terça-feira, 6 de julho de 2010

Resgate de Amor (4)

Ela entrou no quarto e logo foi envolvida pela voz de Antonio.
- Reencontrando antigos amores?
- Ele é apenas um amigo. Só isso. Vamos mudar de assunto. Por favor! Eu trouxe algumas roupas para você. Parece que estava adivinhando que lhe dariam alta.
- Presentes! Acho que gosto disso... – olhava para os pacotes entusiasmado como uma criança.
- Espero que sirvam. Não são de grife como as suas roupas anteriores, mas acho que vão ficar melhor que este seu camisolão – observou com um sorriso ligeiramente malicioso – Venha. Levante-se e vá se vestir.
- Promete que não vai olhar a abertura nas costas? – disse com ar falsamente tímido.
- Claro que não. Deixe de ser bobo.
Quando ele se levantou da cama onde estava sentado, sentiu-se tonto e por pouco não caiu, não fosse a ajuda de Sílvia que correu até ele no mesmo instante. Ela ajudou-o a sentar-se novamente e logo sentiu seus olhos a fitá-la intensamente.
- Obrigado... – disse ele enquanto continuava agarrado em sua cintura, puxando-a de leve contra si, ficando com o rosto muito próximo ao dela.
Sílvia sentiu seu coração acelerar mais uma vez. Se não se afastasse dele rapidamente, não sabia o que poderia acontecer. Começava a sentir uma atração irresistível por ele. Quando conseguiu pensar, falou algo para esfriar a tensão que surgira entre eles. Desvencilhou-se daquele abraço e disse:
- Sente-se aqui. Vou lhe mostrar as roupas novas.
Pegou as sacolas, colocou-as sobre a cama e começou a tirá-las das caixas. Ali havia duas calças jeans, três camisas, um pijama e algumas roupas de baixo. Também comprara um par de tênis, mocassins e chinelos.
- Acho que isso dá para a saída. Também comprei algumas coisas de toalete. Fiquei na dúvida se gostaria de um barbeador ou de lâmina para barbear.
- Talvez eu mantenha a barba. O que você acha? – perguntou, alisando os pelos do rosto.
Como não obteve resposta, pois Sílvia fez que não ouvira a pergunta, continuou:
- Então tudo isso é pra mim?
- Claro! Como você ia sair por aí com este camisolão? Suas roupas foram cortadas na emergência para poderem examiná-lo mais rapidamente. Os sapatos sumiram. Eram de uma boa marca. Alguém deve ter achado que você não precisaria mais deles. Quer experimentar? Está sentindo-se melhor agora?
- Sim, acho que sim. Vou tentar de novo... – disse aceitando a mão que Sílvia lhe estendia – Parece que passou a tontura.
- Deve ter sido pelo tempo que está deitado. Vá arrumar-se. Se precisar de ajuda, é só chamar. Depois precisamos conversar.
- Você é sempre assim? Mandona?
Mais uma vez ela fez que não tinha escutado.
Passaram-se alguns minutos, em que Sílvia ficou atenta a qualquer ruído mais intenso que pudesse significar uma queda no banheiro. Então, Antonio surgiu muito atraente de jeans e camisa branca, com os cabelos umedecidos pela água e penteados para trás. Mal se podia ver o ferimento na transição entre a testa e a raiz dos cabelos. Mostrava um lindo sorriso, deixando a mostra os dentes perfeitos.
- Fiquei com medo de tomar banho e cair no box – falou, desculpando-se.
- Deixe isto para depois. Agora sente-se aqui. Temos que conversar.
- É sobre a minha ida para o sanatório? Não sabia que precisaria de roupas lá. Já estava me imaginando num daqueles pijamas listrados da prisão.
Sílvia não teve como segurar o riso.
- A não ser que você queira ir para o sanatório, tenho uma alternativa. Se não gostar, pode dizer. Não ficarei chateada.
- Alternativa? E qual seria?
- Hoje fui conversar com o chefe de polícia e o juiz. Eles me disseram que, se alguém ficasse responsável por você, seria possível deixá-lo fora da prisão – falou, preferindo mentir sobre a autoria daquela idéia – Teria que fazer revisões com o neurologista, e apresentar-se a um agente do fórum, para relatar a sua evolução, a cada sete dias. Eles não consideram o seu caso tão grave assim. Parece que eles têm coisas mais importantes a investigar do que uma suspeita de roubo de carro.
- Bom para mim. Mas quem seria o meu responsável? Descobriram algum parente ou conhecido meu? – perguntou ele, intrigado.
- Seria eu, se você concordar.
- Você? Sílvia... – agradavelmente espantado – Nem sei o que dizer. Mas...?
- Se você aceitar poderá ficar na cabana de meu pai, que fica a uns 10 km de distancia do centro de Valverde. Atualmente eu a utilizo nos fins de semana, para descansar. É um lugar muito bonito e tranquilo. Acho que vai gostar. Poderá mantê-lo longe de curiosos, tipo o nosso Sr. Benetti. O que acha?
- Você vai ficar comigo, enquanto eu estiver lá? - perguntou de forma tão sedutora que fez Sílvia estremecer.
- Isto nós veremos depois. Vai ter que me prometer que não fugirá de lá. Caso você desapareça, eu serei implicada e posso acabar presa. Entendeu?
- Não vou fugir de você... – falou ternamente.
- Você não pode é fugir da polícia. Só para esclarecer – já começava a ficar nervosa com o olhar intenso dele – Então, aceita ficar sob minha tutela?
- Claro que aceito. Com prazer...
Sílvia começava a temer por sua ética e princípios com aquele homem. Começava a pensar se não seria melhor deixar tudo com a lei, como já haviam aconselhado por diversas vezes. Mas aí, lembrou do olhar suplicante e desesperado que ele lhe lançara na ambulância, no dia em que o atendera na estrada. Sua memória deve ter sido perdida depois daquele momento. Naquela hora, ele pedira ajuda, com certeza. Este era o real motivo para o seu interesse, independente dele ser atraente ou não. Estava convicta disso. Pelo menos, precisava estar...
- Bem...Vou pegar a sua receita e confirmar a alta. Podemos seguir para Valverde logo em seguida. Eu já volto. Espere-me aqui, ok?
- Ok!

