sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O Corsário Apaixonado - Capítulo XVI (2ª parte)

Olhar perdido na vastidão do mar, ainda tentava acompanhar o pequeno ponto no horizonte. Não podia acreditar que Crow seguia para longe dela naquele navio detestável. Como permitira que ele fizesse essa loucura? Devia tê-lo sedado com alguma das ervas que tinha guardadas naquele armário da sua cabine; ou tê-lo amarrado ao mastro do convés ou ameaçado matar-se para fazê-lo desistir de partir para entregar-se a um julgamento de onde certamente não sairia vivo. Sentia-se vazia, com o coração sangrando, indo para a terra de seu pai para recuperar uma herança, que de bom grado daria toda em troca da vida de seu amor. Seus pensamentos eram todos de Crow. Ainda podia sentir o corpo rijo e cálido contra o seu na última noite que passaram juntos. Tentava afastar sua imagem nas galés do The Conqueror, rebaixado a posição de prisioneiro, tal e qual Castilhos. Não era justo. Apesar da promessa de Arthur de que dispensaria tratamento diferenciado a ele, Ana não conseguia confiar num homem que se dizia amigo e acabava levando-o para julgamento por uma rainha que era conhecida pela inclemência. Alguém que mandara decapitar a própria prima, como ouvira dizer, não podia ser boa pessoa. Também ouvira falar a respeito do tipo de julgamento e punições contra piratas e só isso a fazia estremecer ao imaginar o que aguardava por Crow. As lágrimas, antes profusas, agora estavam secas pela brisa fria que vinha do norte, marcando seu rosto.

Valentina já perdera a noção do tempo que Ana estava agarrada àquele corrimão do convés, estaqueada na murada, indiferente aos homens que passavam por ela e baixavam a cabeça em silenciosa demonstração de pesar e compreensão por seu estado melancólico... Não sabia com quem preocupar-se mais. Brett ainda precisava de cuidados e repouso devido ao ferimento conseguido na luta entre Crow e Castilhos, enquanto Ana a assustava com seu comportamento depressivo. Tinha medo que ela cometesse alguma loucura. Para seu alívio, Peter assumira a direção do Highlander até que Brett estivesse pronto para desempenhar o posto de capitão. Além de tudo isso, ainda havia no ar a insatisfação entre os homens a respeito do lugar para onde navegavam. Devido a guerra, as águas espanholas não eram nada convidativas, principalmente para um navio com nome inglês. Temia algum motim, apesar de saber que eles estavam motivados pelo pedido de Crow de que cuidassem de Ana em sua ausência. Junto a esse fato, havia a grande probabilidade de encontrarem algum carregamento de ouro pelo caminho. Depois da traição feita por Sam, sua confiança nos piratas de Crow caíra consideravelmente. Eram poucos aqueles por quem daria a mão para queimar. Por tudo isso, sentia-se insegura nessa viagem, apesar de Castilhos, sob algumas ameaças, ter devolvido os documentos que provavam a procedência de Ana, o que lhes daria salvo conduto... Pelo menos, em teoria. Respirou fundo e decidiu aproximar-se de Ana para consolá-la e convidá-la para ir ver Brett. Talvez assim pudesse distraí-la, ao mesmo tempo em que veria qual o estado atual de seu homem.

