Os clarões dos relâmpagos começavam a cortar os céus no alto dos Cárpatos. A nova tempestade de verão já estava próxima. A brisa suave tornava-se mais impetuosa, forçando os pinheirais a curvar-se sobre a floresta, com grande agitação de seus galhos, e lançamento de maior número de pinhas ao chão. Apesar das mudanças bruscas do clima na região, a vida no imponente castelo parecia estar voltando ao normal.
Paole acabara de sair rumo à cidade, depois de ter feito a segunda parte de seu tratamento em Robert. As crianças já brincavam nos jardins, sob os cuidados de Monique, que observava de longe o trabalho de Cristopher, com uma expressão sonhadora no rosto. Will Fetter resolvera rodar algumas cenas de Lisa e de Cris, até poder contar novamente com seu astro principal, Robert.
Cássia chamou Luísa para conversar em uma sala íntima junto aos seus aposentos. Queria privacidade para tocar no assunto delicado que teria de expor, depois de tantos anos em que mantivera aqueles fatos lamentáveis desconhecidos de Luísa.
- Confesso que fiquei surpresa com o seu comentário no final da noite passada. Não sabia que guardava um segredo sobre o meu passado. Sempre pensei que fosse filha de sua irmã, Carina, e de um dos nobres descendentes de Vlad, que perdeu a vida antes de eu nascer. Dessa forma eu seria uma vampira pura, como citou Paole. Se isto não é verdade, então quem sou eu, Cássia? E por que a mentira a respeito de minhas origens?
- Luísa, espero que entenda meus motivos para esconder-lhe esta verdade por todo este tempo. Na realidade, eu não pretendia contar-lhe estes fatos em nenhum momento de sua vida. Mas, agora muitas coisas mudaram, além do que ocorreu com seu... Com Robert. Se eu não falasse a verdade naquele momento em que Arnold solicitou um doador, o tratamento de Robert seria inútil e a verdade acabaria por aparecer de qualquer forma. Além disso, sei que está pensando em unir-se ao pai de Victor e estes esclarecimentos poderão facilitar a sua escolha
- Você está me assustando, Cássia, com todo este rodeio. Afinal, quem são meus pais e por que este mistério todo?
Com visível apreensão e voz trêmula, Cássia falou.
- Tudo aconteceu no final do século dezenove. Naquela época procurávamos ser mais discretos, atacando apenas aos marginais e malfeitores que aparecessem na aldeia, o que era muito bem recebido pelos aldeões. Foi quando Lucca, o irmão mais novo de Victor, precisando urgentemente de “alimento”, precipitou-se ao escolher sua vítima. Acabou por atacar um velho bêbado que ameaçava algumas mulheres com um pedaço de madeira. Ele esperou que o homem ficasse sozinho e o atacou. Infelizmente, o filho estava a sua procura para levá-lo para casa e acabou por ver tudo. Depois de enterrar o pai, passou a procurar Lucca para chantageá-lo, pedindo dinheiro. Quando Lucca negou-se a ceder à chantagem, foi pego numa emboscada nos arredores da vila e morto com uma estaca no coração. Ao saber, Victor enlouqueceu e partiu em busca de retaliação. Ainda tentando demovê-lo da idéia, o acompanhei até a cabana que ficava nos limites da cidade. Era noite e tudo estava às escuras. Ensandecido e com fome de sangue e vingança, atacou o assassino de Lucca e sua mulher, que começou a gritar desesperada ao ver o que estava acontecendo. Ele não queria deixar testemunhas, como seu irmão o fizera. Depois de tudo acabado, antes de sairmos, ouvi um choro fraco, vindo de um dos cantos do quarto, de dentro de um pequeno berço de madeira. Era um bebê, com apenas alguns dias de vida. Uma menina...
Neste ponto, a expressão horrorizada de Luísa chegou ao seu ponto máximo. Começou a sacudir a cabeça lentamente, como se isso pudesse espantar as terríveis palavras que acabava de ouvir.
- Eu nunca pude ter filhos – Cássia continuou – Quando a vi ali, tão indefesa... Victor não queria. Disse que você cresceria e se vingaria dele e esta estória não teria fim. Depois de muito eu insistir, ele permitiu, mas com a condição de que eu a transformasse numa de nós e a criasse como uma vampira legítima. E foi isso que eu fiz. Você não tinha a mínima chance de sobreviver ali...
