quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Resgate de Amor (16)

Já era tarde quando Sílvia deixou Leonor em casa e foi para o seu refúgio. Estranhou o fato de Roberto não ter ligado ainda. Talvez não tivesse tido tempo. Apesar disso, tudo estava acontecendo como o planejado.
No domingo, Sílvia recebeu um telefonema de Roberto, desculpando-se por não ter ligado no dia anterior, pois tinha sido obrigado a ir a um daquelas festas de um de seus clientes importantes. Fazia parte de sua programação para aparecer junto à mídia. Falou que já estava tudo acertado para a sua volta. O mesmo motorista, Francisco, iria buscá-la na tarde de quarta feira. À noite, finalmente estariam juntos. Graças a Leonor, ela poderia antecipar a sua ida em vários dias e permanecer mais tempo com Roberto antes de começar a trabalhar. Conversaram por mais de uma hora, onde Sílvia contou como estavam sendo as despedidas. Deram boas risadas quando ele contou sobre a última festa que havia participado e os fatos pitorescos.

Leonor começou a atender no consultório já na segunda feira. Claro que a sala de espera ficou mais cheia do que nunca. Faltou horário para tantos “enfermos”. Todos queriam conhecer a nova médica. A agenda dela estava lotada pelo menos nas próximas duas semanas.
- Sílvia, você não me disse que o consultório era tão concorrido.
- Não se preocupe que, infelizmente, ou felizmente, nem sempre é assim. Comigo foi a mesma coisa. Depois que eles saciarem a curiosidade e confiarem em você, como profissional e como pessoa, pode ter certeza que o consultório ficará mais tranqüilo.

Sílvia já estava com tudo preparado quando Francisco tocou a campainha do apartamento dela, às 17h00min. Resolvera partir de lá, pois aproveitaria para despedir-se de suas coisas, de Leonor, com quem deixaria as chaves da caminhonete. Sua bagagem desta vez lotou o porta-malas. Depois de abraçar sua amiga substituta, entrou no carro que, mais uma vez a levaria para São Paulo. A diferença é que desta vez seria para iniciar uma nova vida, ao lado de Roberto.