Tão logo se afastaram do Highlander, Arthur dera a ordem para se livrarem do corpo de Cristóbal, que já começava a incomodar o olfato da tripulação. Para alívio de todos e, principalmente de Castilhos, que compartilhava a cela com o nobre defunto, o corpo foi embrulhado em panos e jogado ao mar sem cerimônia alguma. Crow tentava se distrair rememorando as aventuras do passado com o comandante do The Conqueror, porém a imagem de Ana chorando enquanto se despediam continuava esmagando seu peito. Agora já não se sentia tão confiante em sua própria resolução, mas dera sua palavra de que se entregaria à justiça inglesa e assim o faria. O desejo de ter uma vida estável com Ana é o que o impelia a continuar no seu plano de rendição.
Os dias se passaram lentamente, mas ao fim de pouco mais que uma semana, a costa inglesa foi alcançada. Ao desembarcarem em Dover, apesar das tentativas de Arthur em requerer a custódia de Crow, o chefe da milícia local foi irredutível, ordenando sua prisão no infecto presídio local até poder transferir os piratas para Londres. Com muito custo, conseguiu que Crow ficasse sozinho em uma cela, evitando a companhia de Castilhos e de alguns de seus comparsas que foram mantidos vivos. Mesmo em celas separadas, não havia como evitar os comentários sarcásticos do espanhol, já que apenas grades separavam os cubículos um do outro.
- Ouvi dizer que você se entregou de livre e espontânea vontade. Es cierto?
Crow decidiu não responder para não iniciar uma conversa desagradável, porém o sujeito era irritantemente implicante.
- No lo creo!... kkkkkkkkkk – continuou, aceitando o silencio de Crow como uma afirmação. – Parece que a senhorita Ana tem o dom de enlouquecer os homens... Donde estaba la cabeza, mi amigo?...
- Em primeiro lugar, não sou seu amigo e, em segundo lugar, se tocar no nome de Ana mais uma vez, acabo com você na primeira oportunidade que tiver de colocar as mãos no seu pescoço.
- Perdón... – disse com um meio sorriso malicioso – Mas não creio que poderás sair daqui tão cedo para cumprir sua promessa... Amigo.
Mesmo diante do semblante fechado de Crow e de seu silencio, o pirata hispânico não descansou e continuou com seu discurso.
- Você realmente acredita que vamos ter um julgamento?... Talvez você consiga alguma intervenção a seu favor... Es verdad... – refletiu compenetrado – Quanto a mim e meus caros companheiros... – disse apontando para as outras celas – Duvido que a sentença seja outra além de... Muerte!... O que é uma pena, pois ainda tenho muito para fazer nessa vida... Gostaria de ter uma chica formosa para me juntar, que me acompanhasse em minhas viagens... Una chica como a bela Valentina, por exemplo... – completou lançando um olhar malicioso para seu colega inglês.
Crow sabia que estava tendo sua paciência testada pelo pirata, por isso fechou os punhos, crispou a boca, mas não falou nada. Apenas deitou-se em seu catre, de costas para o outro e fingiu que ia dormir.
- Apesar de nossas desavenças, não me considere seu inimigo, Capitão Crow... Lembre-se que estamos na mesma nau encalhada... Talvez precise de mim...
Crow quase riu diante da afirmação canalha de Castilhos, mas preferiu manter-se quieto. Talvez o espanhol se cansasse e calasse a boca. Para sua sorte, foi o que aconteceu.

