sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Na Rede do Pescador - Capítulo VIII


MAURO



ANA


- Alô?
- É você, Mauro?
- Sim, sou eu.
- E então? Já o encontrou?
- Já! Acho que você já pode vir para cá. Não temos muito tempo. Além disso, você está perdendo terreno. Parece que ele já encontrou companhia. Uma linda companhia.
- Como assim? Quem?
- Não sei. Nunca a vi antes. Deve ter conhecido no hotel.
- Está bem. Vou tentar pegar o vôo que sai daqui às 23 horas e chego aí amanhã pela manhã. Ele está na casa do lado ou no Mairi?
- Na casa, é claro. Sabe que eles nunca gostaram de ficar com os hóspedes. Nenhum deles. De qualquer forma, eu me hospedei em outro hotel próximo ao Mairi, para não levantar suspeitas, caso os seus planos “românticos” não dêem certo. Você sabe muito bem o que eu penso a respeito deles. Ele é diferente do irmão e ficou ainda mais irritado quando você estupidamente se jogou prá cima dele...
- Vamos parar por aqui. – ela atalhou-o – Isto não é assunto para discutirmos no telefone. Quando eu chegar aí, conversamos. Ligo quando estiver pegando o carro para Maragogi.
- Estarei te esperando. Um beijo.
- Beijo. Até breve! – despediu-se friamente.
Mal tinha desligado o telefone, Ana pegou sua agenda e procurou o número da empresa aérea onde ainda tinha algumas milhas a resgatar. Esta era uma das poucas regalias que ainda sobravam de seu casamento com Guilherme. O resto tinha sido tirado por seu irmão. Aquele infeliz ia ter volta. Ele não sabia com quem estava lidando. Depois de aguentar conviver com aquele chato, virar uma viúva com uma mão na frente e outra atrás, não era nada justo. Teria sua vida de volta, custasse o que custasse. Recusava-se a retornar a vida de pobreza, de ter que trabalhar sol a sol por migalhas, e um patrão que achava que tinha direitos sobre sua vida e sobre seu corpo. Não tinha suportado conviver com Guilherme a troco de nada. E quanto a Mauro, se livraria dele assim que possível. Sentia-se capaz de tudo para recuperar a riqueza e o respeito daqueles hipócritas da alta sociedade.
Conseguiu completar a ligação e logo já havia feito a transação. Sua passagem estaria esperando no Galeão no balcão da empresa. Perfeito. Pegou sua mala e colocou suas melhores roupas e lingeries sensuais. Tudo valia para conquistar aquele miserável. “Marcos ainda pensa que sou uma romântica. É outro imbecil. Estes homens são uns tolos. Mal sabe ele que se o meu plano A não funcionar, já tenho o meu próprio plano B”, pensou.
Ainda tinha algumas horas pela frente. Precisava dar um jeito nas unhas e no cabelo. Tinha que ficar irresistível. Ele voltaria a comer na palma da sua mão. Só uma coisa a deixara preocupada. O que Mauro tinha dito a respeito de uma outra mulher. Provavelmente alguma outra aventura. Ele sempre tinha alguma socialite enganchada. Nunca ficava com nenhuma, pois sempre esteve apaixonado por ela, seu amor impossível. Esta não deveria ser diferente. Logo que a visse novamente, lacrimosa, pedindo perdão e declarando seu amor eterno e mal compreendido, ficaria com ela. Tinha certeza disso. Antes de pegar seu estojo de unhas, conferiu a pasta com as procurações feitas por seu advogado. Ainda não tinha certeza se iria precisar delas, mas como diziam: “o seguro morreu de velho”. Com uma expressão sarcástica no rosto, pensou na sua próxima vítima e lembrou que pelo menos este deveria ser agradável durante uma transa. Era uma pena ele nunca ter se permitido deitar com ela. Soltou uma risada diante destes pensamentos e voltou à sua preparação para a viagem de logo mais.



