Calais - Primeiros dias de Julho de 1347
Jean de Vienne, após a partida do Rei Felipe e seu exército derrotado, em meio ao desespero de ver seus cidadãos, sua família e a si próprio sofrendo com a fome, escreveu uma nova carta ao soberano francês. Nela, provocava sua compaixão,numa tentativa de forçá-lo a confrontar-se mais uma vez com os ingleses. Num apelo profundamente emotivo, declarava que, se não recebessem ajuda imediata, em muito breve, em vista de não restarem mais gatos, cães ou ratos suficientes para mantê-los sem fome, logo seriam obrigados a comer os cadáveres dos mais fracos, que já começavam a surgir. Relatou ainda, que aqueles que decidiam deixar Calais, na esperança de serem acolhidos pelo inimigo, acabavam morrendo sob as muralhas, pois os impiedosos sitiantes não mais permitiam sua saída além dos limites do cerco. Tão logo acabou de escrever, entregou a mensagem lacrada a um dos soldados, enviado pelo comandante Fosseau. Ele tentaria romper a dura vigilância inglesa e levar este último apelo ao rei.
Infelizmente, o audaz emissário não teve sorte e foi morto próximo à ponte de pedra pelos guardas do Conde Derby. O precioso manuscrito que levava acabou por chegar às mãos de outro soberano, igualmente ávido por informações sobre o que se passava no interior da fortaleza cobiçada.
Apesar de emocionado com o pedido de socorro de Jean de Vienne, Eduardo não deixou que isso transparecesse diante dos rostos ansiosos de sua audiência. Apenas uma contração dos lábios, simulando um sorriso, alterou a expressão dura em seu rosto.
- Logo Calais será nossa. Esta – disse, após terminar a leitura, mostrando o papel com o timbre calesiano e as palavras desesperadas do prefeito – é a prova que eu esperava para por fim às minhas dúvidas. Eles estão perdidos, sem saída. Logo seus portões se abrirão para a passagem de nossa legião, o que já não é sem tempo.
- Vossa Majestade, permite que eu a leia?
- É claro, Sir Walter. – disse entregando-lhe a carta.
- Então, talvez tenha chegado a hora de uma visita ao prefeito... – sugeriu após terminar sua leitura.
- Não. – falou Eduardo em tom imperioso. – Vou aguardar um pouco mais. Deixe-os se alimentar de esperança, pensando que essa mensagem chegará às mãos de Felipe. Dentro de alguns dias eles estarão prontos a aceitar sua derrota.
Alguns murmúrios de resignação surgiram entre os presentes.
- Meus caros, mantenham-se a postos, cumprindo com seu dever e mantendo suas posições. Tenhamos um pouco mais de paciência, pois a conquista completa está próxima.
O respeitoso grupo dispersou-se, ficando na sala de reuniões apenas Sir Walter.
- Por curiosidade, meu senhor pensa em algum tipo de negociação?
- Saberá quando a hora chegar, Walter. – disse Eduardo inexpressivo. – Este cerco praticamente esvaziou nossos cofres, consumiu parte de nossa frota e um grande número de bravos soldados. Um prejuízo como esse não pode ficar impune. A vida desses infelizes é um ônus muito pequeno diante de nossas perdas.
- Se posso opinar, meu senhor, devemos considerá-los como homens e mulheres de grande valor por não entregar-se facilmente ao inimigo. Não seria essa a sua posição se estivesse do lado de lá?
- Estes mesmos homens e mulheres que defendes agora não tiveram misericórdia com aquelas centenas de miseráveis, expulsos por eles, em pleno Janeiro, para morrerem de frio e fome.
- O desespero leva as pessoas a tomarem atitudes terríveis, meu senhor.
- Você não seria um bom soberano, Walter. – diagnosticou após fitar seu comandante por alguns segundos. – Você pensa mais com o coração que com a cabeça.
- Também penso na reação da rainha se ocorrer um massacre... – disse usando o seu último argumento contra a intolerância do rei. – Sabe como ela é sensível...
Eduardo olhou-o por baixo das sobrancelhas com visível irritação pelo comentário, percebendo aonde o outro queria chegar.
- Se continuar com essa conversa, serei obrigado a jogá-lo na masmorra por insubordinação e traição, Walter. Guarde suas opiniões benévolas a respeito do futuro de Calais para si mesmo.
