Ana não conseguia parar de andar dentro daquela cabine, tal sua ansiedade e sentimento de impotência, sem lugar para onde fugir da presença desagradável do irmão de seu pai. Seu coração comprimia-se dentro do peito cada vez que imaginava o que teria acontecido à Nigel, aos seus amigos ou, mesmo com Didier. Teria ele se aliado a Sam para entregá-la ao tio por dinheiro? Custava a acreditar, pois apesar de ladrão e mesquinho, parecia nutrir certo afeto de pai por ela... Ainda que, reconhecia, de maneira quase imperceptível. Esforçava-se para crer que Nigel estava bem e atrás deles. O Highlander estava quase pronto para partir na última vez em que o visitara. Como gostaria que tudo aquilo fosse apenas um mau sonho e que de uma hora para outra pudesse acordar nos braços de seu amor. Em certos momentos perdia todas as esperanças e pensava em maneiras de escapar da cabine e pular em mar aberto. Preferia morrer a enfrentar a luxúria do abominável Cristóbal. Sua aflição sofreu um baque ao ouvir um estrondo seguido de um estremecimento, que a fez desequilibrar e ser jogada contra a cama. Assim que se recuperou, pode ouvir os gritos de Castilhos e de seus piratas. Parecia que estavam sendo atacados. Seria Crow que os tinha alcançado? Será que suas preces tinham sido ouvidas? Correu para a porta, apesar de saber que estava trancada por fora. Tentava ouvir qualquer coisa que lhe sugerisse a promessa de que logo seria libertada. Assim que colocou o ouvido colado a madeira com cheiro de bolor, ouviu a chave girando na fechadura e foi empurrada para trás violentamente. Nem bem tinha se recuperado do susto, viu a figura de Cristóbal, de olhos arregalados e assustados, entrando atabalhoadamente, fechando a porta às suas costas e passando a chave.
- O que está havendo? – perguntou esperançosa.
- Estamos sendo atacados – respondeu imediatamente, mas logo percebeu a expectativa de Ana e maldosamente tratou de tirar-lhe qualquer esperança de voltar aos braços do pirata inglês -, mas não é pelo seu amante. Infelizmente, um navio da marinha inglesa detectou nossa presença e está em nosso encalço... Só espero que Castilhos saiba realmente dirigir essa tina de madeira e escapar desses lambe-botas da Elizabeth – finalizou com a voz amedrontada, pois, apesar de seus títulos e riqueza, era um grande covarde, afinal.
Seu medo de ser detido pelos ingleses ou de morrer num confronto em alto mar era maior que o seu desejo de seduzir Ana. Por isso dirigiu-se até a escotilha e de lá tentou ver como se desenvolvia a perseguição, segurando, trêmulo e aflito, a bainha de seu punhal. Tivera algumas aulas de esgrima por exigência de seu pai, mas nunca realmente se interessara pelas armas e lutas corpo a corpo. Sempre fora Ramon que mostrara desde tenra idade coragem para os combates e ânsia em aprender o manejo da espada. Já Cristóbal preferia maneiras mais ardilosas e inermes de eliminar seus inimigos, como calúnias, venenos e o uso da adaga nos desprevenidos. Ao vê-lo distraído, Ana levou os olhos até a fechadura da porta, mas decepcionada percebeu que a chave havia sido retirada e guardada por seu tio. Só lhe restava aguardar os acontecimentos.
No convés, Castilhos gritava ordens, preparando-se para o pior. A cada minuto tornava-se mais difícil esquivar-se da iminente ofensiva. Ordenou aos canhoneiros o primeiro ataque mirando as galerias da nau inimiga, revidando o tiro de aviso que recebera pouco antes. Seria obrigado a lutar e mostrar ao comandante inglês o erro que havia cometido ao tentar capturar o El Tiburón.
- Navios à vista!! Todos ao convés!
Ao ouvir aquele grito, Crow saiu correndo de sua cabine seguido por Brett. Valentina já estava enroscada nas cordas, subindo através delas para o alto do mastro de onde poderia enxergar melhor as embarcações próximas.
- É o El Tiburón? – Crow perguntou gritando com a esperança renovada.
- Não dá para ter certeza! Um dos navios parece ser da marinha inglesa e está perseguindo o outro mais a frente... Um galeão!
Animado, decidiu-se, mesmo antes de ter a certeza de que aquele era o navio de Castilhos.
- Vamos ajudar esses ingleses. Partir para o ataque, seja ele de Castilhos ou não! – bradou sua ordem, provocando exclamações de satisfação dos piratas a sua volta que clamavam por um pouco de ação.
