Apavorada com o que acabara de ver, levantou-se de um salto e jogou-se sobre a rampa, arrastando-se rapidamente para fora do porão. Abriu uma fresta para poder visualizar a rua e constatar que Batista não estava por perto. Quando tentava sair, ouviu a voz de Antonio, forte e firme.
- Olá, Batista!
Houve um breve período de espera, de alguns segundos ansiosos, que foram quebrados pela resposta:
- Olá, vizinho! O que faz por aqui?
- Resolvi dar uma volta enquanto a Sílvia prepara o jantar. Sabe como são as mulheres para agradar a gente... A coitada demora horas preparando uma simples massa. Por isso resolvi esticar as pernas enquanto aguardo. Vim andando sem rumo e me perdi. Ainda bem que o encontrei. Será que pode me dar a direção certa para voltar para casa?
Sílvia percebeu que ele estava tentando ganhar tempo para que ela saísse dali. E foi exatamente o que ela fez. Silenciosamente, saiu de seu esconderijo e correu o mais rápido que pode para a mata, embrenhando-se entre as árvores. Não conseguiu ouvir a resposta de Batista. Pensou em voltar para ver se Antonio tinha convencido o vizinho a guiá-lo na volta para a cabana, mas achou que já tinha se aventurado demais. Ao chegar a sua casa, não encontrou Antonio. Já estava ficando desesperada e decidida a ligar para a polícia, pois a noite já começava a cair, quando ele entrou na sala, chamando por seu nome.
- Sílvia!
Ela correu para os seus braços e abraçou-o com força. Não conseguiu evitar as lágrimas de alívio por vê-lo são e salvo. Quando pensou em falar de seu medo, Antonio a fez calar-se com um gesto. Ela não entendeu a princípio, mas logo viu o motivo entrando um pouco depois dele. João Batista o havia acompanhado até lá.
- Oi, querida! Porque esta aflição? Por acaso, queimou o jantar? Eu estou morrendo de fome.
Enquanto ele falava, ela notou que Batista os observava muda e atentamente.
- Não. Apenas fiquei aflita devido a sua demora em voltar. Já estava escurecendo e você não está habituado a andar sozinho por aí.
- Realmente eu acabei me perdendo, mas aí encontrei o nosso vizinho e ele me trouxe de volta, são e salvo. Quer jantar conosco, Batista?
- Ahnn... Não, obrigado. Preciso voltar. Se precisarem de alguma ajuda, é só contar comigo.
- Muito obrigado por ter sido meu guia.
- Não há de quê! Vizinhos são para estas coisas. Uma boa noite para vocês.
- Boa noite! – despediu-se Antonio, mantendo uma expressão amigável no rosto.
Quando deixaram de ouvir os passos do homem mata adentro, Antonio fechou a porta e virou-se com o rosto transtornado,
- Sílvia, que diabos você foi fazer sozinha lá na casa deste cara? Quando li o seu bilhete, avisando que ia até lá, saí correndo para tentar alcançá-la. A sorte é que tinha visto, na nossa vinda para cá, o nome de Meyer na entrada de uma pequena estrada de acesso e imaginei que ali seria a casa dele. Caso contrário não poderia tê-la ajudado. Eu disse que devíamos ir juntos até lá. Porque você é tão teimosa?
- Antonio... O senhor Meyer está morto.
- Como?
- Eu descobri o corpo dele enterrado no porão da casa.
- Você tem certeza?
- Claro que tenho. Eu vi a mão dele saindo da terra fofa que foi colocada sobre ele no fundo do porão, debaixo de uma pilha de lenha.
- Calma... Conte-me exatamente o que aconteceu – disse, fazendo-a sentar-se no sofá da sala.
Em poucos minutos ela relatou a sua visita e de como havia caído sobre a cova do senhor Meyer.
- Na queda, sem querer revolvi um pouco da terra solta e acabei por desenterrar uma parte dele.
- Você teve tempo de cobri-lo de novo?
- Não...
- Então acho que teremos de sair daqui imediatamente, antes que Batista se dê conta da sua descoberta e volte para tirar satisfações.
- Você acha que ele vai tentar nos matar?
- Acho que sim. Para quem já tem um sequestro nas costas e um provável assassinato, não fica muito difícil responder a esta pergunta.
- Sequestro? Como assim?
- Sílvia, me lembrei de tudo. Enquanto eu conversava com ele, desviando sua atenção de você, lembrei de tudo que me aconteceu. Melhor pegarmos o carro e arranjar outro lugar para ficar. Conto tudo no caminho.
- Vamos para o meu apartamento no centro da cidade. Lá teremos tempo de avisar a polícia e pedir proteção.
Logo estavam na rodovia, a caminho de Valverde.