Luísa ainda tentava absorver a história de sua família. Lembrou de como era tratada friamente por Victor, por mais que tentasse agradá-lo. Anos de mentira... Não podia negar que Cássia tinha tido boas intenções e que a criara como criaria uma filha. Sempre se mostrou sua amiga... De repente, um lampejo de dor nublou sua expressão.
- Cássia... Você participou ativamente da morte de meus... deles?
- Tudo aconteceu muito rápido... – titubeou.
- Participou? – perguntou mais rispidamente.
Sem conseguir encará-la, Cássia baixou os olhos numa atitude de aquiescência.
Luísa sentiu o peito petrificar e as pernas adormecidas não conseguiam reagir a qualquer estímulo ou ordem para levá-la para longe dali. Sentia-se presa dentro de si mesma. Não sabia mais o que pensar ou o que fazer com os sentimentos que se emaranhavam numa rede tortuosa em sua mente. Lembrou das tantas vezes que tentara agradar ao “tio”, da lealdade para com Cássia e seu clã, do dia em que colocou o nome de Victor em seu próprio filho... Os assassinos de seus pais... A cabeça latejava e a visão estava turva. Tinha que sair dali. Pensou em seu filho e em Robert. Eles eram a sua esperança de vida nova.
Como um autômato, foi saindo da sala sem pressa. Cássia permaneceu muda, respeitando a dor de Luísa, mas inquieta com sua reação e com as ações que resultariam daquela revelação.
Encaminhou-se para o quarto onde Robert estava. Precisava do seu conforto, do seu carinho. Não contaria nada do que soubera a pouco, mas tentaria decidir com ele o que fariam dali em diante, agora que nada os impedia de viverem suas vidas. Quando se aproximava da porta, ouviu uma risada feminina, já sua conhecida. Vacilou entre entrar ou não. Sem fazer barulho, abriu a porta e sentiu suas forças esvaírem-se de vez. Robert encontrava-se deitado, com Lisa sobre ele, a abraçá-lo e compartilhando um apaixonado beijo. Pelo menos foi o que Luísa interpretou no momento. Nem mesmo Roberto era confiável. Mal o conhecia. Esta era a verdade. Amara a um homem que conhecera durante uma viagem de seis dias e dedicara-se a sua lembrança por tanto tempo que conseguira enganar-se tolamente a respeito do seu amor. Ele certamente mudara e o fato de lembrar-se do que acontecera há quatro anos não lhe assegurava nada além de desejo carnal. Fragilizada e sentindo-se traída por todos, correu para fora do aposento. Precisava fugir dali. Ir para algum lugar onde pudesse ficar a sós com seu filho e pensar no que faria a seguir. Tudo o que considerara até hoje como um esteio para sua vida, desaparecera como fumaça diante de seus olhos. Não conseguia confiar em mais ninguém, a não ser nela mesma.
Arrumou uma mala com algumas peças de roupa, chamou Victor e contou a Monique que faria uma viagem.
- Mas o que está acontecendo, Luísa? Para onde vocês vão?
- Para bem longe daqui – respondeu sem olhar a amiga.
- Olhe para mim, Luísa, e me diga que está havendo?
Ela vacilou por alguns instantes, imaginando se deveria dar alguma explicação para Monique, que sempre foi sua amiga, mas sentiu que não conseguiria falar sobre o seu sofrimento naquele momento e continuou seus preparativos.
Acompanhada pelo menino perplexo e alarmado com as estranhas atitudes da mãe, Luísa pegou seu carro e partiu sem olhar para trás. Pingos de chuva grosseiros começavam a pipocar sobre a estrada íngreme e um agradável cheiro de terra molhada e de pinho infestou o ar.
- Bem, meu querido, agora que vi que você está melhor que eu, vou voltar para o hotel e aguardar a hora em que Will vai poder rodar as cenas em que atuamos juntos – disse Lisa, despedindo-se de Robert alegremente, depois de lhe dar um abraço e efusivo beijo na bochecha – Trate de recuperar-se logo, pois não poderei suportar mais que alguns dias para encerrar minha participação neste fim de mundo. Não consigo ficar muito tempo longe da civilização. Você sabe como é, não?
