sexta-feira, 22 de março de 2013

A Cruz de Hainaut - Capítulo XV (2ª parte)

 
 
Castelo de madeira de Eduardo III, nos arredores de Calais – Março de 1347
 
 
- Onde está Eduardo? – perguntou a rainha ao seu fiel amigo Sir Walter de Mauny, quando irrompeu no salão onde o rei costumava deliberar suas ordens. Parecia nervosa e irritada.
- Ele saiu para verificar as torres de observação em torno das muralhas e falar com o comandante da flotilha que chegou aqui no final do mês. Com a ajuda destes 120 navios que Sua Majestade mobilizou para cá, conseguimos o bloqueio completo do acesso por mar. Com isso a entrada de alimentos para abastecimento da cidadela fica definitivamente cortado e...
- Perdoe-me, Walter, mas não preciso saber desses detalhes escabrosos das táticas do cerco. O que preciso agora é falar com meu marido.
- Se eu puder ajudá-la...
Filipa soltou um longo suspiro e sentou-se em uma das cadeiras em torno da mesa de reuniões.
- Minha filha, Isabela, acaba de chegar de Londres. Diz que o pai mandou trazê-la para cá, pois ficará noiva do novo Conde de Flandres na Páscoa.
- O rei não lhe comunicou sua resolução?
- Não! – exclamou exasperada, elevando o tom da voz, coisa que raramente fazia, pois costumava ser tolerante com as atitudes inesperadas de seu marido. – Ele não pode definir o futuro de nossa filha sem antes falar comigo.
- Creio que Vossa Majestade deva discutir este assunto diretamente com o rei. – disse Sir Walter sentindo-se consternado pela rainha, mas ao mesmo tempo não querendo intrometer-se na intimidade do casal real.
Conter o choro diante de seus súditos era algo que aprendera ao longo dos anos de reinado e não pretendia que fosse diferente na frente de Sir Walter. Uma rainha não podia se dar ao luxo de ficar lamentando os mandos e desmandos do rei.  Sua tristeza era provocada, não apenas pela obrigação imposta a sua filha de quinze anos, mas pelo sentimento de traição. De repente, dava-se conta de que, naqueles últimos meses, Eduardo estivera tentando cativá-la, não por que quisesse seu amor de volta, mas porque sabia de sua resistência a um casamento de conveniência e precisaria de seu apoio. E pensar que andava tão feliz com os carinhos e agrados de Eduardo...
- Senhora... O rei está chegando. – alertou-a Sir Walter aliviado quando avistou o grupo de cavaleiros que cruzava os portões da vila e a figura imponente de Eduardo a frente deles.
- Por favor, meu amigo... Poderia pedir a ele que vá até meus aposentos?
- Sem dúvida, majestade. Irei imediatamente.
Após uma mesura, saiu do salão a procura de seu rei.
Quando se dirigia para o quarto, Isabela veio ao seu encontro.
- Mãe?
- Sim, minha filha... – respondeu carinhosa, abrindo os braços para aconchegá-la.
- Estava com saudades...
- Eu também, meu anjo.
- Não quero que a senhora brigue com meu pai.
- Não vou brigar, querida.
- Eu estou feliz com o noivado. Eu lembro de ter visto Luís ao lado de seu pai na corte. Lembro que o achei bonito. Não vejo a hora de revê-lo. – sussurrou a frase final, com as bochechas coradas.
- Tenho certeza que o jovem Luís é um ótimo rapaz, que a fará muito feliz – disse para a filha e para si mesma, numa tentativa de convencer-se que a escolha de Eduardo era certa. Não admitiria que sua filha sofresse nas mãos de quem quer que fosse. Ela era muito jovem e inexperiente.
- Então, não está chateada com papai?
- Ele deveria ter me avisado a respeito de suas intenções de casá-la com o conde...
- Já está na hora de me casar, mamãe. Melhor que seja com um jovem belo e solteiro, do que com um velho barrigudo e viúvo. Não acha?
- Queria falar comigo, Filipa?
A voz tonitruante de Eduardo encheu o corredor onde mãe e filha conversavam próximas à entrada dos aposentos da rainha.
- Papai!
Isabela correu para os braços de Eduardo, que imediatamente abandonou a expressão preocupada e abriu um sorriso. Isabela lembrava Filipa quando jovem, mas de cabelos castanho-escuros Ele reconhecia que ficara mais aliviado com a boa recepção que ela tivera ao receber a notícia de seu futuro noivado. Olhou para a esposa e anteviu a  tempestade que teria de enfrentar logo a seguir. Abraçou a filha e pediu que ela os deixasse para que pudessem conversar.
- Mamãe?... – lançou um olhar suplicante a Filipa.
- Não se preocupe. Vamos apenas conversar. – tranquilizou-a.
A menina deu um sorriso pueril e saiu à procura de sua dama de companhia, a quem deixara falando sozinha para correr atrás da mãe.
Filipa fez uma reverência ao marido e entrou em seu quarto, deixando a porta aberta, como um sinal de que ele deveria segui-la. Eduardo não entendia por que a mulher estava tão aborrecida. Muitas vezes tinham conversado sobre as responsabilidades de um monarca e dos casamentos de interesse que deveriam ser realizados à medida que fossem necessários. Isabela já estava em idade de casar e não encontraria melhor partido na Inglaterra ou na França. Além disso, sua aliança com Flandres, Nevers e Rethel, antes firmada com o pai de Luís, que morrera lutando ao seu lado, na Batalha de Crècy, estaria assegurada.
- Feche a porta, por favor.