Fora mais um dia memorável. Olhava para Isadora, deitada ao seu lado tão bela e alheia de seus problemas. Lembrou de sua emoção ao assistirem juntos ao pôr-do-sol na beira da praia, depois daquela tarde de amor, na pousada de Alex. Voltou a angustiar-se com a sua situação junto a ela. A cada hora passada ficava mais difícil de manter aquela farsa. Porém, o medo de perdê-la, de ser rejeitado como um mentiroso, de ser comparado ao cafajeste do seu ex-noivo aumentava proporcionalmente àquele sentimento que amadurecia dentro dele. O melhor seria contar-lhe tudo de uma vez e esclarecer quem ele realmente era e explicar os motivos que o levaram a esconder sua identidade verdadeira aproveitando-se do engano dela. Seu relacionamento estava apenas começando e estava sendo uma experiência extraordinária. Jamais se sentira tão bem na companhia de uma mulher e a queria cada vez mais. Seu desejo e a necessidade de tê-la ao seu lado eram crescentes e quase assustadores. E pensar que fora para Alagoas procurando paz e meditação. Mas encontrara algo muito melhor... Faltavam apenas seis dias para que as férias de Isa acabassem e ele não podia mais imaginar-se sem ela. Estava decidido. Voltariam ao Mairi no dia seguinte e à noite contaria tudo à Isadora. Não podia mais sustentar aquela situação. Assim, decidido, beijou-a levemente nos lábios, fazendo-a exalar um suspiro e aconchegar-se ainda mais em seus braços.

Após o café, ainda aproveitaram a praia e saíram logo após o almoço. Despediram-se de Alex e puseram-se no caminho de volta à Maragogy.
- Está tão calada hoje. Aconteceu alguma coisa? – ele perguntou sem desviar o olhar da estrada.
- Nada... É que... – reticente, buscava uma melhor maneira de entrar no assunto que vinha protelando em tocar – Tenho tentado não falar sobre isso para não estragar o clima entre a gente, mas...
- Pode falar. Acho que até sei o que tem preocupado você.
- Sabe? – perguntou, aliviando um pouco a tensão em que estava, quando ele fez um sinal de afirmação com a cabeça, sem olhar para ela – É que... Bem... Você sabe que eu devo voltar para São Paulo em poucos dias.
- Sei... – disse contraindo de leve os lábios, num sorriso tristonho.
- Pois é. Você é uma pessoa especial, inteligente... Quer voltar comigo?
- O quê? – ele quase freou o carro. Olhou-a incrédulo, diminuindo a marcha.
- É... Eu posso arrumar um emprego para você lá. Acho que você tem condições de ser um bom profissional em qualquer área que escolher. Ser pescador está muito aquém das suas possibilidades.
- Você está... – não conseguiu terminar a frase e começou a gargalhar, deixando-a chocada com sua reação.
- Desculpe se o que falei o deixou ofendido. Não toco mais neste assunto. – disse irritada.
Ele acabou por estacionar o carro no acostamento e virou-se para ela, com uma expressão de admiração e carinho.
- Não, Isa. O que você falou me deixou extremamente envaidecido. Pensar que você chegaria ao ponto de me sustentar para que a gente fique junto é algo com que jamais sonhei que pudesse ouvir – disse segurando as mãos dela entre as suas.
- Então? Você volta comigo? – perguntou cheia de esperança.
- Princesa, acho que precisamos conversar antes de tomar uma decisão tão radical. Tem muitas coisas sobre mim que você não sabe e que preciso esclarecer.
- Você não me quer. É isso? – perguntou, sentindo-se desconsolada com a sensação de ter sido atingida por um balde de água fria.
- Não, Isa. Não é isso. Lembra que eu te falei que tinha alguns problemas e que teria de contá-los um dia. Acho que chegou a hora e...
- Lucca, não me importa que você seja pescador ou o que quer que seja. Eu estou apaixonada por você, se é que ainda não percebeu – silenciou-se repentinamente, como que arrependida de suas palavras. – Droga! Eu não queria dizer isso assim, desta maneira.
- Foi a declaração mais sincera e comovente que já ouvi...
- Então já ouviu muitas outras declarações de amor, não? – indagou com um sorriso amarelo.
- Não muitas, mas logo descobria que eram falsas – respondeu com amargura na voz – Tenho muito para lhe contar. Mas não agora. A minha história também é muito longa para ser contada num banco de buggy, no meio de uma estrada empoeirada, sob um sol forte e uma temperatura de mais de 30 graus – Levou sua mão ao rosto de Isadora, fazendo uma carícia na linha de seu queixo – Você pode esperar?
Como podia negar alguma coisa aquele homem?
- Posso... – afirmou, pegando a mão que a acariciava e beijando sua palma.
- E tem mais uma coisa – segredou-lhe, fitando-a profundamente - Eu também estou apaixonado por você, “se é que ainda não percebeu” - Enlaçando-a com o braço, puxou-a para mais perto, inclinando-se para beijar os lábios que se entreabriram num sorriso de pura felicidade e o receberam sedentos de amor.


