sábado, 9 de março de 2013

A Cruz de Hainaut - Capítulo XV (1ª parte)

Filipa ainda mantinha gravado na retina o rosto angustiado de Andries ao vê-la ser levada por Galen. Seria a angústia causada por uma real preocupação com ela ou por haver perdido a chance de pôr as mãos na esmeralda? Estava confusa. Não podia acreditar que alguém como ele estivesse envolvido com ladrões de joias. A adrenalina ainda corria em suas veias em doses suficientes para mantê-la sem condições de falar qualquer coisa. A advertência que recebera de que sairiam da cidade era confirmada pela paisagem que via correr em ritmo acelerado através da janela do carro. Galen mantinha os olhos atentos na estrada e no espelho retrovisor. Estava claramente preocupado com a possibilidade de estarem sendo seguidos. Olhando-o, ficou imaginando o que diriam suas amigas sobre a sua decisão, certamente precipitada. Seguir aquele homem que estava ao seu lado, com uma ficha na Interpol, caçado como ladrão internacional, deixando sem explicação àquele que a havia convidado a visitar o museu em Amsterdã, que demonstrara total interesse em sua tese e estivera pagando suas despesas... Uma loucura, certamente. Talvez Myriam a apoiasse depois de dar uma olhada em Galen. Era uma romântica como ela e também tão desmiolada quanto. Podia ouvir Beta repreendendo-a, ao lado de seus pais, escandalizados com sua atitude impensada. Sacudiu a cabeça e decidiu que devia sair de seu estado de inércia e saber afinal os motivos de Galen para levá-la naquela fuga inexplicada.
- Eu vi a sua ficha no site da Interpol entre os mais procurados... – Aquele fato ainda estava entalado em sua mente, por isso não conseguiu reprimir a acusação, a procura de uma explicação plausível por parte dele.
Para sua surpresa, ele não demonstrou qualquer sinal de incômodo com aquela revelação.
- Eles mantiveram minha ficha lá como disfarce. Assim poderia continuar circulando entre meus antigos companheiros de profissão sem levantar suspeitas acerca de meu novo trabalho.
- Mantiveram sua ficha? Então você é mesmo um ladrão? – Um frio gelou seu estômago.
- Eu fui um ladrão. Deixei meus dias de contraventor há alguns anos, quando fiz um acordo com a Interpol e me tornei um colaborador... Não menti para você.
- Não disse que era um ladrão.
- Apenas omiti essa parte. Como acha que adquiri as habilidades necessárias para roubar um celular, entrar no seu apartamento no hotel e pegar o anel de dentro da sua bolsa, entre outras coisas?
Filipa estava de queixo caído. Mais uma vez era assaltada por seus piores temores em relação a O’Neill.  Sentiu-se paralisada. Galen certificou-se mais uma vez de que não estavam sendo seguidos. Sentia que devia maiores explicações além daquelas que havia dito no hotel. Afinal, Filipa largara tudo para seguir com ele, mesmo desconfiando que ele era um ladrão, que só estava interessado em suas joias.
- Eu não queria que as coisas chegassem a esse ponto, Filipa.
- O que está fazendo? – perguntou receosa, ao vê-lo diminuir a velocidade do carro.
- Pausa para um café. – avisou enquanto fazia um retorno e dirigia-se à cafeteria, ao lado de um posto de gasolina, do outro lado da pista.
Estacionou em uma vaga nos fundos do local, onde o carro não poderia ser visto da estrada. Olhou-a, percebendo-a frágil e assustada, e surgiu uma imensa vontade de abraçá-la, confortá-la e sussurrar palavras de carinho em seu ouvido. Rapidamente sufocou o impulso. Respirou fundo, desligou o motor e desceu. Deu a volta no carro e abriu a porta para Filipa sair. Ofereceu sua mão para ajudá-la, mas foi recusado. Não disse nada para não constrangê-la.
- Teremos mais uma daquelas conversas para me convencer que você é o mocinho da história? – perguntou empertigando-se.
Ele não pode deixar de rir com a insinuação.
- Não quero convencê-la de nada, Filipa. Se eu tivesse certeza de que esses bandidos não iriam persegui-la e machucá-la, eu mesmo a colocaria num voo para o Brasil hoje mesmo. Infelizmente não é assim.
Entraram na cafeteria.
- Está com fome? – perguntou Galen.
- Não...
Observou-o enquanto ele pedia apenas dois cappuccinos. Ele era tão bonito e parecia tão sincero...
- Por que roubou o anel da minha bolsa?
- Peguei emprestado.
- Roubou. Se quisesse emprestado, poderia ter me pedido.
- Filipa, você estava correndo um sério risco carregando aquela joia em sua bolsa como se ela fosse uma mera bijuteria. Além disso, eu precisava conhecer o motivo de tanta disputa.
- É uma boa desculpa para se roubar alguém... – Fez que não notara a expressão chateada em seu rosto e continuou. – Ao menos descobriu o que essa pedra tem de tão especial?
- Certamente estão atrás da esmeralda, pois a armação do anel e os brilhantes não são de grande valor.  Já a pedra apresenta uma lapidação especial que demonstra sua antiguidade, além de ter uma marca que certamente pode nos indicar sua origem e sua própria história. Tenho uma tese, mas quero que um amigo, especialista nesta área, a estude e verifique se estou certo.
