apavorado com a idéia que ela caísse naquelas águas. Não queria piorar a situação.
- Tudo bem. Vamos, Álvaro. Vamos embora daqui, logo. Pedala, pelo amor de Deus – ordenou, soltando um discreto suspiro.
- A senhora não quer que eu a leve na lancha? – perguntou o funcionário tentando acalmá-la – É só o tempo de levar eles para o deck – apontou para a família – e voltar para pegar vocês.
- Sim,... – começou a dizer Álvaro, aceitando a oferta.
- Não, obrigada. Pedala, Álvaro! – sua irritação aumentava, principalmente porque começava a aglomerar um grande número de pessoas que assistiam ao espetáculo proporcionado por eles – Se não sairmos daqui agora, logo vamos aparecer em todos os jornais amanhã.
- Ora, uma publicidade de graça sempre é bem vinda – ele brincou.
- Álvaro! – ela poderia bater nele, mas conteve-se.
- Realmente, me desculpe. Eu não tive a intenção – repetiu Leonardo também começando a ficar irritado com a atitude de Bruna e com seu próprio estado lastimável – E se não quer reconhecer isto, tanto faz – desferiu aborrecido, pedindo ao rapaz da lancha que os levasse logo para o ponto de partida.
Ela o olhou novamente e quase se arrependeu do que tinha dito, culpando-o pelo acidente, vendo-o cercado pelas duas meninas apavoradas e tão encharcado quanto ela.
- Está tudo bem agora – foi o que conseguiu dizer sem olhá-lo, ajeitando o cabelo e acomodando-se no banco do pedalinho – Vamos, Álvaro.
O rapaz começou a pedalar rapidamente, obedecendo a ordem proferida, enquanto a família de Leonardo deslocava-se na direção do deck.
Lá chegando, agradeceu ao homem que os ajudara e decidiu não esperar por Bruna, que discutia com o namorado, apesar de não poder ouvir o que ela dizia. Pelo visto, agora, passado o susto, Álvaro se divertia com a irritação dela enquanto pedalava na direção deles.
- É melhor irmos para casa. Por hoje, chega de passeios na Redenção – falou para as filhas, pegando-as pela mão, e enfrentando os olhares dos curiosos que formavam um corredor polonês em sua passagem.
Não via a hora de voltar para a casa. Como morava próximo à Redenção, resolvera ir a pé para aproveitar o clima de verão extendido. Leonardo jamais imaginou que pudesse retornar ao seu apartamento com os jeans pingando água pelo caminho, enquanto os tênis faziam aquele desagradável som de borracha amassada – Shrec, shrec, shrec – a cada passada. Os transeuntes, sem exceção, que passavam por ele, o olhavam dos pés à cabeça de cabelos escorridos, com expressões diversas. Os mais jovens, davam risadinhas disfarçadas, e os mais velhos não escondiam as expressões horrorizadas, provavelmente imaginando que ele estivesse bêbado e tivesse caído numa das fontes do parque. Pobres crianças... Deveria ser o pensamento seguinte.
A tortura logo acabou, depois de entrar no saguão de seu prédio e dar uma rápida explicação ao porteiro, antes que ele também criasse idéias erradas a seu respeito. Entretanto, por incrível, que parecesse, o que mais o incomodava agora, não era o estado em que se encontrava nem as críticas erráticas, mas o olhar acusador de Bruna. Ela poderia ter se afogado não fosse ele, pois o inútil do seu namorado também não sabia nadar. Certamente ela seria uma daquelas que se preocupam mais com a aparência do que com a própria vida. E pensar que... Resolveu procurar esquecer o olhar inebriante que lhe tirara o sono durante a noite passada e preocupar-se em recuperar sua aparência normal.
Foram para casa. Leonardo tomou um banho e saiu novamente com as filhas. Tinha combinado de almoçar com seus pais. Sua mãe, Leonor, apesar de abalada fisicamente, não admitia deixar de lado o almoço de domingo. Fazia questão de receber os dois filhos, Miguel e Leonardo, e as duas netas. Era a oportunidade que tinha para vê-los na semana. Há três meses, num exame de rotina normal, descobrira um câncer de mama e desde então iniciara um tratamento agressivo para conter a doença. Inicialmente submetera-se à cirurgia e agora enfrentava uma guerra química. Antes desta enfermidade, era uma mulher muito ativa, pronta a ajudar seus familiares. Ela fora essencial, cuidando das crianças e, de certa forma, de Leonardo, nos primeiros meses após a morte prematura e inesperada de Cristina. Miguel ainda morava com os pais, apesar de já ter se formado e trabalhar num famoso escritório de advocacia, sendo independente economicamente. Tinha três anos menos que Leonardo, mas ao contrário do irmão, tinha fama de grande conquistador. Sempre dizia que era prático morar com os pais, pois quando alguma garota demonstrava o interesse de ir um pouco mais além do que uma relação descompromissada, ele a levava a casa e mostrava onde pretendia morar depois de casado. Não demorava muito para a namorada descobrir que não estava tão apaixonada assim e que precisava de um tempo para pensar. Ao cabo do tempo solicitado, todas chegavam à conclusão de que era muito cedo para casar e procuravam outra “vítima”, segundo Miguel.