Chegou em São Paulo às 20 horas. Foi deixada na frente do prédio de Roberto e teve a ajuda do porteiro para levar sua bagagem até o elevador.
- Quer que a ajude a descarregar lá em cima?
- O senhor Vergueiro não está lá?
- Não tenho certeza, senhorita – falou o homem alto e magro, de aspecto cansado, sem olhá-la nos olhos. Sílvia sentiu algo estranho na resposta, mas resolveu não dar importância. Imaginava o que estaria acontecendo. Roberto não havia comentado nada sobre algum compromisso naquela noite.
Ansiosa, subiu pelo elevador social, enquanto suas malas eram levadas pelo elevador de serviço.
Chegou a frente da porta do apartamento e tocou a campainha. Ouviu um latido. “Lola”, deduziu sorridente.
Foi quando a porta se abriu e a cadela jogou-se em cima dela, forçando Sílvia a abaixar-se para abraçá-la e afagar-lhe o pelo macio. As luzes acenderam-se e ela pode ver Roberto, sorrindo e dando-lhe as boas-vindas andando em sua direção. Sentiu como se finalmente tivesse voltado para casa. Mais certeza teve quando sentiu os braços fortes e acolhedores envolvendo-a e o gosto do beijo de Roberto em sua boca. Lola continuava a latir, reclamando de ter sido largada e preterida.
- Bem vinda ao seu novo lar, Dra, Sílvia – saudou-a, deixando-a ver as flores espalhadas em vasos pela sala e uma faixa de boas vindas.
- Ah, Beto... Obrigada, meu amor...- disse emocionada - Confesso que fiquei preocupada, pensando que você não estava em casa. Adorei as flores e a faixa – agradeceu com a voz embargada pouco antes de ouvir o latido de Lola, que balançava o rabo, toda agitada – Adorei a sua recepção também, lindinha.
- Boa noite, senhorita Sílvia – saudou Dolores, que ainda estava por lá para ajudar com o jantar - Que bom tê-la de volta.
- Obrigada, Dolores.
- Beto, o porteiro já deixou as malas da senhorita na área de serviço como o senhor pediu.
- Obrigado, Dolores. Pode deixar lá que depois eu trago para cá. Se você quiser ir para casa, está dispensada. Já está tarde. Muito obrigado por sua ajuda. E por favor, pode levar a Lola para seus “aposentos”?
- Sem problemas. Boa noite para ambos.
- Boa noite – disseram em uníssono.
Mal Dolores tinha virado as costas, com Lola ainda reclamando por estar sendo levada para longe do dono, Roberto agarrou Sílvia pela cintura, abraçando-a.
- Estava morrendo de saudades de te abraçar assim, te sentir de verdade...- murmurou, olhando-a intensamente com um brilho de intenso desejo no olhar – Nestes dias pude perceber que não consigo mais viver sem você.
Antes que Sílvia pudesse responder que sentia o mesmo, a mão de Roberto em sua nuca, puxou-a de encontro aos seus lábios. Necessitava do seu aroma e do seu gosto. De repente, ele a levantou nos braços e perguntou:
- Você está com muita fome ou pode esperar pelo jantar mais tarde?
- A minha fome, agora, só pode ser saciada por você...
- Eu esperava ouvir isso...
Carregou-a para o quarto, onde desaguaram todo o desejo latente daquela semana em que ficaram separados.
Tal era a ansiedade que, em poucos segundos, estavam completamente despidos, agarrando-se como selvagens sobre a cama. Beijos molhados percorriam o corpo de Sílvia, ávidos e urgentes, enquanto ela, agarrava-se aos cabelos dele, gemendo o seu nome. Quando os beijos chegaram até o seu sexo, gritou, pedindo que a possuísse. Ela precisava sentí-lo dentro de si com urgência. Foi quando deitou-se sobre ela, arqueando o corpo para trás e penetrou-a teso e viril, arrancando-lhe um grito de prazer em meio a ondas de espasmos. Poucos minutos depois, Roberto caía exausto e suado sobre a cama, ao lado de Sílvia. Envolveu-a num abraço, mantendo-a junto ao seu peito, enquanto as respirações de ambos normalizavam-se.
- Estava com muita saudade de te ter assim... Nua, colada em mim.
Sílvia apenas sorriu e beijou o tórax que servia de apoio para sua cabeça, aconchegando-se um pouco mais na concha formada pelos braços dele.
Depois de algum tempo, ele rompeu o silêncio.
- Sílvia, preciso dizer uma coisa – disse Roberto, repentinamente sério.Precisava contar-lhe o que o andava afligindo ultimamente.
- O que é? – perguntou preguiçosa.
- Eu fui convidado pelo governo americano para ir a Washington na próxima semana. Não confirmei nada ainda, pois queria antes falar com você.
- Que interessante... Será que estão querendo sua ajuda por lá?
- Não sei exatamente. Eles me convidaram para ser um dos homenageados latino-americanos na área da informática, dentro de um evento patrocinado por eles.
- Que maravilha! Você tem que ir. Não quero de maneira alguma interferir na sua carreira. Vai ser bom uma promoção nos EUA.
- Jura que não vai ficar chateada? – perguntou ainda preocupado com a reação dela.
- Eu gostaria de ir junto, isso sim, pois vou morrer de saudades. Mas já que não posso... Vá e aproveite. Só fique longe das americanas, entendeu? – falou simulando ciúmes.
- Você sabe que só tenho interesse em duas garotas – afirmou, com um brilho galhofeiro nos olhos.
- Duas? Quem é a outra?
- Lola – disse rindo.
- Seu bobo - sorriu empurrando-o com a mão em seu peito.
Foi o que bastou para ele ficar sobre ela e cobri-la de beijos
- Sílvia, eu te amo muito. Só sinto não ter te encontrado há mais tempo.
Ela buscou seus lábios mais uma vez.
- Também te amo muito, Roberto.


