quarta-feira, 7 de abril de 2010

Coração Atormentado - Capítulo III

Já pronta, com os cabelos ainda úmidos presos por um delicado prendedor de cabelo, entrou na casa, dirigindo-se ao quarto de Diego. Precisava conversar com ele e tentar conseguir sua confiança. Já previa que isso não seria fácil, mas não desistiria de tentar. Quando estava próxima a escada, assustou-se ao ouvir uma voz potente fazer-lhe uma pergunta.
- Você é a nova enfermeira?
Era um homem alto, magro, mas forte e elegante, aparentando uns quarenta e poucos anos, com um início de calvície, que era notada devido as grandes entradas nas laterais da testa. O restante do cabelo, com vários fios grisalhos em meio aos castanhos, encontrava-se penteado para trás e fixado com algum tipo de gel. Tinha olhos negros penetrantes, sob sobrancelhas cerradas, que no momento lançavam-lhe um olhar arguidor. Sua presença lhe pareceu ameaçadora.
- Sim... E o senhor, deve ser o padrasto de Diego.
Ele apenas assentiu com a cabeça, mantendo a expressão fechada.
- Muito prazer. Meu nome é Ângela Paes e sou a nova enfermeira, sim – apresentou-se, oferecendo a mão direita em cumprimento.
- Creio que meu enteado havia solicitado um enfermeiro homem – disse, desprezando a mão oferecida e deixando a sensação de “déjavu” na enfermeira.
- Já conversei com Diego, ele já entendeu as razões de minha presença e aceitou.
- Isto é muito inconveniente.
- Não vejo porque, senhor.
- Bem não vou discutir isto com você. Depois me entendo com o Lino – cortou o assunto irritado.
Ângela resolveu não levar adiante a discussão, já que o principal interessado já a aceitara.
- Onde ele está?
- Lino?
- Não. Meu enteado, é claro.
- Está lá em cima, com seu fisioterapeuta – respondeu a contragosto.
“Pelo menos ele parece preocupado com Diego”, pensou Ângela, sentindo-se mal com o modo como o homem a tratara. Mas, de cabeça erguida, seguiu-o, enquanto subia as escadas.
Ao entrarem no quarto, Marcelo pareceu mudar completamente de humor. Saudou Diego alegremente, que pareceu satisfeito em ver o viúvo de sua mãe.
- Então, como está o nosso presidente?
- Presidente de quê, Marcelo? – respondeu com um sorriso tristonho – Um presidente que não consegue ir ao escritório ou participar das reuniões.
- Mas isto pode mudar, não é verdade, Carlos?
- Tenho certeza disso – confirmou o indagado, sorrindo.
- Logo você estará apto a voltar à ativa e presidir a empresa de sua família. Confesso que ando meio perdido naquele escritório. Todos sentem muito a sua falta.
- Quero conversar com você em particular, Marcelo – disse com expressão preocupada – Quero saber como andam os negócios e... As investigações sobre o acidente.
- Bem, já terminei meu trabalho aqui com o nosso atleta. Volto amanhã para continuarmos – interrompeu Carlos, percebendo que pediam a sua retirada.
- Obrigado, Carlos. Até amanhã – respondeu Diego – Pode nos dar licença, enfermeira? – convidou Ângela a retirar-se, com um olhar irônico.
Ele insistia em tratá-la com uma intrusa, ou pelo menos fazê-la sentir-se como tal. Mas, ela fez que não notou e saiu junto com o fisioterapeuta sem dizer uma palavra ou fazer qualquer demonstração de seus sentimentos.

- Que investigação é esta de que ela falou? – perguntou a Carlos, pouco depois de deixarem o quarto.
- É sobre o motorista anterior, um tal de José. Parece que foi ele que danificou os freios do carro onde Diego estava com a mãe. A história é meio complicada. Dizem que o motorista estava apaixonado por Ágata, a mãe de Diego, e quando ela dispensou os serviços dele, deixando-o apenas para servir o marido e a outras tarefas, ele ficou indignado e alterou os freios do carro que ela usava, causando o acidente. Infelizmente, no dia do acidente, Diego resolveu dirigir o carro para a mãe e... Deu no que deu.
- Mas que horror. Eu não sabia de nada disso.
- A família conseguiu abafar o caso na imprensa. Mas sei que o motorista está preso, aguardando as investigações que comprovem a sua culpa. Ele alega ser inocente, mas Marcelo jura que somente ele poderia ter um motivo para acabar com Ágata. E Diego parece determinado a acreditar nisso também. Parece que ele tem uma boa relação com o padrasto.
- É... Eu notei.
- Cuide-se, Ângela. Amanhã estarei de volta. Faça alguns exercícios de alongamento com ele à tarde. Vi que você estava bem atenta durante a sessão de hoje e sei que poderá repeti-los.
- Temos uma consulta com o oftalmologista logo após o almoço. Faremos os exercícios quando voltarmos. Pode deixar. É para isso que estou aqui.
- OK! Até amanhã, então.
- Até amanhã – despediu-se. Fechou a porta atrás de si e ficou aguardando que Marcelo descesse.

