sábado, 9 de abril de 2011

Pelo de Punta (Arrepiada) - Capítulo VIII



- Señor! Seu filho está chegando – comunicou o homem de roupa camuflada.
- Está sozinho? – perguntou secamente movimentando-se em direção à porta do novo escritório de operações localizado a mais de uma centena de quilômetros do antigo, que já não era mais seguro.
- Sim, General V. – respondeu prontamente, desviando-se do caminho de seu chefe.
De onde estava podia ver alguns homens a limpar o terreno que daria lugar a uma pista de pouso improvisada. Apesar de aguardar ansioso a chegada do filho mais velho, nada em sua expressão demonstrava esse sentimento. Sua face continuava dura e impassível.
A camioneta preta e suja de lama parou em frente ao General V, como ele era conhecido entre seus homens.
- Lito! – exclamou ao ver o homem moreno, alto e forte, com traços muito semelhantes aos seus, descer calmamente do Land Rover, trajando um elegante terno italiano, totalmente inadequado para aquelas bandas.
Nos olhos do General mal transparecia o orgulho de pai, pois como antigo militar, se acostumara a esconder suas emoções do mundo exterior. Além disso, fora criado rigidamente, aprendendo que os homens de verdade não choravam ou demonstravam seus sentimentos abertamente.
Lito era o seu orgulho, apesar de nunca ter dito isso ao filho. Quando pequeno o rejeitava por achá-lo muito magro e lerdo. O apelido de Miguelito era usado pela mãe e jamais por ele. Ao fim da puberdade, Miguel já era um rapaz forte o que chamou a atenção de Vasquez. Levou-o a um cabaré para sua iniciação sexual e, sempre que possível mostrava através de atos e palavras suas idéias chauvinistas a respeito da inferioridade das mulheres. Mostrou a ele como seria útil fazer a faculdade de Direito e, acabou por revelar a verdade sobre a origem de sua riqueza. Miguel, sempre reservado, acatava as determinações do pai, pois finalmente encontrara a maneira de agradá-lo, depois de tantas rejeições.
Há cerca de 15 anos, já aposentado do exercito, Vasquez assumira plenamente o que antes era apenas um extra em suas rendas. O contrabando de armas sempre fora um bom investimento com alto retorno, especialmente quando se tinha habilidade e os conhecimentos certos para esse tipo de comércio. Tratou de eliminar os antigos “cabeças” e assumiu a liderança com promessas de ampliação para além da fronteiras sul-americanas. Com o tempo, a ganância o levou a um namoro com o tráfico de drogas e a prostituição. Atualmente, o “namoro” transformara-se num rentável negocio que perfazia cerca de metade do seu faturamento anual, o que não era pouco. Tão logo Lito, “codinome de guerra” imposto ao filho numa referência ao apelido antigo, terminou a faculdade, foi introduzido nos negócios escusos da família. A despeito de algumas rusgas, o rapaz era um comerciante arguto e um grande negociador. Vasquez sempre o mandava na frente para iniciar negociações, tanto para a compra como para a venda de armas. Como tinha facilidade com línguas estrangeiras, passou a ser decisiva a sua colaboração nos contatos na América do Norte, na Europa e, ultimamente, no Oriente Médio. Jamais pensou em chegar tão longe. Onde havia disponibilidade de “máquinas” ou formação de guerrilhas, lá estava Lito em negociações para comprar ou vender com as melhores condições possíveis. Entretanto, nos últimos meses, um fato revelara-se preocupante. Lito arranjara uma mulher. Tinha medo que essa “distração” colocasse em risco todo o império que construíra. Era uma brasileira que ele conhecera numa de suas inúmeras viagens ao Brasil para tratar do abastecimento de grupos ligados ao tráfico de drogas, aliás uma parceria importante e bastante satisfatória, pelo menos até o momento. Miguel nunca ficara tão interessado em alguém. Tinham tido várias discussões sobre o assunto, já que seu filho a queria para casar. Já não bastasse a rebeldia de sua indesejada filha Isabel, que insistia em enfrentá-lo, com sua vida social intensa e amizades duvidosas, agora seu primogênito vinha com essa novidade. Como regra ele nunca tinha tido amigos, apenas aliados. Seu casamento fora arranjado pelo pai e tinha sido um erro desde o início. Se podia ter a mulher que quisesse, para que casar? Esperava que o filho pensasse assim, mas pelo visto se enganara. Tinha medo que esses relacionamentos dos filhos pudessem levar a infiltrações perigosas. Sabia que seu grupo há um bom tempo chamava a atenção de investigadores internacionais, como a CIA e o FBI. Um dos sinais desse fato fora a recente descoberta de um agente infiltrado, de nome Juan, que conseguira enganá-lo por um bom tempo, até que um de seus homens descobriu que ele o estava traindo e fora responsável pela denúncia de mais de um carregamento de armas. Por sorte recuperara grande parte da última carga e punira o traidor com a morte.
- General – cumprimentou o pai com formalidade, como sempre fazia diante dos homens que trabalhavam para eles.
Entraram no pequeno e simples escritório para conversar.
- Então, Juan nos traiu? – indagou preocupado.
- Depois de dois anos, o safado se revelou. Felizmente ele nunca conseguiu ter acesso a informações vitais da nossa “empresa”. Apesar disso, conseguiu nos dar um belo prejuízo. Certamente foi ele que nos denunciou nas outras duas vezes.
- Temos que passar a ter mais cuidado com quem contratamos.
- E com quem levamos para a cama – advertiu-o rudemente.
Miguel sentiu o sangue ferver. Depois dos últimos relatos do detetive que colocara para vigiar Júlia, temia que o pai tivesse razão. Contudo, não via motivo para responder que ainda não compartilhara o leito com ela. Desde que conhecera Júlia acreditou que ela era diferente das mulheres com quem estava acostumado a sair. Antes dela, eram todas descartáveis. Sempre teve em mente que quando encontrasse a mulher certa a preservaria até o casamento. Essa situação já estava se tornando difícil de sustentar, por isso vinha fazendo de tudo para apressar esse casamento... Agora se sentia duramente traído ao saber que ela fora vista em Curaçao acompanhada por outro homem, inclusive compartilhando o mesmo quarto e provavelmente o mesmo leito.
- Já lhe pedi para não se intrometer em minha vida pessoal – afrontou-o ameaçadoramente, coisa que excepcionalmente fazia, levado pela raiva em reconhecer que a opinião de seu pai a respeito das mulheres era uma regra sem exceções.
- Se essa vida pessoal interferir em meus negócios, deixará de ser pessoal e passará a ser assunto meu. Pense nisso antes de agir pensando com sua cabeça do meio das pernas.
- Não tenho muito tempo - Preferiu mudar de assunto. -  Tenho que voltar logo para Santa Cruz.
- Pensei que ficaria por aqui. Tenho que ir a La Paz para terminar o assunto “Juan”.
- Mas não disse que ele está morto?
- A mulher dele está lá, no La Siesta – afirmou com um franzir malicioso nos lábios, mencionando o cabaré de sua propriedade – Pretendo “entrevistá-la” e obter mais informações sobre quem estava por trás do Juan.
Miguel sabia exatamente como acabaria essa “entrevista”, mas preferia não pensar nisso.
- Melhor falarmos sobre a nova fonte e os novos compradores que consegui.
- Excelente. Conte como foram as negociações.
Ódios e temores foram esquecidos temporariamente por assuntos considerados mais importantes.



