quinta-feira, 1 de julho de 2010

Resgate de Amor (2)

Depois de informar-se sobre o estado geral de “Antonio”, pediu para vê-lo.
Ele estava deitado, já sem o colar cervical. Parecia apenas dormir, com a face descansada, um curativo sobre o ferimento na cabeça e a respiração tranquila. Puxou uma cadeira e sentou-se ao lado da cama, apenas observando-o. Tentava entender o motivo daquela atração. Enquanto se perdia em questionamentos internos, viu uma movimentação nas pálpebras e nos músculos da sua face. Seus olhos se abriram e logo a estavam fitando, questionando-a silenciosamente.
- Você pode me ver? Está me ouvindo? Pode me sentir? – falou, passando a mão em seu rosto, sentindo a aspereza de sua barba. Seu olhar era o de uma criança perdida, pedindo proteção – Consegue falar? Tente...
- O-onde ...eu...estou?
- Você sofreu um acidente de carro, ontem à noite, na rodovia. Não lembra?
- Não...
- Você está no Hospital Geral de Rio Claro.
- Onde?
- Rio Claro, interior de São Paulo.
Ele continuava com aquela expressão de perdido.
- Qual o seu nome? Sabe o seu nome? – perguntou Sílvia, que lembrou a pequena hemorragia que ele apresentava na área da memória, relatada pelo Dr. Matheus no dia anterior.
Ele pensou por alguns segundos. Parecia vasculhar a mente a procura da resposta. Mas tudo que demonstrou foi um balançar de cabeça, negando a pergunta.
Uma enfermeira surgiu por detrás das cortinas do box onde se encontravam, perguntando o que desejava. Sílvia, que havia apertado a campainha para chamá-la, notificou que paciente estava consciente e que o plantonista deveria ser avisado.
Logo seu colega estava ao seu lado a fazer mais perguntas para “Antonio”, que a tudo respondia com ar cada vez mais confuso. Por mais que ele tentasse recordar o que acontecera antes de acordar naquele hospital, nada vinha a sua mente. Era como se houvesse apenas páginas em branco, nunca antes preenchidas.
Denis achou que já era hora do “Senhor Silva”, como o estavam chamando na emergência, ir para o andar. Não havia mais a necessidade de ficar em observação. Apesar da perda de memória, ele se encontrava em boas condições. Deixaram “Antonio” sozinho e foram para a sala de prescrições.
Enquanto conversavam, um policial, que se identificou como Sargento Moraes, entrou para pedir informações sobre o paciente. Depois de apresentarem-se, Denis forneceu as explicações médicas solicitadas. Ouviu tudo pacientemente e pediu para ficar a sós com o indiciado. Precisava fazer-lhe algumas perguntas. Após alguns minutos, voltou a falar-lhes. Disse que manteriam um guarda a vigiar o homem enquanto ele estivesse internado. Certamente ele seria recolhido ao sanatório judiciário pós a alta, onde aguardaria a recuperação da memória. Sílvia ficou indignada ao saber disso.
- Ele não lembra nada. Não pode ser preso apenas por uma suspeita, sem provas.
- Ele estava dirigindo um veículo roubado, sem documentos, doutora. Isto já configura um crime.
- E... Se alguém se responsabilizasse por ele, até que recuperasse a memória... Seria possível?
- Talvez. Teríamos que falar com o juiz. Mas quem se responsabilizaria?
- Eu.
Os dois homens a olharam surpresos.
- Eu me sinto responsável por ele. Afinal fui eu que o resgatei ontem à noite. Além do mais tenho minhas dúvidas em relação a estas acusações de roubo.
- O que eu posso lhe dizer, Dra. Sílvia, é que só o juiz pode liberar o suspeito. Ele é que vai decidir o que fazer até sua memória ser recuperada. Se é que ele realmente perdeu a memória. Ele pode estar fingindo para escapar da prisão. Se eu fosse a senhora teria mais cuidado e deixaria este caso nas mãos da justiça. Já vi de tudo neste meio. Criminosos são capazes de qualquer coisa para fugir das grades.
- Obrigada pelo conselho, mas eu acredito no diagnóstico clínico e tomográfico que foi realizado. A sua amnésia pode ser justificada pela análise da sua tomografia de encéfalo.
- Assim eu espero, doutora. Para o seu próprio bem. Bom, Dr. Denis, eu tenho que ir. Seu paciente ficará sob vigilância até a alta. Uma boa noite. Doutor... Doutora... – com um aceno de cabeça, despediu-se de ambos e saiu.