- Não se preocupe. Devo retornar dentro de mais um dia, segundo o meu médico.
Despediram-se. Pensou em Luísa. Havia adormecido ao seu lado e quando acordou ela não estava mais. Estava ansioso sobre como se apresentaria a Victor como seu pai. Apesar de estar encantado com a idéia de ter um filho, sentia-se estranho e com medo da grande responsabilidade a assumir tão inesperadamente. Mas sabia que contaria com Luísa ao seu lado e isso lhe dava toda a coragem de que necessitava.
Logo a notícia da “viagem” de Luísa espalhou-se pelo castelo e seus moradores. Robert estava atônito, sem saber o que pensar. Queria uma explicação que não conseguiam lhe dar. Ela não deixara nem uma carta ou bilhete de despedida esclarecendo sua partida. Arnold Paole impediu que ele se levantasse para partir em sua perseguição. Ainda faltava a última transfusão, que só seria realizada na manhã seguinte, para a sua plena recuperação. Só então estaria liberado para fazer o que bem entendesse.
À noite, a pedido de Cássia, todos se reuniram no salão principal, incluindo Robert, que foi liberado da cama, depois de prometer que não faria grandes esforços. Com o apoio de Arnold, para quem já contara a história de como conhecera Luísa com lágrimas nos olhos, revelou aos demais presentes o que presumia fosse a causa da fuga da mãe de Victor e os motivos que a levaram a esta revelação tão tardia. Gabriele e Monique já desconfiavam da origem humana de Luísa, mas não imaginavam como havia ocorrido sua transformação.
- O que me surpreende é o por quê dela não ter falado nada comigo – reclamou Robert, ainda perplexo com o ocorrido.
- Tem certeza de que não aprontou nada com ela, Robert? – perguntou Monique.
- Claro que não! – sobressaltou-se – Por que está dizendo isso?
- Porque eu a vi saindo do seu quarto contendo as lágrimas hoje à tarde, antes de arrumar suas coisas e partir.
- Mas eu... Será que ela viu Lisa e pensou...? Não é possível...
- O que foi que aconteceu? – indagou Gabriele.
- Lisa, a atriz que trabalha conosco no filme, e é minha amiga de muitos anos, foi me fazer uma visita hoje à tarde, pois soube do acidente através do Eric. Será que Luísa a viu no quarto e ficou com ciúmes?
- Vocês se beijaram, nesta despedida?
- Sim... Mas um beijo no rosto, de amigos.
- Considerando a fragilidade em que ela devia estar depois do que ouviu de Cássia, é possível que ela os tenha visto e entendido mal a situação – ponderou Monique.
- Eu preciso encontrá-la. Ela deve estar desesperada com tudo isto que ficou sabendo. Se ainda por cima está imaginando que a traí, então a coisa deve estar sendo ainda mais difícil.
- Calma, Robert. Você tem que terminar a sua recuperação. Tenho certeza que Luísa não vai fazer nenhuma loucura. Pelo que Cássia me contou sobre o modo de ser dela e pelo fato de estar com o filho, acredito que ela não fará nada que possa prejudicar o menino ou a ela própria. Provavelmente está tentando fugir e esconder-se, até conseguir colocar as idéias no lugar. Creio que todos aqui vão querer ajudar a encontrá-la – tentou tranquilizá-lo, Paole.
- Logo terminaremos as filmagens e poderemos procurá-la juntos – disse Eric, que olhou para Cris, obtendo a sua anuência silenciosa com um gesto de cabeça.
- Tenho um palpite para podermos começar as buscas – disse Monique, com expressão iluminada, como se acabasse de lembrar de algo muito importante chamando a atenção imediata de Robert e Cássia – Deixem comigo. Amanhã mesmo vou entrar em contato com uma pessoa que certamente poderá nos ajudar a chegar até Luísa.
- Quem? – exclamou Robert ansioso.
- Não se preocupe. Assim que tiver alguma novidade, eu aviso. Trate de se recuperar e terminar o seu trabalho, para depois correr atrás dela. Conheço a Luísa muito bem e sei que não precisamos nos preocupar com reações que ponham em risco sua vida e, muito menos, a de Victor.