- Ele também é um ladrão?
- Por que insiste em me chamar de ladrão? – vociferou em voz baixa. Quando pensava que o passado ficara para trás, algo acontecia e revirava tudo de novo, trazendo consigo as más lembranças que preferia esquecer para sempre.
Filipa percebeu que exagerara e arrependeu-se de ter feito a pergunta.
- Desculpe... – disse baixando o olhar para a xícara que o atendente acabara de colocar a sua frente.
- Droga! – praguejou para si mesmo, sentindo que a assustara mais uma vez. – Não me orgulho nem gosto de relembrar alguns detalhes de meu passado. Acha que me tornei um marginal por vocação?
- A vida sempre dá opções.
- Eu não as tive.
Um silêncio constrangedor se abateu sobre os dois e Filipa decidiu não levar adiante seus questionamentos, pois percebeu que o magoara de alguma forma. Talvez voltasse ao assunto mais tarde. Sentia-se estranhamente atraída por tudo que se relacionava a ele e queria saber muito mais sobre sua vida.
Bebericaram seus cappuccinos e, ao fim de alguns minutos, Galen recuperou-se de suas más memórias e voltou a falar.
- O nome dele é Tirret. Claude Tirret.
- Claude Tirret? – perguntou surpresa. – Esse é o nome de um dos curadores do Louvre!
- Por isso estamos indo para Paris. – esclareceu calmamente.
- Está brincando! Você é amigo de Tirret?
- Digamos que foi ele que me tornou um sujeito honesto. – explicou, fazendo surgir uma covinha no canto esquerdo da boca. Ela imaginou que, pelo menos, aquele nome lhe trazia boas lembranças.
- Agora, por favor, me explica por que tivemos que sair correndo de Amsterdã? Por que me disse que seria um homem morto se o descobrissem?
- Depois que a deixei na estação, notei várias ligações de Matthew para o meu celular. Resolvi ir até o Red Light para falar com ele pessoalmente. Ainda estava dentro do carro, parado, quando surgiram dois brutamontes exigindo que eu saísse para conversar.  Queriam me revistar e passaram a ficar violentos. Consegui me livrar deles e fui até o meu hotel. Percebi alguns suspeitos vigiando as entradas, mas consegui entrar sem que me vissem. Encontrei o quarto todo revirado. Provavelmente alguém  à procura do anel havia me visitado. Tentei entrar em contato com Matthew, mas ele não me atendeu. Acho que ele colocou a Interpol atrás de mim.
- Por quê? Vocês não jogam no mesmo time?
- Tenho minhas diferenças com o Matt. Ele nunca aceitou a minha posição dentro da Interpol. Sempre procurou um motivo para me afastar. Acho que agora ele conseguiu. Como eu não apareci no escritório hoje à tarde, ele deve ter imaginado que eu a roubei e fugi.
- Ah, meu deus! Eu dei um depoimento para a polícia que você havia roubado o meu anel.
- Como assim?
- Andries deu queixa do meu sumiço e, depois que eu cheguei ao hotel, uma policial me procurou, fazendo perguntas. No início, comecei a contar que eu havia conseguido fugir do meu sequestrador, como havíamos combinado... Aí, ela me disse que haviam pegado o Arent e que ele falou sobre você. Eu já estava furiosa por conta do desaparecimento do anel. Quando ela me falou aquelas coisas e mostrou a sua foto de procurado na Interpol, acabei contando tudo o que aconteceu.
- Como era essa mulher? – perguntou subitamente curioso.
- Por que quer saber? O que importa a cara da policial?
- Por favor...
- Ela era alta, muito bonita, cabelos castanhos e... Mais parecia uma modelo do que uma policial. Até andava como uma dessas top models.
- Elisabeth...
- Não. O nome dela era Emma, se não me engano.
- Elisabeth Donovan. Ela é uma ladra internacional. Andries foi quem a chamou?
- Acho que não, pois ele não a reconheceu e até estranhou a sua presença.
- O que mais ela lhe disse?
- Pediu que eu gravasse um depoimento no seu laptop, fazendo uma acusação formal de que você roubara minha joia.
Galen colocou a mão espalmada sobre o queixo e ficou com ar pensativo e aborrecido.
- É muito estranho.  Tem certeza que ela e Andries não se conheciam?
- Tenho... Ou eles souberam disfarçar muito bem.
- Parece que estão todos atrás de mim. A Interpol e todos os meus ex-colegas de profissão. Isso está muito estranho.
- Atrás de mim também.
Ele pareceu sair de seus pensamentos sombrios e a olhou com expressão culpada.
- Achei que a estaria protegendo mantendo-a ao meu lado, mas me enganei. Se quiser voltar para o Brasil, eu lhe devolvo o anel. Acabamos aqui. Eles vão continuar pensando que a joia está comigo e não irão atrás de você.
- Mas quando eles o pegarem e descobrirem que foram enganados...
- Não se preocupe. Tenho meus recursos para esclarecer a verdade e pegar todos eles. Você estará a salvo.
- Não estou apenas preocupada comigo. Se eles o pegarem, podem matá-lo. Você mesmo disse isso para me convencer a fugir com você.
- Exagerei um pouco para convencê-la. – disse com um sorriso irônico e encantador.
- Ahhh, Galen O’Neill! Como vou acreditar nas coisas que me diz?
- Desculpe, Filipa... Tem razão. Esse pessoal é perigoso, mas eu posso dar conta deles.