Os quatro dias que precederam o início das atividades de Sílvia no Hospital Lusitano foram de puro deleite para o casal. Com Roberto tendo maior tempo livre, podiam ficar até mais tarde na cama. Alimentavam-se quando a fome chegava, sem compromissos com horários. Uma verdadeira lua-de-mel. Ele fizera questão de adiar sua agenda na empresa, para poder compartilhar de maneira completa a presença de Sílvia.
O único compromisso aconteceu na sexta feira à noite. Foi a festa de comemoração da qual Roberto tinha lhe falado anteriormente, com a participação dos funcionários, alguns clientes e colaboradores. Foi realizada em uma casa noturna famosa de São Paulo, fechada para o evento. Sílvia tornou-se alvo dos repórteres especializados em celebridades, pois todos queriam saber quem era aquela bela morena que acompanhava o conhecido empresário. Foi fotografada de todas as maneiras possíveis, sempre abraçada a Roberto, que tentava protegê-la daquele assédio, procurando não irritar-se com os jornalistas e suas perguntas indiscretas. Como não conseguiram nenhuma informação consistente, logo surgiram os boatos de que ela seria uma atriz em início de carreira ou, quem sabe, filha de algum importante político, que ele conhecera durante as negociações. Depois de muitas fotos e entrevistas, eles conseguiram sentar-se à mesa com Miriam e Marcos, onde permaneceram em conversa animada grande parte da noite.
- É, Sílvia, você vai dar o que falar esta semana.
- Sempre pensei que a fofoca fosse característica das cidades pequenas como a minha. Nunca imaginei que isto tivesse tanta importância numa cidade como São Paulo. Desde que cheguei aqui, isto tem me assustado um pouco. É muito difícil manter a privacidade com este tipo de assédio.
- Vá se acostumando, querida. Aqui, tudo é motivo para vender jornal ou revistas. Se você engorda um quilo, você está ficando uma baleia. Se encontrar com um amigo em uma festa, é porque vocês já estão transando. Se mostrar qualquer sinal de irritação para com os jornalistas, você deve estar usando drogas ou bebeu além da conta.
- Que horror!
- Eu ainda estou tentando me acostumar com isto, mas reconheço que tem sido difícil – reclamou Roberto.
- Que tal dançarmos um pouco? – perguntou Sílvia, para mudar um pouco de assunto, mas também para aproveitar a companhia de Roberto à “sós”.

Já era bem tarde quando resolveram ir para casa. Já não havia curiosos a sua espera.