Olhou para Victor que dormia tranquilamente na poltrona ao seu lado. Logo estariam chegando para começarem uma vida nova, longe daqueles que a tinham magoado. Sua maior preocupação era a respeito de sua sobrevivência. Já ouvira falar sobre a possibilidade de readaptação da alimentação nos casos de humanos transformados em vampiros. Algumas lendas falavam sobre vampiros que, quando afastados de suas regiões de origem, teriam conseguido tornarem-se humanos após algum tempo. Nunca tentara nada, pois não tinha dúvidas sobre suas origens. Agora poderia testar esta teoria e, quem sabe, ter uma vida normal junto à sua raça original. O mesmo valeria para Victor, que já demonstrara desde cedo suas tendências para uma dieta mais “saudável” em termos humanos.
Tentou dormir um pouco, mas o barulho dos motores do avião a incomodavam excessivamente. Não queria pensar em mais nada do que tinha ocorrido em Mircea. Tentava afastar aqueles pensamentos martirizantes de sua mente, para que Victor não percebesse sua agonia. Havia dito a ele que fariam um grande e belo passeio por um lugar belíssimo, conseguindo animá-lo um pouco e tirar a tensão de seu rostinho. Antes de dormir ainda perguntou por Lana, sua companheira inseparável, de quem gostava muito e de quem não queria ficar afastado por muito tempo. Sabia que com o tempo ele esqueceria tudo aquilo. Ainda era pequeno e logo se readaptaria às mudanças.
Finalmente chegaram. Um carro já os esperava na entrada do aeroporto para levá-los ao apartamento que Zimbro havia conseguido para acomodá-los. Ele tinha sido muito discreto e extremamente eficiente em sua ajuda à Luísa. Não fez nenhuma pergunta e imediatamente tratou a ida dela para Paris e sua hospedagem em um apartamento de sua propriedade que se encontrava para alugar. Sentiu-se segura por poder contar com um bom amigo como ele. No dia seguinte começaria a providenciar o seu estabelecimento na cidade, que passaria a ser o seu novo lar. Ainda sentia uma dor intensa em seu peito, mas pensava em Victor e no seu futuro. O apartamento ficava numa agradável ruela na Île de Saint Louis, no terceiro andar de um dos vários prédios antigos, com vista para o Sena. Pegou a chave com a zeladora, conforme tinha sido orientada por seu amigo, e respirou fundo ao entrar e sentir-se protegida do mundo lá fora. A decoração era simples e funcional, mas de bom gosto. Colocou Victor para dormir novamente, desfez as malas, colocou uma roupa confortável e foi para a janela admirar a iluminação que irradiava de Notre Dame, localizada a poucos metros da margem em que estava. Pensou ironicamente que talvez tivesse escolhido a cidade certa para ir. Esperava sinceramente que a cidade-luz lhe devolvesse a vontade de viver e que iluminasse os seus caminhos dali para frente.
Paole acabara de sair rumo à cidade, depois de ter feito a segunda parte de seu tratamento em Robert. As crianças já brincavam nos jardins, sob os cuidados de Monique, que observava de longe o trabalho de Cristopher, com uma expressão sonhadora no rosto. Will Fetter resolvera rodar algumas cenas de Lisa e de Cris, até poder contar novamente com seu astro principal, Robert.
Cássia chamou Luísa para conversar em uma sala íntima junto aos seus aposentos. Queria privacidade para tocar no assunto delicado que teria de expor, depois de tantos anos em que mantivera aqueles fatos lamentáveis desconhecidos de Luísa.
- Confesso que fiquei surpresa com o seu comentário no final da noite passada. Não sabia que guardava um segredo sobre o meu passado. Sempre pensei que fosse filha de sua irmã, Carina, e de um dos nobres descendentes de Vlad, que perdeu a vida antes de eu nascer. Dessa forma eu seria uma vampira pura, como citou Paole. Se isto não é verdade, então quem sou eu, Cássia? E por que a mentira a respeito de minhas origens?
- Luísa, espero que entenda meus motivos para esconder-lhe esta verdade por todo este tempo. Na realidade, eu não pretendia contar-lhe estes fatos em nenhum momento de sua vida. Mas, agora muitas coisas mudaram, além do que ocorreu com seu... Com Robert. Se eu não falasse a verdade naquele momento em que Arnold solicitou um doador, o tratamento de Robert seria inútil e a verdade acabaria por aparecer de qualquer forma. Além disso, sei que está pensando em unir-se ao pai de Victor e estes esclarecimentos poderão facilitar a sua escolha
- Você está me assustando, Cássia, com todo este rodeio. Afinal, quem são meus pais e por que este mistério todo?