Sir Walter de Manny baixou os olhos e a cabeça, num gesto de obediência e respeito enquanto imaginava quais os planos de seu rei. Esperava que fossem diferentes dos usuais, em que a cidadela era tomada e seus habitantes eliminados sem dó ou piedade, para que os conquistadores tomassem posse de tudo. Como reagiria a rainha diante dessa situação? Já notara que Eduardo vinha tentando reconquistar Filipa. Diante disso, talvez suas ações fossem mais complacentes, numa forma de agradar a sua bondosa esposa. No entanto, os ímpetos vingativos, herdados de sua mãe, a Rainha Isabella, poderiam levá-lo a adotar medidas bastante desagradáveis. Admirava seu rei e por ele daria sua vida, mas reconhecia que Eduardo, às vezes, excedia os limites em razão de seu poder. Infelizmente, teria que aguardar mais alguns dias para saber o que estava reservado à população sobrevivente de Calais.
Infelizmente, o audaz emissário não teve sorte e foi morto próximo à ponte de pedra pelos guardas do Conde Derby. O precioso manuscrito que levava acabou por chegar às mãos de outro soberano, igualmente ávido por informações sobre o que se passava no interior da fortaleza cobiçada.
Apesar de emocionado com o pedido de socorro de Jean de Vienne, Eduardo não deixou que isso transparecesse diante dos rostos ansiosos de sua audiência. Apenas uma contração dos lábios, simulando um sorriso, alterou a expressão dura em seu rosto.
- Logo Calais será nossa. Esta – disse, após terminar a leitura, mostrando o papel com o timbre calesiano e as palavras desesperadas do prefeito – é a prova que eu esperava para por fim às minhas dúvidas. Eles estão perdidos, sem saída. Logo seus portões se abrirão para a passagem de nossa legião, o que já não é sem tempo.
- Vossa Majestade, permite que eu a leia?
- É claro, Sir Walter. – disse entregando-lhe a carta.
- Então, talvez tenha chegado a hora de uma visita ao prefeito... – sugeriu após terminar sua leitura.
- Não. – falou Eduardo em tom imperioso. – Vou aguardar um pouco mais. Deixe-os se alimentar de esperança, pensando que essa mensagem chegará às mãos de Felipe. Dentro de alguns dias eles estarão prontos a aceitar sua derrota.
Alguns murmúrios de resignação surgiram entre os presentes.
- Meus caros, mantenham-se a postos, cumprindo com seu dever e mantendo suas posições. Tenhamos um pouco mais de paciência, pois a conquista completa está próxima.
O respeitoso grupo dispersou-se, ficando na sala de reuniões apenas Sir Walter.
- Por curiosidade, meu senhor pensa em algum tipo de negociação?
- Saberá quando a hora chegar, Walter. – disse Eduardo inexpressivo. – Este cerco praticamente esvaziou nossos cofres, consumiu parte de nossa frota e um grande número de bravos soldados. Um prejuízo como esse não pode ficar impune. A vida desses infelizes é um ônus muito pequeno diante de nossas perdas.
- Se posso opinar, meu senhor, devemos considerá-los como homens e mulheres de grande valor por não entregar-se facilmente ao inimigo. Não seria essa a sua posição se estivesse do lado de lá?
- Estes mesmos homens e mulheres que defendes agora não tiveram misericórdia com aquelas centenas de miseráveis, expulsos por eles, em pleno Janeiro, para morrerem de frio e fome.
- O desespero leva as pessoas a tomarem atitudes terríveis, meu senhor.
- Você não seria um bom soberano, Walter. – diagnosticou após fitar seu comandante por alguns segundos. – Você pensa mais com o coração que com a cabeça.
- Também penso na reação da rainha se ocorrer um massacre... – disse usando o seu último argumento contra a intolerância do rei. – Sabe como ela é sensível...
Eduardo olhou-o por baixo das sobrancelhas com visível irritação pelo comentário, percebendo aonde o outro queria chegar.
- Se continuar com essa conversa, serei obrigado a jogá-lo na masmorra por insubordinação e traição, Walter. Guarde suas opiniões benévolas a respeito do futuro de Calais para si mesmo.
