sábado, 26 de fevereiro de 2011

Pelo de Punta (Arrepiada) - Capítulo I

O clima estava pesado no escritório improvisado em um povoado próximo à fronteira com o Paraguai. Quatro homens discutiam a respeito de um lote de armas ilegais que havia sido interceptado por um grupo de militares locais.
- Como isso pode acontecer? – gritou o homem mais velho, assustando os outros três com a forte batida da mão que caiu pesada sobre a mesa de madeira carcomida. Apesar de nenhum deles querer deixar transparecer, o temor pelas reações violentas de seu chefe quando contrariado era algo quase palpável – Alguém nos traiu! Descubram este traidor e tragam-no até mim. Cancelem a próxima operação e aguardem minhas ordens. Lito está para chegar. Eu o colocarei a par do que está acontecendo e ele logo assumirá em meu lugar. Vocês dois – disse apontando para os dois sujeitos que ladeavam o terceiro homem – Saiam! Preciso falar a sós com meu amigo aqui. Assim que os homens saíram, o comandante aproximou-se afavelmente de Juan e passou o braço em torno de seus ombros.
- Por que está tremendo, meu amigo? Não diga que está com medo de mim... Depois de todos esses anos? – disse olhando a frente e lhe apertando o abraço.
- Se tremo, senhor, é de raiva diante do que aconteceu com o nosso carregamento.
– Lembro como se fosse hoje, Juan – interrompeu-o, como se não ouvisse o que o outro dizia –, quando você nos procurou oferecendo seus serviços, pois tinha sido impiedosamente descartado pelo governo. Você sempre se mostrou eficiente, Juan... Um amigo nas horas difíceis, um guerreiro que defendia os interesses de nossa família antes de tudo mais...
- E continuarei defendendo, meu comandante – respondeu olhando firmemente para seu superior.
- É realmente tocante poder contar com amigos como você, Juan – continuou o discurso de amizade, afastando-se do mercenário que o servia a um par de anos.
Com olhar apreensivo, Juan começou a suar, sentindo que alguma coisa estava errada naquela conversa supostamente amistosa.
- Como vai sua esposa? – continuou súbito, para alarme do questionado.
- Minha esposa? ... Mas eu sou solteiro...
- Você sabe, Juan, o que acontece com aqueles que traem a minha confiança, não?
- Não sei do que o senhor está falando – sua tensão aumentava a cada segundo, percebendo que não só fora descoberto, como seu contratante não fizera um bom serviço ao proteger sua família. Começou a procurar por possíveis rotas de fuga da pequena saleta sem janelas.
- Tenho certeza que ela vai trabalhar muito bem para pagar os prejuízos que você e seu mandante nos proporcionaram – Nem bem havia terminado de falar, sacou o revólver que trazia sob o cinto da calça, às costas e apontou para o traidor que já o olhava com desespero – Tenho certeza que ela fará grande sucesso no nosso cabaré em La Paz... Me disseram que ela é muito bonita.
Juan soltou um grito de terror, sacou sua própria arma e atirou. Desesperado, ao verificar que a pistola estava sem balas, jogou-se contra o traficante. Naquele momento, os dois homens que haviam abandonado a sala minutos antes, entraram acompanhados por outros dois. Partiram para cima dele, que lutou para desvencilhar-se dos brutamontes, sem êxito.
- Quero que o enforquem na árvore mais alta que encontrarem por aqui e chamem todos os homens para ver. Que ele sirva de exemplo para quem estiver pensando em me trair.
Com o rosto sangrando pelos cortes na boca e no supercílio esquerdo, Juan olhou com ódio para seu carrasco, cuspiu contra ele e conseguiu dizer:
- O teu fim está próximo! Espero que tua morte seja agonizante!... Pode ter certeza que eu estarei te esperando no Inferno!
- Deixe-me ser o primeiro a satisfazer seu desejo, seu traidor de m... – Virando-se para seus auxiliares, continuou impiedoso – Antes do enforcamento, podem usá-lo para treinar boxe... Conduzam-no às portas do Inferno... Agora!




