sexta-feira, 18 de março de 2011

Pelo de Punta (Arrepiada) - Capítulo V



Ao voltar para seu lugar, Júlia viu Bryan desligando o celular. Parecia preocupado.
- Algum problema? – perguntou.
- Nada. Foi engano. – respondeu colocando o aparelho sobre a mesa – E você? Está melhor?
- Estou ótima!
- Então vamos pedir a sobremesa e um café bem forte – disse já acenando para o garçom.
- Sí, señor?
- Dos tiramissú e dos cafés fuertes, por favor.
- Hum... Tiramissú. Adoro! – exclamou alegremente. O efeito das margaritas perdurava.
Terminado o jantar, Bryan insistiu em pagar a conta. Júlia só parou de discutir quando ele lembrou que a nota seria entregue para a American Airlines e que ele seria reembolsado.
Ao saírem, Bryan não viu o homem suspeito. Talvez estivesse escondido. Contornou a cintura de Júlia com seu braço temendo que ela pudesse tropeçar. As ruas continuavam repletas de turistas. Num relance, ele viu o sujeito parado na esquina próxima apontando um celular na direção dos dois, como se estivesse tirando fotos, entre a confusão de turistas.
- Ei! Não precisa me segurar assim – objetou ela sem perceber que estava sendo fotografada.
- Tenho medo que você caia. – Nesse instante de distração, olhou para Júlia. Ao voltar a atenção para a esquina já não viu mais o “fotógrafo amador”.
- Acha que estou bêbada ao ponto de cair? – falou indignada, tirando a mão dele de sua cintura. – Pois está redondamente enganado. Posso estar um pouco tonta e falando mais do que devia, mas estou bem.
- Ok! Não precisa ficar brava – exclamou levantando as mãos no ar.
Nesse instante ela tropeçou num paralelepípedo desalinhado na calçada e, não fosse Bryan segurá-la, teria caído.
- Que ódio! É esse calçamento antigo – praguejou.
- É claro... – murmurou sarcástico enquanto a ajudava a recompor-se e a envolvia novamente pela cintura. – Por via das dúvidas, deixe-me ajudá-la a chegar ao hotel, está bem?
- Pare de insinuar que não estou bem... – Mais uma vez sentiu a rua girar a sua volta e a mão grande e firme aumentar a pressão em sua cintura – Acho que esta tequila daqui é mais forte que a do Brasil...
- Sem dúvida – concordou ele sorrindo.
Seguiram até o hotel, com Júlia permitindo que ele a apoiasse.
- Fale mais do seu noivo.
- Por que quer saber sobre ele?
- Eu já disse. Quero conhecer o meu assassino previamente.
- Miguel não é um assassino!
- As aparências enganam, minha cara.
- Você está brincando de novo... – sorriu debilmente – Ele pode ser ciumento, mas tenho certeza que não faria mal a uma mosca.
- Você mudou de assunto quando eu perguntei se ele era violento. Por quê?
- Mudei? Não lembro...
Entraram na recepção do hotel e Júlia separou-se dele gentilmente.
- Que tal um último café? – ele perguntou.
- Não... Quero dormir logo. Quem sabe se amanhã não tenho a boa notícia de que o avião está pronto para decolar?
- Pois eu estou gostando muito desta estadia inesperada aqui em Curaçao.
- Ah, mas você está de férias.
- Você também... – ele a lembrou.
Ela mordeu o lábio inferior de leve e arqueou as sobrancelhas, sorrindo e estampando uma expressão de “tem razão”. Depois disso, não falou nada. Apenas virou-se na direção do elevador e começou a caminhar devagar e elegantemente. Parecia estar totalmente sóbria ou, pelo menos, tentava parecer.
- Vou tomar um café antes de subir.
Ela não se virou. Apenas deu um abano com a mão direita elevada e entrou no elevador, desaparecendo andar acima. Bryan sorriu e seguiu para o bar do lounge.