Lucca a deixou no resort pouco antes das 16h e foi para casa tomar um banho e preparar-se para buscá-la logo mais para jantarem e terem a conversa prometida por ele. Ainda sentia-se flutuar e a frase dita por ele na beira da estrada ainda ressoava em seus ouvidos como um acalanto. Não podia negar que estava um pouco apreensiva sobre o teor da conversa que teriam. Mas depois de saber que era correspondida em seu amor por ele, o que poderia acontecer de errado? Era óbvio que eles continuariam a se encontrar. Talvez houvesse algum impedimento no início pela distância em que moravam um do outro, mas isto poderia ser facilmente resolvido. Dependia dele. Tomou um prolongado banho de banheira. Queria estar bem relaxada para ser uma boa ouvinte, como ele fora para ela.
ISADORA
Às sete horas da noite ela já estava pronta a esperá-lo na recepção do Mairi. Depois de 15 minutos de espera começou a tornar-se impaciente. Ele não costumava atrasar-se. Algo poderia ter acontecido. Falou com o recepcionista do hotel para saber se alguém tinha deixado recado, mas nada havia no escaninho do bangalô 12. Ás 7h30m decidiu ir até a casa dele. Esperara demais. Alguma coisa devia estar errada. Voltou para os fundos do Mairi, na direção da praia. Caminhou pela praia já pouco iluminada, pois a noite chegava cedo por ali, e a lua, encoberta por algumas nuvens, lançava poucos e insuficientes raios sobre a areia. Já próxima ao bangalô, viu uma luz na janela. Bateu na porta. Abriram-na e Jonas apareceu, deixando-a mais uma vez surpresa.
- Boa noite... O Lucca está?
- O seu Lucca... deve estar na outra casa – disse vacilante.
- Outra casa? Ah! Ele foi cuidar de algum problema na casa aqui atrás? É isso?
- Não sei não, senhora...
- Mas o que o senhor está fazendo aqui?
- Eu... Eu estou esperando por ele.
- Mas ele está no casario aqui atrás?
- Acho que sim... Olha, dona, não quero confusão com o seu Lucca. É melhor a senhora conversar com ele.
Vendo a agitação em que deixara o homem com tantas perguntas, resolveu ir atrás de Lucca para saber o que estava acontecendo e esclarecer de uma vez por todas aquele mistério.
- É o que eu vou fazer – afirmou irritada com a situação – Muito obrigada.
Respirou fundo e embrenhou-se pelos fundos. O portão estava aberto e, ao longe pode ver que havia luzes acesas na bela casa. Aproximou-se cautelosamente, através do jardim, até chegar à porta de vidros quadriculados que estava fechada. Ouviu vozes, que falavam alto. Uma delas era de uma mulher. Engoliu em seco e chegou mais perto, de onde, escondida pelas sombras do jardim, pode ter uma visão da sala de onde vinha a aparente discussão. Foi então que seu coração sobressaltou-se e suas pupilas contraíram-se para poder enxergar melhor a cena que se desenrolava diante dela. Uma jovem muito bonita, muito próxima de Lucca, passava a mão em seu pescoço, sem que ele oferecesse resistência alguma. Agora falava em tom inaudível e lhe lançava um olhar sedutor. Logo a outra mão alcançou a cabeça dele e o puxou ao encontro de seus lábios. E eles se beijaram... Sentindo o chão ceder sob seus pés, Isadora sentiu uma necessidade de fugir dali. Seu cérebro rodava a procura de uma explicação para o que vira, mas não encontrava. Buscava ar para respirar, mas parecia não encontrar. Não tinha coragem de olhar mais nada. Loucas hipóteses passavam por sua mente naquele momento. “Talvez o grande mistério fosse esse. Ele devia ser amante da dona da casa. Por isso não se preocupava com dinheiro. Era um gigolô. Talvez nem morasse lá mesmo. Como ele tinha dito que era do Rio... Tinha sido levado pela amante. E ela queria levá-lo para São Paulo. Meu Deus! Ele só trocaria de amante para continuar sendo sustentado... Não! Não pode ser”. Um grande desespero tomou conta de Isadora, enquanto as idéias mais terríveis a agitavam. Como pudera iludir-se daquela maneira. Ele quase tinha conseguido enganá-la dizendo que estava apaixonado por ela. Tinha que haver outra explicação... Mas qual? Não sabia se teria coragem de falar com ele depois do que tinha visto. Atravessou o portão florido, em direção à praia, quase derrubando Jonas que estava parado, provavelmente aguardando os acontecimentos. Talvez ele soubesse de tudo. Por isso vacilava tanto ao falar, chamava Lucca de “seu”.
- O que aconteceu, dona?
- Pergunte ao “seu Lucca”! – gritou exasperada.