Os dias se passaram e nenhuma novidade a respeito da transferência dos piratas para Londres era comentada. Crow já começava a ficar desanimado quando, numa certa manhã, foi levado para a sala do chefe da prisão. A chama de esperança de que finalmente sua situação voltaria a ser definida apagou-se imediatamente quando ultrapassou a porta e viu Arthur postado ao lado de um homem de idade, que estava de costas, olhando pela minúscula janela gradeada que iluminava o reservado. Não disse nada, pois sua voz se extinguiu ao perceber quem era o visitante. O homem virou-se lentamente. O rosto familiar, porém envelhecido, apresentava os olhos brilhantes por lágrimas represadas, que acabaram por rolar ao vê-lo.
- Meu filho... – disse Sir Timothy Lodwick com a voz pequena e emocionada.
- Arthur... – dirigiu-se Crow ao amigo com amargura, momentaneamente ignorando seu pai. – Por que o trouxe aqui?
- Ele não queria que eu viesse, filho... Eu insisti.
Arthur mantinha-se cabisbaixo, envolvido pela emoção do reencontro de pai e filho depois de tantos anos separados e numa situação nada confortável para ambos.
- Não queria que fosse assim... – lamentou Crow, sentindo-se um derrotado.
Apesar de os ressentimentos da adolescência com relação a seu pai já terem sido parcialmente curados, não gostou da sensação de encontrar-se com ele na prisão, como um salteador a espera de castigo. Até então jamais se preocupara com a opinião do pai sobre suas opções de vida. No entanto, ali, diante dele, sentia-se envergonhado por voltar a aparecer, depois de tanto tempo, como um pirata, um homem fora da lei, que vivia de pilhagens; alguém do qual jamais poderia se orgulhar.
Naquele momento, Timothy só tinha um pensamento que o atordoava desde que soubera da presença de Nigel em Dover. Pedir o perdão de seu filho por tê-lo abandonado quando mais precisava de um pai; por ter permitido que outros se encarregassem de sua educação; por não perceber que seu filho era a coisa mais preciosa que sua amada esposa lhe deixara e a quem ele, cego por sua dor egoísta, maltratara e desprezara.
- Vou deixá-los a sós...
Arthur deixou o recinto sombrio e, agora, mergulhado em profundo silencio. Nenhum dos dois Lodwick fez menção de evitar sua saída. Foi como se ele não existisse. Ambos estavam mergulhados em suas dores, procurando palavras que pudessem aliviar seu sofrimento.
- Agora que já viu em que seu filho se tornou não precisa mais suportar a minha presença... – disse melancólico Crow de cabeça erguida, pronto para enfrentar a calma ira de Sir Lodwick.
- Nigel... Eu não vim aqui para acusá-lo...
- Deve estar satisfeito ao ver que tinha razão e que eu nunca fui bom o suficiente para ser seu filho.
- O quê? O que está dizendo? Acha que estou satisfeito vendo-o numa prisão? Que tipo de homem me considera?
- Um homem que rejeitou seu filho desde o nascimento. – desabafou.
O ar tornou-se mais denso. A verdade havia sido dita. Uma verdade cruel que atingia aos dois de formas diferentes, mas igualmente lacerante. Os segundos se passaram como se fossem horas... De repente, não suportando mais a culpa que o consumia, Timothy cambaleou e levou a mão ao peito, como se pudesse controlar a dor que sentia com esse simples gesto. Crow atravessou o espaço que o separava do pai em dois largos e rápidos passos ao perceber o impacto de sua acusação.
- Pai! O que está sentindo? – perguntou aflito, esquecido momentaneamente dos antigos rancores. Tentou fazê-lo sentar numa das cadeiras da saleta. – Droga! Você não devia ter vindo!
Timothy segurou o braço de Nigel, impedindo-o de continuar e obrigando-o a encará-lo. Seus olhos acinzentados, marejados, lembravam um dia de tormenta no mar, e o desespero neles impresso denunciavam o medo da morte sem redenção.
- Meu filho... Me perdoe... – a voz embargada foi engolida pelos soluços que vinham do fundo de sua alma.
Jamais tinha visto seu pai chorar ou pedir perdão para alguém. Seu sofrimento era palpável. Por instantes, não soube o que fazer. Acabou finalmente por ajudá-lo a sentar, procurando uma palavra de conforto que não conseguia proferir.
- Você tem todas as razões do mundo para me odiar, Nigel... – As palavras saiam trêmulas e frágeis, tal e qual sua aparência.
- Não precisa dizer nada, pai... – disse comovido. – Eu já o perdoei...
- Nigel, meu filho... Eu preciso lhe dizer o quanto me orgulho de você... Soube que, mesmo sem meu apoio, você entrou na Marinha e fez uma carreira brilhante. Antes de partir em sua última viagem, meu amigo Krane falou sobre o que Drake fizera a você. Sei o quanto deve ter sofrido com mais essa decepção. Cheguei a pensar em matar aquele corsário miserável... Depois você sumiu e... Vivi num inferno sem notícias suas... Pensei que havia morrido... Até que há dois dias, Arthur Greenville surgiu dizendo que você estava bem e muito perto de mim...(N.A.: Dover fica no condado de Kent, onde mora Timothy Lodwick)
- Numa prisão ... – resmungou Crow, envergonhado.
- Ele me contou tudo que lhe aconteceu até chegar aqui. Sei que se entregou por causa da jovem sobrinha de Sir Edmond Boyle, que você resgatou... Santo Deus! Temos tanto que conversar, Nigel... Tanto a explicar...
- Quando eu sair daqui redimido de meus crimes, nós poderemos conversar.
O olhar subitamente pesaroso de seu pai, preocupou-o.
A porta abriu-se subitamente e por ela entrou o chefe da milícia com cara de poucos amigos.
- Seu tempo acabou, Sir Lodwick. Sinto muito. Tenho que levar o prisioneiro de volta a sua cela.
- Filho... Eu farei tudo que estiver ao meu alcance para tirá-lo daqui, nem que tenha que falar pessoalmente com a rainha.
O semblante do militar delineou sarcasmo ao ouvir a afirmação de Lodwick, o que Crow preferiu ignorar.
Não houve abraços ou mesmo uma despedida formal entre pai e filho. Seus olhares apenas se cruzaram, pacificados e cúmplices. Nada mais precisava ser dito.

(continua...)