- Não é melhor termos certeza antes? Acho arriscado nos metermos entre duas embarcações inimigas durante uma batalha, principalmente quando as duas não simpatizam conosco. – argumentou Brett.
- Preciso fazer alguma coisa para não enlouquecer. Os homens precisam de uma recompensa por estarem unidos a mim nessa missão de resgate apenas por lealdade. Além disso, talvez eu precise começar a fazer as pazes com a Inglaterra. Quando eu voltar para lá com Ana, quero ter minha vida de volta. E se for Castilhos... Não vejo a hora de por minhas mãos naquele patife.
- É... Talvez tenha razão – disse mais animado em relação à Crow, que pela primeira vez desde a saída de Eleuthera, demonstrava algum entusiasmo – Estou às suas ordens, Capitão!
- Icem a bandeira inglesa quando estivermos mais próximos! – O Highlander possuía bandeiras de várias nacionalidades que eram içadas conforme a origem de suas vítimas – A toda velocidade, ao ataque! Canhoneiros preparados!
Logo as manobras de aproximação do local foram iniciadas e, em vista da velocidade com que se deslocavam, facilmente chegaram até eles. Para satisfação de Crow, a bandeira pirata no alto do mastro do galeão foi avistada e o nome do El Tiburón pouco depois se tornou evidente. Crow não conteve um grito de satisfação, e ordenou que mirassem os canhões nos mastros principais, evitando as galerias inferiores, onde imaginava que Ana estivesse aprisionada.
Pegos de surpresa, os espanhóis só viram a segunda bandeira inglesa alcançá-los quando sofreram o primeiro tiro de canhão, que os pegou em cheio no mastro central. Não tiveram tempo para reagir, pois a maior parte deles estava brigando com os oficiais ingleses, que já faziam a abordagem do navio inimigo e davam as boas vindas à ajuda inesperada. O segundo tiro atingiu parte da proa. Quando o Highlander emparelhou com o El Tiburón, grossas cordas foram lançadas para facilitar a ancoragem junto ao inimigo. Dessa maneira, preso entre as duas naus, não havia como ele escapar. Crow foi o primeiro a pular para dentro do galeão. Empunhando sua espada, iniciou a derrubada daqueles que ousavam enfrentá-lo. Com uma fúria incontida, não dando a menor chance de sobrevivência aos seus azarados oponentes, procurava ávido ao castelhano que lhe roubara sua mulher. Brett o seguiu, porém com uma outra missão em mente: afastar aqueles que tentavam aproximar-se de Tina, que acabara de surgir munida de espada e punhal, pronta para o combate como qualquer um de seus pares. E ela lutava bem, para orgulho e desespero do imediato.
Quando Crow finalmente percebeu a presença de Castilhos, este se encontrava sobre o comandante inglês, quase vencendo a luta. Antes que pudesse desferir o golpe fatal no oficial com seu sabre, Crow o surpreendeu, empurrando-o para longe e colocando-se entre os dois homens. Ao ajudar o jovem oficial a levantar-se, reconheceu nele um antigo amigo do seu tempo de serviço na Marinha Real. Sem tempo para confraternizações, Crow voltou-se para Castilhos, que restabelecido do brusco empurrão, encarou-o com ódio e partiu para cima dele cortando o ar com o fio de sua espada, avançando rapidamente, tentando atingi-lo de todas as maneiras. Para seu infortúnio, Crow conseguia barrar todas as investidas com a sua rapieira, herança de seu mentor Capitão Hawk.
O choque entre as armas originava faíscas no ar, tal a brutalidade dos golpes do aço contra aço. Em um dos assaltos, a lâmina de Castilhos atingiu o braço de Crow de raspão, cortando o tecido de sua camisa, provocando um pequeno sangramento que não deteve seu contra-ataque violento.
- Onde está Ana? – bradou irritado.
- Está segura! Assim que eu acabar com você, terminarei minha missão entregando-a na casa de seu futuro marido! – dardejou a língua venenosa, deixando Crow emocionalmente desarmado por um momento.
-Marido?
Ele só não foi ferido novamente, pois Brett chegou a tempo de evitar o golpe, colocando sua espada entre a de Castilhos e o pescoço de Crow.
Tão logo esse se recuperou, partiu para cima de Castilhos mais uma vez. Brett deixou-os, desviando o olhar apreensivo a procura de Valentina. Poucos instantes depois, o capitão do Highlander conseguiu, num golpe de mestre, arrancar a espada das mãos de Castilhos e colocá-lo sob sua mira na ponta da rapieira.