Como não foi convidada a sentar-se a mesa pelos donos da casa, Ângela retirou-se depois de deixar Diego acomodado junto à Marcelo.
O almoço transcorria tranquilo, até que Cláudia chegou. Foi clara a perturbação de Diego ao vê-la entrar na saleta onde estavam.
- Olá, rapazes! Pelo jeito cheguei bem na hora. Já que não pude tomar o café da manhã com meu querido noivo, talvez possa almoçar.
- Eu já terminei – disse Diego, secamente.
- Marcelo, você tem que falar com este seu amigo que eu não aguento mais ser tratada desse jeito por ele.
- O que está havendo, Diego? – perguntou Marcelo – Você tem tratado a Cláudia muito mal desde que voltou para casa. Ela não merece este tipo de tratamento.
- Eu já a liberei do nosso compromisso. Não sei por que ela ainda insiste em continuar vindo aqui. Eu sei que ela já tem outro. Então, por que continuar com esta encenação?
- Não sei de onde você tirou esta idéia... Diego, eu continuo gostando de você do mesmo jeito.
- Mentirosa!
- Está bem, crianças. Vamos parar com esta discussão e acalmar-se – Marcelo tentou apaziguar – Sente-se, Cláudia.
- Eu já terminei. Onde está a enfermeira? Quero subir! – falou alto, para ser ouvido por Ângela, que logo estava ao seu lado.
- Estou aqui.
- Leve-me para o quarto.
- Diego, espere, amor... Temos que conversar.
- Ele tem que se preparar para a visita ao oftalmologista logo mais –intrometeu-se Ângela.
- Quem lhe perguntou alguma coisa? – esbravejou Cláudia, claramente irritada com a intervenção da estranha.
- Ela tem razão. Não posso me atrasar. Vamos logo com isso, Ângela – disse aparentemente aliviado com a lembrança de Ângela a respeito da consulta e da qual tinha esquecido.
Ao ouvir se nome ao invés da fria palavra “enfermeira” de antes, sentiu-se um pouco cúmplice de Diego, e esperava que ele também se sentisse assim. Não gostava de intrometer-se na vida íntima de seus pacientes, mas naquele caso, duvidava que a presença desta noiva trouxesse algum benefício ao tratamento. Cláudia tinha alguma coisa de falsa em suas falas e no seu olhar. Esperava estar enganada, mas até lá ficaria ao lado de seu contratante.
Sem dizer nenhuma palavra, subiram ao andar superior. Quando entraram no quarto, Ângela perguntou:
- Você está bem?
- Sim. Por que não estaria?
- Apenas queria saber, pois me preocupo com você. Não precisa ser grosseiro.
- Não estou sendo grosso... Por que se preocupa comigo?
- Você é meu paciente e minha responsabilidade. Preciso de mais motivos?
Ele não respondeu. Continuou a olhar para baixo. Quando ela tornou a empurrar a cadeira na direção do banheiro, ele a interrompeu.
- Me deixe ir sozinho. Ainda posso escovar os dentes sem ajuda.
- Como quiser.
Ficou observando-o girar as rodas da cadeira para deslocar-se até o banheiro da suíte. Não precisaria trocar de roupa, pois Carlos já se ocupara disso antes de sair.
- Estou pronto. Sou todo seu... – disse com ar malicioso ao sair do banheiro.
- É ótimo ouvir isto de um homem – respondeu sorrindo.
- Mesmo que seja de um homem pela metade?
- Senhor Bernazzi, por que não pára com isso? Esta auto-comiseração não vai levar a lugar algum. Por que não baixa essa guarda um pouco.
- É melhor irmos andando ou vou perder a consulta, Senhora Ângela – voltou a ficar carrancudo, tornando a ruga entre as sobrancelhas mais profunda que o normal.
- Concordo. Me permite? – apontou para a cadeira, pedindo licença para empurrá-la.
Ele concordou com um meneio da cabeça e ficou a encará-la, esperando seu próximo movimento.
Quando desciam no elevador, Ângela notou que Cláudia e Marcelo conversavam em voz baixa, num canto da sala. Na posição em que estava Diego não podia vê-los. Assim que perceberam a presença deles descendo, emudeceram e separaram-se rapidamente.
O motorista já os esperava com o carro na entrada da casa. Diego Foi colocado no banco da frente, enquanto Ângela dobrava a cadeira e esperava para que Luís a ajudasse a colocá-la no porta-malas.
Finalmente chegaram à elegante clínica oftalmológica localizada no Bairro Funcionários. Sem trocar palavra alguma com sua acompanhante, Diego teve de esperar poucos minutos para ser atendido. Provavelmente o primeiro horário tinha sido escolha sua, já que a possibilidade de ter que aguardar em meio a outros pacientes era remota. Foi recebido efusivamente pelo Dr. Ayrton, que logo lhe dava a boa notícia, após um exame minucioso, de que seus olhos estavam praticamente intatos. Como tinha dito, ainda no hospital, só precisaria de óculos para leitura. Estava surpreso com a ótima cicatrização de suas córneas. Em momento algum tocou no assunto locomoção. Deu-lhe a receita para fazer os novos óculos e despediu-se, solicitando uma nova revisão em seis meses. Quando estavam para deixar o prédio, já dentro do carro, ouviram uma voz masculina chamando por Diego.
- Ei, cara! – ele aproximou-se correndo do carro, do lado de Diego – Não reconhece mais os amigos?
Ângela sentiu-o retesar-se no assento da frente, incomodado por aquela aparição súbita.
- Oi, Bruno. Tudo bem? Eu não o vi. É por isso que tive que vir a esta clínica.
- Eu também ando com problemas de visão. Deve ser a idade – disse sorridente. – E você? Soube que sofreu um acidente, mas pelo que vejo não foi grave. Temos que nos encontrar para sair – Só então ele notou a presença da mulher vestida de branco no banco de trás e a inércia de Diego, que em outros tempos não estaria num carro com motorista nem tampouco ficaria sentado ao reconhecê-lo. Sua expressão logo se transformou de alegre para preocupada e tornou a perguntar.
- Você está bem, Diego? – olhando de soslaio para Ângela.
- Claro! Está tudo ótimo. Falamos-nos outra hora. Tenho um compromisso logo mais e não posso me atrasar. Até mais! – despediu-se com um sorriso forçado. Sua tensão era clara e certamente isto resultaria em mais uma crise de depressão ou de mau humor ao chegarem em casa.