Partiram para Valverde às 14 horas. Foi uma viagem rápida e sem intercorrencias. Mantiveram-se em silencio grande parte do percurso. Ele passou a maior parte do tempo a observar as paisagens que se moviam rapidamente através da janela do carro.
- É um lugar muito bonito. Acho que nunca estive aqui antes.
- Estamos próximos do complexo ecológico de Brotas. A natureza aqui é privilegiada. Meu pai amava muito este lugar. Por isso construiu esta cabana no meio do mato. Gostava de ficar em contato com a natureza nas suas horas livres, pescando ou simplesmente caminhando.
- Tenho a impressão de que tenho estado afastado destas coisas da natureza há muito tempo.
- É a sua memória dando sinais de vida?
- Parece que sim. Se bem, que estou começando a gostar da idéia de estar sem memória. Começo a ficar temeroso do que possa vir com a recuperação dela. A pior coisa talvez seja ter de me afastar de você.
Sílvia não conseguiu olhá-lo com medo de passar a expressão de contentamento em que ficou com aquelas palavras. Apenas sorriu e conseguiu dizer:
- O seu medo deve ser aquele que o Dirceu falou.
- Qual?
- O de descobrir que é pai de um bando de crianças e que, logo, o seu sossego vai acabar – gracejou, numa tentativa de esfriar o clima entre eles.
- Não sou casado.
Ela quase parou a caminhonete no meio da estrada de chão batido, que levava até a cabana.
- Você lembrou de algo?
- Não – falou, sorrindo escancaradamente – Falo isso porque não estou usando aliança e tampouco tenho marcas nos dedos.
- Pensei que tinha lembrado alguma coisa mais... Conheço vários homens que são casados e não usam aliança.
- Vários homens?
- Antonio! – exclamou, percebendo a malícia por trás da pergunta dele – Quis dizer que, por exemplo, a maioria dos cirurgiões não usa aliança, pois teriam de tirá-la cada vez que entrassem no campo cirúrgico. Por isso, acham melhor não usá-las.
- Pensei... – continuando a sorrir.
- Sei o que você pensou...
Sílvia certificou-se de que não era seguida, desde a saída de Rio Claro. Não queria ter visitas desagradáveis. A casa de madeira já podia ser vista no final da estreita estrada de terra. Achava que ali seria um local seguro para Antonio, enquanto ele aguardasse a recuperação de sua memória. Estacionou a caminhonete bem em frente à entrada principal. Era uma cabana rústica, com um par de degraus em madeira que levavam a uma pequena e confortável varanda, onde duas espreguiçadeiras cobertas por colchas de retalhos coloridas aguardavam, silenciosamente, a dona da casa. Havia duas janelas, uma de cada lado da porta. A madeira utilizada na construção certamente havia sido adquirida na própria mata.
A poucos metros dali, podia-se ver um galpão, grande o suficiente para ser usado como garagem e depósito de lenha e ferramentas. Estavam cercados pela floresta. Ao longe, podia-se ouvir o barulho agradável de água corrente chocando-se contra pedras. Provavelmente algum rio próximo.
Sílvia desceu e foi tirar algumas sacolas que estavam na parte traseira coberta de sua picape.
- Quer ajuda? – falou Antonio, já se colocando ao seu lado, muito solícito.
- Obrigada. Pode ir abrindo a porta. A chave está sobre o umbral, à direita.
- Não é arriscado deixar a chave assim? Qualquer um pode invadir e mexer nas suas coisas.
- Há anos que venho para cá e nunca aconteceu de alguém entrar na casa. Nem penso nisso. Já é um hábito.