Com visível apreensão e voz trêmula, Cássia falou.
- Tudo aconteceu no final do século dezenove. Naquela época procurávamos ser mais discretos, atacando apenas aos marginais e malfeitores que aparecessem na aldeia, o que era muito bem recebido pelos aldeões. Foi quando Lucca, o irmão mais novo de Victor, precisando urgentemente de “alimento”, precipitou-se ao escolher sua vítima. Acabou por atacar um velho bêbado que ameaçava algumas mulheres com um pedaço de madeira. Ele esperou que o homem ficasse sozinho e o atacou. Infelizmente, o filho estava a sua procura para levá-lo para casa e acabou por ver tudo. Depois de enterrar o pai, passou a procurar Lucca para chantageá-lo, pedindo dinheiro. Quando Lucca negou-se a ceder à chantagem, foi pego numa emboscada nos arredores da vila e morto com uma estaca no coração. Ao saber, Victor enlouqueceu e partiu em busca de retaliação. Ainda tentando demovê-lo da idéia, o acompanhei até a cabana que ficava nos limites da cidade. Era noite e tudo estava às escuras. Ensandecido e com fome de sangue e vingança, atacou o assassino de Lucca e sua mulher, que começou a gritar desesperada ao ver o que estava acontecendo. Ele não queria deixar testemunhas, como seu irmão o fizera. Depois de tudo acabado, antes de sairmos, ouvi um choro fraco, vindo de um dos cantos do quarto, de dentro de um pequeno berço de madeira. Era um bebê, com apenas alguns dias de vida. Uma menina...
Neste ponto, a expressão horrorizada de Luísa chegou ao seu ponto máximo. Começou a sacudir a cabeça lentamente, como se isso pudesse espantar as terríveis palavras que acabava de ouvir.
- Eu nunca pude ter filhos – Cássia continuou – Quando a vi ali, tão indefesa... Victor não queria. Disse que você cresceria e se vingaria dele e esta estória não teria fim. Depois de muito eu insistir, ele permitiu, mas com a condição de que eu a transformasse numa de nós e a criasse como uma vampira legítima. E foi isso que eu fiz. Você não tinha a mínima chance de sobreviver ali...
Luísa ainda tentava absorver a história de sua família. Lembrou de como era tratada friamente por Victor, por mais que tentasse agradá-lo. Anos de mentira... Não podia negar que Cássia tinha tido boas intenções e que a criara como criaria uma filha. Sempre se mostrou sua amiga... De repente, um lampejo de dor nublou sua expressão.
- Cássia... Você participou ativamente da morte de meus... deles?
- Tudo aconteceu muito rápido... – titubeou.
- Participou? – perguntou mais rispidamente.
Sem conseguir encará-la, Cássia baixou os olhos numa atitude de aquiescência.
Luísa sentiu o peito petrificar e as pernas adormecidas não conseguiam reagir a qualquer estímulo ou ordem para levá-la para longe dali. Sentia-se presa dentro de si mesma. Não sabia mais o que pensar ou o que fazer com os sentimentos que se emaranhavam numa rede tortuosa em sua mente. Lembrou das tantas vezes que tentara agradar ao “tio”, da lealdade para com Cássia e seu clã, do dia em que colocou o nome de Victor em seu próprio filho... Os assassinos de seus pais... A cabeça latejava e a visão estava turva. Tinha que sair dali. Pensou em seu filho e em Robert. Eles eram a sua esperança de vida nova.
Como um autômato, foi saindo da sala sem pressa. Cássia permaneceu muda, respeitando a dor de Luísa, mas inquieta com sua reação e com as ações que resultariam daquela revelação.
