Curaçao |
Apesar da companhia de Bryan, do cansaço e da irritação devida aos incidentes ocorridos naquele início de suas férias, que a impediam de reencontrar Miguel, acabou contagiada pelo colorido do centro de Willemstad, com seus nativos alegres, falando o estranho dialeto papiamentu, uma mistura de espanhol, holandês e português, e turistas do mundo todo, andando sorridentes e despreocupados através do burburinho das ruas lotadas.
Caminhavam em silêncio. Bryan parecia aborrecido com alguma coisa. Estranhou que ele não estivesse falante como antes, mas achou por bem não perguntar o motivo, com medo de ouvir algo desagradável. Além disso, não queria muita intimidade com seu companheiro de quarto. Já estava arrependida de ter aceitado seu convite para jantar. Ele parecia conhecer bem a cidade, pois andava com passos largos e rápidos, forçando Júlia a quase correr para não ficar para trás.
- Será que pode ir mais devagar, por favor? – exigiu.
Parecendo dar-se conta da dificuldade dela em segui-lo, diminuiu um pouco a marcha, sem objeções.
- Você está bem? – voltou a perguntar.
- Já estamos chegando ao restaurante. – respondeu olhando rapidamente para trás como se procurasse algo perdido na multidão.
- Tudo bem...
Logo estavam diante de um antigo prédio, de dois andares, pintado em amarelo sol, com mesas e cadeiras avançando pela calçada. Parecia não ter lugares livre e uma fila formava-se na entrada, mas isso não impediu que Bryan entrasse e falasse com o rapaz que estava no balcão servindo bebidas. Em poucos minutos foram levados por um garçom ao segundo andar, onde encontraram uma mesa posta e desimpedida próxima à sacada. Antes de sentar, ele se aproximou da pequena varanda e olhou para baixo, como se estivesse procurando por alguém.
- Está preocupado com algo? Viu algum conhecido?
- Não. Só precaução... – Voltou para a mesa e sentou-se, sem encará-la – Dizem que o índice de criminalidade aqui é baixo, mas quando se anda com um farol como este seu no dedo, precaução nunca é demais – Falou apontando com o olhar para o anel de brilhantes no dedo anular direito de Júlia.
- Você acha perigoso andar com jóias aqui? – perguntou, rapidamente escondendo a mão sob a mesa, temerosa de perder o presente de Miguel.
- Considero um chamariz desnecessário... Meio exagerado este seu noivo, não?
- Ele apenas quis demonstrar o seu... afeto por mim – respondeu com uma expressão de júbilo – Se você gostasse muito de alguém, não daria um anel como este?
- Primeiro: eu não teria dinheiro para comprar um diamante como este. Segundo: acho um desperdício de dinheiro... E terceiro: creio que existem maneiras muito mais interessantes e íntimas de demonstrar amor por alguém – sugeriu com os olhos e a voz o que seria o seu mais “interessante e íntimo”.
- Você costuma vir a Curaçao? – desviou o olhar e mudou de assunto, embaraçada por ele ter tocado em assuntos que não lhe diziam respeito: sua situação econômica e sua vida amorosa.
- Não. É a primeira vez – respondeu estreitando os olhos ao percebê-la encabulada.
- Então... Como...? – indagou com um gesto de dúvida.
- Como chegamos aqui? – ele sorriu – Enquanto você repousava hoje à tarde, dei uma volta, vi este lugar e fiz uma reserva. No hotel me disseram que eles servem uma excelente comida caribenha. Sem mistérios. Satisfeita?
- Olhe, já que estamos juntos nessa situação infeliz, que tal se parar de ser... – enquanto tentava achar a palavra exata para defini-lo, mordeu graciosamente o lábio inferior enquanto franzia as sobrancelhas. – ...Sarcástico.
Ele deu um meio sorriso, entregou-lhe um cardápio e fixou-se no seu próprio.
- Sinto muito... – continuou a olhar para o menu – Não estou de muito bom humor esta noite. Talvez não seja uma boa companhia.
- Ok! Vamos escolher o que comer – comandou, lutando contra a vontade de perguntar o que o tinha deixado mal-humorado.