A milhares de quilômetros dali, alheia a toda essa violência, Júlia Monteiro, executiva de uma grande empresa internacional de cartões de crédito, aproveitava os louros de seu excelente desempenho no ano anterior, na cidade de Nova Iorque. Júlia trabalhava como advogada nos escritórios da filial brasileira, situada no Rio de Janeiro. Seu esforço havia sido reconhecido e, antes de entrar em seu período de férias de verão, fora convidada a conhecer a matriz americana, com direito a passagens aéreas de ida e volta, hospedagem e uma visita guiada ao prédio monumental da companhia, no coração de Manhattan. Acabara de participar de uma reunião dedicada aos melhores funcionários das filiais internacionais. Ao lado deste reconhecimento, Júlia aguardava com grande ansiedade os dias que viriam depois de sua saída de NY. O motivo era o encontro com Miguel, seu noivo boliviano, que a esperava em Santa Cruz de La Sierra para apresentá-la a família. Há dois meses ele a pedira em casamento. Tudo fluía muito bem no relacionamento até que ele demonstrou o desejo de que ela fosse morar na Bolívia após o casamento. Esse pedido a perturbou. Nunca fora tão amada por alguém como por Miguel. Ele parecia ter nascido para satisfazer seus desejos. Enchia-a de mimos quando estavam juntos. Telefonava diariamente quando estava viajando a trabalho para a empresa de importação e exportação de sua família. Além de tudo isso, era lindo, gentil e carinhoso. Suas amigas morriam de inveja de sua boa sorte. Ali, debruçada sobre a murada do seu apartamento no Gotham Hotel, sentia o ar frio penetrando em suas narinas e a pele do rosto congelando, enquanto observava fascinada as luzes da Big Apple. Ao som de sirenes, buzinas e do burburinho da 46th Street de início de noite, lembrou a primeira vez que viu Miguel.
Ela o conhecera durante um vernissage de esculturas de um artista em ascensão no mundo das artes, patrocinada por sua companhia em uma galeria do Leblon. O homem alto e moreno a fez lembrar de Josh Brolin, o ator americano do qual era fã, na sua versão com bigode e de tez um pouco mais bronzeada. Ele estava parado diante de uma das esculturas com um olhar intrigado, mão no queixo quadrado, tentando ver sentido nas formas entrelaçadas esculpidas em granito e que sugeriam corpos de amantes. Pelo menos era o que estava escrito na pequena placa no pedestal onde o objeto de arte descansava. Achou graça do modo como ele observava a peça e mal pode disfarçar o sorriso que a denunciou quando ele olhou em sua direção.
- Você vê alguma pessoa nesta... escultura? – perguntou-lhe com uma voz de timbre suave e um forte
sotaque espanhol.
Pega de surpresa, olhou para trás a procura de outra pessoa com quem ele pudesse estar falando. Como não encontrou ninguém e ele continuava a encará-la, pressupôs que falava com ela.
- Não sou uma perita, mas acho que há uma insinuação de dois corpos aí – respondeu com ar de crítica.
Sem cerimônia, aproximou-se dela, pegou-a com gentileza pelo braço e levou-a até onde ele estava anteriormente.
- Jura que consegue ver alguma forma humana nesta coisa? – continuou irônico, com expressão bem humorada.
Não resistindo, acabou por se juntar a ele em sua opinião.
- Aqui entre nós, que o artista não nos ouça – sussurrou em seu ouvido –, mas acho que ele deve ter problemas de relacionamento.
Ele explodiu numa gargalhada, assustando os convivas ao seu redor. Júlia conteve-se, mostrando apenas um sorriso malicioso. Estava encantada com a mecha de cabelo liso e negro que caía displicentemente sobre sua testa tornando-o ainda mais charmoso. Ele certamente tinha menos idade que Brolin, pois a pele era praticamente lisa, apresentando algumas poucas marcas de expressão no contorno dos olhos amendoados e da boca de lábios cheios. Assim que parou de rir, apresentou-se.
- Miguel Vasquez, seu novo admirador... – denominou-se oferecendo a mão para cumprimentá-la.
