sábado, 5 de janeiro de 2013

A Cruz de Hainaut - Capítulo XIV (1ª parte)

Terminada a torturante gravação onde Filipa acusava formalmente Galen O’Neill de roubo, Emma agradeceu sua colaboração e se preparava para sair, quando Andries entrou em passos apressados na recepção do hotel.
- Filipa! – exclamou tão logo a viu. – Onde você estava?
- Andries... Desculpe por não ter entrado em contato antes, mas...
- Eu já terminei meu trabalho aqui... Tenho que ir agora. – disse Emma.
- Quem é a senhora? – perguntou ele curioso.
- Sou a investigadora Donahue que está tratando do caso da senhorita Filipa.
- O policial que tomou minha queixa chamava-se Frederick. – disse ele desconfiado.
- Nosso superior decidiu me chamar devido ao fato da senhorita Filipa Vasconcelos ser estrangeira. – explicou ela com uma visível irritação na voz. – É o meu departamento. Agora, se me derem licença, preciso ir embora. Entrarei em contato com a senhorita assim que tivermos novidades. Até breve.
- Novidades? Sobre o quê?
Sem dar ouvidos à pergunta de Andries, a investigadora deu as costas.
- Andries... – fragilizada, seus olhos turvaram-se com lágrimas nervosas. Não queria chorar na frente daquele homem, mas não conseguiu evitar.

 
 
- Filipa... – disse ele com voz preocupada, enquanto contornava os ombros dela protetoramente – Por favor, me conte o que aconteceu...Por que está chorando?
- Desculpe, Andries – falou com a voz embargada. – É que foram tantas coisas que aconteceram e... acho que precisamos conversar... Talvez você possa me ajudar...
- Calma, Filipa... Que tal sairmos para conversar num local mais tranquilo? –  indagou ternamente.
- É... Talvez tenha razão... – respondeu secando as lágrimas, envergonhada com a sua súbita demonstração de desespero. – Vou subir para me ajeitar um pouco.
- Eu a espero aqui.
- Está bem.... Obrigada...
Filipa andou rumo aos elevadores. Pensava em sua situação.  Sentia-se sozinha, enganada, roubada, em um país totalmente diverso do seu, outra língua, outros costumes... De repente, Andries pareceu, aos seus olhos, a figura mais familiar e íntima naquele momento... Talvez tivesse sido esse o motivo do desabafo quando o viu tão preocupado com ela. Que vergonha... O que ele deveria estar pensando dela... O que pensaria quando contasse sobre o anel e o furto que sofrera... Uma brasileira maluca, que carrega uma joia daquele valor numa bolsa e cai na conversa do primeiro pilantra que encontra... Por outro lado... Galen parecia ser tão sincero... Por que ele tinha feito aquilo com ela? Por que a enganou com aquela conversa toda, quando podia simplesmente ter roubado a sua bolsa e fugido, deixando-a lá naquele vilarejo? Seus olhos voltaram a lacrimejar, mas ela tentou segurar o choro. A polícia ia pegá-lo e ela poderia ... Não... Não poderia fazer nada. Imagina se ela teria coragem de encará-lo de novo, sabendo que ele devia considerá-la uma otária total. O mais certo a fazer agora, era pedir desculpas a Andries pelo transtorno, fazer suas malas e partir o quanto antes. Seu tour pela Europa teria que ser adiado. Não tinha mais clima para continuar com seus planos turísticos. Assim concluiu, no momento em que chegou à porta de seu quarto. Cabisbaixa, entrou, fechou a porta e, ao virar-se para seguir ao banheiro para retocar a maquiagem, pelo canto do olho viu um vulto sentado na poltrona da antessala. Sua primeira reação foi sair correndo por onde acabara de entrar, mas sua ação foi mais lenta que a do seu  visitante.
Ele atravessou o quarto em um segundo e, no seguinte, já estava com Filipa em seus braços.
- Espere! Preciso falar com você!
- Me solta! – gritou, debatendo-se desesperada, cheia de indignação.
- Filipa, por favor, me ouça! – exigiu, prendendo-a contra a porta com seu próprio corpo e  prendendo-lhe as mãos acima da cabeça para que ela não o arranhasse.
- Veio terminar o que começou e levar o resto de minhas joias? – vociferou entredentes tentando escapar de Galen e lutando contra o entorpecimento que começava a tomar conta  de suas pernas. – Elas não são tão valiosas quanto a esmeralda, mas podem render um bom dinheiro.
Podia sentir a respiração ofegante dele em seu rosto. Os olhos azuis possuíam uma ternura desconhecida e um estranho brilho que a atraíam como imã.
- Vai gritar? – sussurrou em sua boca.
- Vou... – arrependeu-se imediatamente da resposta.
Quando os lábios quentes se apossaram dos seus e a língua ágil invadiu-a exigente, sentiu o chão fugir de seus pés e o quarto girou ao seu redor. A pressão sobre seu corpo aumentou e as mãos que prendiam as suas acima da cabeça, passaram a abraçá-la com força. Seus braços desabaram sobre os ombros largos e fortes, como se aquele fosse o seu lugar de encaixe natural. Esquecida da raiva e do sentimento de traição, correspondeu ao beijo como se depois dele fosse dar seu último suspiro. Desejava-o, como nunca tinha desejado a alguém. Quando sentiu que ele se preparava para deixá-la, pressionou sua nuca e afundou a outra mão na maciez de seus cabelos, cravando a unhas em seu couro cabeludo, arrancando-lhe um gemido de satisfação. A campainha estridente do telefone tirou-a dolorosamente de seu interlúdio, forçando-a à realidade. Sentia-se envergonhada pela própria reação diante de um homem a quem deveria temer e repudiar.
Os lábios a abandonaram e moveram-se num novo sussurro.
- Não atenda. Pegue suas coisas e venha comigo.
- Como assim? Acha que entra aqui, depois de me enganar e roubar, me beija à força, diz para ir com você, como se me convidasse para um passeio, e eu vou sem reclamar?
- Você correspondeu ao meu beijo...
O telefone continuava a tocar insistente.
- Deve ser o Andries. Se eu não atender, logo ele estará aqui para saber o que houve.
- Ele está esperando por você? – perguntou surpreso.
- Sim.
- Então, atenda e diga que já vai descer.
Ela o olhou atônita.
- E não diga que estou aqui... Por favor.
Ele a liberou e Filipa foi até o telefone em passos rápidos.
- Se souberem que estou aqui, provavelmente serei um homem morto.
Assustada com aquela declaração, pegou o telefone e falou com voz trêmula.
- Boa tarde, Senhorita Vasconcelos. – cumprimentou a voz educada do recepcionista. – O Professor Andries quer lhe falar. Um momento.
- Filipa. Você está bem? Estava demorando tanto, que fiquei preocupado.
Ela via Galen a sua frente, inerte, cabelos revoltos, olhos brilhantes e olhando-a como se dela dependesse o seu futuro. Talvez devesse lhe dar uma chance de se explicar. Podia estar cometendo o maior erro da sua vida, mas uma força maior que ela a impedia de entregá-lo sem uma explicação.
- Estou bem, Andries. – falou com voz monocórdica. – Desculpe a demora. Resolvi tomar um banho e...
- Espero o tempo que for necessário.
- Obrigada. – E desligou.
- Espero que a sua explicação seja muito boa.
- Não podemos ficar aqui. Explico tudo no caminho.
- Caminho? Para onde?
- Paris.
- O quê?
- Pegue só o necessário e vamos.
- Eu não posso sair assim. O Andries...
- Provavelmente ele está metido nessa armação.
- Armação? Não acredito nisso.
- Depois discutimos essa questão. Agora temos que ir. Rápido!
Atordoada com as palavras de Galen, sentia-se paralisada. Viu-o pegar a bolsa , abrir o armário, pegar algumas peças de roupa e jogá-las dentro.
- Guardou suas joias no cofre do hotel?
- É isso o que você veio buscar? ...
 
