sábado, 6 de fevereiro de 2010

Na Rede do Pescador - Capítulo III

Um dia inteiro dedicado a não fazer nada, a não ser ficar deitada de bruços à beira da piscina e cuidando para não molhar o curativo de sua mão direita, só serviu para que ela ficasse intensamente agitada. O culpado por esta ansiedade insuportável era o seu arrogante salvador. Queria poder ir até ele para agradecer e desculpar-se por seu comportamento. Já pensara em milhares de maneiras de fazer isto, sem chegar à conclusão de qual delas iria utilizar. Tremia só de pensar em enfrentar aquele olhar abusado, que podia transformar-se em furioso de uma hora para outra. Sentiu esta fúria sobre o seu braço, que agora apresentava uma marca tênue de seu dedo em forma de mais uma mancha arroxeada, que já formava uma dupla com o hematoma da nádega direita. Por sorte este último pudera ser oculto por um dos biquínis mais comportados que trouxera em sua bagagem.
Movida pelo consciente senso de obrigação em agradecer ao pescador e, pela curiosidade de vê-lo e saber ao menos o seu nome, Isadora foi passear pela praia à noite, após o jantar. As dores musculares e a da mão ferida já não a incomodavam mais e ela estava determinada a encerrar aquele episódio do dia anterior. Mais uma vez fez o mesmo percurso já realizado em outra noite, porém só havia lugar para a penumbra, deixando a praia iluminada apenas pela lua quase cheia. O silêncio tocado apenas pelo som das ondas do mar e a visão dos coqueiros curvados criavam uma atmosfera mágica, não fosse o soluço da areia a cada passo seu. Nesta noite não viu fogueira alguma e a modesta habitação não tinha uma luz sequer. Talvez ele não estivesse em casa. De qualquer maneira, tomou coragem e andou até a frente da casa. Viu o barco e a sombra do buggy dentro do galpão ao lado. O coração batia mais forte, e quase pulou para fora de sua boca, quando ouviu a voz vibrante e conhecida inundar a noite.
- Deseja alguma coisa? – a pergunta se fez, seguida do ranger de uma cadeira de onde uma sombra elevou-se.
- Olá... Boa noite! – o tremor acompanhou sua exclamação – Eu sou a... A pessoa que você ajudou ontem à tarde... Lembra?
- Eu não costumo ajudar muitas... pessoas no meu dia-a-dia, mas acho que me lembro de você sim – respondeu em tom divertido. Isadora quase podia vê-lo zombando dela no escuro.
- Pois é... Está tão escuro aqui... Eu não consigo enxergar quase nada. – disse apertando os olhos para tentar defini-lo melhor. – Até pensei que você não estava em casa.
Após alguns longos segundos, ele soltou uma pergunta que a pegou desprevenida.
- Como você sabia que eu morava aqui? – interrogou-a secamente.
De repente ela sentiu-se presa numa cilada. “Como sairia desta? Como explicaria que já tinha notado sua existência desde o primeiro dia em que chegara ao Mairi?”, perguntava-se aflita.
- Eu já o tinha visto aqui na praia logo que cheguei. – Num lampejo de razão, resolveu dizer a verdade. Era sua melhor escolha.
- Deve ser ótima observadora, pois eu não me lembro de tê-la visto antes – mentiu. – Geralmente os turistas que passam por aqui não costumam diferenciar os nativos uns dos outros.
“Mas você não é como os outros, meu bem”, maliciou Isadora intimamente.
- É, dizem que tenho boa memória para rostos – acabou por afirmar, sorrindo.
Mais uma vez o silêncio se instalou entre os dois. Ela podia sentir o seu olhar analisando-a. Sentia-se totalmente em desvantagem, pois ele continuava envolto na escuridão enquanto ela estava exposta à luz prateada da noite.
- Bem, – continuou, buscando encontrar as palavras que tinha ensaiado tantas vezes. – Na verdade vim aqui só para lhe agradecer pelo que fez por mim e pedir desculpas pela maneira imatura como me comportei.
Silêncio... Um silêncio que incomodava, que a humilhava e insultava. Sua vontade era dizer-lhe que era um grosso e dar-lhe as costas, mas o que saiu de sua boca foi apenas:
- Boa-noite, então. Desculpe por vir incomodá-lo a esta hora. – despediu-se friamente e iniciou o seu caminho de volta para o hotel.
- Espere! Fique! – sua voz já não era sarcástica. Era apenas um apelo sincero. Parecia arrependido do tratamento dispensado a ela. – Quer tomar um café? Acabei de fazer.
Engolindo em seco, chegou a pensar em não voltar atrás. Seria mais inteligente agradecer o oferecimento, dizer que estava com sono e reforçar o seu boa-noite. Mas quem disse que seus neurônios tinham-na acompanhado nestas férias? Pelo menos foi a esta conclusão que Isadora chegou quando aceitou o convite.
Em seguida, ele aproximou-se dela, imponente e cauteloso, oferecendo-lhe uma xícara com a bebida quente. Estava vestindo apenas uma calça jeans, com o forte tórax a mostra. Isadora chegou a sentir uma pontada na boca do estômago e a respiração ficou suspensa por alguns instantes.
- Obrigada... Eu nem sei o seu nome – indagou antes de sorver um gole do café sem açúcar, como era sua preferência, com voz surpreendentemente calma e distante.