Após ter sido acomodada em um confortável quarto com vista para o jardim dos fundos da propriedade, tão belo como o da frente, guardou suas roupas no armário. Estava tristonha devido a fria acolhida da mãe de Miguel. Ansiava pela chegada dele para sentir-se mais segura, apesar de ainda ter em mente o estranho comportamento dele ao telefone em Curaçao. Lembrou da insinuação que Bryan fizera sobre alguém a estar vigiando. Se isso fosse verdade e Miguel soubesse que ela estava com um estranho, dividindo um apartamento no hotel, o que não pensaria? Principalmente depois de ter negado quando ele perguntou se estava sozinha. Subitamente temeu a reação de Miguel. Ele acreditaria se ela dissesse que nada havia acontecido, se ela própria não acreditava nisso? Essas idéias já a colocavam em estado de pânico, quando ouviu uma batida suave na porta que a fez estremecer.
- Pode entrar...
Para sua surpresa, uma jovem com cerca de 20 anos, tez bronzeada, cabelos pintados de louro, formas roliças, e grandes olhos escuros, entrou sorridente.
- Então você é a famosa Júlia?
- Famosa? Eu? – sentiu-se relaxar um pouco.
- Pensei que meu irmão jamais fosse ter uma namorada. Já estava ficando preocupada.
- E você ? Quem é?... Desculpe perguntar, mas...
- Ele não falou sobre mim? Aquele crápula! Sou irmã dele!
- Sinto muito, mas não me lembro de ele ter mencionado uma irmã.
- É bem coisa de homem. Mulheres não são importantes... – falou com alguma tristeza na voz, para logo voltar a sorrir e continuar – Meu nome é Isabel e espero que sejamos amigas. Sempre senti falta de ter uma irmã e agora, se formos cunhadas, vou realizar meu sonho.
Júlia correspondeu ao sorriso acolhedor de Isabel e seu jeito falante, sentindo-se aliviada com a presença e o calor irradiado pela jovem.
- Que bom, Isabel. Nem sabe como fico feliz em conhecê-la. Acho que sua mãe não gostou de mim.
- Minha mãe é assim mesmo. Não é má pessoa, mas já sofreu muita coisa e se tornou um pouco amarga. Com o tempo vai aprender a lidar com ela – aproximou-se de Júlia e deu-lhe um inesperado beijo na face – Que tal irmos passear? Ou já conhece a nossa cidade?
- Não, é a primeira vez que venho aqui.
- Então está resolvido. Vamos fazer um city tour antes do jantar. No caminho podemos conversar. Estou curiosíssima para saber como é o meu irmão namorando.
Júlia ruborizou, mas concordou com a simpática e imprevista “cunhada”. Pegou sua bolsa e seguiu Isabel.
- Mãe! Vou sair com a Júlia. Voltamos para o jantar – gritou com a mãe que orientava uma das empregadas da casa na sala de jantar.
- Isabel! Não faça isso. Miguel recomendou que... – contrapôs aflita quando foi interrompida pela filha.
- Depois me acerto com o Miguel.
- Senhora Vasquez, se o Miguel voltar peça que ligue para o meu celular. Não devemos demorar. – Passou-lhe pela cabeça que ainda nem sabia o primeiro nome de sua anfitriã.
Praticamente carregada por Isabel, que lembrava um furacão, foi levada até um simpático Smart pink estacionado na entrada da casa e delicadamente jogada lá dentro.