Ficou acertado que Roberto viajaria para Washington na segunda feira à noite, e voltaria para São Paulo em 10 dias, pois combinara de ir a Nova York para visitar sua mãe.
Sílvia acordou muito cedo na manhã de segunda feira, deixando Roberto, ainda sonolento, na cama.
- Que horas são? – perguntou de olhos fechados, enquanto Sílvia terminava de se arrumar.
- Pode continuar dormindo – aconselhou, sussurrando ao seu ouvido e dando-lhe um beijo carinhoso no rosto. São 6 horas da manhã. Vou tomar um café e sair. Devo estar de volta em torno de 2 ou 3 horas da tarde.
- Eu queria te levar ao hospital...
- Não precisa se preocupar, querido. Eu pego um táxi. É mais prático. Durma mais um pouco...
Chegou ao hospital as 6h45min e dirigiu-se ao setor de emergência, onde foi atendida pela recepcionista:
- Bom dia, sou a nova intensivista. O Dr. Hector Hernandez está?
- Ah, a senhora deve ser a substituta do Dr. Henrique. Não, o Dr. Hector deve chegar às 7h30min para o round. A senhora pode ir até o vestiário dos médicos e colocar seu avental. Aqui está a chave da sala e do seu armário. Lá dentro, o Dr. Leivas está a sua espera. Isto aqui estava uma loucura até a poucos minutos. Melhor aproveitar, antes que tudo recomece.
- Obrigada – respondeu Sílvia, achando estranho ser chamada de substituta de alguém, como se o seu trabalho fosse apenas temporário.
Seguiu as instruções da recepcionista enfadada e entrou na sala de estar médico, onde estavam três pessoas, de péssimo aspecto, jogadas sobre um sofá e duas poltronas, ligeiramente puídas, de cor azul. Os três olharam-na da cabeça aos pés. Logo depois, dois deles olharam para o que estava no sofá, com ares de questionamento sobre quem seria aquela estranha.
- Bom dia...
- Você deve ser a nossa nova colega, Dra... – falou Leivas, tentando buscar na memória o nome perdido que Hector havia comentado na última sexta.
- Dra. Sílvia Mattos.
- Ah, claro! Dra. Sílvia! Desculpe a nossa recepção calorosa, mas é que final de plantão é sempre assim. Para sua sorte, as coisas acalmaram-se antes de você chegar. Vamos às apresentações. O meu nome é Eduardo Leivas. Este é o Dr. Teixeira e esta é a Dra. Madalena – apresentou-a aos colegas largados sobre as poltronas, sem muito entusiasmo. Ambos apenas acenaram-lhe, pois de tão cansados, provavelmente não conseguiam articular as palavras de boas-vindas.Conseguiram esboçar sorrisos amarelados.
- É, eu estou vendo que a noite foi bem movimentada. Prazer em conhecê-los... Vocês vão continuar o trabalho agora pela manhã?
- Não, felizmente temos o pós-plantão para descansar.
- E eu posso saber quem ficará comigo para dividir a manhã?
- Eu! – respondeu uma voz masculina e decidida, atrás dela.
Quando se virou para conhecer o dono da afirmação, deparou-se com um homem alto, com cerca de 50 anos, com uma calvície avançada, sobrancelhas espessas e totalmente brancas, olhos grandes e acinzentados. Tinha provável origem hispânica, procedente de algum país vizinho. Vestia um impecável avental branco, com uma pequena plaqueta presa ao bolso no peito, com o seu nome: Hector Hernandez. Surpreendentemente, não tinha sotaque espanhol.
- Dr. Hector? Bom dia... Muito prazer. Eu sou a Dra. Sílvia Mattos.
- Bom dia a todos. Vamos repassar os casos internados e as ocorrências da noite mais cedo hoje. Depois, preciso conversar com a Dra. Sílvia.
Todos se levantaram imediatamente. Via-se que tinham muito respeito, ou temor, pelo Dr. Hector. Sua figura impunha autoridade.
Sílvia acompanhou toda a passagem do plantão. Enquanto o faziam, dois jovens médicos, provavelmente residentes, chegaram e começaram a participar do round de passagem.