Continuou correndo pela praia até as escadas do Mairi, chegando na segurança do chalé número 12, onde trancou-se e jogou-se sobre a cama a chorar. Continuou a envenenar-se com os piores pensamentos a respeito de Lucca, despedaçando seu coração, enquanto soluçava desesperadamente. Tentava controlar-se e buscar outra explicação menos infeliz para o que vira, mas não conseguia. Não podia acreditar que se deixara enganar mais uma vez. Passava na memória todos os momentos que passara junto à Lucca, seus olhares, suas palavras, seu carinho e sensibilidade. Será que ele ia contar a ela a verdade? Talvez ele estivesse realmente apaixonado e quisesse mudar de vida... Mas como poderia confiar nele?
Passaram-se mais de 30 minutos desde que ela saíra correndo do casario amarelo. Ainda estava deitada em sua cama, com o rosto afundado no travesseiro, tentando controlar o choro, em meio a soluços intermitentes, quando ouviu as batidas na porta.
- Isa! Isadora! – gritou Lucca aflito – Por favor, abra! Precisamos conversar!
Alarmada, não conseguia reunir forças para falar ou levantar-se da cama. As lágrimas voltaram a brotar intensas e a garganta ficou apertada, sufocando-a.
Ele podia vê-la atirada, chorando, através das cortinas entreabertas da janela. Estava a ponto de colocar a porta abaixo a murros, mas resolveu conter-se para não assustá-la ainda mais. Os murros tinham que ser dirigidos a uma outra pessoa em especial, que insistia em transtornar sua vida.. Aquela que certamente causara aquela reação de Isadora. Jonas chegara esbaforido na casa, pensando que alguma coisa muito ruim tivesse acontecido, no momento em que ele colocava Ana para fora. Depois de acalmar o homem, conseguiu que ele verbalizasse o encontro com Isadora e a ida dela até lá. Certamente ela vira aquela infeliz beijando-o.
- Isa, minha princesa, por favor. Abra esta porta. Não sei o que você viu, mas posso explicar.
Como não obtivesse resposta, ligou para a recepção de seu celular. Identificando-se, ordenou que conseguissem a cópia da chave do bangalô 12 imediatamente.
- Pois não, senhor – respondeu prontamente o recepcionista que o atendeu.
Não demorou mais que cinco minutos para que a chave estivesse em suas mãos.
Agradeceu à camareira que o atendera e dispensou-a educadamente.
Isadora já se perguntava se ele tinha desistido, quando ouviu a chave girar na fechadura da porta. Virou-se na cama assustada e sentou-se a espera do invasor.
- Como conseguiu a chave? O que você quer aqui? – perguntou asperamente ao ver Lucca entrar no quarto.
- O que acha que quero aqui, Isa? Nós tínhamos combinado que eu a pegaria na frente do hotel às sete horas. Por que não me esperou? – falava mansamente, tentando acalmá-la – Jonas me disse que você esteve lá a minha procura e acabou por ir à casa principal para me encontrar.
- Sai daqui, Lucca. – implorou com a voz por um fio.
- Não. Não antes de ter aquela conversa que combinamos que seria hoje. Não quero te perder, Isa. Você precisa me ouvir antes de tirar conclusões precipitadas – aproximou-se devagar e dobrou os joelhos até ficar numa posição em que podia fitá-la nos olhos. Isadora tentou levantar-se e fugir de seu olhar, mas ele a segurou pelos braços, obrigando-a a ficar sentada onde estava. – Agora olhe para mim, Isa.
- Lucca... Eu vi você beijando aquela mulher... – acusou-o, com a voz trêmula, sem coragem de encará-lo.
- Você pode ter visto aquela víbora me beijando, mas certamente não viu quando eu a repeli e expulsei da minha casa – explicou com voz firme – Agora deixa eu contar a minha história? Você está me devendo isso, lembra? Prometeu que me emprestaria seus ouvidos quando eu precisasse.
- Estou cansada de ser enganada, Lucca. Eu esperava tudo de você, menos mentiras, traição... – queixou-se mortificada.
- Isa, meu único e grande erro foi o de ter mantido você na ilusão que eu era um simples pescador. Foi só isso. E, ironicamente, mantive esta farsa até hoje exatamente por ter sofrido tantas decepções e mentiras, como você.
- Como assim? E o que você é então? Um gigolô? É amante daquela mulher? Faz-se passar por rico para ela? – perguntou, finalmente conseguindo enfrentar Lucca de frente.
Lucca não conseguiu evitar o riso diante das teorias absurdas de Isadora, mas tentou conter-se para não irritá-la ainda mais.
- Gigolô? Amante? Me fazer de rico? Isa, meu amor, o que você andou criando nesta cabecinha?