- Agora me leve até onde está Ana ou enterro isso em sua garganta – ameaçou.
Aos poucos, os gritos e o tilintar das espadas foram acalmando-se e os espanhóis foram dominados ao verem seu líder fora de combate. O comandante inglês agora observava atento ao confronto dos dois homens a sua frente, sem entender que tipo de rixa pessoal estava ocorrendo entre o pirata espanhol e seu velho companheiro.
Antes que Castilhos pudesse falar, outra voz, pedante e autoritária, surgiu vinda da ponte. Todos os olhos se voltaram para Cristóbal, que segurava Ana firmemente com um dos braços envolvendo sua cintura enquanto a mão livre segurava um punhal com o fio colocado ameaçadoramente sobre o delicado pescoço.
- Crow! Se quer que ela continue viva, solte o Castilhos e deixe-nos seguir nosso caminho.
Castilhos esboçou um sorriso no canto de sua boca, intimamente surpreendido pela iniciativa do, até então, inútil duque. Apenas continuou mudo com medo de que qualquer movimento seu pudesse aprofundar ainda mais a ponta da espada de Crow separando sua cabeça do resto do corpo.
O capitão Arthur Greenville resolveu se manifestar, perguntando a Crow um esclarecimento sobre o que estava acontecendo.
- Nigel, agradeço a sua ajuda, mas pode me explicar o que está havendo e quem é a dama?
- Ela é Ana de Villardompardo, filha do Duque Ramon de Villardompardo e de Eleanor Boyle.
Arthur arregalou os olhos. Sua memória o levou uma década no passado, quando tinha apenas dezesseis anos e servia no Enterprise. Ainda lembrava o dia em que o admirável imediato de Francis Drake rebelara-se contra seu comandante em defesa de duas mulheres, mãe e filha, e recebera uma cruel punição por seu ato. Jamais esqueceria a acusação de suposta bruxaria para justificar a atitude covarde de lançar ao mar, para a morte certa, duas inocentes indefesas.
- Diga ao seu conterrâneo para nos liberar imediatamente ou corto esse lindo pescocinho – gritou Cristóbal mais uma vez, com voz tensa.
Como se o tempo houvesse se estagnado, soldados e piratas petrificados pregaram os olhos em seus comandantes a espera de ordens sobre o que fariam a seguir.
Quando Crow começava a afastar a espada de Castilhos, uma sombra surgiu atrás de Cristóbal ao mesmo tempo em que Ana dava uma violenta cotovelada na barriga do tio, conseguindo escapar do seu garrote. Antes que ele pudesse reagir, seus olhos pareceram saltar das órbitas e, com a boca entreaberta, mudo pela dor lancinante em suas costas, caiu morto feito um tronco apodrecido, direto sobre o chão de madeira da ponte do El Tiburón.
Atrás dele surgiu a figura de uma mulher, vestida como um bucaneiro, ainda segurando o punhal que cravara nas costas do homem.
- Tina! – exclamou Ana surpresa e agradecida pela presença da amiga que acabara de salvá-la.
- Acho que tem alguém lá embaixo louco para abraçá-la.
-Nigel! – exclamou sorrindo e correu através dos poucos metros e vários combatentes que a separavam de seu amor.
Aproveitando-se do momento, Castilhos conseguiu levantar e colocar-se em posição de ataque contra Crow. Quando sua espada cortava caminho até o peito do inglês, Brett colocou-se mais uma vez interceptando o golpe, mas dessa vez com seu próprio corpo, que acabou sendo trespassado pela lâmina.
Dois gritos foram ouvidos. O grito de Valentina soou aterrorizado enquanto o outro, de Arthur, ordenava que os marinheiros ingleses ali postados agarrassem o espanhol antes que ele pudesse fazer mais algum estrago. Tudo isso se passou em frações de segundo. Crow avançou raivoso sobre seu agressor, com ganas de matá-lo com as próprias mãos, quando foi impedido pelo oficial inglês.
- Levem-no para o The Conqueror e tranquem-no na cela junto com o corpo de seu cúmplice! – ordenou Arthur referindo-se à Castilhos e Cristóbal. – Deixe ele aos meus cuidados. – disse em tom mais baixo para Crow. – Elizabeth não vê a hora de mandá-lo para o cadafalso, com um pouco de sofrimento antes...
(continua...)