- Antonio, por favor, me conte o que você lembrou.
- O meu nome, na verdade, é Roberto Vergueiro. Meu irmão e eu somos donos de uma empresa de informática. Este fato eu verifiquei hoje à tarde enquanto folheava algumas revistas na sua sala de espera. Nós estávamos procurando na Internet, enquanto a minha identidade estava tão próxima, dentro do seu consultório. Encontrei uma foto minha e de Marcos nas páginas sociais, numa festa em São Paulo.
- Porque você não me falou logo?
- Resolvi contar-lhe com calma, durante o jantar. Na verdade eu apenas vi a foto, mas ainda não lembrava claramente dos fatos. Aí, você resolveu fazer aquela visitinha.
- Que mais você lembrou? Conte!
- Cuidado com a direção... Bem, enquanto falava com Batista, minha memória foi voltando, fluindo como se estivesse represada e, ao falar com aquele homem, a barreira foi rompida.
O nome dele é, na verdade, Clélio Souza, e era um de meus funcionários na empresa que temos em São Paulo. Quando meu irmão e eu descobrimos que ele estava utilizando nosso nome para enganar alguns clientes, conseguindo dinheiro com isso, além da tentativa de descobrir o conteúdo do nosso projeto com o governo, nós o despedimos. Pelo jeito, ficou tão encolerizado com a demissão, que arquitetou um plano para me sequestrar e conseguir um resgate. Eles estavam em negociação com a Polícia Federal, para a qual estamos trabalhando atualmente, e com meu irmão. Provavelmente ameaçaram me matar se eles tentassem me achar. Por isso a notícia do sequestro ainda não vazou. O tal senhor Benetti, que a estava assustando, deve ser o comparsa dele. Este eu não reconheci. Ele era mais cuidadoso ao aparecer na minha frente. Deve ter experiência neste tipo de crime.
Na terceira noite, em que eu estava no cativeiro, Clélio descuidou-se, tirando a máscara que eles usavam para permanecer comigo. Ele pensou que eu estava dormindo e assustou-se ao perceber que eu o havia reconhecido. Nesta hora, aproveitei o seu momento de alarme e fugi. Consegui pegar as chaves do carro e sair correndo dali. Não conseguia reconhecer exatamente onde estava. Era noite, mas muito provavelmente o refúgio era a casa do senhor Meyer. Eles haviam me drogado com alguma medicação, para diminuir as minhas reações, pois eu estava um pouco tonto quando sai de lá. Dirigi feito um maluco, com a visão meio turva. Lembro de ter saído da trilha e entrado na rodovia. Daí, não lembro de mais nada. Devo ter batido com o carro e aí vocês me encontraram.
- Meu Deus! Que história, Antonio... Quero dizer, Roberto?
- Isso mesmo...
Chegaram ao apartamento de Sílvia. Guardaram a caminhonete na garagem do prédio e subiram pelas escadas de serviço, pois não tinha elevador. Entraram no apartamento 202 e foram direto para o telefone. Primeiro ligaram para a delegacia local, onde um funcionário desinteressado disse que não tinha ninguém disponível no momento para ir até lá.
- Mas estamos sendo ameaçados! Estou falando de um assassino a solta. Ele já sequestrou uma pessoa e matou outra. Os próximos somos nós.
O atendente pediu o endereço de Sílvia e disse que mandaria uma viatura assim que fosse possível.
- Melhor eu ligar para o meu irmão e avisá-lo que estou aqui. Ele também poderá tomar as medidas necessárias para prender estes caras.
Enquanto Roberto ligava do telefone fixo, Sílvia pegou seu celular e ligou para Franco. Lembrou que ele morava ao lado da delegacia. Talvez ele conhecesse alguém no local que pudesse ajudá-los. Estava com muito medo de sair à rua e encontrar com um daqueles assassinos.
Franco atendeu e, quando Sílvia começava a contar sobre o que estava acontecendo, bateram na porta. Roberto, que acabara de falar com Marcos, seu irmão, desligou o telefone e foi atender, pensando que deveriam ser os policiais solicitados. Quando girou a maçaneta, a porta abriu-se violentamente e Leon Domingues, conhecido por eles como Benetti, entrou, jogando Roberto ao chão. Sílvia, com o susto, deixou o celular cair e deu um grito ao ver o seu recente paciente com uma arma apontada para eles.
- Os dois! Sentados naquele sofá!
- Calma, senhor Benetti. Não precisa ficar nervoso. O que está acontecendo? – falou Roberto, tentando simular ainda estar sem memória.
- Não diga que você ainda não se lembrou de nada?
- Não, infelizmente ainda não lembrei. Por acaso eu cometi algum crime contra o senhor e agora está querendo se vingar? Se for isso, peço-lhe desculpas e prometo compensá-lo de alguma forma.