- O que queria que eu pensasse, vendo vocês se beijando naquele casarão?... E ainda fica rindo de mim como se eu fosse uma idiota! – exclamou aborrecida com o riso dele.
- Você não é uma idiota... – disse, olhando-a com carinho - ... Eu te amo, Isa, e não vou te perder por causa de um mal entendido. Diga que vai ouvir o que tenho a dizer, por favor... – suplicou, segurando o queixo de Isa com uma das mãos. Percebendo que ela não o recusava, aproximou a boca de seus lábios, apenas roçando-os – Por favor...
– E como vou saber se o que me diz é verdade, que não continua a me enganar? – indagou com a voz fraca, resistindo contra a vontade de beijá-lo.
- Me ouça. Quando eu terminar, você poderá me julgar como quiser, está bem?
Ela o olhou magoada, mas assentiu de leve com a cabeça. Com um suspiro aliviado, Lucca levantou-se, puxou uma cadeira para perto dela, sentou-se e começou a contar os acontecimentos que determinaram seus atos até aquele momento.
- Acho que é melhor começar esclarecendo quem eu sou. Na verdade, meu nome é Lucca Girard e sou herdeiro da rede hoteleira da qual o Mairi faz parte – Isadora não pode reprimir a expressão de espanto que surgiu ao ouvir aquela declaração. Não conseguia acreditar no que estava ouvindo.
- Mas o que você fazia naquele casebre na beira da praia? Eu o vi mais de três vezes ali antes que a gente começasse a sair junto.
- Quem mora naquela casa é o Jonas. Ele é o nosso caseiro, mas eu costumo ficar por ali por causa do barco e por que gosto de ficar até mais tarde admirando o mar. Quando o Mairi estava em construção, eu costumava ficar muito tempo naquele bangalô com meu pai. Tenho ótimas recordações daqueles dias... Depois que o Mairi ficou pronto e a outra casa foi construída para receber a família nas férias, o bangalô virou a casa do zelador.
- Por isso você nunca estava lá de manhã cedo... O quarto desarrumado, com roupas que não pareciam ser as suas... – relembrou Isadora em voz alta.
- Foi a única peça da casa que deixei sem arrumar naquele dia por causa da sua visita... Achei que seria demais invadir tanto a privacidade do Jonas. Já bastava tê-lo expulsado do seu canto por aquela noite.
– Então ... – tudo começava a se encaixar e a esclarecer as desconfianças de Isadora.
- Na verdade, eu moro no Rio – continuou – Estou só passando alguns dias aqui. Vim para descansar e colocar minhas idéias no lugar antes de assumir a direção da nossa empresa. Muitas coisas desagradáveis aconteceram nos últimos meses e eu precisava de um tempo antes de tomar posse de um cargo tão importante.
- Por que você escondeu essas coisas de mim, Lucca?
- Espero que me perdoe, Isa, mas usei o seu equívoco quanto a minha origem para saber se você seria capaz de gostar de mim pelo que eu sou, não pelo que eu tenho, entende? Comecei a sentir-me atraído por você, mas não a conhecia. Todos os dias eu pensava em contar a verdade, mas acabava cedendo ao medo de ser enganado novamente. E pode ter certeza que já sofri muitas desilusões para chegar a este ponto... Quando você surgiu com aquela estória de eu ser pescador, achei engraçado. Adoro pesca submarina e é o que costumo fazer para relaxar quando venho para cá. Não menti quando confirmei que trabalhava com turismo, já que ganho a vida com hotéis turísticos. O resto eu fui adaptando ao que você dizia. Você me fisgou quando empinou o nariz para recusar minha ajuda, dizendo que podia, sozinha, colocar aquele caiaque no mar. Mas eu ainda estava muito magoado com alguns fatos recentes da minha vida para reconhecer que você era diferente das outras.
- E aquela mulher... Faz parte destes “fatos”? – perguntou, ainda insegura e ciumenta, apesar de ter ficado envaidecida com as declarações dele a seu respeito.
- O nome dela é Ana e é minha ex-cunhada – respondeu melancólico.
- O seu irmão descobriu o caso de vocês, por isso é “ex”? – sentiu-se péssima ao tentar feri-lo com este tipo de indagação maldosa, mas o ciúme ainda a intoxicava. Pior foi encarar o olhar tristonho de Lucca, quando ele rebateu:
- Meu irmão está morto, Isa. Ele morreu há cinco meses num acidente de carro. Eu nunca tive um caso com Ana, apesar de ela ter tentado muitas vezes. Minha relação com o Guilherme sempre foi a melhor possível. Ele era o meu melhor amigo. Jamais pensaria em traí-lo... – sua expressão era de dor e remorso.


