- Se essa garota realmente não tem nada a ver com esse pessoal, ela está metida numa grande enrascada – comentou o agente Soza com o seu superior na missão de vigiar a casa e a namorada de um contrabandista quando a ligação do celular de Júlia foi interrompida.
Bryan não respondeu. Estava preocupado demais para comentar alguma coisa. Não gostara nada do tom de voz de Miguel. No entanto a voz de Júlia parecia tão inocente e alheia ao perigo a que estava se expondo, que ficou difícil de controlar o ciúme e a raiva daquele homem que a conquistara e que poderia machucá-la de todas as formas.
- Olhe! Elas estão saindo do café – indicou Soza.
- Não as perca de vista! – ordenou Bryan.
- Você acha mesmo que é importante segui-las? Parece que o “peixe grande” só volta amanhã. Podíamos descansar um pouco e voltar a vigiar a casa de manhã bem cedo – argumentou enquanto aguardava o Smart pink dar a partida.
Bryan sentiu-se incomodado com a atitude desleixada do policial que fora designado para seu auxiliar em Santa Cruz.
- Se quiser ir para casa, vá. Eu vou continuar atento aos movimentos dos suspeitos – disse referindo-se a Júlia e à casa dos Vasquez altamente vigiada.
O agente sorriu debochado e continuou:
- Parece que essa Júlia fisgou alguém...
Bryan lançou um olhar tão gélido e intenso que o sorriso do homem murchou e ele desviou os olhos para a rua.
- Desculpe. É que estou um pouco cansado. É a segunda tocaia que faço esta semana. Não vejo minha namorada há mais de quinze dias. Já sinto a cabeça doer com os prováveis chifres que estou levando. Aliás, é o que tem me acontecido nos três últimos relacionamentos que tive – contou desanimado.
- Tudo bem se quiser descansar e voltar ao amanhecer – falou mais compreensivo.
- Mas se o meu chefe souber, vai me matar.
- Eu sou seu superior agora. Ninguém vai saber se eu não disser.
- Se surgir algum problema...
- Eu ligo. Não se preocupe. Vamos atrás delas agora. Na primeira oportunidade, me dê a direção e desça do carro. Ok?
- Ok!
Tão logo se certificaram que as mulheres estavam voltando para casa, Bryan assumiu o controle do carro e deixou Soza conforme o combinado. Pensou que provavelmente o colega tivesse razão a respeito da volta do noivo de Júlia, e que nada aconteceria naquela noite, mas ele não lhe passava pela cabeça deixá-la sozinha naquela mansão junto com possíveis contrabandistas e assassinos. Desde que ela partira de Curaçao estava sendo mantida sob vigilância. Ele viajara para Santa Cruz num avião particular, pois achou que era melhor cortar o mais cedo possível qualquer vínculo remanescente daquela estadia no Caribe. Já a tinha prejudicado o suficiente no momento em que levou Miguel a suspeitar dela. Sentiu-se o pior ainda quando foi informado sobre alguns relacionamentos amorosos do “empresário”. Além de humilhar as mulheres com quem andava, costumava ser violento. Apesar de nunca ter havido queixa policial formalizada, os investigadores da Bolívia conseguiram levantar a ficha extra-oficial do rapaz, com informações obtidas em boates e motéis. Pensar que esse psicopata pudesse ferir Júlia de alguma maneira despertava todos os seus instintos assassinos. Apesar de saber que não tinha a menor chance com ela, não conseguia tirá-la do pensamento. Jamais permitiria que algo acontecesse a ela. Quando viu o Smart atravessar os portões da “fortaleza” seguiu em frente para não despertar suspeitas. Deu a volta na quadra e estacionou em uma rua transversal de onde podia avistar a casa e ter distância suficiente para permitir a escuta do que ocorria lá dentro. Sabia que Júlia nunca se separava de seu celular, provavelmente um hábito adquirido em sua profissão. Por isso mesmo colocara a escuta no aparelho, em Curaçao, enquanto ela dormia, além do localizador de chamadas e do sensor de movimento que tinham sido colocados no aeroporto.
- Por onde vocês andavam! – exclamou a senhora Vasquez ao ver a filha e a namorada de seu filho entrando.
- Relaxa, mamita!
- Seu irmão está furioso com a saída de vocês...
- Já falamos com ele. Não se preocupe.
- Desculpe, senhora Vasquez, se a deixamos aflita...