E se ele não pudesse dar conta? Ela ficaria bem e segura do outro lado do mundo, enquanto ele poderia ser assassinado por causa de uma esmeralda que nem estava em seu poder?, pensou Filipa. Continuava ouvindo aquela vozinha no fundo de sua consciência a lhe dizer para acreditar nele, por mais loucura que parecesse. Ou seriam aqueles olhos profundamente azuis ou aquela sombra de tristeza que via neles, por mais que sorrisse, que a tornavam disposta a segui-lo?
Tomou um último gole de seu café frio e, determinada,  revelou sua vontade para Galen.
- Já que chegamos até aqui, não pretendo voltar para o Brasil sem saber a origem dessa pedra e a ligação com a minha família. Portanto, vou com você para Paris encontrar o Professor Tirret.
- Não estou certo se essa é uma boa opção, Filipa.
- Eu não tenho opção, Galen.
Ele sorriu admirado com a coragem daquela mulher e a desejou ainda mais por isso.
(continua...)
 
 
Espero que tenham gostado das explicações do Galen. Agora Filipa decidiu que vai confiar nele. Tomara que não se arrependa... Acho que não...rsrs
O meu muitíssimo obrigada pelos comentários. Concordo plenamente com a frase que diz que quem tem amigos nunca está só. Um beijo e o meu eterno amor à Nadja, Léia, Ly, Lucy(que realizou uma supermaratona) e Luiz Fernando, que, mesmo depois de tanto tempo sem postagens, continuam firmes, vindo aqui deixando o seu carinho. Obrigada também ao Marcos, do Bicho do Mato, por sua lembrança no Dia Internacional da Mulher.
Espero estar de volta em breve para a continuação desse capítulo.
Beijos a todos!
 