GUILHERME
Compreendendo a dificuldade de Lucca em tocar naquele assunto, ficou apenas olhando-o em silêncio, esperando que ele se recuperasse e continuasse sua explanação.
- Guilherme era mais velho que eu apenas dois anos, mas era uma pessoa excepcional. Amigo, sincero, responsável, talentoso e... – sua voz sumiu na emoção - ...e todas melhores qualidades que possa se esperar de alguém. Quando nosso pai faleceu, ele assumiu a direção da empresa e eu passei a ser seu vice. Foi então que surgiu a Ana, a mulher que você viu hoje. Linda, inteligente, sedutora, ela foi apresentada por um amigo em comum. Guilherme caiu de quatro por ela. Não posso negar que eu também me apaixonei, ou pensava que sim. Mas ela escolheu Guilherme desde o início. Em poucos meses eles estavam casados. A mim restou apenas amargar um grande sentimento de culpa por desejar a mulher de meu irmão. Depois de um ano, começaram a ter alguns problemas. Ele viajava muito e era comigo que ela vinha desabafar, queixando-se de solidão. Cheguei a ficar com raiva de Guilherme por achar que ele não lhe dava a atenção merecida. Às vezes ela brincava que tinha escolhido o irmão errado e eu, imbecilmente, achava graça daquilo. Não percebia que ela estava flertando descaradamente comigo.
- E vocês chegaram a?... – Isadora queria saber até onde fora este relacionamento entre cunhados.
- Nunca. Nunca nosso relacionamento passou disso. Eu não poderia olhar meu irmão novamente se a tivesse tocado de alguma forma. Continuava a ser apenas seu amigo, ignorando suas insinuações. Mas comecei a notar que Guilherme passou a agir de forma estranha. Parecia triste e abatido. Dizia que era o estresse no trabalho, as viagens, os compromissos. Acabava mudando de assunto. Aparentemente o relacionamento entre dois ia bem, apesar de tudo. Foi então que aconteceu o acidente.
Lucca novamente fez uma pausa e seus olhos lacrimejaram.