O que deu em mim para ir jantar com este homem? , perguntou a si mesma enquanto voltava a se enrolar no roupão de banho que vestira antes. Não tinha nada próximo do formal para vestir. Levara apenas lingeries, duas camisolas de renda transparentes e um baby-doll curto. Tudo sexy demais para dormir no mesmo quarto com um estranho... Um estranho... Já não tinha mais esta sensação. Aquele jantar a fizera simpatizar com Bryan. Já não o sentia como um inimigo. Talvez um amigo. Aquela desculpa de tomar o último café certamente fora para deixá-la à vontade antes de dormir, assim como fizera à tarde. Demonstrava ser um cavalheiro. Apesar de não saber muito a respeito dele, as informações que tinha o faziam parecer alguém confiável. Funcionário da ONU, que gostava muito de passar as férias nas praias do Caribe, viúvo, com parentes morando na Bolívia e... Muito charmoso. Sacudiu a cabeça para tirar idéias errôneas da cabeça. Afinal ela tinha seu noivo, igualmente lindo e charmoso, esperando-a para apresentá-la a família. Abafou-se sob as cobertas, instintivamente deitada na beirada da cama, longe do sofá onde Bryan deveria deitar. Por sua mente passeavam as palavras dele ao investigar a personalidade de Miguel. Violento... Não. Ele nunca fora violento com ela, mas já o vira ser ríspido com vários garçons e com os motoristas que dirigiam os carros que costumava alugar em suas visitas ao Rio, relembrou. Às vezes tinha a sensação de que ele se segurava para não demonstrar seus aborrecimentos. Uma vez gritara com ela, descontente com as suas dúvidas quanto a acompanhá-lo à Santa Cruz, como sua esposa, e deixar definitivamente seu trabalho. Lembrou do susto que tomou ao ver a face vermelha, com uma expressão de raiva contida, tendo os punhos fechados em riste, avançando sobre ela. Isso durou poucos segundos. Logo ele pareceu se dar conta de que a assustara e tornou a ficar doce como sempre. Pediu desculpas e apenas rogou que ela pensasse melhor sobre seu pedido. Não queria estragar seu encontro com discussões inúteis, foi o que falou... Inúteis... Agora, pensando melhor, porque inúteis?... Seria por que ele tinha certeza de que ela cederia ao fim de tudo? Confiava tanto no seu poder de persuasão? Por que esse tipo de preocupação não surgira antes? Bastou um homem que conhecera a poucas horas fazer perguntas sobre Miguel para que ela desandasse a ter dúvidas a respeito de um relacionamento que durava oito meses... Nem era tanto tempo assim. Ahhh! Aquelas três margaritas haviam desarranjado seu cérebro. O melhor era dormir logo. Antes que Bryan terminasse seu café e subisse. Fechou os olhos com força. Tentou mentalizar a imagem de Miguel em sua mente, de seu beijo, de suas carícias... Oh! Abriu os olhos assustada, pois a imagem que insistia em surgir sobre a de Miguel era o sorriso irônico, os cabelos atraentemente rebeldes e o olhar verde flamejante de Bryan. Não estava acostumada a beber. Era isso. Forçou-se a pensar no trabalho, na visita que fizera à matriz de sua empresa em Nova Iorque, em seu pai e em como ele ficara orgulhoso ao receber seu telefonema contando sobre o reconhecimento de seu trabalho.