 - Não, Filipa – disse com certa irritação na voz. –,  mas não creio que você vá querer deixá-las prá trás. Eu vou devolver o seu anel, se é isso com que está preocupada. Lembre de tudo que eu falei antes. Era tudo verdade. Confie em mim.
Ela deu um sorriso amargurado.
- Tenho certeza de que estou fazendo a maior burrada... – falou em voz baixa para si mesma e foi até a mala, de onde tirou um saquinho de veludo onde guardava o colar de pérolas e os brincos deixados pela tia, as únicas joias, além do anel de esmeralda, que levara para a viagem. O resto eram apenas bijuterias finas. Jogou-as na bolsa, que ainda estava na mão de Galen, juntamente com sua nécessaire.
- Pronta?
- Não.
- Então, vamos.
Pegou-a pela mão e guiou-a para fora do apartamento.
- O que vão fazer com as minhas coisas?
- Não se preocupe. Quando se derem conta que sumiu, certamente vão recolher tudo na mala e guardar no guarda-volumes do hotel até sua volta.
- Vou voltar, então.
- Espero que sim...
- Oh, meu deus...
Dirigiram-se até o elevador de serviço, descendo até a garagem do hotel. De lá, saíram pela rampa que levava até a rua, sempre mantendo-se fora da vista dos dois vigilantes que cuidavam do local. Galen parecia muito a vontade, esgueirando-se através das colunas e recantos mal iluminados.
Do lado de fora, Filipa ainda vislumbrou a entrada do Poet Hotel.
 
Andries fumava um cigarro na calçada, quando a viu de mão dada com um estranho.
- FILIPA!!
Galen soltou uma praga e puxou Filipa com força, fazendo-a correr uma quadra inteira até chegar ao lugar onde tinha deixado o carro estacionado.
Andries correu atrás deles, mas quando os alcançou o carro estava partindo. Chegou a bater no vidro da porta do lado do carona, onde viu Filipa lançar um olhar angustiado. Olhou para o motorista, tentando reconhecê-lo e gravando suas feições.
 O Volvo S60 preto partiu, cantando os pneus no asfalto, atingindo velocidade rapidamente e sumindo na próxima esquina, deixando Andries aturdido no meio da rua.
 
 

(continua...)
 

Espero que tenham gostado da surpresa que o Galen fez a Filipa... E o Andries... A situação está cada vez mais complicada lá em Amsterdã, tanto quanto para os pacatos cidadãos de Calais.
Muito obrigada às minhas amigas muito amadas, Nadja, Ly e Léia, pelos seus comentários e saudações de final de ano.
Entre tantas coisas boas que desejamos para o ano de 2013, que a fantasia, o romance e o amor continuem fazendo parte de nossas vidas.
Espero estar logo de volta.
Muitos beijos!