- Filipa...
Ela não conseguiu segurar mais o seu desapontamento e sua tristeza pela atitude de Eduardo.
Vendo a mulher a verter lágrimas inexplicadas, aproximou-se dela a fim de consolá-la, pensando ser, afinal, outro o motivo para aquela conversa. Não era possível que o choro fosse pelo noivado de Isabela. Foi rechaçado abruptamente.
- Não me toque!
- O que houve, Filipa?
- Por que simplesmente não me falou sobre seus planos em relação a Isabela? Não precisaria usar de subterfúgios para me colocar ao seu lado.
- O quê? Subterfúgios? Sobre o que exatamente você está falando?
- Você sabe muito bem!
Uma nova onda de choro se iniciou.
- Não, Filipa... Eu não sei do que está falando.
- Nos últimos meses, aqui nesse acampamento, tenho sido iludida por você – disse entre soluços. – Quase acreditei que poderíamos voltar a ser um casal de verdade.
Tomado pela revolta, diante das palavras de sua esposa, Eduardo agarrou-a pelos braços e obrigou-a a olhá-lo de frente.
- Eu não a iludi! – afirmou irritado, mal podendo acreditar que a insegurança afetiva de Filipa a tivesse feito imaginar tal artimanha por parte dele. – Tudo que está acontecendo nestes dias é real e ditado pelo coração e não por uma ação calculada para suborná-la... Acredite em mim. Meu único erro foi querer evitar seu aborrecimento.
 - Por favor! Não considero o destino da nossa filha como um mero aborrecimento. – bradou enquanto tentava desvencilhar-se das mãos de ferro do marido.
- Está bem... – Liberou-a. –  Me perdoe ... Vamos conversar sobre isso como dois pais preocupados com o casamento de sua filha, mas não jogue na lama todo o meu esforço em reconquistá-la ao lado dos momentos inesquecíveis que temos vivido “nesse acampamento”.
O soluçar diminuiu. Em um movimento suave, Eduardo voltou a tentar uma abordagem, sendo bem sucedido dessa vez. Chegou por trás de Filipa, sem tocá-la, mas tão próximo que podia sentir o perfume de seus cabelos e o calor de seu corpo. Percebeu o estremecimento dela reagindo à aproximação. Suas mãos envolveram sua cintura e a giraram, deixando-os frente a frente. Segurou seu queixo com delicadeza forçando-a a olhar para cima.
- Eu a amo, Filipa. Lembra-se dos meus votos em York, feitos há quase 20 anos? Não os fiz de forma inconsequente. A vida, as batalhas e as separações decorrentes da rotina do reinado podem ter me afastado um pouco de minhas juras, mas o amor que sinto por você permanece, até maior que antes.
Ela o fitou e pode ver a sinceridade e a veneração vertendo dos olhos de seu amado.
Com o rosto ainda úmido pelas lágrimas perdidas, teve os lábios, entreabertos pelo júbilo diante das palavras de Eduardo, cobertos por um beijo, a princípio suave, mas que ao ser correspondido, tornou-se mais e mais apaixonado e vigoroso. Um desejo avassalador tomou conta do homem. Roupas foram arrancadas e as palavras foram substituídas por ações...
Era início de mais uma tarde nublada e fria. No entanto, sobre a cama, nos aposentos da rainha, os corpos nus e entrelaçados exalavam calor, preguiça e deleite, como se estivessem desfrutando uma manhã ensolarada e sem compromissos. O fogo na lareira crepitava, começando a exigir mais lenha para atiçá-lo.
- Você sabe como acabar uma discussão. – afirmou Filipa, acariciando o peito de Eduardo.
- Acho que deveríamos discutir mais vezes...- sugeriu beijando o topo da cabeça de cabelos dourados e despenteados.
Ela sorriu e fez menção de sair da cama, no que foi rapidamente impedida. Num movimento quase felino, Eduardo subjugou-a sob seu corpo.
- Que tal uma nova discussão?
- Realmente ainda precisamos falar sobre o casamento de Isabela.
Com um suspiro longo, Eduardo deitou-se ao seu lado, olhando para o teto.
- Pensei que esse problema estivesse resolvido. Você sabe que o jovem Luís acaba de herdar condados importantes para a Inglaterra. Este noivado será benéfico tanto para nós como para ele, que precisa da lã inglesa.  Preciso manter seu apoio, assim como o tinha de seu pai. Sei que ele é simpatizante de Filipe, mas seu pai era nosso aliado e ele deve se manter fiel a nós.
- A Isabela é tão jovem... Tenho medo que ela venha a sofrer com um casamento arranjado dessa maneira.
- Ela tem um ano a menos que eu quando te desposei.
- É diferente, Eduardo. Nós nos amávamos e nosso casamento não foi por conveniência.
- Filipa... Tenho certeza que os dois vão se dar muito bem. Nossa filha é linda. Impossível não se apaixonar por ela. Ele é um jovem de boa criação e sei que a fará muito feliz.
- Ah, se eu pudesse ter uma garantia disso...
- Se ele a fizer infeliz, eu o mato... Mas só depois que eles tiverem um herdeiro. – disse sério.
- Eduardo! – escandalizou-se com a ameaça do marido.- Como pode dizer uma coisa dessas!
- Só para tranquilizá-la... – respondeu, caindo na risada logo em seguida e voltando a ficar sobre ela. – Agora que discutimos um pouco, que tal nova reconciliação?
- Só se me prometer que nunca mais vai me deixar de fora das decisões sobre os casamentos de nossos filhos.
- Prometo... – sussurrou no seu ouvido, iniciando outra série de carícias que a fizeram sorrir e gemer.
 