Miguel
Sua mãe parecia ainda mais debilitada que na última vez que a vira, na semana anterior. Esforçava-se para não demonstrar a dor que sentia ao vê-la definhando daquele jeito. Havia emagrecido muito. As marcas de expressão estavam mais acentuadas devidas à flacidez da pele e o cabelo, ou o que restava dele, mantinha escondido sob um lenço de seda, que mudava de cor conforme a ocasião. Naquele domingo, ostentava a cor vermelha. Apesar de todo este quadro, Leonor continuava bem-humorada, na maioria das vezes fazendo graça de seu aspecto e de seu tratamento.
- Vovó, porque não tira este lenço? – perguntou Tati, inocentemente.
- Porque a vovó está fazendo um tratamento secreto de beleza para renovar toda a cabeleira – respondeu cochichando, como se fosse segredo, diante do rostinho cheio de curiosidade da neta – Promete que não conta para ninguém?
- Nem prá Marina? – sussurrou de volta.
- Prá Marina pode... Eu deixo. – retrucou sorrindo.
- Marina! – gritou pela irmã e saiu correndo pela sala.
- Elas estão cada dia mais lindas, benzadeus... – observou orgulhosa.
- E a senhora, mãe? – perguntou Leonardo – O que o médico falou?
- Vai “reavaliar a situação assim que terminar este ciclo de quimio” – disse imitando a voz grossa de seu médico.
- Ela passa o tempo todo sem levar nada a sério – queixou-se seu pai – Parece que a doença foi para a cabeça.
- E o seu pai fica resmungando o tempo todo. Preocupa-se demais...
- Mãe, a senhora sabe que isto é muito sério. Todos nós estamos preocupados com você.
- Não se preocupem. Eu estou fazendo tudo o que o médico manda. Preocupação só vai fazer aumentar as rugas – disse dando, em si mesma, tapinhas na face. – E vamos mudar de assunto, gente!
D. Leonor
Conte-me o que aconteceu hoje na Redenção. A Marina e a Tati me disseram que você caiu no lago? O que houve, meu filho?
Leonor conseguira mudar o rumo da conversa. Leonardo passou a fazer um relato completo do que ocorrera durante a manhã.
- Se precisar de advogado prá livrá-lo de um processo desta deusa, pode me chamar – brincou Miguel, enquanto conversava com o irmão, sentados no pátio interno da casa, tomando café depois do almoço.
- Como sabe que ela é uma deusa? – perguntou desconfiado.
- É só ver o seu jeito falando dela. Se ela fosse um jaburu, nós já teríamos ouvido todo o tipo de xingamento sobre a feiúra dela. Além do mais, nunca vi uma bailarina feia. Deve ter um corpo espetacular – especulou imaginando como seria a mulher que perturbara seu irmão – Tive uma amiga que fazia dança contemporânea durante a faculdade. Lembro que tinha um corpão. Infelizmente não queria nada comigo. Só amizade... – ficou pensativo – Nunca mais a vi. Ela resolveu seguir a carreira de bailarina e acabou indo para o exterior...
- Você só pensa nisso, Miguel.
- E você devia pensar NISSO... – disse, inclinando-se na direção de Leonardo – Mano, há quanto tempo não...? – fazendo um gesto com a mão em concha, virada para o chão, movimentando o punho, sugerindo uma transa.
- Não interessa – respondeu amuado.
- Cara, olha que aquilo sobe prá cabeça e daí já viu... – e explodiu numa gargalhada, encarando o olhar entediado de Léo. Quando parou de rir, continuou – Tá bom, desculpe... É brincadeira... Mas já faz mais de um ano que a Cris morreu... E você? Nunca mais...?
- Não tenho tempo para me preocupar com isso. Preciso cuidar das minhas filhas. Elas são mais importantes que tudo mais.
- Eu sei. Concordo contigo. Não estou dizendo para deixá-las de lado. Só acho que tem coisas que a gente tem que extravasar de vez em quando. Você me entende, não?
- No momento isto não é importante, Miguel.
- Vai virar um monge agora...
- Olha, dá licença. Vou falar com o pai. Acho que ele está precisando de apoio. Tem conversado com ele sobre o problema da mãe?
- Ele está mal... – ficou sério repentinamente – Estes dias, cheguei de madrugada e surpreendi-o chorando no gabinete, sozinho. Se continuar assim, o velho vai antes da mãe. O pior é que ele não quer se abrir comigo. Deve pensar que sou um “cabeça de vento”.
- E não é? – disse Leonardo esboçando um sorriso.
- Você sabe que não. Eu posso parecer um merda, mas me preocupo muito com eles. No fundo, continuo aqui por causa deles. Tenho medo que aconteça alguma coisa, um mal estar... Sozinhos nesta casa enorme. A estória de afastar “moças casadouras” é uma meia verdade.
- É, eu sei, mano, e agradeço por ter este cuidado com eles.
Abraçaram-se, esquecidos das diferenças e compartilhando em silêncio seus temores, agora mais reais, desde a notícia da doença de D. Leonor.