Encaminhou-se para o quarto onde Robert estava. Precisava do seu conforto, do seu carinho. Não contaria nada do que soubera a pouco, mas tentaria decidir com ele o que fariam dali em diante, agora que nada os impedia de viverem suas vidas. Quando se aproximava da porta, ouviu uma risada feminina, já sua conhecida. Vacilou entre entrar ou não. Sem fazer barulho, abriu a porta e sentiu suas forças esvaírem-se de vez. Robert encontrava-se deitado, com Lisa sobre ele, a abraçá-lo e compartilhando um apaixonado beijo. Pelo menos foi o que Luísa interpretou no momento. Nem mesmo Roberto era confiável. Mal o conhecia. Esta era a verdade. Amara a um homem que conhecera durante uma viagem de seis dias e dedicara-se a sua lembrança por tanto tempo que conseguira enganar-se tolamente a respeito do seu amor. Ele certamente mudara e o fato de lembrar-se do que acontecera há quatro anos não lhe assegurava nada além de desejo carnal. Fragilizada e sentindo-se traída por todos, correu para fora do aposento. Precisava fugir dali. Ir para algum lugar onde pudesse ficar a sós com seu filho e pensar no que faria a seguir. Tudo o que considerara até hoje como um esteio para sua vida, desaparecera como fumaça diante de seus olhos. Não conseguia confiar em mais ninguém, a não ser nela mesma.
Arrumou uma mala com algumas peças de roupa, chamou Victor e contou a Monique que faria uma viagem.
- Mas o que está acontecendo, Luísa? Para onde vocês vão?
- Para bem longe daqui – respondeu sem olhar a amiga.
- Olhe para mim, Luísa, e me diga que está havendo?
Ela vacilou por alguns instantes, imaginando se deveria dar alguma explicação para Monique, que sempre foi sua amiga, mas sentiu que não conseguiria falar sobre o seu sofrimento naquele momento e continuou seus preparativos.
Acompanhada pelo menino perplexo e alarmado com as estranhas atitudes da mãe, Luísa pegou seu carro e partiu sem olhar para trás. Pingos de chuva grosseiros começavam a pipocar sobre a estrada íngreme e um agradável cheiro de terra molhada e de pinho infestou o ar.
- Bem, meu querido, agora que vi que você está melhor que eu, vou voltar para o hotel e aguardar a hora em que Will vai poder rodar as cenas em que atuamos juntos – disse Lisa, despedindo-se de Robert alegremente, depois de lhe dar um abraço e efusivo beijo na bochecha – Trate de recuperar-se logo, pois não poderei suportar mais que alguns dias para encerrar minha participação neste fim de mundo. Não consigo ficar muito tempo longe da civilização. Você sabe como é, não?
- Não se preocupe. Devo retornar dentro de mais um dia, segundo o meu médico.
Despediram-se. Pensou em Luísa. Havia adormecido ao seu lado e quando acordou ela não estava mais. Estava ansioso sobre como se apresentaria a Victor como seu pai. Apesar de estar encantado com a idéia de ter um filho, sentia-se estranho e com medo da grande responsabilidade a assumir tão inesperadamente. Mas sabia que contaria com Luísa ao seu lado e isso lhe dava toda a coragem de que necessitava.
Logo a notícia da “viagem” de Luísa espalhou-se pelo castelo e seus moradores. Robert estava atônito, sem saber o que pensar. Queria uma explicação que não conseguiam lhe dar. Ela não deixara nem uma carta ou bilhete de despedida esclarecendo sua partida. Arnold Paole impediu que ele se levantasse para partir em sua perseguição. Ainda faltava a última transfusão, que só seria realizada na manhã seguinte, para a sua plena recuperação. Só então estaria liberado para fazer o que bem entendesse.
À noite, a pedido de Cássia, todos se reuniram no salão principal, incluindo Robert, que foi liberado da cama, depois de prometer que não faria grandes esforços. Com o apoio de Arnold, para quem já contara a história de como conhecera Luísa com lágrimas nos olhos, revelou aos demais presentes o que presumia fosse a causa da fuga da mãe de Victor e os motivos que a levaram a esta revelação tão tardia. Gabriele e Monique já desconfiavam da origem humana de Luísa, mas não imaginavam como havia ocorrido sua transformação.
- O que me surpreende é o por quê dela não ter falado nada comigo – reclamou Robert, ainda perplexo com o ocorrido.
- Tem certeza de que não aprontou nada com ela, Robert? – perguntou Monique.
- Claro que não! – sobressaltou-se – Por que está dizendo isso?