- Sílvia, eu não a conheço o suficiente para lhe dar conselhos, mas acho que este policial tem razão. Deixe este caso com a lei.
- Eu agradeço a sua preocupação, mas já estou decidida. Olhe, vou tomar um café e volto depois para saber o número do apartamento em que ele vai ficar. Pretendo passar a noite aqui.
Denis olhou-a com pena e pensou: “Mulheres... Aposto que está atraída pelo fulano. Ainda vai se meter numa grande encrenca... Coitada!”
O cansaço começava a dar sintomas no corpo de Sílvia. Precisava urgente de um café bem forte para animar-se. A noite seria longa. Quando cruzava a porta da sala de prescrições, viu o senhor Benetti, que consultara com ela naquela tarde, a fazer perguntas para uma enfermeira na recepção da emergência. Instintivamente, escondeu-se atrás das cortinas de um dos boxes da sala e ficou observando-os a distancia. Perguntava-se o que aquele homem estaria fazendo por ali? Aparentava estar irritado com a funcionária, por ela não tê-lo deixado entrar. Ao perceber que não conseguiria entrar, deu as costas e saiu pelo corredor afora.
- O que aquele homem queria? – perguntou para a enfermeira assim que se sentiu segura de sair de seu "esconderijo”.
- Ele queria informações a respeito do “Senhor Silva” lá do fundo.
- Que tipo de informações?
- Se ele estava bem, se teria alta e quando.
- Desculpe perguntar, mas você deu estas informações para ele?
- Não, claro que não. Não podemos dar informações para estranhos sobre os pacientes. Principalmente sobre este, que está sob vigilância da polícia.
- Que bom. Obrigada pela sua ajuda.
- Não há de que, doutora.
“Já estou ficando conhecida neste hospital”, pensou.
Olhando cuidadosamente para todos os lados, a procura de Benetti, seguiu para a cafeteria ao verificar que ele havia sumido dos corredores.
Após tomar seu café, foi até o seu carro pegar sua nécessaire e voltou para a Emergência. Soube que “Silva” seria transferido em alguns minutos para o apartamento 322, no 3º andar.
Mais uma vez foi vê-lo e o encontrou acordado, com olhar sereno e pensativo.
- Quem é você? – perguntou com certo brilho no olhar.
- Meu nome é Sílvia.
- Nós nos conhecemos?
- Na verdade, eu o conheci ontem. Fui eu quem o trouxe para cá. Eu estava de plantão, no serviço de emergência de minha cidade, quando fomos chamados para atendê-lo, no acidente com seu carro.
- Ah, sim... Muito obrigado...
- Posso lhe chamar de Antonio?
- Pode, se assim você preferir – falou isso com um belo sorriso.
- Eu vou ficar aqui no hospital com você para podermos conversar sobre algumas coisas que estão me deixando preocupada. Pode ser que consiga lembrar de algo e ajudar a si mesmo.
- Que tipo de coisas a estão preocupando? Você é psiquiatra ou neurologista?
- Não...
- Você já me conhecia antes do acidente? – perguntou mais uma vez – Pode me ajudar a lembrar o que aconteceu?
- Não...
- Então, não estou entendendo porque o seu interesse em que eu recupere a memória.
- Nem eu entendo, Antonio... Só sei que tenho uma impressão muito forte de que você precisa de ajuda. Acho que você vai concordar comigo quando pudermos conversar em particular.
Neste instante, dois auxiliares entraram com uma maca sobre rodas para levá-lo ao andar. Transferiram-no para a maca e, sempre acompanhados por Sílvia, seguiram através dos corredores até o elevador que transportava os internos.
Inesperadamente, neste trajeto, surgiu o senhor Benetti à sua frente.
- Boa noite, Dra. Sílvia! – saudou-a efusivamente, com um sorriso simpático definitivamente forçado – Que coincidência encontrá-la por aqui.
- Realmente, uma estranha coincidência, eu diria. O senhor está bem? – perguntou com suposto interesse clínico, enquanto notava a insistência com que ele olhava para Antonio.
Este não apresentava nenhum sinal de reconhecimento à visão de Benetti.
- Sim... Com os seus medicamentos fiquei ótimo. Estou aqui a pedido de minha empresa. Como eu estava por perto, pediram-me para visitar outro funcionário, que está internado aqui neste hospital, para tratar de algumas burocracias. Veja só...