Sílvia estava surpresa de como Roberto conseguia manter o sangue frio, diante de uma situação como aquela, continuar encenando uma falta de memória e, ainda por cima, ficar pedindo desculpas ao seu sequestrador. Realmente ele era também um excelente ator.
- Pode até ser que você não tenha recuperado esta maldita memória, mas tenho certeza que a doutorinha aí do seu lado viu coisas que não deviam ter sido descobertas, não é Dra. Sílvia?
- Não sei do que o senhor está falando, senhor Benettti – respondeu, tentando manter a calma, a exemplo de Roberto.
- Não tente se fazer de sonsa. O imbecil do Clélio me contou que alguém andou bisbilhotando o porão da casa onde ele está e certamente descobriu uma lembrancinha que deixamos por lá, enterrada.
- Clélio? Que Clélio? Não conheço ninguém com este nome.
- O seu vizinho João Batista, lembra? O verdadeiro nome dele é Clélio. Satisfeita? – falou Benetti com um sorriso irônico.
- Acho que o senhor está enganado. Não estou entendendo o que está acontecendo aqui e qual a sua ligação com o meu vizinho.
- Vocês estão achando que sou um idiota feito o meu amigo? Acham que não sei que o Vergueiro aí foi até a casa do Meyer para distrair o Clélio enquanto a doutorinha fugia do porão. É claro que vocês já estão sabendo de tudo. Não tentem me fazer de bobo.
- O senhor está cometendo um grande erro, senhor Benetti – disse Roberto, tentando ganhar tempo, esperando que algum policial de Valverde chegasse ao apartamento.
- Chega de conversa! Infelizmente vou ter que levar você comigo, pois precisamos que fale ao telefone com o pessoal da PF. Já a Dra. Sílvia não vai poder nos acompanhar. Sendo assim... – falou, olhando friamente para ela e apontando a arma para a sua cabeça – Se não quiser ficar sujo com sangue, saia do lado dela e fique naquele canto de lá, onde eu posso enxergá-lo – e apontou para o outro lado da sala.
Quando Roberto pensou em reagir e jogar-se sobre o assassino, a porta abriu-se e outro homem jogou-se sobre Benetti. Era João Batista, na verdade, Clélio, que tentava evitar mais um assassinato.
- Pare, Leon! Você está louco! Não vou permitir que mate mais uma pessoa inocente.
- Seu idiota! – gritou seu comparsa – Porque não ficou esperando no carro?
A arma disparou acertando Roberto no ombro, de raspão. Mesmo assim, ferido, pegou Sílvia pelo braço e, aproveitando a luta entre os dois homens, aproveitou para tirá-la do apartamento, exatamente no momento em que a sirene de um carro de polícia aproximava-se rapidamente do local. Quando conseguiram chegar ao térreo do prédio, viram dois policiais armados descendo do carro, seguidos por Franco, que foi ao seu encontro. Viram que Roberto estava ferido e perguntaram:
- Onde está o sequestrador?
- Os dois estão lá, no segundo andar, lutando entre si.
Os policiais subiram correndo as escadas e, pouco depois, pode-se ouvi-los dando voz de prisão à dupla. Leon Domingues ainda tentou reagir, mas logo foi desarmado e algemado. Clélio Souza não ofereceu a mínima resistência, nem tampouco disse uma palavra ao passar diante do olhar inquiridor de Roberto, que ainda não podia compreender como um sujeito podia se meter em tamanha confusão por vingança, ao invés de procurar outro emprego e começar nova vida. Leon, com expressão transtornada pelo ódio, ao ver todos os seus planos colocados por terra, e pela covardia de seu companheiro, passou por eles lançando uma cusparada no chão aos seus pés, seguida por impropérios grosseiros.
Antes de partirem para a delegacia, os policiais informaram que entrariam em contato com a polícia federal e precisariam dos depoimentos de Roberto e de Sílvia, provavelmente logo cedo, pela manhã.
- Talvez fosse melhor irmos até o ambulatório municipal para darmos uma olhada neste ferimento, Roberto – falou Franco, preocupado com o sangramento de seu ombro.
- Pode deixar, Franco. Eu tenho todo material para fazer um curativo aqui em casa. Qualquer problema mais sério, eu o levo até Rio Claro. Gostaria de te agradecer por ter trazido a polícia até aqui. Como você soube que estávamos em perigo? Eu mal tinha começado a contar sobre a volta da memória do Antonio quando tive de desligar o telefone.
- O seu celular continuou ligado e pude ouvir todo o desenrolar da situação em que vocês estavam. Assim que percebi o que estava acontecendo, fui imediatamente até a delegacia e consegui uma viatura na mesma hora. Por sorte conseguimos chegar a tempo.