Como ele manteve a atenção no pedaço de cartão retangular em suas mãos e aparentemente ali mergulhou a procura de uma sugestão para o jantar, ela passou a admirar o ambiente a sua volta. Talvez fosse a melhor solução no momento. Júlia observou as paredes caiadas em tons de amarelo, com algumas pinturas representando figuras nativas, além de quadros de santos, gaiolas de passarinho penduradas no teto, utilizadas como luminárias. Ao lado desta decoração casual, de forma inusitada, as mesas de madeira antiga eram ladeadas por variadas poltronas e cadeiras clássicas, em estilo século XVIII, forradas de veludo bordô, ou com revestimento de couro marrom.
- Ya elegido? – perguntou o garçom de pele reluzente.
- Para empezar, una margarita. Voy a tener la sopa de langosta y pescado a la parrilla. – falou em perfeito espanhol, entregou a carta ao garçom e olhou para Júlia – E você?
- Vou confiar no seu gosto e pedir o mesmo – afirmou, guardando sua admiração.
Ele não conseguiu esconder a surpresa ao ouvi-la.
- Agradeço a confiança – disse com um aceno de cabeça e continuou falando ao garçom – Para los dos, por favor.
Após alguns instantes de incômodo silêncio, ele perguntou:
- Está noiva há muito tempo? – apurou olhando para a mão direta de Júlia, que voltara a ficar sobre a mesa.
- Na verdade, ficaremos noivos lá em Santa Cruz. Ele quer a família presente.
- Ah, então ele é boliviano? Que interessante... Em que ele trabalha? Poços de petróleo?
- Não. A família dele tem uma empresa de importação e exportação – respondeu, ignorando a nova ironia.
- Importa e exporta o quê? Se é que posso perguntar...
- Alimentos. A agroindústria está muito desenvolvida em Santa Cruz.
- Deve estar mesmo e enriquecendo muita gente pelo visto.
- É... Acho que a família de Miguel não tem do que se queixar.
- Miguel... É este o nome do afortunado.
- É... – Foi interrompida pelo garçom que surgiu com duas margaritas sobre a bandeja.
Após a retirada dele, Bryan levantou seu drink e propôs um brinde.
- À uma possível amizade?
- Talvez... – respondeu incerta, mas acabou por erguer sua taça.
- E você ... Em que trabalha?
- Sou um humilde funcionário público.
- Está a serviço?
- Em férias. Vou visitar alguns parentes que moram na Bolívia – Sua expressão nublou-se momentaneamente, mas logo voltou ao normal.
- Alguém doente?
- Não. Por quê?
- Você pareceu preocupado.
- Impressão sua – objetou, enquanto chamava a atenção do outro rapaz que servia naquele andar – Por favor, dos más – solicitou sinalizando com o copo de margarita vazio.
- Não está tencionando me embebedar,está?
- Pode ter certeza... Que não. – respondeu com um sorrisinho no canto dos lábios – Além disso, eu estaria correndo sério risco de ser morto por um noivo enciumado.
- Isso sim pode ser uma certeza – confirmou bebericando o final da sua primeira margarita.
- Ele é violento, então? – insinuou.
Para alívio de Júlia, a sopa de lagosta chegou logo em seguida e ela preferiu não responder a inconveniente questão.
- Que delícia! Não imaginei que fosse ser tão boa... Picante...
- A culinária caribenha é bem temperada – explicou olhando-a como se estivesse estudando seus movimentos e expressões.
- Você parece conhecer bem o Caribe...
- Como eu disse, venho muito para estes lados.
As margaritas chegaram, interrompendo por alguns segundos a conversa.
- Que tipo de funcionário público é você para viajar tanto para estas ilhas?
- Um funcionário público que adora fazer turismo no Caribe em suas férias anuais.- redarguiu – E você? O que faz quando não está noivando?
- Quando não estou noivando – ela sorriu divertida – trabalho para uma empresa americana de cartões de crédito.
- Interessante...
- Eu sou advogada e desisti de fazer carreira solo. Acabei sendo contratada pela filial do Rio de Janeiro. Estou na chefia do setor de cobranças da empresa há um ano.
- Então fica confinada em um escritório o dia todo.
- Eu gosto do serviço burocrático e eles apreciam conselhos para melhoria do serviço. Agora mesmo, fui chamada pela matriz em Nova Iorque como prêmio por meu trabalho.
- Ora, parabéns! Você deve ser muito eficiente no que faz.
