domingo, 7 de abril de 2013

A Cruz de Hainaut - Capitulo XVI (2ª parte)


Calais – Páscoa de 1347
 
Naquela manhã, do primeiro dia do mês de Abril de 1347, domingo de Páscoa, havia motivos para festa em ambos os lados do cerco. No interior da cidade sitiada, iniciavam-se os preparativos para o casamento de Corine, filha de Eustache, com Pierre de Wissant. Sete dias antes, o noivo, acompanhado de seu irmão, Jacques, fizera uma visita à casa do comerciante. O rapaz chegara à conclusão que não havia mais motivos para adiar seu casamento com Corine. O retorno a Itália para terminar seus estudos na universidade de Medicina haviam sido adiados por tempo indeterminado, se é que ainda teria a chance de completá-los. Declarou seu amor e a necessidade de compartilhar com a jovem todos os dias de seu futuro incerto, pois ninguém sabia o que aconteceria a seguir. Ainda resistiam, porém os víveres eram cada vez mais escassos e agora, com a vigilância redobrada no acesso pelo mar, a situação só ficaria pior. Dessa maneira, Eustache cedeu ao pedido de Pierre, para grande alegria de Corine, que ansiava por essa união há muito tempo.
Enquanto isso, na cidadela de madeira dos soberanos da Inglaterra, as aias da princesa Isabela trabalhavam na disposição das roupas e joias que seriam usadas na cerimônia de noivado com o Conde de Flanders. O noivo era aguardado ansiosamente pela menina e por seus pais. Um grande banquete era preparado com iguarias trazidas pelos produtores locais, que tentavam agradar ao seu novo senhor. Músicos e dançarinos da corte inglesa foram trazidos especialmente para a ocasião.
Tudo se encaminhava para que aquele fosse um dia glorioso para os cidadãos de ambos os lados.
Devido ao racionamento imposto por Eduardo, Eustache fora impedido de alimentar seus convidados com a opulência que a ocasião exigiria. No entanto, ele decidiu fazer, após a cerimônia,  uma comemoração pública,  diante da igreja, com muita música e danças. Mandou, consternado, sacrificar três de seus cavalos, dos quatro que ainda restavam e que normalmente eram utilizados no transporte de suas mercadorias. Ordenou ao seu cozinheiro que assasse a carne com os melhores temperos, de forma a torná-la o mais saborosa possível. Abriu seu último barril de vinho, que reservara para uma ocasião especial como aquela, para servir os convidados mais chegados.  Mandou enfeitar a praça principal com bandeiras coloridas e lampiões. Pelo menos por algumas horas, pretendia fazer as pessoas esquecerem suas mazelas e compartilharem da alegria dos jovens noivos. A maior parte da população, apesar da tristeza e da penúria em que se encontrava, aderiu ao chamado do comerciante, e fez questão de participar, não só com sua presença, mas também contribuindo de alguma maneira para que a festa fosse um sucesso. Instrumentos musicais  esquecidos foram limpos e colocados de volta à vida, as melhores roupas foram tiradas dos armários e colocadas ao sol para arejar, uma sombra de sorriso podia ser vista outra vez nos rostos magros e desiludidos daqueles franceses. Ainda persistia a esperança de que o rei Filipe os ajudasse. Talvez aquela demonstração de vida atrás dos muros chegasse até a ele, como um sinal da confiança que lhe devotavam, e o comovesse, ao ponto de lançar uma ajuda efetiva que os libertasse de seu algoz. Era sabido que o rei mantinha uma tropa de soldados em vigília nos arredores, a fim de mantê-lo informado a respeito das ações de seu inimigo. Com essa renovação da esperança em seus corações, festejariam junto com Eustache e sua família.
O dia passou agitado com os preparativos de franceses e ingleses. Porém, ao cair da tarde, os ânimos do lado inglês esmaeceram.
Eduardo andava de um lado ao outro na sala principal. Há cerca de uma hora recebera a notícia de que o jovem Luis não compareceria ao seu próprio noivado. Ao invés disso, seguira para Paris para uma visita ao Palácio do Louvre a convite de Filipe VI, deixando assim clara a sua posição de antagonismo contra os ingleses, além de uma ex-futura-noiva chorosa pela rejeição sofrida. Enquanto Filipa a consolava, Eduardo tornava-se mais determinado a possuir Calais e a não permitir que Filipe vencesse aquela batalha. O dia que seria motivo de júbilo acabou sendo uma data onde a indignação e as ideias de vingança ganharam destaque.


 

O som dos risos, das palmas, dos alaúdes e dos instrumentos de percussão, podia ser ouvido na cidadela de madeira, aumentando ainda mais a ira de Eduardo. Ele se perguntava como aqueles miseráveis podiam saber da desgraça de sua filha e, ainda, por conta disso, festejavam acintosamente. Sentindo-se humilhado, não teve dúvidas ao chamar seu comandante e proferir novas ordens.
 