Oi, meus queridos leitores! Sinto muitíssimo pela demora em postar essa continuação, mas diversos compromissos e um ligeiro bloqueio criativo não permitiram que eu escrevesse durante vários dias nestas últimas semanas. Finalmente , há dois dias a inspiração voltou e consegui dar continuidade ao meu relato. Espero que tenham gostado e que eu tenha conseguido passar toda a ação e drama que se passaram diante de meus olhos. Sei que parei numa parte que provocará preocupações a quem acompanha o romance de Brett e Valentina, mas prometo que logo volto para o melhor ... ou pior dessa história.
Muito obrigada pelos comentários dos amigos e amigas que eu amo muito e daqueles que chegaram pela primeira vez nesse meu cantinho, como o querido Ewerton Lenildo, do blog Papel de Um Livro.
Beijos a todos vocês e até a próxima postagem!!
Poxa, quanta tensão Rô!!!
ResponderExcluirFiquei simplesmente boquiaberta com o que aconteceu ao Brett, foi um choque amiga. Não vejo a hora de ler a continuação e saber o que está por vir, pelo menos um dos vilões já se foi, espero que esse Castilhos conheça bem de perto o cadafalso, com todos os sofrimentos anteriores que ele fez por merecer.
Será que mais alguma coisa vai atrapalhar o romance de Ana e Nigel????
Beijossss!
Oiee Rô...
ResponderExcluirA como sempre arrancando suspiros hein...as vezes fico imaginando como dever ser uma aventura assim no navio hein..rsrsr
Bom estaremos aqui para esperar o desfecho dessa história...
Beijos!!
Puxa pensei que tivesse nos abandonado... kkk Mas nos seus admiradores de carteirinha entendemos muito bem esses imprvistos familiares. Espero que esteje tudo bem.
ResponderExcluirAgora tenho que confessar a coragem másculo do Crow me faz entrar em cena debulhando a semana toda que sorte a Ana tem. Ai se fosse eu no lugar dela... kkk Bom também não posso menos prezá-la afinal ela tem muita garra e dedicação.
Beijãoo no seu coração!!!
Nossa, amiga, fui tomada com uma grande emoção ao ler o teu post. Não me canso de admirar esse jeito tão maravilhoso como escreve! Como eu li o capítulo anterior hoje, estava agoniada com a ausência de notícias do malfadado El Tiburón, sentindo a tristeza que assolava a Ana e Crow. Mas, agora, a forma como vc descreveu quando o navio foi avistado foi demais! Vi-me dentro do Highlander ao lado do Nigel, vivenciando a mes-ma emoção, fiquei empolgadíssima!!!
ResponderExcluirMas a Tina é uma mulher muito corajosa, fazer o que fez exige muita concentração, coragem e ousadia.
Eita, ai amiga, como vc pode nos deixar assim? Lá vai o coração doer de novo! Coitado do Brett, provando mais uma vez sua valentia, lealdade e amizade, acabou se colocando em uma posição que lhe trouxe grande risco de morte. Senti a dor da Tina, ouvi o seu grito, gritei com ela, me deixou mesmo muito triste...
Espero que vc consiga postar logo o próximo capítulo e que as coisas melhorem para o Brett, que tudo não passe de um susto.
Rô, quanto ao seu bloqueio, isso é normal. É tanta coisa que a gente tem que fazer a semana toda que a mente estressa tb. O importante não é a rapidez com que vc desen-volve os seus contos, mas essa forma tão bonita como vc o faz, que nos leva a sonhar...
PS Não conhecia a Rapieira, mas achei uma arma bem robusta!
♥Beijinhos♥
Eita! Quanta emoção ein!
ResponderExcluirParabéns!
Um beijo,
Luara - @luuara
http://estantevertical.blogspot.com/
Rosane!
ResponderExcluirApesar de já conhecer sua criatividade infinda e maravilhosa, agora chego ao blog.
Adorei e terei de voltar para ler a 1º parte.
Agradeço a visita e o comentário no blog. Volte sempre.
Sexta de luz e paz!
cheirinhos
Rudy
http://rudynalva-alegriadevivereamaroquebom.blogspot.com/
A minha querida amiga Rosane tem uma capacidade de descrever os ambientes e as cenas de ação de uma forma, incrivelmente, realista... Uma boa ilustração nos ajuda muito a visualizar um cenário descrito em uma determinada obra, mas antes de tudo tem que haver a narração do autor e isso ela faz de forma maravilhosa!!! Eu adoro ler o trabalho dessa pessoa simpática e muito fraternal!!! Continui assim, Rosane, o seu lugar no mundo literário já esta a caminho pode ter certeza!!! Um beijo carinhoso e te desejo, sempre, tudo de bom!!!
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