- Tento fazer o meu melhor.
- E... Como conheceu seu noivo? Não deve ter muito tempo para namoros. Além do mais ele sendo boliviano...
- Conheci Miguel durante uma exposição de arte lá no Rio. Vamos fazer oito meses de namoro.
- Ele mora no Rio?
- Não. Ele viaja muito por causa dos negócios da família, mas mora em Santa Cruz – comentou dando mais um gole em seu drink.
- Então não o vê com muita frequência.
- Ele costuma ir ao Rio a cada 15 dias.
- Ele deve estar mesmo apaixonado para enfrentar aeroportos e aviões a cada duas semanas.
- Ele é um amor... – disse com um brilho sonhador nos olhos, que provocou uma passageira sombra de reflexão no rosto de Bryan.
- Está apaixonada também, pelo visto.
- Dá para perceber? – perguntou sorridente.
A segunda margarita começava a fazer efeito.
- É evidente.
- Tudo seria perfeito se não houvesse um problema.
- Qual?
- Ter que deixar meu emprego e morar em Santa Cruz.
- Casando com ele você não vai precisar mais trabalhar, minha cara. Ele não é milionário?
- Sim, mas é que eu batalhei tanto para conseguir chegar onde estou... E sei que ainda tenho muito pela frente... Não sei se vou gostar de perder minha independência econômica, deixar de trabalhar para ficar em casa... Não sei... – divagou mais para si mesma do que para Bryan ouvir e terminou de emborcar o resto do seu copo. Olhou para o prato vazio da sopa.
Sem perceber, Bryan fez sinal para o garçom trazer mais dois coquetéis de tequila, cointreau e limão.
- Fale mais deste seu noivo... Talvez ajude falar dele para tomar sua decisão – argumentou diante da expressão perdida de Júlia.
- Ele é carinhoso, gentil, engraçado, mas...
- Mas?
Foi a vez de o garçom retirar os pratos fundos e trocar pelo apetitoso e alto filé de peixe-espada grelhado, acompanhado por bananas fritas. Assim que ele se retirou, após desejar bon apetit em papiamentu, Bryan voltou a insistir com Júlia sobre o seu “mas”.
- Como você estava dizendo, ele é muito bom, mas...?
- Por que está tão interessado?
- Talvez para conhecer melhor meu rival.
- Rival? – ela soltou uma gargalhada – Você não leva nada a sério...
- Está bem. Estou brincando, mas fiquei preocupado com sua dúvida.
- Dúvida? Preocupado? Por quê?
- Casamento é um passo muito sério.
- É casado?
- Já fui – respondeu com certa tristeza.
- Não deu certo?
Sem desviar o olhar do seu rosto respondeu:
- Ela morreu.
- Oh, sinto muito – Sem saber o que dizer ou perguntar, tomou um grande gole da terceira margarita. Sentiu-se tonta assim que baixou a cabeça e largou o copo sobre a mesa. – Acho que estou bebendo demais.
- Vai ser bom para relaxar depois de tudo que aconteceu.
- Só imagino a preocupação de Miguel quando souber. Vai querer processar a AA.
- Ele deve gostar muito de você...
- Ás vezes acho até um pouco exagerado. Ele me liga quase todo o dia, querendo saber tudo o que fiz, se estou bem, se nada está me afligindo... Às vezes fico com medo deste jeito dele... – receou em voz alta.
- Possessivo?
- Eu diria ...Ciumento... Não sei por que estamos falando disso. Eu nem o conheço direito e estou aqui a falar sem parar sobre a minha vida.
- Estamos nos conhecendo. Afinal vamos ter que dividir um quarto de hotel.
- Nem me lembre disso. – Ela fechou os olhos por alguns instantes e quando os abriu, disse – Vou ter que ir ao toalete. Acho que bebi um pouco demais.
- Quer ajuda?
- Não, obrigada. Acho que consigo chegar lá sozinha. – terminou de falar, pegou a bolsa e levantou-se – Puxa, estou um pouco tonta – observou sorrindo.
- Tem certeza que não quer ajuda?
- Absoluta. – respondeu com a voz um pouco mais alta que o normal e seguiu na direção da porta onde se encontrava um leque colorido indicando o banheiro feminino, que por sorte era naquele andar e não no inferior.