LUCCA

- Lucca... – ela sentiu vontade de abraçá-lo e consolá-lo, mas freou-se e ficou aguardando que ele se acalmasse. Poucos segundo se passaram e ele continuou.
- Ana aparentou estar arrasada com a perda de seu marido logo que soube da notícia. Mas não demorou muito a recuperar-se. Uma semana depois já nem parecia lembrar. Saia todos os dia a fazer compras, viajava nos fins de semanas com amigos que não conhecíamos, ia a festas sem dar satisfações. Minha mãe ficou muito magoada com estas atitudes, mas não falava nada. Até que um dia, Leandro, um velho amigo da família, durante uma visita comentou comigo que havia visto Ana em atitudes muito íntimas com um conhecido nosso. Ficou surpreso, pois não havia nem um mês que Guilherme se fora e ela já estava com outro homem. Mais surpreso fiquei eu quando soube quem era o tal conhecido. Era Mauro, o mesmo “amigo” que nos apresentara Ana. Não sabia o que pensar de tudo aquilo. Ainda insisti com Leandro para averiguar se não havia algum engano. Não havia. Ele mesmo presenciara as demonstrações de carinho exacerbado e explícito entre os dois. Naquele momento lembrei na tristeza em que Guilherme se encontrava nos últimos meses. Pensei que talvez ele tivesse descoberto que estava sendo traído. Depois desta conversa, procurei entre os pertences de Guilherme, sem que Ana soubesse, algo que me esclarecesse aqueles fatos. Não sabia bem o que procurava, até que, olhando a agenda telefônica de Guilherme – ele não confiava em agendas eletrônicas, por isso carregava sempre consigo uma pequena agenda de couro – encontrei o nome e o número de uma agência de detetives. Liguei e marquei um encontro com o dono. Um homem chamado Sinval Telles. Ele me contou que Guilherme o procurara uns sete meses antes para investigar sua mulher. Ele suspeitava que ela o traía, mas precisava ter certeza. Com pouco menos de dois meses de investigação, descobriu que ela tinha um amante de longa data. Desde antes do casamento com Guilherme. E o nome dele era Mauro. A partir daí, eu contratei Telles para aprofundar sua averiguação. Acabamos por descobrir que Mauro, antes dele nos apresentá-la, vivia cheio de dívidas para manter uma fachada de playboy e poder continuar circulando na sociedade, fazendo negócios escusos e pequenas chantagens. Um verme. Ana era uma garota de programa até conhecer Mauro. Telles descobriu que, depois do casamento com Guilherme, grande parte da gorda mesada que ela recebia para seus gastos pessoais iam para a conta de Mauro. Além disso, eles continuavam a se encontrar clandestinamente. Conseguimos apurar extratos bancários, contas de motéis visitados pouco antes e depois do casamento. Nesse meio tempo Ana deve ter reparado que eu me distanciara, pois mal falava com ela. Então começou novamente o seu jogo de sedução. Aí pude ver como ela realmente era. Revoltado, imaginando como Guilherme se sentira ao descobrir tudo, decidi tirar todos os direitos que ela tinha a herança de Guilherme. Procurei o melhor advogado neste tipo de causa e levamos todas as provas do adultério e das más intenções da dupla desde o início. Quando ela soube que iria voltar à mesma situação econômica de antes do casamento, fez um escândalo, tentando colocar a culpa em Mauro, dizendo que fora obrigada a fazer tudo aquilo, e que amava meu irmão. Acabei por expulsá-la de casa. Isto tudo aconteceu há algumas semanas.
Isadora estava pasma com a narrativa de Lucca. Aquela Ana fazia César, seu ex-noivo, parecer um mero aluno do jardim de infância no curso “Golpe do Baú”. Percebeu que ele estava trêmulo e com o rosto transtornado pela raiva quando parou de falar.
- Então você veio para cá... – estimulou-o a terminar sua história.
- Depois que Guilherme morreu, acabei assumindo interinamente como diretor até todos os trâmites burocráticos terminarem. Depois que descobri a traição de Ana e de Mauro e o sofrimento à que ela tinha submetido meu irmão, não me senti em condições de atuar na empresa. Estava muito mal. Por isso pedi um tempo, antes de assumir legalmente, e vim para cá. Infelizmente, aquela desgraçada descobriu onde eu estava e veio atrás de mim pedindo perdão e tentando me seduzir. Aquilo que você viu hoje foi parte da atuação dela querendo me conquistar e recuperar o que perdeu.
- E você realmente não sente mais nada por ela? – perguntou receosa.
- Você ainda sente algo pelo César? – retrucou ele irritado.
- Não, é claro!
- Isadora, você acha que eu posso ter algum sentimento que não seja repulsa depois de saber tudo que ela e o seu amante armaram contra o meu irmão, fazendo ele de bobo todo este tempo, fazendo-o sofrer tanto que ... – mais uma vez sua voz sumiu embargada.
- Que o quê, Lucca?
- Eu acho que Guilherme se matou.
- Como?
- Não sei... Fico pensando no estado de abatimento em que ele andava ultimamente, consumido pelo que descobrira. Ele amava demais aquela cobra. Descobrir que ela nunca o amara e que o traía desde antes do casamento deve tê-lo levado a tamanha depressão que...
- Por que você pensa isso?
- O carro dele bateu contra um muro. As pessoas que viram o acidente disseram que ele estava em alta velocidade e foi direto contra o paredão. A polícia disse que ele deve ter perdido o controle e acabou saindo da avenida onde estava rodando. Só que Guilherme sempre foi muito cauteloso na direção. Nunca ultrapassava limites de velocidade... Não sei, mas isto não me sai da cabeça.
- Lucca... Eu nem sei o que dizer diante de tudo isso que você me contou... – disse Isadora.
- Só diga que me ama e que acredita em mim... – suplicou Lucca.
Vendo-o tão fragilizado, com aquela expressão de menino desamparado, Isadora não pode resistir e rendeu-se aos seus instintos, que lhe diziam que ele estava sendo completamente honesto e que precisava muito dela naquele momento. Levantou-se da cama, aproximou-se e o abraçou, colocando a cabeça dele contra o seu peito e acariciando-lhe os cabelos.
- Eu acredito, Lucca... – Segurando seu rosto entre as mãos e fazendo que ele a olhasse, continuou num murmúrio – Eu te amo...
- Isa... – comovido, puxou-a contra si, fazendo-a sentar-se em seu colo, invadindo-a através do olhar – Você me perdoa?
Ela o apreciou durante alguns segundos, muito séria, como que analisando a fundo o seu pedido, deixando-o preocupado. Enfim, lhe respondeu.
- Só se você jurar que nunca mais vai mentir para mim, seu bobo – impôs, com ar sisudo e sobrancelhas arqueadas, ao mesmo tempo em que apertava a ponta do nariz dele.
Aliviado e com um brando sorriso, declarou.
- Eu juro, meu amor... Nunca mais...
Naturalmente, mais uma vez envolvidos pela ternura e pelo desejo, beijaram-se longamente, como se estivessem voltando a se encontrar depois de uma longa separação.