Apesar do tamanho diminuto do carro, seu interior era confortável. Pode ver de relance o motorista que a buscara no aeroporto correndo até elas, mas chegando tarde demais. Isabel deu a partida, acelerou rapidamente e abanou uma das mãos para ele, dando um “tchauzinho!” jocoso, deixando-o parado no lugar onde antes estivera o carro, com cara de pouquíssimos amigos.
- Agora me conta tudo! – exigiu Isabel dirigindo em alta velocidade pelas ruas pouco movimentadas do bairro onde morava.
- O que quer saber? – perguntou rindo do modo como a moça se dirigia a ela.
- Tudo! Como é o Miguel na cama?
- Isso é pergunta que se faça, Isabel? – repreendeu-a pasma.
- Ora! Vocês estão quase noivos, não? Ele lhe põe “los pelos de punta”?
- Como? – Não conhecia este termo em espanhol.
- Ele lhe faz sentir arrepiada?... Excitada, com tesão...
- Na verdade... S-sim... – respondeu e se pegou lembrando da tarde na praia com Bryan.
- Ama ele?
- Acho que sim... – Por que Bryan voltava a sua mente dessa maneira inconveniente?
- Como acha? Quando se ama não se tem dúvidas, mulher! – riu divertida por sentir que deixara Júlia sem jeito. – És tímida? Vai ver que foi isso que chamou a atenção de Miguel.
- Não sou tímida. É que esse é um assunto um tanto íntimo para falar assim.
- Entendi. Não confia em mim.
- Não é isso, Isabel. É que mal nos conhecemos e...
- Certo. Tem razão. Às vezes deixo as pessoas chocadas com esse meu jeito. Na maioria das vezes falo sem pensar... Já apanhei muito por causa da minha língua... – disse em tom de mágoa.
- Apanhou? Como assim?
- Meu pai... Ele não aceita esse meu jeito de ser. Sou a famosa ovelha negra da família.
- Quando pequena, meu pai às vezes me dava umas palmadas se eu o desobedecia... – falou solidária.
- Palmadas? Quando pequena? – riu sarcástica – Não, minha amiga... A última vez que meu pai me repreendeu foi há duas semanas com sua cinta de couro. Ainda tenho as marcas nas coxas.
Júlia ficou muda de horror, sem encontrar as palavras necessárias para consolar Isabel. Miguel nunca falara sobre o pai. Será que ele concordava com essa violência?
- Bem, mas não vamos falar desses assuntos desagradáveis. Como vocês se conheceram?
Sentindo pena de Isabel, começou a contar o que ela pedia. Sua nova amiga a levou para conhecer os principais pontos turísticos de Santa Cruz e depois pararam em um café, aparentemente frequentado pelos jovens da alta sociedade cruceña. Chegou a esquecer do cansaço em que estava por ter dormido pouco nas duas últimas noites. Conversaram sobre vários assuntos, além de saciar a curiosidade de Isabel. Só não tivera coragem de tocar no assunto de maior interesse aparente de sua jovial cunhada. Ela própria achava difícil de acreditar que um homem saudável e viril como Miguel, que dizia amá-la muito, até agora tinha evitado fazer amor com ela. Chegara a duvidar da paixão que ele dizia sentir, mas ele argumentava que a queria como esposa e não como mera diversão. Depois de algum tempo não discutiu mais o assunto, colocando a culpa disso nas crenças religiosas dele e da família. Nunca comentara sobre este fato com qualquer amiga ou mesmo com seu pai. Não faria isso com a irmã dele.
- Agora acho melhor voltarmos antes que o Garcia e seus capangas venham atrás de nós.
- Quem?
- Aquele docinho que serve como motorista. Deve ter sido ele quem a trouxe do aeroporto até a nossa casa. Ele tem uma cicatriz cobrindo o lado esquerdo do rosto.
- Ah, sei... Você falou em capangas?
- São os nossos seguranças. Meu pai vê perigo em tudo.
- Mas pelo que vejo você não usa nenhum guarda-costas.
- Ele desistiu de tentar me impor aqueles gorilas. Além do mais, ele raramente está em casa.
- E a sua mãe?
- Ela, ao contrário dele, nunca sai de casa. Vive reclusa como uma freira, rezando e pedindo sabe-se lá o quê para seus santos e santas. Só fica agitada quando meu pai está em casa.
- Ela deve gostar muito dele – disse compreensiva, arrancando um riso nervoso de Isabel.
- Eu diria que o que ela sente é medo e não amor.
Antes que Júlia pudesse argumentar sobre os prováveis sentimentos da sogra, o celular tocou.
- Júlia! Onde você está? – a voz não expressava exatamente preocupação.
- Miguel? Você já chegou?
- Não. Ainda não, mas liguei para casa e minha mãe disse que você tinha saído com a Isabel.
- Pois é... Por que nunca me falou da sua irmã? Ela é um amor.
- Volte já para casa. Devo estar de volta amanhã e não quero que você saia mais.
- Ela me trouxe para conhecer a cidade... Precisamos conversar, Miguel.
- Também acho – disse secamente – Volte para casa e amanhã conversaremos – continuou em tom mais ameno, como se tivesse percebido que a estava assustando.
- Está bem. Já estávamos nos preparando para voltar. Sua mãe deve estar nos esperando para o jantar.
Miguel chegou a sentir um aperto no peito ao ouvir a voz doce de Júlia e pensar que tudo que o encantara nela pudesse ser falso.
- Boa noite, Júlia. – despediu-se controlando a intensidade da voz, com o punho esquerdo fortemente fechado, como se ali se concentrasse sua raiva contra a possibilidade dela ser uma vadia como todas as outras.