Bryan ficou atento a sua desenvoltura, temendo que ela pudesse cair, mas tranquilizou-se ao vê-la chegar sem dificuldades ao seu destino. Tão logo a porta do toalete se fechou, ele dirigiu-se até a sacada em frente à mesa e olhou para baixo. O homem que os seguira até o restaurante continuava ali, encostado na parede, fumando um charuto.
(continua...)
Como vêem estou tentando fazer capítulos mais curtos e conseguindo postar mais cedo. Não sei se vou poder continuar neste ritmo, mas vou tentar.
Estão gostando? Espero que sim, pois estou adorando escrever e viajar por Curaçao, que estou conhecendo através deste romance. Esse é uma das coisas que me atraem ao escrever. A possibilidade de pesquisar locais, costumes e tantas outras coisas. Viajar sem sair do lugar e levar os amigos junto...rsrsrs. Pelo menos essa é a intenção.
Até a próxima...
Beijos!!
Está de parabéns, Rosane! Curaçao é um lugar que nunca nem sonhei em visitar. Mas assim é muito agradável. Eu não gosto de viajar, porque ir ao lugar é muito chato e desconfortável. Mas se eu puder conhecer evitando a fadiga, como diria o Jaiminho, tá valendo! kkk
ResponderExcluirBjo!
Rosane!!!!
ResponderExcluirQue história otima está?Está ficando cada vez melhor,continue pois está mto misteriosa.Que lugar mais bacana que vc escolheu para o palco da história.
Continue assim!!
Bjs
Oooi Rosane! Estou acompanhando o seu conto e posso dizer que estou amando =) A cidade de Curação parece linda e a química entre os protagonistas está se desenvolvendo tão naturalmente, que quase posso visualizar tudo!
ResponderExcluirIncrível! Meus parabéns!
Bjo!
**Sue**
Caracas está ficando caliente essa estoria e o mais legal além da realidade dos locais, são as fotos, como ajuda dá um Up na imaginação. Enfim sendo postagens longas, curtas, rápidas ou demoradas o que importa é postar levando suas amigas junto sempre... kkk
ResponderExcluirQuero aproveitar para agradeçer sua ilustre presença no "meu" blog misturebas... kkk
Ele é simples, juvenil, mas é uma forma que encontramos de expor o que sentimos, ocupar o outro lado do tempo com algo proveitoso...kkk
E claro com o apoio dos amigos é sempre mais prazeroso. Obrigada de coração!
* * *Bjkas amiga querida* * *
Oi, queridas! Obrigada pelos comentários. Curaçao e a sua capital, Willemstad, realmente parece ser uma ilha fascinante. Dá vontade de conhecer pessoalmente. Eu a escolhi quase por acaso, pois ela fica no caminho do vôo entre Miami e Santa Cruz e eu procurava um lugar agradável para a Júlia e o Bryan ficarem e se "conhecerem". Que bom que gostaram da escolha.
ResponderExcluirQueria aproveitar para dar as boas vindas à Sue. Fiquei muito feliz ao ver teu comentário, a tua animação com este romance e saber que tenho mais uma leitora e amiga a me acompanhar nestas histórias de amor e aventura.
Léia, o blog de vocês é muito lindo. A gente sente um astral muito bom ali. Vou continuar voltando lá sempre que puder, pois com tantos poemas de amor, ele se torna inspirador para a tua amiga aqui.
Aline, Cris, Sue e Léia! Beijos!!
Oi Rô!!!!!
ResponderExcluirQue surpresa boa eu tive agora! Faz algum tempo que não entro no blog porque estou meio ocupada lendo romances que comprei, são de uma escritora que em breve vai ser bem famosa, não sei se você conhece, é Rosane Fantin, precisa conhecer, rsrsrsrs.
Não vejo a hora de começar a ler mais esse romance que, pelos comentários das meninas, me deixou bastante curiosa.
Parabéns pelo teu aniversário querida, que Deus continue te iluminando, abençoando e protegendo.
Um beijo!!!!!!
Oiiiiii!!!!!
ResponderExcluirHoje consegui ler os 4 capítulos, Rô.... está maravilhoso, empolgante demais, to super curiosa pelos próximos capítulos. Ai, ai, esse Bryan promete!!!!!!
Beijos amiga!