Oi, meus queridos! Desculpem pela demora, mas este era um capítulo importante, onde todo o mistério do Lucca é finalmente esclarecido. Por isso tive que ter mais cuidado. Podem criticar se acharem algum detalhe não esclarecido ou que possa estar fora de contexto. Mas não pensem que a estória pára por aí. Aguardem mais algumas emoções...hehehe! Olha eu dando uma de Glória Magadan. Bom, agora entreguei feio a minha idade... Que horror! A maioria de vocês nem deve saber quem foi esta escritora de novelas(ótimas, por sinal, apesar dos enredos rocambolescos) que marcou época há muitos anos.
Mas mudando rapidamente de assunto, me despeço aqui, esperando que tenham gostado da estória do Lucca. Volto em breve.
Muitos beijos e agradecimentos por todo o carinho das minhas fiéis leitoras!

7 comentários:

  1. Rosane, coisa querida! Me fizeste chorar desta vez! Acho até que perdoei uma certa criatura, depois de ver aquela carinha chorosa, ai meu coração vagabundo! É tão lindo ver um macho chorando, que tara esdrúxula! Dá mesmo vontade se sentar no colo e acariciá-lo até excitá-lo de tal maneira que esqueça as agruras pelas que passou.
    E pensar que vem mais por aí! ui!
    Amei amiga! Parabéns!

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  2. Rosane!!!
    Amei este cap. como sempre.Que mulher mais cachorra e diabolica esta Ana ning.merece,eu tive até receio que ela iria conseguir separar o casal mais ainda bem que não. Mais ainda vai ter mto o que desenrolar e será que ela vai conseguir seu intento?Aí meus sais ele chorando é mto lindo,eu quero um desse para mim.
    Bjs.

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  3. Rosane!!
    Esqueci de falar que eu conheço a escritora de novelas a cubana Gloria Magada, eu adoro as novelas dela ,eu assisti Eu Compro Essa Mulher e uma outra que não me lembro eu assisti a versão em espanhol.
    Bjs.
    P.S:Continue escrever mto mais.

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  4. Oi, Tânia!! Muito obrigada! Que bom que já estás fazendo as pazes com o Gerry. Fico realmente contente. Beijos, linda!

    Oi, Cris! Obrigada por me fazer companhia na história da Glória Magadan. Eu lembro de ter visto "O Sheik de Agadir". Claro que nós éramos mmuuuuito pequeninas, não? Mas foram novelas que marcaram uma geração. Hoje em dia eu não suporto ver estas "coisas" que andam por aí.Mas isso não vem ao caso.
    Beijos, querida!

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  5. Carel disse:
    Ro!!! Escolheu muito bem a megera..kkkkk... Não sei se é pque é tao bonita que tem cara de má!!!hehe...Bem, aquela fotinho do Lucca chorando... oh god, como eu gostaria de dar colinho pra ele.. tadinho!!!
    Muito bem enredada a estória... temos para todos os gostos, pque eu desconfio que a Ana não vai deixar barato assim não...hum...

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  6. Rô, vc é um espetáculo! Adorei a sua escolha de megera da vez! E imagino as armações dela, que não vai deixar barato... Sem contar a história de Lucca. Ficou perfeita e emocionante!
    Enredo incrivel!
    Vc é demais!

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  7. Amiga, mas essa Ana é da pá virada! E pior é que o mundo está lotado delas, affffff...
    Adoro quando o Lucca chama a Isa de ‘princesa’, isso tem mesmo um toque dele, dá pra imaginar e sentir...
    A Isa deve ter nervos de pena de ganso, eu não agüentaria ficar esperando uma declaração tão importante como a que o Lucca disse que tinha que dar. Eu não sou curiosa para as coisas do cotidiano, mas algo sentimental desse porte, eu iria querer saber, ao menos, um resumo, uma prévia do que havia por vir...
    Ai, Rô, não põe essa foto do Lucca chorando assim que eu tb choro, a garganta já ta segurando... Mas que carinha mais linda, até chorando, dá uma vontade de por no colo, dar muito carinho para toda essa dor passar...
    Que história triste, coitado do Lucca e do irmão, aliás um fato desses desestrutura toda a família. Essa Ana é perversa e muito cara de pau, é dessas pessoas que fazem de tudo, sem exceções, para obterem o que precisam.
    Um capítulo muito tocante, Rô!
    Beijinhos

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