Boa tarde, meus amados leitores (se é que ainda tenho algum depois de tanta demora para escrever a continuação desse romance...rsrsrs). Era meu desejo acabar essa história antes do final de ano, mas parece que vai ser impossível fazer isso. Ainda tem algumas coisas para acontecer até o final desse romance, mas não deve demorar muito mais. Talvez um ou dois capítulos, como disse da última vez.
Mais uma vez quero agradecer os comentários, sempre carinhosos e estimulantes, aos parabéns pelo meu filho e aos votos de fim de ano. Muito obrigada!
Espero que curtam essa nova postagem, que ficou sendo mais pesada, principalmente pelo encontro entre Nigel e o pai, que já tinha sido definido desde o início do livro, mas ainda não sabia como seria. Finalmente ele aconteceu e acho que ficou bom. O que acharam?
Gostaria de deixar uma linda mensagem de Ano Novo para vocês, por isso escolhi alguns versos do nosso poeta Mário Quintana:
"O Ano Novo ainda não tem pecado:
É tão criança...
Vamos embalá-lo...
Vamos todos cantar juntos a seu berço de mãos dadas, a canção da eterna esperança"

FELIZ 2012 PARA TODOS!!! AMOR, PAZ, SAÚDE E DINHEIRO! QUE ESTE QUARTETO ESTEJA PRESENTE EM TODOS OS DIAS DO NOVO ANO!
BEIJOS!!

4 comentários:

  1. Rô, o capítulo ficou emocionante, nada de pesado! Eu ficava imaginando como seria esse reencontro, e eu o achei perfeito, quando a situação entre eles ficar definida e tudo estiver bem, então vai ser uma libertação para os dois (do pai em relação à culpa e do Nigel pela rejeição), e talvez até dê tempo de eles recuperarem um pouco do que perderam (???).
    E a pobrezinha da Ana não pára de sofrer, fiquei pensando no sofrimento que ela sentiu ao ver o Nigel ir embora como um prisioneiro, depois de tudo que eles já passaram só faltava a rainha prendê-lo numa prisão da Escócia!
    Feliz Ano Novo amiga, que ele te traga ainda mais conquistas!!
    Beijosss!!!

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  2. Rôsane: fiquei emocionada com esse reencontro. O cápítulo ficou ótimo. Parabéns. Um ótimo final de ano e um começo melhor ainda para você e toda sua família. Bjos!!!

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  3. Pobre Ana, ficou mesmo com o coração pequenino causado pela separação indesejada! Ver o Crow ter que partir assim, sem saber o que acontecerá é muito angustiante, aflitivo. Mas tinha que ser assim, pois a vida de Crow estava muito bagunçada, era preciso por as coisas no lugar, limpar o seu nome para que pudessem ficar juntos em paz.
    Agora, coitado do Crow, não bastasse ter que ficar naquele lugar horrível, ainda ter que suportar a presença do Castilhos é uó!
    Adorei o reencontro entre o pai e filho, Rô! O Nigel precisava, tb, resolver essa parte tão importante da vida dele e que estava indefinida. Às vezes, é na dor que vemos o amor se fortalecer, como no caso dos dois. Essa é uma chance que o destino deu a eles de se reaproximarem e eles estão sabendo usufruir disso. É muito bom. Acho que o Nigel não iria conseguir ser feliz com esse peso no coração, esse sentimento de frustração paterna.
    Timothy agiu corretamente, pois o seu filho precisa muito dele, do seu apoio para ter alguma esperança nessa situação tão confusa, até para não se sentir tão solitário na prisão.
    Estou com o coração apertado por todo o sofrimento que o Nigel tem passado. Quantos fantasmas ele está tendo que enfrentar! Mas ele é muito corajoso e está focado em poder se libertar de todas as pedras de seu passado para poder vivenciar um presente e futuro ao lado de sua amada Ana. E só mesmo assim isso poderia se realizar. Tadinho, se a prisão fosse aqui perto, eu iria visitá-lo, dar colinho... hehehe...
    Sabe, com certeza o Nigel deve ter se sentido muito envergonhado ao rever seu pai, pois como poderia mostrar a ele que havia se tornado um homem leal, honesto, de bom caráter, estando aprisionado naquele local tão horroroso onde sob ele pesava a acusação de pirataria? Isso é complicado demais. Adorei a forma como vc retratou esse reencontro e tb pelo pai dele ter, finalmente, assumido um posição afetuosa em relação a ele. O momento é doloroso, as feridas estão abertas, escrachadas, mas com essas gotas de amor todas irão, aos pouco, cicatrizar.
    Beijinhos

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  4. Poxa com a chegada do Pai de Crow o caminho de paz pra uma nova vida pro nosso pirata é garantida era a única coisa que faltava para concluir esse ciclo, espero que ambos se perdoe de verdade e claro que a saúde dele aguente pelo menos a chegada do primeiro neto, quem sabe será um menino podendo levar o nome do avô?!! Bom fica minha curiosidade e torcida...

    Beijãooo

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