- Júlia Monteiro... – disse aceitando o cumprimento. Corou quando ele pegou sua mão e a levou até a boca, tocando de leve os lábios em seu dorso.
- É um prazer conhecê-la, senhorita Monteiro – pronunciou com a voz rouca enquanto encarava-a de um modo diabolicamente sensual.
Júlia não se considerava uma mulher bonita e tão pouco romântica. Certa vez um de seus affaires chegou a chamá-la de frígida, o que a chocou bastante. Gostava de sexo. O problema era tempo e com quem fazer, pois se tornara exigente ao longo de tantos e curtos casos amorosos. Sua vida era dedicada ao trabalho e um namorado não se encaixava muito no seu dia-a-dia. Contudo, às vezes sentia-se muito só. Naquele momento, Miguel parecia saído de um daqueles filmes antigos que ela gostava de ver, nas horas em que se permitia algum lazer, onde os homens eram bonitos, cavalheiros e amorosos. Hipnotizada por aquele olhar, não conseguiu dizer nada mais além de sim quando ele perguntou se poderia acompanhá-la na exposição.
- Confesso que entrei aqui por acaso e não entendo nada de arte. Vi uma aglomeração de pessoas bem vestidas e achei que era uma festa.
- Também não me considero uma entendida. Na verdade estou aqui por uma formalidade. Foi o meu chefe quem organizou esta exposição e me senti na obrigação de comparecer para agradá-lo. Ele é uma pessoa ótima e...
- Então, que tal se sairmos de fininho e ir a algum lugar para jantar? Você fica responsável pela escolha do restaurante já que é nativa. O que acha?
A princípio ficou apreensiva com tal convite, mas ao deparar-se com o sorriso e a expressão de cumplicidade de Miguel, olhou para os lados, conferiu o relógio de pulso, lembrando que estavam numa quinta-feira e que precisaria acordar cedo no dia seguinte. Pensou há quanto tempo não saía com um homem tão interessante e decidiu.
- Acho ótimo. Só não posso voltar muito tarde para casa.
- Seu papa não permite? – perguntou sério.
Aí foi a vez de ela rir alto, cobrindo a boca logo em seguida para não atrair a atenção.
- Não... Não tenho mais idade para ser controlada por meu papa. Além do mais, ele não mora aqui. É que eu trabalho amanhã muito cedo... É por isso.
- Prometo que a entrego cedo em sua casa – prometeu solenemente.
Neste momento começou um relacionamento que já durava oito meses. Apesar de morar em Santa Cruz e viajar com muita frequência, Miguel vinha ao Rio de Janeiro pelo menos duas vezes por mês. Ele dizia que antes a prioridade de sua estadia na cidade maravilhosa era o trabalho, mas nos últimos tempos era o prazer de ver e estar com Júlia. Sempre atencioso e apaixonado, surgira com a proposta de casamento há dois meses e desde então não descansara, insistindo que ela conhecesse sua família e de como seria bom terem mais tempo juntos. Às vezes mostrava uma irritação com a alegação de Júlia de não estar preparada ou de achar que era muito cedo para pensar num compromisso tão sério.
- Então não me ama? – perguntava aborrecido.
- Não é isso, Miguel. Estamos indo bem assim. Por que a pressa?
- Quero ter certeza de que você é minha.
Aquela afirmação deixou Júlia mais alerta. Não gostava da ideia de posse sobre ela. Tinha medo de perder sua independência... Tornar-se propriedade de alguém. Porém, ao lado destes receios, estava Miguel... Nenhum outro homem a tratara tão bem ou demonstrara tanto amor como ele. Tinha medo de perdê-lo e arrepender-se mais tarde. Nunca tinha se apaixonado antes, mas achava que esta era a sua vez e Miguel era o homem certo.
O ar enregelante na sacada do hotel a fez voltar à realidade. O melhor a fazer era dormir. Partiria no voo das dez da manhã, mas tinha que acordar cedo, terminar de fazer sua mala, tomar café e ir para o aeroporto JFK. Olhou mais uma vez para as luzes multicores do centro de Manhattan, sorriu e se perguntou se a viagem do dia seguinte definiria o seu futuro... Ao lado de Miguel... Ou não. Voltou para a suíte, fechou a porta da varanda e foi se deitar.