(continua...)
 
 
Oi, pessoal!
Demorou um pouquinho mais, mas consegui postar antes do final de semana. Devagar e sempre...
Amei os comentários da última postagem ( beijos muito especiais para a Lucy, a Ly, a Nadja, a Léia, o Luiz Fernando e a Rose - bem vinda ao meu cantinho, querida!).
Quero aproveitar para agradecer a todos aqueles amigos que enviaram lindas  mensagens de felicitações pelo meu aniversário lá no Facebook, que aliás foi um dos motivos(o aniversário)  para a demora na postagem... Muita festa...rsrs, o que é um bom motivo, não? MUITO OBRIGADA!!! Amo vocês!
Mil beijinhos, meus queridos, e até a próxima postagem!
 
 
 
 

6 comentários:

  1. Oi Rô!!!!
    Adorei mais uma vez o capítulo amiga, tão envolvente, ai, ai....
    O que um mal entendido pode provocar num relacionamento! Fiquei com dó da Filipa e do Eduardo, dela por acreditar que ele a estava seduzindo para que ela aceitasse pacatamente o noivado da filha; dele por ter sido julgado de forma errada por ela. Mas ainda bem que tudo foi esclarecido e fizeram as pazes, por sinal você descreveu maravilhosamente bem a "reconciliação" deles amiga, de suspirar....
    Agora é esperar pelo próximo post.
    Beijosssss e uma excelente semana querida!!!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada, Nadja! Fico hipercontente com a tua reação ao modo como descrevi essa cena. Esse casal existiu, e tudo que tenho lido sobre eles tento traduzir nessas cenas. Eu estive em York e foi uma emoção saber que ali se realizou o casamento deles. Quando estive lá em 2010, já estava com essa história na cabeça e tive sorte de encontrar muita coisa sobre ela. Fiquei apaixonada por Eduardo e Filipa, que por si só mereceriam um romance só deles. Existem muitos romances reais na história mundial. Não deixo de me surpreender, quanto mais eu leio e pesquiso.
      Um beijo muito carinhoso, querida! Uma ótima semana prá ti tb!

      Excluir
  2. Olá Rosana, tudo bem contigo?
    Assim como existe romances reais á também romances que vem de vidas passadas
    que se encontram só ou agora, ou que ainda vão se encontrar... Como sempre está super inspirada para cada capítulo...
    E muito obrigado por citar eu no seu blog, o carinho só aumenta.
    Beijinhos e uma ótima semana...
    =)

    ResponderExcluir
  3. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  4. Estou estatelada com tantos afagos desse casal que estava mais do que na hora e merecidamente é claro reverter o quadro de descasos e distanciamento isso só aflora meus pensamentos nada Ortodoxos com um individuo de origem escocesa... kkk

    Fique mega feliz com essa reconciliação calorosa desse romântico casal!!

    Beijãoo Rô.

    ResponderExcluir

Cantinho do Leitor
Este cantinho está reservado para que coloquem suas críticas a respeito de meus romances e do blog. A sua opinião é muito importante para mim. Se tiverem alguma dificuldade em postar aqui, deixem mensagem na caixa de recados.
Beijos!