Sir Walter de Manny baixou os olhos e a cabeça, num gesto de obediência e respeito enquanto imaginava quais os planos de seu rei. Esperava que fossem diferentes dos usuais, em que a cidadela era tomada e seus habitantes eliminados sem dó ou piedade, para que os conquistadores tomassem posse de tudo. Como reagiria a rainha diante dessa situação? Já notara que Eduardo vinha tentando reconquistar Filipa. Diante disso, talvez suas ações fossem mais complacentes, numa forma de agradar a sua bondosa esposa. No entanto, os ímpetos vingativos, herdados de sua mãe, a Rainha Isabella, poderiam levá-lo a adotar medidas bastante desagradáveis. Admirava seu rei e por ele daria sua vida, mas reconhecia que Eduardo, às vezes, excedia os limites em razão de seu poder. Infelizmente, teria que aguardar mais alguns dias para saber o que estava reservado à população sobrevivente de Calais.
Lady Sophie entrou nos aposentos de Filipa com o rosto afogueado. Fora pega de surpresa por um dos cavaleiros que participavam da reunião com o rei. Ao vê-la, quis saber por que estava tão distante de suas funções junto à rainha. Para proteger Filipa e não contar que estava ali a seu pedido, argumentou que fora observá-lo, pois lhe tinha grande admiração, o que não era totalmente mentira. Diante dessa declaração, o nobre cavaleiro lisonjeado decidiu mostrar seu mútuo interesse pela jovem aproximando-se com entusiasmo para um beijo. Pega mais uma vez de surpresa, conseguiu fugir do súbito ataque de desejo dando um empurrão no jovem, deixando-o ainda mais interessado e ávido por um novo encontro com a bela dama de companhia da rainha.
- E então, Sophie? Que novidades me trazes? Pelo seu rosto, parece que encontrou outros interesses pelo caminho.
- Ah, minha senhora... – lamentou-se entre um suspiro e outro, colocando a mão sobre o peito. – Fui pega a bisbilhotar por Sir Edmond... Mas consegui me safar... – disse com as faces a corar.
- Conseguiu? – perguntou Filipa em alegre ironia, observando as feições afogueadas e a respiração entrecortada da moça.
- Sim, senhora. – respondeu um pouco mais refeita.
- Então... – Deixaria para ouvir a história da jovem e de Sir Edmond em outra hora. – Soube o motivo da reunião?
- Parece que Calais logo vai cair aos pés de nosso rei.
- Como assim?
- Eles interceptaram uma carta dos franceses para o Rei Felipe. Parece que a situação lá dentro está cada vez pior.
- E? O que o rei falou?
Não conseguia esconder a ansiedade. Estavam longe de seu reino há quase um ano. Apesar de ter sido sua escolha acompanhar Eduardo naquela campanha, tinha saudades de seu lar e de seus filhos, a quem tinha visitado não mais que quatro vezes naquele período. Sua última viagem tinha sido algumas semanas antes quando acompanhara Isabela em sua volta a Inglaterra. A filha finalmente superara a rejeição do Conde de Flanders. Deixou-a em casa com o coração leve e de volta a suas fantasias pueris. Ao contrário dela, Filipa ainda sentia uma pontada no peito ao lembrar os pequenos que deixara, principalmente Mary, com três anos, e Margareth, de pouco mais de um ano, nos braços de suas amas, a chorar com sua nova partida.
- Parece que ele quer esperar um pouco mais.
- Esperar? O quê? Que todos morram de fome e ele entre numa cidade coberta de cadáveres? – protestou em voz alta, logo percebendo a surpresa de Sophie diante do seu desabafo. – Desculpe, Sophie... Obrigada pelas informações. Pode se retirar agora.
Mal Sophie fizera uma reverência e saíra, quando Eduardo cruzou a porta sem pedir licença. Estava agitado e seu olhar demonstrava que mais uma vez a necessitava. Por um lado sentia-se feliz com o desejo do marido, por outro, gostaria de ele se abrisse mais com ela a respeito da situação em que se encontravam. Não gostava de utilizar-se de meios não convencionais para saber dos planos reais.
- Como foi a reunião? – perguntou da forma mais casual que conseguiu.
- Não quero cansá-la com discussões de estratégia...
- Eduardo, quanto tempo mais ficaremos aqui? – perguntou em tom de súplica.