Enquanto tentava mudar a direção de seus pensamentos, ouviu a porta do quarto se abrir. Ficou imóvel, permanecendo de olhos fechados e o coração a disparar. Era ele que voltava. Entrou silencioso. Por alguns instantes não ouviu nenhum movimento, como se ele estivesse parado olhando algo... Ela! A respiração ficou difícil e a taquicardia impossível de deter. Pouco depois, ouviu um barulho como se ele estivesse abrindo a maleta para pegar algo. Logo a porta do banheiro se fechou e ela pode respirar melhor. De repente ouviu o chuveiro ser aberto e o box sendo fechado. Ele estava tomando banho. Mantenha-se calma... Ele é um gentleman... Será? Que situação... , agoniava-se, ao mesmo tempo em que se censurava por estar tão preocupada. Afinal ele não dera motivos para duvidar dele. Não parecia ser nenhum maníaco. Afinal era um funcionário público e viúvo... E se ele fosse um assassino? Ele insinuara tantas vezes que Miguel pudesse ser um. E se ele estivesse apenas projetando a sua própria personalidade no seu namorado? Não. Este tipo de pensamento não estava ajudando em nada a acalmá-la. Sentia os pés gelados. Devia ser o maldito ar condicionado que estava no máximo. E se levantasse rapidamente para aumentar a temperatura? O controle do ar estava a apenas uns dois metros de onde estava deitada. Com uma ligeira corrida alcançaria o controle e poderia voltar em segundos para o conforto da cama. Conforto? Mais parecia ter pregos nela agora, mas era melhor que encontrar-se com Bryan saindo do banho. Pensou mais um pouco e decidiu-se. Ainda se ouvia o som dos jatos de água sobre o corpo dele... Levantou-se sorrateiramente e correu em passos rápidos e curtos até o controle do ar na parede do corredor que desembocava no quarto. A luz não era suficiente para enxergar os números ou as instruções do comando. Droga! Bom, para aumentar a temperatura deve ter que se girar para a esquerda, obviamente. Assim o fez, quando ouviu os jorros do chuveiro emudecerem e a porta de correr do box sendo aberta. Com o coração quase a saltar pela boca, correu de volta para a “cama de pregos” e deitou-se o mais rápido que pode. Enquanto esperava a porta se abrir, sentiu que seu movimento óbvio ao mexer no ar condicionado fora um engano. O ambiente começou a gelar mais que o Polo Norte. Quando ele saiu do banheiro, soltou uma imprecação. Abrindo uma ligeira fresta entre suas pálpebras, Júlia o viu vestido apenas com uma cueca boxer branca e uma camiseta de manga curta da mesma cor, iluminado pela luz que emanava do banheiro. Estava diante do controle na parede buscando aumentar a temperatura ambiente. Inesperadamente olhou na direção da cama e para sua única ocupante. Ela estremeceu, temendo que ele pudesse imaginar que ela estava acordada e que tivesse sido a responsável por resfriar drasticamente o clima no quarto. Pensou ter visto ele esboçar um sorriso, mas a penumbra não lhe deu esta certeza. Sem falar uma palavra, ele pegou um travesseiro e uma colcha de dentro do armário e foi para o sofá. Ela ouviu o barulho quando ele se deitou. Quase caiu da cama quando a voz grave soou assustadoramente reconfortante e calma.
- Boa noite, Júlia...
Resolveu ficar muda para evitar qualquer tipo de conversa. Talvez o deixasse em dúvida quanto a ela estar ou não acordada.