Seus olhos novamente fixaram-se em Antonio.
- Este é o seu acidentado de ontem?
- Pelo jeito já estou ficando famoso – disse Antonio com ar brincalhão e despreocupado, o que fez surgir um sorriso irônico na boca de Benetti.
- Pelo jeito você sofreu uma bela pancada na cabeça, não?
- O pior não é a dor na cabeça, e sim a perda de memoria.
- Antonio! – exclamou Sílvia, acabrunhada com a intromissão daquele homem horroroso e, mais ainda, com o comentario de Antonio a respeito de seu problema.
- Ah! Ele perdeu a memoria? É definitivo? Não se lembra de nada mesmo?
- Sr. Benetti! – Sílvia interrompeu a sua sequência de perguntas e a provável sequência de respostas que o seu desmemoriado estaria prestes a dar.
- Se o senhor nos dá licença, temos que ir – disse secamente, já sinalizando aos funcionários para prosseguirem rumo aos elevadores.
- Claro... Estejam à vontade. Até logo!
- Adeus, Senhor Benetti!
- Simpático ele, não? Não precisava ser tão ríspida– falou Antonio, censurando-a.
- Cale-se. Melhor ficar quieto. Não tem que ficar dando informações a seu respeito para qualquer desconhecido. Pode ser perigoso.
- Desculpe. Não sabia que além de médica, você também era policial. – ao dizer isto arrancou sorrisinhos disfarçados dos funcionários do hospital, o que a deixou mais irritada ainda.
- Não estou achando graça alguma nisso, ouviram?
- Desculpe de novo... Não queria ofendê-la – disse Antonio, com falso pesar na expressão.
Finalmente chegaram a frente da porta do número 322, que seria o seu quarto dali em diante. Lá já estava a postos um policial de meia idade, magro, de rosto bondoso, sonolento, que lembrava um velho buldogue. Estava à paisana, para não chamar a atenção dos demais internos e visitantes.
- Boa noite. Meu nome é Moacir e fui encarregado de vigiar este rapaz até a sua alta.
- Boa noite, Moacir. Sou a Dra. Sílvia e pretendo acompanhar este paciente esta noite.
Enquanto Antonio era introduzido e acomodado nas novas instalações, ela fez um pedido para o policial.
- Por favor, fique de olho se houver alguma movimentação no corredor. Há um homem muito suspeito, querendo informações sobre o seu vigiado. É um sujeito com mais ou menos 45 anos, baixo, gorducho, cabelos ralos e louros, bigode espesso e óculos de aro grosso e preto. Está vestindo um blazer xadrez surrado, marrom e bege, com calça marrom e mocassins da mesma cor. O senhor vai passar a noite aqui fora?
- Sim, doutora. Foram as minhas ordens.
- Então, talvez seja melhor pegar uma cadeira. A noite pode ser longa.
- Sim, doutora. Muito obrigado. Pode deixar que ficarei de olho no seu suspeito. A senhora é muito observadora. Daria uma bela detetive, se me permite.
- E o senhor é muito gentil. Obrigada.
Antes de entrar, despediu-se dos auxiliares de enfermagem e olhou para todos os lados, a procura de algo suspeito. Estava começando a ficar com medo do que poderia haver por trás de tudo aquilo. Qual seria a ligação entre Antonio e Benetti?
Será que tudo não passava de sua imaginação? De qualquer maneira, estava decidida a conversar com Antonio sobre tudo isto e procurar as autoridades no dia seguinte para oferecer-se como responsável por ele. Até já pensara onde poderia hospedá-lo. A cabana de seu pai seria um bom esconderijo até que ele recuperasse a memória. Esperava que isto fosse o mais breve possível. Assim que fechou a porta atrás de si, pode ouvir aquela voz grave chegando até ela.
- Muito bem, Dra. Sílvia. Agora me explique o porquê de toda a sua preocupação e o motivo de ter um guarda vigiando o meu quarto – perguntou ele, com seus lindos olhos claros fixos sobre ela, analisando-a dos pés a cabeça.
- Antonio, você não lembra nada mesmo? – falou com voz tão doce, que fez com que ele se arrependesse do tom imperioso usado.
- Não, Sílvia. Infelizmente não lembro nada – agora havia um pesar sincero em sua voz – As recordações que tenho são apenas de rostos desconhecidos ou embaçados, sem noção de tempo. Quem sabe você me conta o que está acontecendo. Talvez eu lembre alguma coisa.