- Não se preocupe... – Os olhos penetrantes, a voz grave sussurrada e o calor que emanava de seu corpo de guerreiro começavam a lançar seus efeitos sobre ela. – Prometo que, antes que o Verão acabe, encerrarei essa campanha... -
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, foi envolvida nos braços de seu homem, perdendo-se em seus beijos e afagos. Seus olhos se fecharam e uma languidez deliciosa possuiu seus sentidos. Estava mais uma vez a caminho do céu.
- E então, Sophie? Que novidades me trazes? Pelo seu rosto, parece que encontrou outros interesses pelo caminho.
- Ah, minha senhora... – lamentou-se entre um suspiro e outro, colocando a mão sobre o peito. – Fui pega a bisbilhotar por Sir Edmond... Mas consegui me safar... – disse com as faces a corar.
- Conseguiu? – perguntou Filipa em alegre ironia, observando as feições afogueadas e a respiração entrecortada da moça.
- Sim, senhora. – respondeu um pouco mais refeita.
- Então... – Deixaria para ouvir a história da jovem e de Sir Edmond em outra hora. – Soube o motivo da reunião?
- Parece que Calais logo vai cair aos pés de nosso rei.
- Como assim?
- Eles interceptaram uma carta dos franceses para o Rei Felipe. Parece que a situação lá dentro está cada vez pior.
- E? O que o rei falou?
Não conseguia esconder a ansiedade. Estavam longe de seu reino há quase um ano. Apesar de ter sido sua escolha acompanhar Eduardo naquela campanha, tinha saudades de seu lar e de seus filhos, a quem tinha visitado não mais que quatro vezes naquele período. Sua última viagem tinha sido algumas semanas antes quando acompanhara Isabela em sua volta a Inglaterra. A filha finalmente superara a rejeição do Conde de Flanders. Deixou-a em casa com o coração leve e de volta a suas fantasias pueris. Ao contrário dela, Filipa ainda sentia uma pontada no peito ao lembrar os pequenos que deixara, principalmente Mary, com três anos, e Margareth, de pouco mais de um ano, nos braços de suas amas, a chorar com sua nova partida.
- Parece que ele quer esperar um pouco mais.
- Esperar? O quê? Que todos morram de fome e ele entre numa cidade coberta de cadáveres? – protestou em voz alta, logo percebendo a surpresa de Sophie diante do seu desabafo. – Desculpe, Sophie... Obrigada pelas informações. Pode se retirar agora.
Mal Sophie fizera uma reverência e saíra, quando Eduardo cruzou a porta sem pedir licença. Estava agitado e seu olhar demonstrava que mais uma vez a necessitava. Por um lado sentia-se feliz com o desejo do marido, por outro, gostaria de ele se abrisse mais com ela a respeito da situação em que se encontravam. Não gostava de utilizar-se de meios não convencionais para saber dos planos reais.
- Como foi a reunião? – perguntou da forma mais casual que conseguiu.
- Não quero cansá-la com discussões de estratégia...
- Eduardo, quanto tempo mais ficaremos aqui? – perguntou em tom de súplica.
- Não se preocupe... – Os olhos penetrantes, a voz grave sussurrada e o calor que emanava de seu corpo de guerreiro começavam a lançar seus efeitos sobre ela. – Prometo que, antes que o Verão acabe, encerrarei essa campanha... -
Antes que pudesse dizer qualquer coisa, foi envolvida nos braços de seu homem, perdendo-se em seus beijos e afagos. Seus olhos se fecharam e uma languidez deliciosa possuiu seus sentidos. Estava mais uma vez a caminho do céu.
(continua...)
Oi!
Se ainda houver alguém que não desistiu de vir ao blog para ler essa continuação, depois de mais de um mês de ausência, é para você que estou escrevendo essas palavras. Muito obrigada por não desistir de mim... E, por falar nisso, quero agradecer, como em todas as postagens, aos comentários das minhas amigas maravilhosas e muito queridas Léa, Ly, Nadja e Vanessa, bem como a presença e as palavras carinhosas do meu querido Junior Menezes. Graças a vocês continuo aqui, persistindo nesse sonho, a contar minhas histórias e invencionices.
Muitos beijos, meus amores, e até a próxima postagem com a Filipa chegando finalmente a Paris!