- É Lucca. E o seu? – retornou a pergunta, enquanto continuava bem próximo a ela.
- Isadora... Então, aceita o meu pedido de desculpas e agradecimento?
- Não tem o que me agradecer e muito menos pedir desculpas. Creio que assustei você com os meus temores. – respondeu.
- Temores? – atalhou-o.
- Quando a vi caindo sobre aqueles corais fiquei realmente preocupado que o acidente pudesse vir a ser mais grave. Além do mais, você foi muito imprudente ao descer por ali, reconheça. Quantas vezes você dirigiu um caiaque em arrecifes ou caminhou sobre eles?
- Foi a primeira vez nos dois casos. – Ela sentiu ruborizar-se e agradeceu à penumbra que escondeu de Lucca a sua vergonha – Reconheço sim que houve certa imprudência de minha parte.
- Era o que eu temia quando a vi... Como está sua mão? – parecia ter visto só agora o curativo na mão machucada – Teve mais algum ferimento sério?
- Não. Nada sério. A mão teve alguns pequenos cortes, mas logo deve estar boa, segundo a enfermeira que me atendeu. Amanhã devo tirar o curativo e ver como está.
- Que bom...
- Bem, Lucca, eu vou ter de ir. Obrigada pelo café – disse entregando a xícara em sua mão.
- Por quanto tempo vai ficar no Mairi? – perguntou-lhe inesperadamente.
- Ainda tenho dezesseis dias pela frente. Acredito que a gente ainda vai se cruzar por aí.
- Espero que sim... – disse encarando-a intensamente.
- Por falar nisso, gostaria de lhe perguntar uma coisa - lembrou de perguntar, fazendo que não tinha ouvido a insinuação dele - Vi que você tem um destes buggies que usam para andar pelas praias.
- Sim...?
- Por acaso você faz estes passeios turísticos pelo litoral e às piscinas naturais?
Por alguns instantes ele ficou atônito, sem saber exatamente o que ela esperava que ele respondesse tão surpreso ficou com a pergunta.
- Ou você é apenas pescador? – continuou, pensando tê-lo ofendido de alguma maneira – Por favor, não se ofenda se por acaso...
- Não... Não me ofende... – vacilou antes de responder – Eu sou... pescador, sim...Mas também trabalho com turismo, é claro. Por quê?
- Você aceitaria que eu o contratasse para me levar à estes pontos turísticos que todos falam?
- Você quer me contratar como guia? É isso? – Estava perplexo.
- Sim – disse ela com um sorriso de satisfação.
- Mas eles não têm estes serviços no Mairi? – indagou.
- Sim, mas eu queria algo mais exclusivo, entende? Não quero me juntar a nenhum grupo de turistas barulhentos. A minha intenção quando vim para cá era de ficar mais isolada – assegurou, estranhando a causa de tantas dúvidas da parte dele e de sua perplexidade diante do oferecimento de trabalho remunerado – Quanto você cobraria por seus serviços?
- Cobrar? Ah! Claro... Meu preço... – Ele continuava com aquela expressão inquietante. – Certo... Quanto eles cobram no Mairi?
- Bom, não sei exatamente, mas posso me informar.
- Então eu cobrarei metade do preço – falou de maneira mais firme.
- Mas você não tem nem idéia de quanto cobrar? Não está acostumado a fazer este tipo de trabalho? – perguntou intrigada com este desconhecimento.
- É que, na verdade... – Procurou uma desculpa rapidamente – Eu costumo fazer este trabalho para grupos. Sendo apenas uma pessoa, não tenho idéia de quanto cobrar.
- Então está bem - respondeu não muito convencida - Eu vou me informar e amanhã conversamos de novo. Não quero prejudicá-lo pagando menos que o justo.
- Não se preocupe. Amanhã conversamos. Fazemos um roteiro e terá um belo passeio.
- Você já não tem um roteiro pronto? – “Será que ele não tem experiência com este tipo de trabalho?”, pensou.
- Sim... – respondeu parecendo inseguro. – Mas você pode ter alguma praia em especial, que queira conhecer...
- Não. Eu não conheço nada por aqui nem tenho informação de amigos indicando algum lugar. Fico por sua conta.
- Tudo bem. Combinamos tudo amanhã.
- Está bem. Até amanhã, então...
- Boa noite, Isadora.
- Pode me chamar de Isa... Boa noite, Lucca.
Ao deixar a companhia de Lucca, um sorriso acanhado aflorou-lhe aos lábios. Ele tinha sido gentil e educado e isto a surpreendera. Pela primeira vez notou que ele não tinha o sotaque regional. Falava mais como um carioca. Isto era realmente curioso pensando nele como natural daquela região. Seria o contato constante com turistas? Era difícil de imaginar isto como causa. Talvez ele tivesse nascido em outro estado e... Se o encontrasse novamente perguntaria a respeito para satisfazer sua curiosidade. Mal podia esperar para sair a conhecer todos aqueles lugares paradisíacos de que tinha ouvido falar. Ficou animada, principalmente ante a expectativa de ter Lucca como seu guia. Pressentia perigo neste seu desejo, mas algo a impelia a conhecê-lo melhor. Talvez desvendando a aura misteriosa em torno dele, a atração diminuísse. Por isso achou uma boa idéia tentar contratá-lo para guiá-la nos passeios que tinha vontade de fazer.