(continua...)

Parece que o filme de terror da Júlia continua se armando, não é meninas? Muito obrigada pelos comentários e recados, queridas. Confesso que até eu já estou ficando com pena da minha heroína. Pior é que ainda vai piorar... oopss! Falei... rsrsrs...
Gostaram? Comentem. Não gostaram? Critiquem. O destino da Júlia , do Bryan e do Miguel ainda está sendo escrito. Nossa! Profundo, não?
Hoje estou meio engraçadinha, mas juro que a minha semana não foi nada engraçada. Estava com medo de não ter tempo de escrever para postar hoje. Porém, contudo, todavia, entretanto... Consegui.
Este capítulo serviu para mostrar bem onde a pobre Júlia está se metendo. O próximo promete ser bem movimentado, até porque o Bryan deve voltar a ativa.
Beijos!!

5 comentários:

  1. Oi! Nossa, Rosane, está ficando muito TENSO!!!
    Que isso, mulher? Vc foi passear e voltou com contrabandistas de armas e drogas na cabeça.Meda!!! Mass está muito bom. Não pare, viu?! Bjos!

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  2. Ai Ro!!!
    tadinha da Julia!!!!
    e kd o Bryan que não chega pra salva-la???
    kkkkkkkkkkkkkkk
    que coisa ele foi se meter!!!
    to adorando.

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  3. Coitada da Julia, pelo visto ela ainda vai sofrer um pouquinho na mão do miguel né? e o Bryan que não aparece meu deus, tô começando a ficar aflita com esta situação ainda bem que a Isabel parece ser boa pessoa, a única da família aliás , bom o jeito é esperar pra ver o que acontece rsrsrs... mas eu tô adorando, beijosss Rô.

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  4. Oi Rosane!!!

    Que medo,menina!!
    Coitada da Julia,ela se meteu numa roubada daquelas,o que será dela?
    Tomara que Bryan salve ela logo,

    Bjs

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  5. Demorei mas voltei...

    Nossa já estou quase nos dedos, de tanto roer as unhas... kkk

    * * *Bjkas* * *

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