- Você não tem idéia de como Miguel fica quando não é obedecido – sua voz deixava transparecer ...medo?
- Já falei que não tem por que se preocupar, mamita. Miguel só está preocupado com sua amada e provavelmente com ciúmes por eu ter sido a primeira a mostrar a cidade para ela.
- Dios te escucha, mi hija. Dios te escucha...
- O jantar está pronto?
- Sim. Estava apenas esperando por vocês.
- Venha, Júlia. Vamos nos aprontar para o jantar.
Enquanto subiam a escadaria que dava para seus quartos, Júlia perguntou num sussurro para Isabel:
- Por que sua mãe tem tanto medo de Miguel?
- Não é medo – mentiu – Acho que ela quer evitar desentendimentos entre vocês.
- Tem certeza?
A jovem parou no alto da escadaria e olhou compadecida para Júlia.
- Depois do jantar conversamos. Vá se preparar e nos encontramos daqui a pouco, está bem? – falou Isabel temerosa de perder a amiga. Estava feliz pela perspectiva de ter uma cunhada como Júlia. Tinha esperanças que ela pudesse modificar seu irmão, já que parecia ter atingido seu coração. Ela lembrava o brilho diferente que observara nos olhos de Miguel quando ele falou sobre a namorada para a mãe. Talvez ele pudesse se tornar um homem melhor que seu pai... Talvez essa fosse sua única chance...
Não fosse a alegria de Isabel durante o jantar com a senhora Vasquez, o silêncio seria o único som que Júlia teria ouvido. A mulher não lhe dirigiu a palavra uma só vez. Perguntou-se se ela seria daquelas mães possessivas que não admitiam dividir o filho com mulher alguma. Qual seria a história dela? Será que casara por amor? Como seria sua relação com o marido, que até agora não se apresentara? Porque parecia sempre tão triste e distante? Essas perguntas ocupavam o imaginário de Júlia, enquanto sondava o ambiente que Miguel havia prometido que seria o seu lar. E por que ele não aparecia? Que estaria acontecendo? Talvez Isabel pudesse solucionar as dúvidas que a preocupavam. Não bastasse isso, seus pensamentos insistiam em fugir para Bryan e seu sumiço repentino. O que teria acontecido com ele? Tornara-se tão repugnante para ele que resolvera evitá-la a ponto de perder o avião?
- O jantar estava uma delícia, senhora Vasquez.
- Pode me chamar de Rosário, por favor.
Surpresa com a oferta de alguma intimidade sorriu agradecida, porém nenhuma palavra mais foi dita.
Quando terminaram a refeição, pediu licença e seguiu atrás de Isabel para o gabinete onde Miguel costumava trabalhar, ler ou despachar suas ordens aos funcionários da empresa dos Vasquez, conforme informou por sua irmã. Era um ambiente sóbrio, com mobília de madeira escura e estofados em couro vermelho. Atrás da grande mesa e da poltrona de espaldar alto havia um quadro que retratava Dona Rosário e seus filhos, onde Miguel era um jovem de seus vinte e cinco anos e Isabel deveria ter no máximo 12.
- É aí atrás desse quadro que o Miguel esconde seus segredos... – cochichou Isabel.
- Como?
- O cofre dele está ali atrás. Não acha original? – comentou irônica, provocando um súbito interesse em alguém que prestava sonolenta atenção a poucos metros dali.
- Eu só estava admirando a beleza da pintura. É Dona Rosário e vocês dois, não? E o seu pai?
- Ele não gosta de aparecer em retratos. Deve ser algum tipo de superstição.
- Como é o seu pai, Isabel?
O rosto suave e frequentemente alegre tornou-se pálido e ressentido.
- Não tenho boas coisas a dizer sobre ele, como você já pode imaginar pelo que contei antes. Ele é um homem muito grosseiro. Se minha mãe parece mais como uma sombra nessa casa é graças a ele. A cada ano ela piora. Em minhas lembranças, quando eu tinha meus cinco ou seis anos, ela ainda sorria e brincava comigo. Eu sou a única que ainda o enfrento, mas confesso que às vezes tenho muito medo de que ao invés de uma cinta de couro ele queira usar uma arma.
- Isabel... Que horror! Tem certeza que não está exagerando?
- Quem dera eu estivesse...
- E Miguel? Ele não a defende?
- Ele pouco está em casa. Olhe, vamos mudar de assunto?