- Porque eu a vi saindo do seu quarto contendo as lágrimas hoje à tarde, antes de arrumar suas coisas e partir.
- Mas eu... Será que ela viu Lisa e pensou...? Não é possível...
- O que foi que aconteceu? – indagou Gabriele.
- Lisa, a atriz que trabalha conosco no filme, e é minha amiga de muitos anos, foi me fazer uma visita hoje à tarde, pois soube do acidente através do Eric. Será que Luísa a viu no quarto e ficou com ciúmes?
- Vocês se beijaram, nesta despedida?
- Sim... Mas um beijo no rosto, de amigos.
- Considerando a fragilidade em que ela devia estar depois do que ouviu de Cássia, é possível que ela os tenha visto e entendido mal a situação – ponderou Monique.
- Eu preciso encontrá-la. Ela deve estar desesperada com tudo isto que ficou sabendo. Se ainda por cima está imaginando que a traí, então a coisa deve estar sendo ainda mais difícil.
- Calma, Robert. Você tem que terminar a sua recuperação. Tenho certeza que Luísa não vai fazer nenhuma loucura. Pelo que Cássia me contou sobre o modo de ser dela e pelo fato de estar com o filho, acredito que ela não fará nada que possa prejudicar o menino ou a ela própria. Provavelmente está tentando fugir e esconder-se, até conseguir colocar as idéias no lugar. Creio que todos aqui vão querer ajudar a encontrá-la – tentou tranquilizá-lo, Paole.
- Logo terminaremos as filmagens e poderemos procurá-la juntos – disse Eric, que olhou para Cris, obtendo a sua anuência silenciosa com um gesto de cabeça.
- Tenho um palpite para podermos começar as buscas – disse Monique, com expressão iluminada, como se acabasse de lembrar de algo muito importante chamando a atenção imediata de Robert e Cássia – Deixem comigo. Amanhã mesmo vou entrar em contato com uma pessoa que certamente poderá nos ajudar a chegar até Luísa.
- Quem? – exclamou Robert ansioso.
- Não se preocupe. Assim que tiver alguma novidade, eu aviso. Trate de se recuperar e terminar o seu trabalho, para depois correr atrás dela. Conheço a Luísa muito bem e sei que não precisamos nos preocupar com reações que ponham em risco sua vida e, muito menos, a de Victor.
Olhou para Victor que dormia tranquilamente na poltrona ao seu lado. Logo estariam chegando para começarem uma vida nova, longe daqueles que a tinham magoado. Sua maior preocupação era a respeito de sua sobrevivência. Já ouvira falar sobre a possibilidade de readaptação da alimentação nos casos de humanos transformados em vampiros. Algumas lendas falavam sobre vampiros que, quando afastados de suas regiões de origem, teriam conseguido tornarem-se humanos após algum tempo. Nunca tentara nada, pois não tinha dúvidas sobre suas origens. Agora poderia testar esta teoria e, quem sabe, ter uma vida normal junto à sua raça original. O mesmo valeria para Victor, que já demonstrara desde cedo suas tendências para uma dieta mais “saudável” em termos humanos.
Tentou dormir um pouco, mas o barulho dos motores do avião a incomodavam excessivamente. Não queria pensar em mais nada do que tinha ocorrido em Mircea. Tentava afastar aqueles pensamentos martirizantes de sua mente, para que Victor não percebesse sua agonia. Havia dito a ele que fariam um grande e belo passeio por um lugar belíssimo, conseguindo animá-lo um pouco e tirar a tensão de seu rostinho. Antes de dormir ainda perguntou por Lana, sua companheira inseparável, de quem gostava muito e de quem não queria ficar afastado por muito tempo. Sabia que com o tempo ele esqueceria tudo aquilo. Ainda era pequeno e logo se readaptaria às mudanças.