(continua...)



Espero que tenham gostado da escolha dos atores para cada personagem.
Um maravilhoso fim de semana para todos!
Beijos!

10 comentários:

  1. Oi, Rô!!! Estou adorando sua estória! E esse viúvo, hein?! Que isso, menina?! Além disso tem esse irmão maravilhoso. D. Leonor caprichou... Fico aguardando a continuação. Beijo!

    ResponderExcluir
  2. Oi amiga!!!
    Estou amando o romance e curiosa pra saber como vai ser quando Leonardo e Bruna se conhecerem, não sei quem é a atriz, mas ela é realmente linda, vão formar um belo casal. E eu que achava que era ela que a Cláudia queria apresentar a ele, admito que não teria graça, rsrsrs.
    Um cheiro amiga

    ResponderExcluir
  3. Aline, também gostei do irmão do Leo. Pena que só achei uma foto da D. Leonor mais arrumadinha.
    Nadja, que bom que gostastes da escolha da atriz para a Bruna, que "modestamente", é a Charlize Theron. Tadinho do Leo... Acho que desta ele não escapa. O que tu achas?...rsrsrs
    Beijos, minhas queridas!

    ResponderExcluir
  4. Ai que vergonha...., eu não a reconheci, sou demente mesmo, e eu adoro Doce Novembro e Advogado do Diabo.
    Seria muito bom ver os dois num filme.

    ResponderExcluir
  5. Oi,!!!!
    Rosane,me emocionei lendo sobre o passeios que eles fizeram no parque da Redenção,pois eram os mesmos que eu fazia quando era pequena como pedalar com o pedalinho de cisne,dar comida pros peixes era o melhor passeio que tinha,adorei quando falou do Brique.Este conto esta maravilhoso e os artistas estão maravihosos nos papeis.
    Me diga uma coisa quem é a doce menina que faz o papel da Tati?

    Bjs

    ResponderExcluir
  6. Oi, Cris!! Que bom ter conseguido te passsar esta emoção. Eu tb adorava passear na Redenção. Certa vez apareci até no Jornal (na época era o Correio do Povo e eu devia ter a idade da Tati)numa foto andando naqueles carrinhos antigos que aparecem na foto. Aquilo ali é uma antiguidade...(agora me traí...rsrsrs.
    Quanto a menina que faz a Tati é quem tu estás pensando... É a minha filha quando tinha 4 anos. Lindinha, não?
    Beijos, amiga querida!

    ResponderExcluir
  7. Oi Rô!
    Tua filhinha é linda, parabéns!!!

    ResponderExcluir
  8. Rosane!!!
    Sabia,rssss.
    Ela é mto fofa,tem cara de ser mto travessa e danada.
    Ela está com que idade agora?

    Bjs.
    P.S:Estou esperando ansiosa o proximo cap.

    ResponderExcluir
  9. Oi, meninas! A minha filhota agradece os elogios! Ela está com 7 anos agora.
    Espero postar logo o próximo capítulo. Acho que estou ficando cada vez mais crítica com as coisas que escrevo, pois toda a vez que releio o que escrevi, acho defeito e tento melhorar, por isso acabo demorando a postagem.Sorry.
    Beijinhos, minhas queridas!

    ResponderExcluir
  10. Ai que situação mais constrangedora! Eu acho esse tipo de surpresa de péssimo gosto. Por melhor que seja a intenção, é o tipo de coisa que não se faz, não é assim que se ajuda alguém a sair da solidão, ou de uma rotina desgastante.
    Vixe, que confusão um inocente passeio pode causar... Mas adoraria ter sido eu quem tivesse sido salva por esse moço de brações másculos...
    O câncer é uma das doenças que traz muito sofrimento a toda família. Já tive casos na família e sei bem como é dolorida essa jornada. Tem certas coisas que são difíceis de serem compreendidas, como essa doença – porque ainda não se encontrou uma cura ou um tratamento mais eficaz e menos destrutivo ao corpo? Porque, apesar da quimioterapia estender o tempo de vida do doente, acaba também reduzindo muito a sua qualidade de vida. Eu gostaria muito que os governos, ou seja, lá quem é o responsável por essa área, se comprometessem seriamente em descobrir remédios menos danosos e mais eficientes. O ser humano tem toda a tecnologia e inteligência para isso, basta que os responsáveis pelo setor tenham o interesse real na cura dessa doença e de tantas outras assim. No nosso mundo, infelizmente, o que move as pessoas é o lado financeiro e, financeiramente falando, é mais interessante que exista o câncer, essa é dura verdade.
    Adorei conhecer esses locais que vc narrou, parece ser um ótimo lugar para passear e relaxar! E tb achei ótimo as personagens, não tem como o Leo escapar da Bruna, ela é muito bonita tb! E a sua filhinha é um docinho!
    Beijinhos

    ResponderExcluir

Cantinho do Leitor
Este cantinho está reservado para que coloquem suas críticas a respeito de meus romances e do blog. A sua opinião é muito importante para mim. Se tiverem alguma dificuldade em postar aqui, deixem mensagem na caixa de recados.
Beijos!