O telefone celular tocou estridente no meio da madrugada. Incerta sobre aonde se encontrava, palpou a mesa de cabeceira a procura do interruptor do abajur do seu apartamento no Rio de Janeiro. Como não o encontrasse, abriu um pouco os olhos e viu o brilho do visor de seu aparelho piscando, avivando sua memória. O nome de Miguel brilhava na escuridão. O sono rapidamente se esvaneceu e ela se sentou na beira da cama para atender o chamado, sem notar que alguém observava sua movimentação ansiosa ali ao lado.
- Miguel? Alô? - a resposta pareceu demorar séculos.
- Alô? Júlia!
- Ai, que bom ouvir a sua voz... Tentei ligar inúmeras vezes para o seu celular, mas só sinalizava como “fora da área ou desligado". Onde você está? – Olhou o relógio digital que havia sobre a mesinha e constatou que era 1 hora da manhã.
- Calma... Eu soube o que aconteceu com o avião. Não estou em Santa Cruz, mas fui informado do que aconteceu com o vôo.
- Onde você está?
- Não importa. O que interessa é que você está bem... – Apesar da aparente preocupação com seu bem estar, o tom de sua voz era mecânico.
- Foi um susto e tanto. Pensei que o avião fosse cair...
- Eu acredito... – interrompeu-a – Está sozinha?
- O-o quê? – Não tinha como ele saber de nada... – Que pergunta, Miguel... Claro que estou sozinha... Onde você está?
- Estou ... na Europa... – respondeu vacilante – Talvez eu não esteja em Santa Cruz quando você chegar, por isso mandarei um motorista buscá-la.
- Por que não me avisou que ia viajar?... O quê está fazendo aí?
- Negócios. Quando estivermos juntos, conversaremos.
- Está bem... – Ela o notou estranho e distante. – Está tudo bem mesmo?
- Sim. Muito bem. Cuide-se.
- Nem um beijo?
- Um beijo... Boa noite.
Antes de terminar de responder ele já havia desligado o telefone, onde quer que estivesse. Na penumbra, continuou sentada na cama, a segurar o telefone, atraída pela luz do visor, com uma sensação de vazio no peito. Mesmo depois que a luminosidade se foi, ela permanecia em silenciosa meditação sobre o que se passara no último minuto. Miguel nunca falara com ela daquela maneira tão fria. Ou isso seria apenas uma impressão? Precisar pedir um beijo antes da despedida? Começou a se preocupar com ele. Devia estar acontecendo algum problema sério. Esperava encontrá-lo logo para saber o que era.
- Tudo bem, Júlia?
Ela estremeceu ao ouvir a voz de Bryan. Quase esquecera que não estava sozinha, tão incomodada ficara com a ligação de Miguel.
- Tudo... – e largou o celular sobre a mesa de cabeceira, voltando a se deitar, cobrindo-se até o pescoço com o lençol.
- Deve estar feliz agora que finalmente falou com ele.
- É que... – estava incerta sobre falar com Bryan a respeito de sua preocupação com o noivo, mas sua voz parecia tão tranquilizadora – Bem... Ele estava meio distante.
- Onde ele está agora? – perguntou como se não houvesse entendido o sentido da frase dela.
- Parece que ele está na Europa... Mas não foi isso que quis dizer... Ele estava diferente, parecia chateado com alguma coisa, frio... Não sei por que...
- Na Europa? ... – pensou alto. – Quer dizer... O que ele disse para fazê-la pensar assim?
- Ele estava muito... formal, estranho...
- Não disse em que lugar da Europa?
- Não... Pois é... Nem isso ele disse.
- Talvez seja impressão sua. Talvez culpa por ter mentido para ele.
- Mentido? Não menti para... – parou de falar ao lembrar que Bryan tinha razão – Será que foi isso?
- Por que você disse que estava sozinha? Ele perguntou?
- Sim... Será que ele ligou para o hotel e soube que eu estava com você?
- É uma possibilidade remota. A não ser que ele a esteja vigiando.
- O quê? – ela riu – Imagina! Por que ele iria me vigiar?
- Um noivo ciumento e rico poderia fazer isso.
- Mas nunca dei motivos para ele desconfiar de mim... – ponderou por alguns instantes –Não... Não acredito nisso. Bobagem! - a ansiedade tomou conta dela – Aliás, você não tinha nada que ficar ouvindo a minha conversa.
- É meio difícil estando no mesmo quarto, dormindo no sofá ao lado da sua cama. E quem desandou a falar da sua preocupação foi você mesma. Estou apenas tentando ajudar.
- Você está me deixando mais preocupada que nunca.
- Ok! Não está mais aqui quem falou. Boa noite!
O silêncio tomou conta das sombras que os circundavam. Os minutos se passaram.
- Bryan... – sussurrou. Pensou em pedir desculpas, pois ele tinha razão quanto a ela ter iniciado a conversa. Poderia ter simplesmente ter dito que estava tudo bem e fingir que voltava a dormir.
Ele permaneceu calado. Ela resolveu não insistir, mas custou muito a pegar no sono novamente tantas eram as apreensões que a rondavam.

(continua...)

Bem, agora tenho todo um capítulo pela frente para escrever e um fim de semana para aproveitar.
Ótimo final de semana para todas e muito obrigada pelos comentários, que me deixam muito feliz, e pelas mensagens  pelo meu aniversário.
Beijos, queridas!

PS: Não deixem de ler o romance da Aline lá em http://papeisavulsosdealinekodama.blospot.com/ Está uma delícia...  
















2 comentários:

  1. Olá! Adorei!!! Queria estar nesse quarto com um Bryan desses... kkk
    Muito obrigada pelo comentário sobre a minha estória. Também pretendo escrever neste fim de semana. Um bjo!

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  2. Nossa viajei na maionese com a cueca boxer branca e a camiseta!

    Se as margaritas causa esse efeito, quero ficar embreagada por tempo indeterminado... kkk

    Como sempre sensacional querida!!!

    * * *Bjkas* * *

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