- Diego... Quer conversar sobre o que aconteceu? – perguntou-lhe, ao voltar para a segurança dos jardins de sua mansão, tentando quebrar o pesado silêncio que os envolvia.
- Por que acha que vou querer conversar com você a respeito disso?
- Por que estou aqui, por que estou disponível, por que quero ajudá-lo, por que posso entender o que está sentindo... Quer mais motivos?
- Como pode entender, se tem suas pernas perfeitas e pode ir e vir para onde bem entende sem precisar de uma babá? – lançou-lhe um olhar frio.
Ela ficou muda por alguns instantes, olhando para as montanhas diante deles, aparentemente buscando uma maneira de expressar sua solidariedade. Voltou a olhar para ele e, após um breve suspiro, disse:
- Tem razão. Talvez eu não possa saber exatamente o que você sente, mas posso ter uma boa idéia do que sente. Já cuidei de muitas pessoas com o mesmo problema que o seu e posso “imaginar” o sentimento de frustração e raiva que o invade. Enfrentar a pena ou piedade no olhar das pessoas que faziam parte de suas relações antes do acidente pode ser um pesadelo. Mas os pesadelos não duram para sempre. Sei que você pode voltar a sonhar sonhos bons. Acredite nisso. Eu vi isto acontecer inúmeras vezes.
- Mas certamente existiram exceções...
- Exceções existem... – falou com voz entristecida, desviando o olhar para a paisagem novamente – como em tudo na vida. Mas vou fazer de tudo para que você não seja uma delas.
A firmeza de suas últimas palavras pareceu atingi-lo de alguma maneira, pois sua expressão abrandou-se e ele ficou por alguns segundos olhando-a pensativo. Porém, passado este tempo, estampou o deboche no rosto e continuou.
- Você não acha que é muito convencida? Você é só uma enfermeira, minha cara. Não tem todo este poder que está sugerindo, sinto lhe informar. Está aqui para empurrar minha cadeira... – parou de soltar farpas quando ela o encarou com um sorriso perturbador.
- Uma hora dessas, você vai parar de querer me humilhar e ofender e então vai ver que a minha ajuda pode ser muito mais que só empurrar a sua cadeira – Olhou adiante, deu um suspiro e continuou logo – Que tal um lanche agora? O seu almoço foi interrompido na metade e deve estar com fome. Vou preparar tudo e poderá comer lá no jardim. Depois terá que fazer alguns exercícios até a hora de Lino chegar. Ai ficará livre de mim... Até amanhã.
Como ele não respondesse ao seu discurso, virou-se e saiu.