- Eu estou apenas tentando conhecer um pouco da família da qual penso em fazer parte... – falou sem muita convicção.
- Eu sei, mas... Só quero que saiba que Miguel é melhor que meu pai. Ele ainda consegue amar, diferente do General.
- General?
- É como chamamos meu pai. Ele é um militar aposentado, mas ainda prefere ser reconhecido por sua última patente... Mas como eu estava dizendo, Miguel ainda tem um coração...
- Ainda? – Começava a duvidar se realmente conhecia seu namorado. Teria ele bancado uma farsa até ali.
- Sei que ele gosta muito de você. Pude perceber isso desde a primeira vez em que ele falou seu nome – Tinha que parar de falar sobre isso ou perderia a futura cunhada e amiga. Podia ver a dúvida de Júlia em seus olhos.
- Eu também acho isso, mas nos conhecemos há muito pouco tempo...
- Por isso você está aqui. Tenho certeza de que quando ele chegar tudo vai ficar mais claro. Agora, me conte sobre o Rio de Janeiro. Morro de curiosidade de conhecer esta “cidade maravilhosa”...
Infelizmente a conversa que tiveram girou mais em torno das curiosidades de Isabel a respeito do Brasil e da viagem dela a Nova Iorque que sobre a família da qual fazia parte. Ela parecia evitar falar sobre o irmão ou seu pai. Com medo de magoar a jovem, não teve coragem de aprofundar-se naquele tema.
Cansada e finalmente vencida pelo sono, Júlia não demorou muito para agradecer o passeio pela cidade, dar boa noite e retirar-se. Tinha que recompor-se para a chegada de Miguel.
Enquanto Júlia se recolhia, Bryan acionava um de seus contatos. Ia precisar de apoio para fazer o que estava planejando. Não podia perder a oportunidade de descobrir e, quem sabe, desbaratar o negócio dos Vasquez. Já previa que o dia seguinte seria movimentado e perigoso.
(continua...)
Pelo menos agora sabem que o Bryan está cuidando da nossa heroína de longe. O clima continua tenso e a pobre da Júlia já começou a desconfiar que Miguel não é a pessoa que ela pensava conhecer bem. Deu prá notar que ele tem problemas, coitadinho, todos relacionados com esse pai horroroso. Será que a Isabel tem razão e que ele pode ser um homem diferente do pai?
O capítulo X já está no forno e prometo que com certeza ele deve estar "indo ao ar" na próxima terça-feira.
Como sempre, agradeço os comentários das minhas leitoras queridas que eu amei.
Beijos a todas e até terça.
Boaaa Noiteee Rô!!!!
ResponderExcluirAi amiga, que bom saber que o Bryan estava todo tempo atento aos passos da Júlia, ela realmente precisa... Por mais que eu tente imaginar outro rosto para ele, sempre me vem à mente um rosto muito nosso conhecido e pode ter certeza que você contribuiu em muito para essa "doença".
Acho que o Miguelito deve ser diferente do pai, acredito que essa pessoa que ele demonstra ser é mais uma forma de proteção e de agradar ao General, eu e meus palpites, rsrsrs. Uma família criada no medo dificilmente seria diferente, e coitada da mãe dele, ter passado a vida toda ao lado de um carrasco. Gostei demais da Isabel, acho que ela vai ser de grande ajuda. O nome dela é alguma referência a Allende?
Que bom que o sofrimento da espera vai ser só até terça, não vejo a hora de continuar com a leitura, que, como sempre, está maravilhosa.
Um beijo e um ótimo domingo amiga!!!!!
Oi! Rosane, o capítulo está ótimo! Um história bem escrita e convincente, com personagens tridimensionais e envolventes. Não é só mais um romance tipo Sabrina. Tem um nível mais profundo... Estou adorando. Sempre gosto mais das histórias que têm mocinhos e bandidos, trama oculta e um inimigo a vencer. Bjão!
ResponderExcluirAiaiai...
ResponderExcluirQuanta adrenalina, pelo menos o nosso ídolo Bryan apareçeu na historia... kkk
Quanto Miguel eu acho ele pior que o pai General, pois o pai sempre se mostrou quem ele é de vdd, já Miguel mentiu sobre seu jeito de ser pra ganhar Júlia, e pelo andar da carruagem muitos podres vão surgir dessa lama.
* * *Bjkas* * *