Eram ao todo 9 leitos, sendo que estavam todos ocupados. Em quatro deles estavam jovens internados por overdose, durante uma festinha. Eles haviam sido levados a Emergência pelos donos da casa onde rolara a “festa”, pais de um dos garotos. Chegaram de surpresa, vindos mais cedo da viagem de fim de semana, quando se depararam com a cena deprimente de ver os adolescentes drogados e quase em coma. Por sorte, conseguiram levá-los a tempo de receberem atendimento e sobreviverem. Os outros quatro casos eram, na ordem dos leitos, um homem de 35 anos, que tentara o suicídio ingerindo soda cáustica; uma senhora de 63 anos, com uma crise hipertensiva severa; um portador de varizes esofágicas de 47 anos, que exagerara nas bebidas alcoólicas no fim de semana e conseguira uma bela hemorragia digestiva; e, por fim, um rapaz de 24 anos que sofrera um violento choque elétrico ao tentar impressionar a vizinha, aparando seu gramado com um cortador elétrico. O detalhe é que a grama estava úmida pela chuva que caíra no sábado o que ocasionou a descarga elétrica.
Ao final do round apenas a hipertensa continuaria na emergência, enquanto aguardava um leito na UTI. Os outros seriam transferidos para as enfermarias por especialidade.
Sílvia ficou a comparar o seu plantão no resgate em Valverde com este plantão “movimentado” em São Paulo. Seria uma grande virada na sua vida profissional. Ainda não decidira se para melhor ou para pior.
Leivas e os outros foram dispensados. Sílvia acompanhou Hector até sua sala, que ficava na própria emergência.
- Dra. Sílvia, sei que está começando hoje. Sei que conhece a teoria necessária para desempenhar seu papel aqui dentro. Porém, devo avisá-la que entre a teoria e a prática existe uma grande diferença. Como pode ver pelo round de hoje, este não é o plantão a que está acostumada a fazer em Valverde.
“Como ele sabe tantos detalhes?”, questionou-se Sílvia, internamente.
- Li o seu currículo e sei a sua procedência. Preocupo-me com o seu futuro em nossas dependências – “respondeu” ele, como se tivesse lido os pensamentos dela.
- Tenho certeza de que logo estarei adequada a este serviço. Posso estar um pouco enferrujada, ma sei que serei capaz de acompanhar o ritmo. Só gostaria de saber com quem exatamente eu vou trabalhar. Pelo que estou vendo somos nós dois e aqueles residentes que estão lá fora. Eles estão acostumados a trabalhar aqui?
- Na verdade, Dra. Sílvia, era para sermos só nós dois. Consegui que dispensassem estes dois jovens colegas para termos alguma ajuda. Receio que tenhamos mais a ensinar a eles do que eles a nos auxiliar. Mas foi o melhor que consegui.
- Porque isto? Tinha idéia de que trabalharia com colegas mais experientes nestas manhãs. E os plantões noturnos?
- Nestes, a senhora irá trabalhar com pessoas como as da equipe que acabou de sair.
- Bem, pelo menos terei pós-plantão para descansar. O Dr. Lorenzoni não havia falado sobre isto.
- Ele não falou porque a senhora não terá direito a este descanso pós-plantão.
- Não? Por que?
- Porque a senhora está em período de experiência.
Sílvia estava confusa, sentindo-se traída. Mas não desistiria. Quando pensou em continuar sua conversa e saber quais outras surpresas a aguardavam, tentando entender o porquê de tanta hostilidade por parte de Hector, a residente entrou correndo na sala, pedindo ajuda nos primeiros casos da manhã. Um acidente grave numa rua próxima ao hospital havia resultado em três pessoas feridas, sendo que uma acabara de ter uma parada cardíaca. As outras queixavam-se dores intensas na cabeça ou no corpo.
E assim, começou o corre-corre da primeira manhã do primeiro dia da Dra. Sílvia Mattos no Setor de Emergência do Hospital Lusitano de São Paulo.
Quando ela deu-se por conta, já era quase 13 horas e ela ainda não tinha parado de trabalhar. Não conseguira tempo nem para um café ou uma ida ao banheiro, tal o número de atendimentos e procedimentos a fazer. O Dr. Hector mostrou-se muito prestativo e, praticamente, esteve ao seu lado ou orientando os residentes, o tempo todo. Graças aos céus, os colegas que a substituíam durante a tarde foram pontuais. Ela pode passar os casos resolvidos e os pendentes e estar livre às 13h30min. Antes de sair, foi chamada por Hector.
- Sílvia, pode passar em minha sala?
Ele nem parecia abalado ou exausto como ela. Inacreditável que na idade dele pudesse resistir a este tipo de trabalho sem sinais de cansaço ao final.
- Claro, Hector – respondeu, chamando-o da maneira como ele havia solicitado durante a correria da manhã. Despediu-se dos novos colegas e entrou na sala de seu chefe.