Finalmente chegaram. Um carro já os esperava na entrada do aeroporto para levá-los ao apartamento que Zimbro havia conseguido para acomodá-los. Ele tinha sido muito discreto e extremamente eficiente em sua ajuda à Luísa. Não fez nenhuma pergunta e imediatamente tratou a ida dela para Paris e sua hospedagem em um apartamento de sua propriedade que se encontrava para alugar. Sentiu-se segura por poder contar com um bom amigo como ele. No dia seguinte começaria a providenciar o seu estabelecimento na cidade, que passaria a ser o seu novo lar. Ainda sentia uma dor intensa em seu peito, mas pensava em Victor e no seu futuro. O apartamento ficava numa agradável ruela na Île de Saint Louis, no terceiro andar de um dos vários prédios antigos, com vista para o Sena. Pegou a chave com a zeladora, conforme tinha sido orientada por seu amigo, e respirou fundo ao entrar e sentir-se protegida do mundo lá fora. A decoração era simples e funcional, mas de bom gosto. Colocou Victor para dormir novamente, desfez as malas, colocou uma roupa confortável e foi para a janela admirar a iluminação que irradiava de Notre Dame, localizada a poucos metros da margem em que estava. Pensou ironicamente que talvez tivesse escolhido a cidade certa para ir. Esperava sinceramente que a cidade-luz lhe devolvesse a vontade de viver e que iluminasse os seus caminhos dali para frente.
Nem acredito que estou conseguindo postar mais este capítulo do meu romance. Esta foi uma semana muito movimentada do lado de cá, mas estou aqui para cumprir o minha meta de pelo menos postar um capítulo por semana. Prometo que agora falta pouco para terminar. Como sempre, agradeço à paciêcia das minhas leitoras e por seu estímulo através dos recados e comentários.
Mil beijos a todas!
Ai Rô, que aflição!
ResponderExcluirRevelação bombástica e fuga de Luísa que entendeu coisa errada! Aff...
Vou ficar aqui, ansiosa, esperando pelo que irá acontecer!
Bjim querida♥
Rosane!!!
ResponderExcluirJá estava aflita,kkk
Mas que reviravolta foi está?Fiquei surpresa,
e tomara que a encontrem rápido,para que Robert possa explicar td.
Ficarei esperando o próximo cap.desta saga com ansiedade.
Bjs.
Carel disse:
ResponderExcluirJuro que fiquei surpresa com essa fuga dela...Poxa, aconteceu quase nada... descobriu que a amiga Cássia participou da morte dos pais... que não é uma vampira de linhagem "pura"... que seu amado supostamente estava beijando outra...kkkk. To brincando... Coitada dela. Tanta coisa junta deu nisso... Mas tenho certeza que Rob recuperado não vai perde-la, de jeito nenhum...
No aguardo de mais... Beijocas flor!!!
"Virge"! A coisa degringolou hein?! Que situação! Complicada sinuca essa em que a Luísa está. Agora é que vou embrotoejar (se é que esta expressão existe e, se não existe, passa a existir, pois é assim que estou!).
ResponderExcluirInusitada esta, possível solução que arranjaste para a "mudança" da Luísa, hein, Rô!
Saudades, querida!
Beijinhos
Vixe, mas que confusão!
ResponderExcluirCoitada da Luísa, saber que a Cássia, que a havia criado com carinho, participou da morte de seus pais é repugnante. Mas tb devia a sua vida a Cássia, pois se não fosse ela intervir pedindo a Victor que pudesse criá-la, certamente o seu destino teria sido a morte, como a de seus pais.
Já perdoar Victor é muito difícil, complicadíssimo. Ele havia sofrido a perda de um familiar e vingou-se. Não satisfeito, a criou com frieza. E pensar que ela mesma o honrou, dando o seu nome ao seu filhinho... Que situação delicadíssima!
Mas que hora dessa Lisa estar com o Robert... Justamente agora, que uma simples gota seria vista como uma tempestade por Luisa, diante dos acontecimentos tão sombrios.
Eu tb iria querer sumir, desaparecer sem deixar rastros...
É aquela história, anteriormente o Robert quis provocar ciúmes na Luisa, tendo a Lisa como comparsa. Agora, qualquer aproximação torna-se uma ameaça aos olhos da Luisa. O Robert brincou com fogo e agora se queimou.
Coitada da Luisa, ter que passar por tantos sentimentos fortes em pouquíssimo tempo. E, agora, sozinha...
Mas todos estão empenhados em encontrá-la e tentar serenar o seu coração tão dolorido pelas descobertas estonteadas.
Aguardo ansiosamente pelo que vem. E que venha muitos beijos na boca do Robert, pq uma BOCA daquelas não dá pra deixar solta... hihihi...
Parabéns, amiga, o conto está fantástico!!!
Beijinhos