Ele deu de ombros, pegou duas sacolas de compras e seguiu para a entrada. Pegou a chave no lugar indicado por Sílvia e abriu a porta.
O interior da cabana era extremamente aconchegante. Decorada em estilo country, a sala tinha sofá e poltronas estofados, cheios de almofadas, uma antiga cadeira de balanço ao lado da lareira de pedra. Tinha dois quartos, banheiro e cozinha.
- Você vai ficar no quarto de hóspedes, aqui à direita. O banheiro fica no fundo deste imenso corredor – disse ironizando o tamanho reduzido da casa.
- Você costuma receber muitos hóspedes?
- Não costumo receber quase ninguém por aqui. Na verdade, você é o primeiro hóspede que recebo – não conseguiu evitar um sorriso tímido, que foi correspondido com uma deliciosa risada de Antonio.
- Onde largo as sacolas?
- Ali na cozinha está ótimo. Comprei algumas coisas para o jantar. Se você não tiver medo de morrer envenenado com a minha comida, prepare-se.
- Acho que consigo aguentar. Melhor que a comida daquele hospital, deve ser – disse rindo - Posso dar uma volta nos arredores?
- Claro que sim.
- Não quer vir junto? Ainda é cedo para preparar o jantar. Pode me mostrar a região.
- Está bem. Tem razão. Ainda é cedo. Não são nem quatro horas. Só vou guardar as compras e podemos sair.
Depois de calçar um par de tênis , fechou a porta atrás de si e encontrou Antonio a sua espera, junto ao galpão.
- Existe um córrego próximo?
- Sim. É um dos afluentes menores do Rio Jacaré-Pepira, que fica ao leste daqui e deságua no Rio Tiete. Uma das atrações em Brotas, próxima daqui, é a canoagem neste rio e a visita às inúmeras cachoeiras. Já fez canoagem alguma vez?
- Acho que não. Como já disse antes, este contato com a natureza não parece ser muito usual para mim.
Enquanto andavam, o silencio só era quebrado pelo estalar dos galhos e folhas secas sob seus pés ou por suas vozes. O som da água foi tornando-se mais forte, até que puderam vislumbrar um pequeno riacho com o fundo coberto por pedras. Ele era raso, sendo possível atravessá-lo a pé. Antonio quis arriscar-se a andar sobre as pedras. Foi logo tirando os tênis
- Melhor não arriscar. Você acabou de sair do hospital. Não pretendo levá-lo de volta para lá tão cedo – disse Sílvia preocupada – As pedras do fundo costumam ser escorregadias.
- Venha! Só para molhar os pés um pouco. A água parece estar ótima.
Ela não conseguiu resistir ao seu chamado. “Porque não?”, pensou. Acabou por colocar os pés desnudos na correnteza.
A água estava muito fria, mas a massagem que provocava sobre os pés era deliciosa. Começaram a caminhar sobre as pedras, numa tentativa de atravessar a pequena extensão até o outro lado do córrego, rindo das tentativas para equilibrarem-se. Foi quando Sílvia escorregou e, por pouco, não caiu sobre os pedregulhos, não fossem as mãos fortes de Antonio, que a seguraram com presteza. Ficaram rindo até que seus olhares se cruzaram e uma forte atração começou a aproximá-los. Quando seus lábios estavam muito próximos, Sílvia fez que estava escorregando novamente e conseguiu desfazer aquele momento mágico, por medo do que poderia vir depois.
Antonio ficou sério, visivelmente chateado, enquanto ela continuava tentando fazer gracejos a respeito de seu desequilíbrio. Quando viu que ele não estava mais rindo, parou e disse:
- Melhor voltarmos para casa. Já está escurecendo e eu tenho de começar a preparar o jantar. Não sou muito boa na cozinha e costumo demorar um pouco na confecção dos pratos.