- Bem, os fatos são os seguintes. Você sofreu um acidente, ontem à noite, de causa desconhecida, numa estrada deserta, enquanto dirigia um carro roubado em Ribeirão Preto, há cerca de 170 quilômetros daqui. Perdeu completamente a memória. Vestia roupas caras, além de não ter aspecto de marginal. Assim que voltei para minha cidade, Valverde, fui procurada, em meu consultório, por aquele simpático senhor que o questionou no corredor. Desde então, ele não pára de me perseguir querendo informações sobre você. Hoje, finalmente ele as obteve, graças a você. Agora, me diga o que você pensa disso tudo, pois eu já começo a pensar que estou vendo fantasmas onde não existem. Se for assim, pego minha bolsa e vou embora, para que a polícia faça o que quiser com você.
- Mais uma vez, desculpe se a irritei. Também não estou me sentindo muito bem. Minha cabeça dói e já não sei se é pelo traumatismo ou pelo esforço que estou fazendo para lembrar quem sou eu. Estou completamente perdido. Tenho a sensação de estar num vácuo do tempo, dentro de um enorme vazio. Estou tentando brincar com a situação, mas não é nada fácil.
- Está bem... Talvez seja melhor nós dois descansarmos. Eu ainda não me recuperei do meu plantão e você recém saiu de um edema cerebral. Tente dormir e eu vou tentar fazer o mesmo.
- Nesta poltrona?
- Ela é reclinável e me parece mais confortável que a minha cama no plantão – falou com um sorriso.
- Porque você está fazendo isso, sem nem ao menos saber quem sou? – perguntou, fitando-a com uma intensidade que a fez encabular.
- Não sei. Prefiro não pensar nisso. Talvez seja o meu lado “Madre Teresa de Calcutá” aflorando – respondeu em tom de gracejo, levantando-se para pegar um travesseiro no armário ao lado da porta do banheiro.
Acomodou-se na poltrona da melhor maneira possível. O olhar de Antonio continuava fixo sobre ela.
- Boa noite, Antonio... – disse, já fechando os olhos. De certa forma sentia-se pouco à vontade com a presença dele.
- Sílvia...
- Sim?
- Não encontraram nenhum documento comigo?
- Não.
- Você já sabe quando vou ter alta?
- Ainda não. Amanhã vou até a polícia tentar descobrir com quem tenho que falar sobre o seu destino, depois da alta.
- Como assim?
- Eles querem colocá-lo em um hospital judiciário até a sua recuperação.
- O quê? Hospital judiciário?
- É o procedimento normal para criminosos com amnésia.
- Você acha que posso ser um criminoso?
- Se pensasse isso não estaria aqui, morrendo de sono, conversando com você, no meu pós- plantão, tentando dormir numa poltrona, dentro de um quarto de hospital, com um guarda a postos vigiando a porta – dizendo isso, olhou-o e lançou-lhe um lindo sorriso.
- Está bem... Perdoe-me. Não vou incomodá-la mais. Pode descansar... Sílvia?
- Sim?
- Obrigada pela sua preocupação.
- Você não tem que me agradecer nada – fechou os olhos, a procura de descanso.
Após alguns minutos, como não conseguia adormecer, abriu os olhos e procurou sinais de que Antônio estivesse ainda acordado.
- O que houve? Perdeu o sono? – indagou ele assustando-a.
- Acho que sim... Pensei que você já estivesse dormindo.
- Também não consigo.
- Minha cabeça está fervilhando com tantas coisas que aconteceram nas últimas horas... Deve ser isso... Portanto se quiser conversar mais, esteja à vontade – disse ela.
- Bem, se isso for ajudá-la a ter sono... Que tal você me falar um pouco de você. Talvez isso me faça recordar de alguma coisa do meu passado.
- A minha vida não tem nada de interessante. Talvez eu possa ajudá-lo a adormecer falando de mim – riu.
- Pode começar. Algo me diz que adoro histórias desinteressantes.

(Continua...)

Espero que não estejam achando a minha estória desinteressante...rsrsrs.
Beijos!

Um comentário:

  1. Rosane!!!!

    Este conto é um dos melhores que vc. escreveu,kkkkkkk,como que vc. não soubesse disto.Gosto pois é mto bem detalhado os procedimentos médicos e outras coisa.
    Continue assim mesmo.

    Bjs.

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