( continua...)



Como havia prometido, volto antes deste mês de Fevereiro acabar, animadíssima para começar a postagem do meu novo romance. Vocês devem estar estranhando o título em espanhol. Acho que nestas férias tive tanto contato com esta língua que resolvi guardar os sabores de Buenos Aires e Punta Cana no título. Além disso, enfrentei alguns probleminhas durante a viagem semelhantes ao de minha heroína, mas que não valem à pena revelar aqui...kkkkk. E não... Não conheci nenhum homem parecido com Josh Brolin. Nem poderia pois estava acompanhada pelo meu digníssimo e mui amado marido.
Sendo assim, inicio hoje mais esta empreitada. Vou colocando os capítulos a medida que os escrevo, como sempre. Até o próximo!
Beijos a todos!
 

9 comentários:

  1. oi Rosane,
    achei 1º capítulo ótimo, quando vc vai postar o próximo?
    Gostaria muito de conhecer Buenos Aires meu noivo já foi pra lá. deve ser lindo.
    beijos enormes.

    www.meulivrorosa.blogspot.com

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  2. Olá! Esse seu primeiro capíulo só deixou uma baita curiosidade e um gostinho de quero mais. Que diabos afinal, tem a ver os traficantes, Juan com Miguel e Júlia? Ele é umn tipo de agente disfarçado,ou ela vai se paixonar por Juan? Ou Miguel é Juan?! OMG!!! Fiquei curiosíssima!!! Mais uma vez, parabéns. Seu talento é mesmo inegável. Um beijo grande!

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  3. Oiee! Boa filha á casa retorna e com a corda toda.... kkk

    Ótimo retorno das férias e já estou anciosissíma pelos próximos capítulos!!!

    * * *Bjkas* * *

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  4. Que bom que gostaram deste primeiro capítulo, meninas.
    Brih, querida!Bem-vinda ao Romances ao Vento! Sobre Buenos Aires, é uma cidade muito linda, com recantos e restaurantes inesquecíveis.É uma capital que lembra um pouco algumas cidades europeias, como Paris. Vale a pena conhecer. Quanto a continuação, sempre peço paciência para minhas leitoras, pois às vezes a próxima postagem pode demorar. Tento colocar um capítulo por semana. Gostaria de ter mais tempo para escrever e postar com mais frequência. Normalmente vou escrevendo os capítulos e postando. Tenho amigas que preferem ler só quando acabo de escrever tudo. Assim, esteja a vontade.
    Aline, sinto te dizer que o Juan morre no primeiro capítulo, mesmo. Aquela primeira cena vai ser esclarecida durante os próximos capítulos (talvez lá pelo 5º ou 6º). Aguarde...rsrsrs
    Léia, que bom te encontrar aqui de novo.Com a corda toda estou mesmo. É o bendito tempo que me falta, mas vou tentar me organizar melhor este ano.
    Beijos a todas vocês!

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  5. Rô, dúvida cruel o Josh Brolin tomou o lugar do Gerry no papel principal???? ai meu deus como assim???? ... vc tá de mal dele :-(
    ...

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  6. Oi Rosane!!!

    Estava com saudades de suas histórias!!!
    O que vai acontecer com o Juan/Miguel será que ele é um Agente disfarçarçado?
    Trocou o Gerry pelo Josh Brolin?
    E as suas férias foram boas?

    Bjs

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  7. Oi, Cris!
    Tudo bem, Vanessa?
    Saudades de vocês!
    Pelo jeito este primeiro capítulo deixou vocês intrigadas. Aqui entre nós... Vocês acham realmente que eu trocaria o Gerry pelo Josh? Tá certo que ele tb é um gato, mas eu sou fiel, meninas. Mas quem sabe... neste romance... kkkkk ...Dúvidas!
    Calma... Esperem pela continuação. Até quinta-feira devo postar o segundo capítulo.
    Beijos, queridas!

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  8. mas que crueldade rô kkkkkkk... mas quer saber eu acho que vc não substituiu o gerry não afinal ele é insubstituível... só não demora muito pra postar se não eu morro de ansiedade rsrsrs... beijosss

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  9. Adorei! Vou voltar para acompanhar os próximos cápitulos tb!

    BjoO
    Pri
    Entre Fatos e Livros

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Cantinho do Leitor
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