O prefeito Jean de Vienne observava a alegria dos noivos, Corine e Pierre, que rodopiavam abraçados, no ritmo das palmas rítmicas de seus convidados, dançando, alheios ao momento que a cidade atravessava. Estava intimamente contente por eles e grato à generosidade de Eustache por oferecer às pessoas um motivo para sorrir  uma vez mais e compartilhar, na medida do possível, de sua mesa. Graças a sua posição, não se permitira participar do festejo. Tinha assumido posições muito polêmicas diante da população, desde a expulsão dos mais miseráveis um mês antes, além do rigor que precisava manter no racionamento. Muitos o culpavam por não receberem ajuda do rei, devido a antigas rusgas entre ele e o monarca. Alguns entendiam sua posição, porém a maior parte preferia criticá-lo. Já esperava essa reação. Sempre soube que seu cargo seria solitário e que poderia ser odiado, apesar de suas boas intenções.
- Flechas incendiárias!!

O grito agoniado de um dos soldados de vigia no alto da torre da igreja o surpreendeu. Vienne desceu correndo do balcão da prefeitura, de onde observava a festa, em direção à rua onde as pessoas dançavam alheias ao perigo imediato que corriam. Começou a gritar desesperado para que se protegessem.
Alguns soldados o acompanharam na empreitada, enquanto as chamas, em rastros luminosos, desciam do céu, rápidas e inesperadamente. Os gritos começaram a multiplicar-se e a debandada começou. Não parecia haver portas suficientes por onde escapar ou tetos seguros o bastante sob onde se esconder. Muitos correram para a igreja, por estarem mais próximos, como foi o caso da família de Eustache, outros foram levados para a prefeitura sob os apelos de Vienne que abriu as portas do prédio para lhes dar cobertura. Entretanto, a vingança de Eduardo conseguiu seu intento com alguns pobres incautos que, lançados ao chão pela multidão em polvorosa ou que não tiveram tempo ou oportunidade de conseguir um abrigo, acolheram em seus corpos as flechas de fogo. Um cheiro de carne queimada espalhou-se pelo centro da cidade e os gritos transformaram-se em choro e lamentações. Mais tarde, quando puderam recolher os corpos carbonizados, apenas um profundo e pesaroso silêncio restou.
Do acampamento francês, poucas horas depois, partia um mensageiro para Paris, levando a noticia do imprevisto ataque e suas consequências até as mãos do soberano francês.
 
(continua...)
 
Muito obrigada a todos que continuam acompanhando esse romance; às minhas queridas amigas, Nadja e Ly, que deixaram seus comentários, na última postagem, um grande beijo, e o meu carinho também àqueles que leram, mesmo sem comentar.
Um super abraço a todos! Até a próxima!
PS: Acabo de lembrar que estamos com uma página no Facebook agora. Se puderem, adoraria que fossem até lá para curtir. Obrigada! Beijos!
 

7 comentários:

  1. Vendo suas postagens eu percebo que eu possa ter vivido nessa época, não sou desse mundo atual...rsrsrs Mas ainda bem que temos você para poder reviver esses momentos lindos!! Sucesso sempre pra ti...Beijos!! =)

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    1. Oi, querido! Obrigada pelo teu comentário. Fico super contente de te ver aqui. Pois é... Nós românticos estamos meio deslocados nessa época atual. Fazer o quê?
      Um super beijo,Luis Fernando!!

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  2. É, as vezes a impressão que tenho é de que outros tempos eram melhores que esse que vivemos. E olha que não sou do tipo saudosista, mas....
    Bjim querida...♥

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  3. Oi Rô!!!
    Meu Deus, fiquei impressionada com esse capítulo, quantas emoções completamente opostas, como uma interpretação errada pode acarretar em uma decisão equivocada.
    Eustache tão generoso e feliz por sua filha, querendo compartilhar desse momento com a população, enquanto a raiva de Eduardo trouxe ainda mais sofrimento a Calais..
    Super ansiosa pela continuação amiga!
    Beijos!!

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    1. Oi, amiga querida! É tão bom ler esses comentários e saber que a história está agradando vocês. Isso me dá motivação para continuar. Não tem sido muito fácil, às vezes me atraso um pouco com a postagem (como agora, que ainda não consegui terminar o início do capítulo XVII), mas "devagar e sempre", não é mesmo?
      Um grande beijo, linda!

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  4. Escreveu não leu o pau comeu esse era o lema dessa época bem contraditória a nossa atual realidade, pode parecer loucura mas as coisas funcionavam naquela época discordando claro de vidas inocentes pagando por tal barbare e assim mediante tantas dores veremos como seguira os dias da pobre garota!!

    Beijo grande Rô

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