Enquanto a via afastar-se na escuridão, sua cabeça dava mil voltas. Ela o confundira com um dos guias locais que apinhavam por ali. Era inacreditável. O que tinha dado nele de convidar aquela maluca para tomar café? “Onde estava com a cabeça?”, repreendeu-se. “Ela já tinha se despedido!”. Se não a tivesse chamado de volta, esta conversa de passeios e pagamentos por seu trabalho não teria acontecido. Lucca maldizia-se, mas não conseguia tirar a imagem de Isadora sob o luar, na sua frente, pedindo desculpas por seu comportamento.

Não imaginava que ela fosse capaz disso. Ficara com a impressão de que ela era uma mulher determinada e arrogante, que jamais seria capaz de desculpar-se por suas ações. Aquela atitude o desarmara e o fizera amolecer. O desejo de beijá-la voltara mais forte e por pouco não a agarrara quando ela lhe retornou a xícara. Não conseguia encontrar explicação para aquela visita noturna e o porquê disso tê-lo deixado tão perturbado. Ela não tinha demonstrado qualquer indício de sedução em relação a ele. Até que ela se saiu com aquele pedido. Queria contratá-lo! E o pior é que ele não se negara. Então era por isso que ela se aproximara dele. Seu motivo era puramente comercial. Arrependeu-se de manter a farsa e mantê-la acreditando que fazia aquele tipo de trabalho. No dia seguinte trataria de esclarecer o engano e voltaria para a tranquilidade de suas pescarias. Começou a rir sozinho ao lembrar-se do susto quando ela iniciou sua tentativa de contratá-lo. Mas, apesar da insólita situação, continuava desejando-a. Talvez um pouco mais, agora que percebera que o interesse dela não era seduzi-lo. Se ela tivesse demonstrado algum outro tipo de insinuação seria mais fácil resistir ao seu apelo. Mas ao contrário, ela tinha lhe parecido ainda mais encantadora e deliciosa em sua ignorância e com o seu pedido inocente.
Até o momento em que pegou no sono não conseguira tomar uma posição sobre sua resposta no dia seguinte. Mas estava cada vez mais propenso a aceitar, para poder continuar desfrutando daquela companhia tentadora...

Mal chegara ao seu quarto, Isadora não resistiu e ligou para a recepção a fim de perguntar sobre as tarifas dos passeios. Anotou todos os preços, conseguindo obter uma base para combinar valores com Lucca. Preparou-se para dormir e, já deitada, olhando para o teto, perguntava-se porque estava fazendo aquilo justo com aquele homem. Podia escolher qualquer outro entre os bugueiros e guias que existiam “aos quilos” na região. Voltou a pensar na sua doida e providencial teoria de que o conhecendo melhor, poderia deixar de interessar-se tanto por ele. Tinha certeza de que Lucca se mostraria ignorante e grosso. Isto o faria cair no seu conceito e a faria ver a realidade. Ele era apenas um homem bonito. Bonito e oco. Infelizmente, só havia um meio de comprovar sua teoria.