- Muito obrigado, Franco. Foi por muito pouco. Tivemos sorte de um deles ter um pouco mais de consciência e ter evitado que o outro cometesse mais um crime – agradeceu Roberto.
- Bem, vou voltar para casa. A Elaine deve estar preocupada com a minha saída inesperada. Além disso, vocês precisam cuidar deste ferimento e descansar um pouco. Amanhã me contam toda esta estória, está bem? Boa noite.
- Franco, pegue o meu carro para voltar para casa.
- Não, obrigado. Acho que vai ser bom caminhar um pouco depois de todo este estresse.
- Tem certeza?
- Tenho sim. Tchau!
- Boa noite, Franco – despediu-se Sílvia – E mais uma vez, muito obrigada.
Tão logo Franco se pôs a caminho de sua casa, Sílvia e Roberto subiram para o apartamento.
Lá, foram ver como estava o seu ombro. Ela pegou o material de curativo que guardava para emergências e pediu que ele sentasse em uma cadeira.
- Por sorte a bala pegou só de raspão – disse Sílvia, ajudando Roberto a tirar sua camisa e já examinando o estrago produzido por Leon.
Começou a limpeza, sob os protestos dele, que reclamava da dor, mas não tirava os olhos de cima dela. Depois de alguns minutos, Sílvia deu seu trabalho por concluído.
- Você vai parar de me olhar? Já estou ficando encabulada... Nem ferido você toma jeito, não?
- Estou pensando em como vai ser de agora em diante.
- Como assim? – falou, olhando-o ternamente.
- Agora que tudo foi solucionado, você vai perder o seu interesse por mim e voltar a se dedicar aos seus outros pacientes.
- Pois eu estava pensando o mesmo de você. Agora que descobriu que tem a sua empresa para cuidar e pode retornar a ela sem problemas, não vai mais querer saber de uma médica interiorana e sem a menor graça.
- Quem disse que você é sem graça? – perguntou, fazendo uma careta de dor ao movimentar o braço machucado, o que não evitou que enlaçasse Sílvia pela cintura, puxando-a contra si e olhando-a com carinho.
- Cuidado com o seu ombro. Você tem que repousar... Nós discutimos isto outra hora... – disse ela sem muita convicção, derretendo-se no olhar de Roberto.
- Não quero discutir nada agora... Só quero te beijar – disse ele, já se levantando da cadeira e aproximando-se rapidamente de seus lábios, não dando chance a Sílvia de retrucar ou reagir. Ela deixou-se abandonar em seus braços, temendo que talvez aqueles fossem os últimos momentos deles juntos. Logo ele teria de voltar para a sua vida normal e acabaria esquecendo-se dela.
Mesmo com dor, ele continuava as carícias, percorrendo o corpo de Sílvia com ansiedade, fazendo-a arrepiar-se e gemer baixinho. Logo ela também estava sem sua blusa, beijando-o loucamente. Não sabiam se o desejo era exacerbado pelo medo de esquecerem-se um do outro ou pela situação de perigo que haviam atravessado juntos. O certo é que sentiam urgência em fundir suas almas, seus corpos, seus cheiros e salivas mais do que nunca.
Da sala passaram para o quarto de Sílvia, onde desafogaram a paixão e entregaram-se a ela completamente. Banhados em suor, num misto de dor e cobiça , misturavam seus corpos com avidez e luxúria, gementes e ansiosos. Roberto já não sentia o ombro. Só pensava em proporcionar o maior prazer a sua amada. Suas mãos, boca e língua a exploravam incansavelmente, fazendo-a contrair-se e gritar por mais. Ela, por sua vez, procurava-o com intensidade, provocando-o de todas as maneiras, até sua boca encontrar seu membro ereto e deliciá-lo com beijos e passeios da língua por ele. Os suspiros se misturavam aos gemidos, até o prazer chegar ao seu limite, em ondas furiosas, seguidas pela conseqüente calmaria. Por muito tempo ficaram ali deitados, aproveitando cada minuto resultante daquela deliciosa união, lado a lado, abraçados, sentindo a respiração e as batidas de seus corações. Nada mais parecia ser importante o suficiente para separá-los.
(continua...)
Que susto, não? Volto logo com a continuação deste romance entre a Sílvia e o Antonio, isto é, Roberto Vergueiro ...Prefiro este nome. E vocês?
Beijão!
Nossa emocionante! Aguardo ansiosa a continuação.
ResponderExcluirBjim
Rô, que emocionante!!!
ResponderExcluirMaravilhosa essa estória, drama, suspense, paixão e muita adrenalina....
Estou super ansiosa pela continuação
Um cheiro amiga!!