Iniciaram a volta, com Antonio tentando ajudá-la e ela esquivando-se, sempre que podia, tentando não ofendê-lo.
Já haviam chegado às margens, quando ele lhe perguntou:
- Porque você está fugindo de mim? – com ar de súplica, que fez o coração de Sílvia disparar – Você diz que confia em mim, mas foge como se eu tivesse uma doença contagiosa.
- Não é isso. Só acho que não podemos esquecer que você está sem memória. Não lembra nada do seu passado... Você deve ter uma família. Difícil que um homem na sua idade não tenha compromisso com alguém. Não acha?
Ele ficou com uma expressão triste e pensativa, enquanto continuava a olhar para ela.
- Você tem razão. Prometo que não vou mais lhe perturbar. Só espero que minha memória volte logo, senão...
- Senão?
- Esquece. Melhor voltarmos para a cabana. Você tem que preparar o jantar, não? Estou começando a ficar com fome, mesmo – disse, endurecendo as linhas de expressão e apertando os lábios. Saiu andando na frente, em passos largos, sem olhar mais para trás.
Sílvia resolveu não falar nada. Era melhor assim. Mantê-lo-ia afastado até sua recuperação.
Ao chegarem à cabana, ela resolveu tomar um banho, pois estava ensopada com a água do córrego. Faria o jantar logo em seguida. Quando saiu do banheiro, já arrumada, viu Antonio distraído, diante do seu computador, mantido na cabana para não perder o contato com o mundo, quando lá se refugiava nos fins de semana.
- Não sei o que há com este computador. Não tenho conseguido acessar a Internet há um mês. Já chamei dois técnicos e nenhum deles soube explicar o que estava acontecendo.
Ela aproximou-se dele e viu que ele estava navegando livremente na web.
- Como você conseguiu isto?
- Foi fácil. Não me pergunte como, mas eu sabia exatamente o que fazer. A sua Internet está de volta. Vou tomar meu banho – disse, já se levantando da cadeira, quase a atropelando e lançando o brilho de seus olhos sobre ela, causando uma reação imediata de alerta. Foi apenas um momento, que logo se desfez, com a ida dele na direção do quarto. Viu-o pegando roupas limpas e dirigindo-se ao banheiro.
Depois deste momento de tensão, Sílvia ficou imaginando como ele conseguira aquela proeza com o seu computador. Talvez a sua profissão estivesse ligada à informática. Porém, não lembrava ter visto nenhuma nota de desaparecimento, de alguém importante ligado a esta área, nos jornais. Era muito estranho. Quem seria este homem? Com estas dúvidas todas rodando em sua mente, foi preparar o jantar.
Enquanto cozinhava, ficava observando a movimentação de Antonio pelo ambiente. Ele certamente era um homem inquieto. Ou estava assim por algum motivo.
- Porque você não espera o jantar ficar pronto, na varanda, ali fora? A esta hora os sons e cheiros da mata são muito relaxantes. O que acha?
- Está bem. Aceito o seu “cartão vermelho”. Já estou indo – disse, aparentando estar ligeiramente chateado com intervenção de Sílvia nos seus atos.
- Não precisa aceitar a minha proposta, se não quiser... – falou, em tom de desculpa, mas já não sendo ouvida, pois a porta acabara de fechar-se atrás dele.

(continua...)





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Um comentário:

  1. Méu Deus Ro... Espero que o "Antonio" passe e pare por Bauru tb... pelas cidades citadas na estória só falta aqui comigo... kkk

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