- Sílvia, gostei do seu desempenho. Confesso que tinha minhas dúvidas quanto a você – falou ele em som monocórdio e pausado, como parecia ser seu hábito
- Obrigada.
- Não vai desistir?
- Porque desistiria?
- Melhor assim. Espero que continue. Você é uma boa profissional e merece respeito. Cuidado com as pessoas a sua volta. Este meio está cheio de serpentes.
Ele parecia ser uma pessoa muito reservada. Apesar disso, conseguiu expressar a sua admiração por Sílvia. Talvez já houvesse passado muito trabalho e enfrentado muito preconceito. Ela achou uma atitude simpática por parte dele ao aconselhá-la a ter cuidado.
Por cansaço ou por medo de pensar mais profundamente nestes comentários, agradeceu e perguntou se podia ajudar em mais alguma coisa.
- Não. Era só isso, Sílvia. Até amanhã. Cuide-se...
- Até amanhã, Hector.
Pelo jeito ele continuaria no hospital, dentro da emergência.
Antes de sair, resolveu verificar se seu nome já estava na escala de plantão. Sim! Lá estava... Na próxima quarta. Pensou que teria mais alguns dias para acostumar-se com o trabalho. Mas não. Teria que enfrentar 18 horas de trabalho contínuo no “hospício”, como era “carinhosamente” chamada a emergência pelo pessoal local. Por um lado seria bom que Roberto não estivesse em São Paulo nestes primeiros dias de adaptação, para não vê-la tão “destruída”, como tinha certeza de que ficaria nesta primeira semana. Esperava que a adaptação fosse rápida e pudesse ficar como Hector, sem sinais de fadiga após uma mnhã de trabalho.
Tirou seu avental, tomou um banho e vestiu a muda de roupa limpa que levara numa pequena maleta. Estava ansiosa para voltar para casa e aproveitar suas últimas horas com Roberto antes de sua viagem.
Enquanto esperava por um táxi livre diante da porta principal, ouviu uma buzina insistente.
Era ele! Não resistira à tentação de buscá-la na saída do trabalho, levá-la para almoçar e saber como tinha sido seu primeiro dia. Ela correu ao seu encontro.
- E então? Como foi? Muito cansativo?
- Eu diria estimulante – disse, tentando disfarçar o cansaço.
- Sério? Que bom! Confesso que estava com medo deste trabalho. Assim vou viajar mais tranquilo, sabendo que você está satisfeita com seu novo emprego.
Apesar de Roberto ter notado o aspecto abatido que Sílvia tentava dissimular com sorrisos, não comentou nada.
Foram almoçar num simpático restaurante ao ar livre, que servia uma deliciosa salada Cesar com camarões. Sílvia contou sobre seus novos colegas, sobre alguns casos interessantes ocorridos, sem entrar em detalhes técnicos, e sobre o plantão que teria já na quarta feira.
- Dezoito horas de trabalho? Seguidas? Sem intervalo?
- Certamente não será trabalhando o tempo todo. Talvez se possa fazer uma escala para descanso, afinal são três médicos no plantão. Não deve ser tão horrível assim – mentiu, pois já começara a preparar-se para o pior – Mas vamos falar um pouquinho do senhor agora. Já está com tudo preparado para a viagem?
- Já. Dolores me ajudou a arrumar as malas. Inclusive falei com minha mãe, para avisá-la que deverei chegar em Nova Iorque no domingo à noite.
- Ela deve ter ficado muito feliz.
- Quis saber por que você não ia. Está louca para conhecê-la pessoalmente.
- Eu também gostaria muito de conhecer a mulher que gerou alguém como você – disse olhando-o afetuosamente e segurando sua mão com força.
- Que tal irmos para casa e fazermos nossa despedida particular? – perguntou, lançando o seu olhar mais sedutor, deixando Sílvia sem alternativas de outra resposta, a não ser o sim.

“Só ele mesmo para me convencer a fazer outra coisa que não seja dormir depois deste dia... E fazer com muito prazer...”, pensava Sílvia, enquanto Roberto a levava no colo para o quarto e a jogava sobre a cama king size.

(continua...)




É... Trabalhar numa emergência hospitalar como esta não é fácil. O esgotamento físico e mental após algumas horas de trabalho são evidentes. Agora eles terão algo mais a atrapalhar sua relação, além dos ciúmes.
Aguardem...
Beijos!

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