“Eles parecem não entender... Perdera tantas coisas de uma hora para outra... Todo o seu mundo, como o conhecia até então, havia desabado. O acidente não o deixara apenas sem o movimento das pernas. Havia perdido seu coração, sua alma,... De repente, pessoas desconhecidas vinham até ele dizer que era possível sobreviver àquele caos e achavam que num estalar de dedos tudo ficaria bem?” Assim pensava Diego logo depois que Ângela saiu. “Esta enfermeira... Podia simplesmente demiti-la e Lino não poderia fazer nada...” Mas havia algo naquela mulher que o intrigava. Apesar de ser apenas seu primeiro dia ali, sentia nela uma força, uma persistência, que não encontrara nas outras. Provavelmente era só uma impressão. Perguntava-se por qual motivo uma mulher jovem e bonita como ela escolhera trabalhar com deficientes físicos, pessoas revoltadas e magoadas com seu triste destino. Com o correr dos próximos dias com certeza quebraria aquela banca de profissional capaz e experiente. Porém, no seu intimo mais profundo, não tinha tanta certeza assim de que queria vê-la desistir como as anteriores. Sentia-se tentado a conhecê-la melhor.


Finalmente consegui acabar o terceiro capítulo. Espero voltar em breve. Beijos!!

9 comentários:

  1. Nossa Rô! Nossa heroína já começou a quebrar um pouquinho do gêlo... E eu sabia que esse padastro e essa noivitcha não eram flor que se cheire...
    Nem preciso dizer que estou louca de curiosidade para saber o que vai acontecer, neam...
    Bjim♥

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  2. Oi Rô!!!! Volte logo, estou louca de curiosidade e tensão, essa estória de drama, caso policial e romance está melhor a cada capítulo amiga! Um cheiroo!!

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  3. Ro!!!!
    Está ótima está história,adorei a foto do padrasto do Diego,acho mta suspeita a relação da noiva e do padrasto acho que foram eles que sabotaram o carro pra matar os dois e ficar com a fortuna e colocaram a culpa no pobre do motorista,não dizem sempre que a corda arrebenta no lado mais fraco?Então acho isto.
    Não demore mto pra postar o quarto cap. estou ansiosa pra ler o resto.
    P.S:Quem é a atriz que faz o papel da Angela?
    Bjs...

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  4. Oi, Cris! Ainda não pensei na atriz para personificar a Ângela. Pode me ajudar? Vou adorar. Ainda não a descrevi, por isso ela pode ser qualquer mulher bonita,jovem, de idade em torno de 26 a 28 anos.
    Um beijo grande, amiga!!

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Oi Ro!!!!!
    Vou te ajudar sim amiga,vou postar uma foto bem legal de uma atriz que eu gosto,achei a Anne Hathaway.
    acho ela bem bacana para o papel da Angela.
    http://iradex.net/blog/wp-content/uploads/2009/12/000d6065c51b0a09d4ec0f.jpg
    Tomara que gostes.
    Bjss

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  7. Cris! Gostei da tua indicação. Já está escolhida a Ângela!
    Beijos!!

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  8. Oi Ro!!!!
    Obrigada pela confiança e que bom que gostastes da minha indicação,ela vai ser uma Angêla super bacana.
    Bjs.

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  9. Muito boa essa guria hein!?!? E o cabra não é tão carne de pescoço assim. Agora, esse padrasto dá um bom caldo viu! Adoro o Mark Strong!

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