... Eu acho que a Isadora vai se surpreender com o seu "pescador". O que vocês acham?
Bem, conforme o prometido, aqui está o terceiro capítulo da estória do nosso pescador Lucca e da Isadora. Como puderam ver, ela já tem um rosto também. Graças a ótima indicação da Carel. Muito obrigada, amiga! Gostaram das escolhas? Espero que sim.
Um ótimo fim de semana para todas (os - se houver algum rapaz incógnito entre os leitores do blog)!! Beijos!!

8 comentários:

  1. Carel disse:
    Ro... adorei a Isa!!!!kkkkkkkk Eu acho essa atriz linda demais!!!Que casal lindo ficariam né???? Adorei a cena dela falando com as paredes, enquanto ele não respondia as perguntas dela..kkkkkkkkkkk... Tá muito bom!!! E já senti que tem uma surpresa nos aguardando quanto a identificação do Lucca...acho que ele é alguem importante....hehehehehe...

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  2. Rosane!!!
    Sinceramemte não gostei mto da escolha da atriz para o personagem da Isadora mas td bem, pra mim tinha mais a cara da Kerry Russel a Monique do Doce Vampiro,ela está mais parecida com a descrição que vc.fez da personagem.Mas apesar disto este cap.está o máximo.
    Bjs.

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  3. Oi, Cris! Acho a Kerry Russel linda, mas com cara de menininha. Eu queria alguém com rosto bonito mas mais madura.Pelo menos é o que a foto que escolhi transparece.O único detalhe que não combina é o corpo, pois a Isa tem seios maiores que os da Natalie. Mas isso é detalhe. No fundo, o que vale é o ator principal, que faz o Lucca, não? A Isadora pode ser representada por cada uma de nós. Não concordas? hihihi!
    Muito obrigada por continuares assídua ao blog, lendo meus contos e ajudando-me a melhorar este cantinho.
    Muitos beijos, querida!

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  4. Oi,Ro!!!!
    Ok então não se preocupe e realmente é ele mesmo o que vale,entendi a situação e realmente a Natalie parece ser bem mais madura do que a outra.Mas assim mesmo mto obrigada pela explicaçaõ.Estou adorando este novo conto e como sempre sou suspeita de falar.
    Bjs.

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  5. Rô, a Natalie tá bem escolhida para o papel. Ela tem aqueles cabelos castanhos dourados que vc descreveu!
    Se a Isa irá se surpreender!? Vai e muito... Eu sei, kkkkkkk...
    Bjim♥

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  6. Cap. III
    Mas que vidinha difícil hein: ficar o dia todo à toa, na piscina...
    O pior é que quando a gente não está em paz, quando a ansiedade bate à porta, podemos estar no maior paraíso que nem aproveitamos.
    Amiga, agora as pernas fraquejaram de vez! O bonitão só de calças, com o chester à mostra!!! Tadinha da Isadora, menina que sufoco!!! Eu aqui, só de imaginar a cena já estou com frio no estômago, ela então...
    Mas ela é espertinha né, contratá-lo para ficar dando voltinhas por aí... De tonta não tem nada e ele, rapidamente, já assentiu e embarcou no passeio de fachada...
    Já vi que a noite vai ser longa para os dois...
    Gostei da escolha para a Isadora, se bem que ainda acho que a melhor escolha seria mesmo euzinha... Aliás, acho mesmo que para todo e qualquer personagem feminino principal de seus contos românticos eu deveria ser a protagonista... Sinto que há algo que me deixa muito conectada aos galãs dos seus contos, o que será... hehehe...
    Beijinhos

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  7. Este comentário foi removido pelo autor.

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  8. Que coisa deliciosa esse papo dos dois, hein amiga? Achei a escolha da Natalie fantástica, e como disse a Ly, tem a cor dos cabelos como voce descreveu. Não vou me prolongar muito pra ir correndo pro própximo.
    AH, recebi teu e-mail e concordo com todas as tuas palavras, e ainda estou com ressaca de tudo o que aconteceu, mas fica tranquila, nossa amizade está acima de qualquer coisa, você é muito doce, querida, pura e muito amada. Realmente vou dar um tempo pra buscar entusiasmo ou dar outra solução, mas até lá, ficarei aqui neste meu mundo rosa. Já leste Dom de Nata da Rooberts, tenho certeza de que vai amar.
    Bjs

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Cantinho do Leitor
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