8 comentários:

  1. Situação mais difícil a de Filipa! Sim, porque como o ditado popular diz: “o amor é cego” – então, como confiar na intuição, se a intuição irá sempre pender para o lado do ser amado? Quantas pessoas se deixam envolver, pela crença de ser correspondida, na fé de que está fazendo o que é certo, já que quem ama, confia – e, infelizmente, acabam se dando mal, muitos até mesmo perdem a vida. Bem narrou Friedrich Nietzsche: “o amor é o estado no qual os homens têm mais probabilidades de ver as coisas tal como elas não são.” Quando amamos, nos deixamos cegar um pouquinho e, nem sempre conseguimos enxergar claramente a situação em que estamos.
    A Filipa ainda não teve tempo para conhecer o Galen e, com todo esse redemoinho, teve que escolher um lado – como está apaixonada, voltou-se para o seu grande amor, mas imagina só a agonia, o medo de que tenha feito uma errada opção é enorme!
    Bom, mas chega mesmo uma hora que temos que adotar uma posição que nos pareça ser a mais acertada no momento, ou a menos penosa. Filipa é uma mulher romântica, do tipo que adora as covinha do Galen (somos duas :P ), então é absolutamente lógico era seguir em frente com ele. William Shakespeare escreveu que: “o amor não se vê com os olhos, mas com o coração” – e é assim que a Filipa está vendo agora, com o seu coração sensível e apaixonado...♥
    PS Mas que o Galen é um pitel, isso é!!! :D
    Estou adorando a trama, amiga! E o romance então... já começo a suspirar!!!
    Beijinhos

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  2. Ahhh que post lindo, bem que na vida real as coisas poderiam ser assim também.
    Nada como o amor, que nos deixa cm frio, e nos faz delirar..rsrsr
    Ahh!!! Obrigado por citar eu sem seu post...adorei!!
    Beijinhos e que venha mais e mais emoções!!

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  3. Eu sempre digo que amor é admiração. Lindo post! Desejo uma semana linda e sigo, pra voltar, com certeza. Bejjjjjj

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  4. Assim como a Filipa eu estou confusa, mas acredito que o Andries esteja realmente preocupado com ela!
    Como disse a Lucy, o amor é cego, apesar de todos os problemas e das circunstâncias a intuição de Filipa faz com que ela confie em Galen e o siga nessa aventura, é emocionante amiga, estou viajando junto.
    Agora fiquei com dó do Galen, ter sempre de volta a lembrança de um passado que o martiriza deve ser terrível, mas tenho certeza de que, em breve, Filipa vai cuidar muito bem dele, rsrsrs.
    Beijos amiga!!!!

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  5. Nossa... Que sinuca de bico que a Filipa está! Assim como ela, não sei mais em quem acreditar! Dizem que o amor é cego, mas também acho que Filipa está movida pelo fato de nunca ter vivido tanta aventura e emoção em sua vida.
    E assim como Nadja, tô com peninha do Galen com seu passado de tormentas... E que Filipa cuide isso! xD
    Bjim querida ♥

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  6. Yuhull valeu muito a pena esperar por esse casal gato e rato, apesar da imensidão do problema essa troca de farpas misturada a olhares piedosos cheios de desejos só os faz fortalecer. Mas Galen segue um mistério no seu passado... Eita os próximos capitulos estarei sem meus dedos porque as unhas já se foram... kkk

    Super beijos queridona!!

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  7. Nossa que saudades desse blog, faz um tempo que não deixo meu comentário, mas estou sempre por aqui... bjosss

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    1. Oi, Vanessa! Saudade de ti tb, querida! Muito bom saber que continuas vindo até o meu cantinho, aliás, nosso, meu e de vocês, que compartilham das minhas fantasias. Beijos!

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